Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1178/16.7T8CLD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: ALTERAÇÃO DO REQUERIMENTO PROBATÓRIO
DISPENSA DE AUDIÊNCIA PRÉVIA
Data do Acordão: 01/15/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE CALDAS DA RAINHA – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 552º, Nº 2 ( 2ª PARTE ) E 598º, Nº 1 DO NCPC.
Sumário: No caso de dispensa da audiência prévia (art.598º, nº1 do CPC) é também admissível a alteração do requerimento probatório apresentado inicialmente pelas partes.
Decisão Texto Integral:







Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO

            1.1.O Autor – J... – instaurou (30/6/2016) na Comarca de Leiria acção de divórcio sem consentimento contra a Ré – A...

            Alegou, em resumo, que tendo contraído casamento em 27 de Outubro de 1979, desde meados de Julho de 2009 que vivem separados de facto, sem qualquer tipo de relacionamento, pediu que se decrete o divórcio, dissolvendo-se o casamento.

            A Ré contestou dizendo inexistir fundamento para o divórcio.

            1.2.- Por despacho de 27/9/2017 decidiu-se dispensar a audiência prévia, procedeu-se ao saneador, fixou-se o objecto do litígio, admitiu-se o rol de testemunhas apresentado pela Ré e a prova documental junta pelo Autor, decidindo-se:

“ Notifique este despacho aos ils patronos, também nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 598.1 e 593.3 do Código de Processo Civil”.

            1.3. O Autor, em 2/10/2017, juntou o requerimento com a indicação de prova testemunhal.

            1.4.A Ré requereu o indeferimento, por o Autor não haver indicado qualquer prova testemunhal na petição inicial.

            1.5.Por despacho de 28/10/2017 decidiu-se:

“Por despacho saneador que dispensou a audiência prévia foi decidido notificar as partes nos termos e para os efeitos dos arts. 598.1 e 593.3 CPC. Perante a indicação de requerimento probatório pelo A. a fls. 34 veio a R. alegar a fls. 36v a inadmissibilidade legal de tal requerimento enquanto e porquanto ulterior à PI.. Cumpre decidir. A única interpretação lógica (e teleológica) da dispensa de audiência prévia e dos artigos acima mencionados é que seja permitido às partes indicar prova da mesma forma que lhes seria permitido no âmbito da audiência prévia, revelando-se assim qualquer outra interpretação como anacrónica em relação ao CPC de 2003. Pelo exposto indefere-se o requerido pela R. Notifique e aguarde-se a data já agendada para audiência.”.

            1.6.A Ré requereu esclarecimento sobre o despacho de 28/10/2017

            1.7.Por despacho de 7/11/2017 decidiu-se:

 “Fls. 39v: O Il. Mandatário da R. veio solicitar esclarecimento sobre o teor do despacho de fls. 38 que especificamente manifestou a sua posição exposta a fls. 36v sobre o requerimento de prova do A. de fls. 34 e datado de 3Out2017 o qual, por sua vez é junto aos autos na sequência do despacho de fls. 28 e 29 in fine (al. f)), datado este último de 27Set2017.

Tendo em conta o supra referido, o despacho cujo esclarecimento a R. requer em 3Nov2017 é sobre o teor (e alcance) da al. e) do despacho de 27Set2017 e não sobre a falta de despacho de admissão do requerimento probatório apresentado pelo A. a fls. 29 o qual não se mostra proferido, como aliás resulta da simples consulta dos autos.

Do teor da al. e) do despacho de fls. 28 e 29, isolado ou em conjunto com o teor do despacho de fls. 38, não pode resultar diversa interpretação senão da necessária admissibilidade do requerimento probatório do A. pelo argumento que já consta do último deles: não pode a dispensa de audiência prévia resultar na preclusão da prática de um ato pelas partes, o que não ocorreria caso aquela audiência houvesse tido lugar. Assim nada há a aclarar quanto ao despacho conforme se requer. 

Ao invés o que há é que admitir o requerimento probatório de forma expressa - o que não se verificou até à data - sob pena de sob a capa de um despacho que ordena a notificação das partes para juntarem prova se poder erroneamente entender que se esconde, inadvertida e enviesadamente, a admissão daquela por forma tácita.  Assim, e em conformidade, admite-se a prova testemunhal indicada pelo A. a fls. 34.”

            1.8.A Ré, inconformada, recorreu de apelação com as seguintes conclusões:

1)Vem o presente recurso de apelação interposto do douto despacho de 7/11/2017, referência ..., que admitiu o rol de testemunhas apresentado pelo autor/recorrente ou, se se entender que tal despacho não é recorrível, do douto despacho de 28/10/2017, referência ..., que indeferiu o pedido de indeferimento desse rol de testemunhas que havia sido formulado pela ré/recorrente, ou, caso se entenda que tais despachos, pese embora tenham decidido a mesma questão substancial, são autonomizáveis, de ambos.

2) O autor/recorrido não apresentou qualquer requerimento probatório, não tendo, designadamente, indicado testemunhas, nem na petição inicial, nem em articulado posterior, pelo que, atento o disposto nas normas conjugadas dos arts. 552º, nº 2, 598º, nºs. 1 e 2, e 593º, nº 3, do CPC, o rol de testemunhas por ele apresentado após a notificação do despacho saneador é extemporâneo, não devendo ser admitido.

3)Não sendo legítima a conclusão de que a determinação, no douto despacho saneador, da notificação das partes «nos termos e para os efeitos do artigo 598.1 e 593.3, do Código de Processo Civil» (SIC) importa a admissibilidade do referido rol de testemunhas.

            4) Com efeito, ao serem notificadas nos termos e para os efeitos dos arts. 598º, nº 1, e 593º, nº 3, do CPC, as partes apenas ficam a saber o que dessas normas consta, ou seja, resumidamente, que «[o] requerimento probatório apresentado pode ser alterado na audiência prévia quando a esta haja lugar nos termos do disposto no artigo 591.º ou nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 593.º» (isto é, se tal audiência for requerida ao abrigo deste último preceito).

5) Um «declaratário normal» não extrai da determinação dessa notificação a conclusão de que a parte que não apresentou qualquer requerimento probatório possa «alterá-lo», não concluindo que resulte da mesma a admissibilidade da prática de um ato que não é autorizado, ou melhor, que é, a contrario, proibido pelas precisas normas para cujos termos e efeitos foi determinada essa notificação.

            6) Por excesso de cautela, sempre se aduz que, a não se entender assim, o autor/recorrido teria de requerer a realização de audiência prévia nos termos do o art. 593º, nº 3, do CPC, para aí apresentar o rol de testemunhas, pelo que em caso algum podia ter apresentado esse requerimento probatório nos termos em que o faz.

7)  Assim, por violação das normas conjugadas dos arts. 552º, nº 2, 598º, nºs. 1 e 2, e 593º, nº 3, do CPC, deve ser revogado o douto despacho de 7/11/2017, referência 86646266, que admitiu o rol de testemunhas apresentado pelo autor/recorrente ou, se se entender que tal despacho não é recorrível, deve ser revogado o douto despacho de 28/10/2017, referência 86402288, que indeferiu o pedido de indeferimento desse rol de testemunhas que havia sido formulado pela ré/recorrente, ou, caso se entenda que tais despachos, pese embora tenham decidido a mesma questão substancial, são autonomizáveis, devem ser revogados ambos.

            1.9.Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença a julgar a acção procedente e decretar o divórcio entre Autor e Ré.

            1.10.A Ré recorreu de apelação com as seguintes conclusões:

...

II - FUNDAMENTAÇÃO

            2.1. O objecto dos recursos

            A (in)admissibilidade da alteração do requerimento probatório (indicação do rol de testemunhas feita pelo Autor);

            A repercussão na sentença de divórcio.

            2.2. – O mérito dos recursos

            Problematiza-se em ambos os recursos a questão da admissibilidade da prova testemunhal indicada pelo Autor, o que implica saber se tendo havido dispensa da audiência prévia pode a parte alterar o requerimento probatório.

            Estamos perante acção de divórcio, a que corresponde a forma de processo especial (arts.931 e segs), dispondo a lei (art. 552 nº2 CPC) que os meios de prova devem ser indicados pelo autor na petição inicial (“No final da petição, o autor deve apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios probatórios (…)”). O mesmo sucede em relativamente ao réu na contestação (art.572 d) CPC).

            A lei prevê expressamente que a alteração do requerimento probatório pode ser feita pelo autor na réplica, caso haja lugar, ou no prazo de 10 dias a contar da notificação da contestação (art.552  nº2 ( 2ª parte ) CPC) e na audiência prévia quando tenha lugar (art.598 nº1 CPC).

            Mas no caso de dispensa da audiência prévia (art.598 nº1 CPC) a lei não prevê expressamente a alteração do requerimento probatório apresentado inicialmente pelas partes.

            Contudo, mesmo nestes casos, é admissível a alteração com base nos seguintes argumentos:

            A razão de ser da alteração do requerimento probatório pelas partes na audiência prévia é justificada sobretudo pelo facto de nela se proferir a identificação do objecto do litígio e a enunciação dos temas da prova (art.591 nº1 f), 596 nº1  CPC);

            Nos casos de dispensa da audiência prévia, também se impõe o despacho sobre idêntica matéria, ou seja, identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova (art.593 nº1 c), 596 nº1 CPC);

            Ora, sendo a razão de ser a mesma, porque não há diferença entre a enunciação dos temas de prova na audiência prévia ou fora dela, parece justificar-se, neste caso, por identidade de razão ou por analogia, a admissibilidade legal da alteração do requerimento probatório;

            Além disso, o direito à prova é uma concretização do direito fundamental de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva (art.20 CRP) pelo que na dúvida deve fazer-se uma interpretação conforme a Constituição e acolher  um sentido interpretativo menos restritivo dos direitos dos sujeitos processuais e em favor do” princípio pro actione”, e, portanto, admissibilidade da alteração mesmo na dispensa de audiência prévia é reclamada por exigência teleológica da norma, pois como se afirma pertinentemente no despacho recorrido, “não pode a dispensa da audiência prévia resultar na preclusão da prática de uma cto pelas partes, o que não ocorreria caso aquela audiência houvesse tido lugar”.

            De contrário, para além de se postergar a finalidade precípua e a justificação teleológica, a prática do acto (alteração do requerimento probatório) ficaria dependente de um acto judicial (dispensa) com que a parte nem sequer podia contar previamente, obrigando-a porventura a requerer artificiosamente uma audiência prévia potestativa (art.593 nº3 CPC), para a coberto dela obter a alteração.

            Neste sentido:

            O Prof. Miguel Teixeira de Sousa em “Questões sobre matéria da prova no nC PC”, publicado em 1/3/2014 no blog do IPPC escreve:

 “ Os requerimentos probatórios apresentados pelas partes podem ser alterados na audiência prévia, quer quando esta se realize nos termos da lei, quer quando ela seja imposta potestativamente por qualquer das partes (art. 598.º, n.º 1, do nCPC). Estranhamente, a lei não prevê a hipótese de a audiência prévia não se realizar e de, ainda assim, alguma das partes pretender alterar o seu requerimento probatório em função dos temas de prova seleccionados pelo tribunal. O direito à prova das partes impõe, no entanto, essa possibilidade, que deve ser exercida através de um requerimento dirigido ao tribunal. Por analogia com o disposto no art. 598.º, n.º 2, nCPC, o requerimento pode ser entregue até vinte dias antes da data prevista para a realização da audiência final.”

Para o Prof. Lebre de Freitas (A acção declarativa comum, 4.ª edição, 2017, p.206) a parte pode alterar o requerimento probatório no prazo geral de 10 dias contados do despacho em que lhe é dado conhecimento da fixação dos temas de prova com dispensa da audiência prévia, pois “não se justificaria que que o direito das partes à alteração do requerimento probatório precludisse com a dispensa da audiência prévia”, até porque “Normas como as que fazem coincidir a preclusão com a prática dum acto ou com o termo, ou certo momento, duma diligência determinada (exs.: art. 3-4; art. 198-1; art. 199-1, l.ª parte; art. 200-2; art. 358-1; arts. 588-3, 611-1 e 729-g; art. 423-2) revestem carácter específico. Na falta duma norma dessas, nenhuma norma processual geral impõe a preclusão. No caso considerado, ela traduzir-se-ia numa desigualdade entre a parte que é convocada para a audiência prévia e a que não é, tido em conta que a pretensão de alteração do requerimento de prova não pode fundar reclamação que leve à realização da audiência dispensada. A faculdade de alteração dos requerimentos probatórios é concedida nesta fase por só nela o juiz enunciar os temas da prova e a enunciação deles fora da audiência prévia equivaler à sua enunciação dentro dela”.

Por conseguinte, sendo legalmente admissível a alteração do requerimento probatório mesmo havendo dispensa de audiência prévia, tal significa na situação dos autos que o Autor estava legitimado a fazê-lo, logo os despachos recorridos estão conformes ao direito.

Por outro lado, verifica-se que as partes foram expressamente notificadas do despacho de 27/9/2017 para os efeitos do disposto no art.598 nº1 CPC, ou seja, para querendo alterarem o requerimento probatório, e esse despacho transitou em julgado (art.620 CPC), pelo que também pelo  caso julgado formal o Autor estava legitimado a alterar o requerimento probatório.

Note-se que na petição inicial o Autor juntou prova documental e a alteração do requerimento probatório pode abranger qualquer outro meio de prova.

Improcede apelação sobre os despachos de 28/10/2017 e de 7/11/2017, que se confirmam.

A Apelação da sentença:

            A sentença, com base na prova produzida, designadamente da prova testemunhal apresentada pelo Autor, julgou provado que:

            1. O autor e a ré contraíram casamento católico sem convenção antenupcial em 27Out1979 na Igreja Paroquial de ...

2. Em data não concretamente apurada no decurso do ano de 2009 o A. saiu da casa que habitava com a R., sita na Rua ...

3. O A. passou a residir no lugar do ..., onde permanece até hoje, aí trabalhando e aí estando radicado.

            4. O A. e a R. então separados desde o momento definido em 2. supra, não havendo desde então qualquer comunhão de vida entre ambos nem o propósito de a restabelecer pelo menos por parte do autor, tendo este o irremissível propósito de se divorciar da ré.

            E com base neles decretou o divórcio com fundamento na separação de facto (arts.1781 a) e 1782 nº1 CC).

            A impugnação da sentença tinha como pressuposto a revogação prévia do despacho de admissibilidade da alteração do requerimento probatório, o que não logrou obter, ficando manifestamente comprometido o recurso da sentença, que, por isso, se confirma.

            2.3.- Síntese conclusiva

No caso de dispensa da audiência prévia (art.598 nº1 CPC) é também admissível a alteração do requerimento probatório apresentado inicialmente pelas partes.

III – DECISÃO

            Pelo exposto, decidem:

1)

            Julgar improcedentes as apelações e confirmar os despachos e a sentença recorrida.

2)

            Condenar a Apelante nas custas.

            Coimbra, 15 de Janeiro de 2019.

( Jorge Arcanjo)

( Teresa Albuquerque )

( Manuel Capelo )