Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1752/12.0TBVNO-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: HENRIQUE ANTUNES
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
NOMEAÇÃO
CABEÇA DE CASAL
IMPUGNAÇÃO
Data do Acordão: 12/03/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE OURÉM – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 158º, 668º, Nº 1, AL. D), 1338º, Nº 1 E 1339º, Nº 1 DO CPC DE 1961; 2080º DO C.CIVIL.
Sumário: I – A nulidade da decisão judicial por falta de fundamentação – que decorre de um error in procedendo e não de um error in iudicando – só se verifica no caso de falta absoluta ou total dessa motivação.

II - A nulidade da decisão judicial por omissão de pronúncia só ocorre quando o juiz deixa por resolver questão concreta controversa que as partes submeteram à sua apreciação.

III - O fundamento da impugnação da competência do cabeça-de-casal, que dá lugar a um incidente específico do processo de inventário, consiste na preterição da preferência definida na escala disposta na lei substantiva para o deferimento do cargo.

IV - O despacho que, na fase liminar do inventário, nomeia o cabeça-de-casal não produz uma composição definitiva da questão relativa à competência do cabeça-de-casal nomeado, dado que ao juiz é lícito, se verificar pelas declarações da pessoa designada, que o encargo compete a outrem, deferi-lo a quem competir, e a qualquer dos interessados directos na partilha é facultada a impugnação daquela competência.

V - O documento autêntico apenas faz prova plena de que os intervenientes produziram uma declaração, mas não de que essa declaração é verdadeira.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

1. Relatório.
M… requereu ao Sr. Juiz de Direito do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Ourém, que se procedesse a inventário para partilha da herança aberta por óbito de D… e se designasse cabeça-de-casal.
Fundamentou esta pretensão no facto de D…, com última residência em …, ter falecido, no estado de divorciada, no dia 22 de Julho de 2012, deixando como herdeiros os filhos, M…, residente na Rua …, A…, F…, J…, T… e S…, de não lhe convir manter a indivisão dos bens deixados por aquela, tendo celebrado, no dia 1 de Agosto de 2012, na qualidade de filha mais velha, escritura de habilitação de herdeiros, com vista a legitimar-se para arrecadar e administrar a herança, desconhecendo a existência de qualquer disposição testamentária deixada pela falecida, de que só tomou conhecimento, quando o interessado A… lhe remeteu cópia da escritura de rectificação de herdeiros, contendo em anexo cópia de um testamento, de existir conflito dos herdeiros quanto à administração da herança, e, da sua parte, receio de extravio dos bens que a integram, podendo o cargo de cabeça-de-casal, sem prejuízo do disposto no artº 1339/1 ser deferido ao interessado A...
                Por despacho de 18 de Dezembro de 2012, a Sra. Juiz de Direito nomeou, como cabeça-de-casal, a requerente do inventário, que, no dia 17 de Janeiro de 2013, declarou, em auto, na presença do seu Exmo. Mandatário, que a inventariada, que residia em …, faleceu, no estado de divorciada, no dia 22 de Junho de 2012, deixou testamento e como herdeiros os filhos, ...
O interessado A… impugnou a competência do cabeça-de-casal e requereu a sua nomeação, em substituição da requerente, para esse cargo.
Alegou, como fundamento da impugnação, que esse cargo deve ser desempenhado por si, dado que residia com a inventaria há mais de um ano.
Oferecida, pela cabeça-de-casal, a resposta, a Sra. Juiz de Direito, por despacho de 18 de Abril de 2013, epigrafado de “remoção do cabeça-de-casal”, depois de observar que do requerimento apresentado como resposta ao pedido de remoção não era compreensível se aceitava a matéria alegada pelo requerente da remoção ou se a impugnava, nem tão pouco, se aceitava ser substituída, ordenou a notificação dela para, em 10 dias, esclarecer as questões apontadas.
A cabeça-de-casal declarou, então, que mantinha o requerimento anterior, que é verdade que a inventariada residia há mais de um ano com o interessado A…, com a ressalva de que este mantinha a sua mãe numa situação que impossibilitava a cabeça-de-casal como outras pessoas de os visitarem ou mesmo com ela falarem, e que não aceita ser substituída.
Por despacho de 1 de Julho de 2013, a Sra. Juíza de Direito, depois de ponderar que a cabeça-de-casal reconheceu corresponder à verdade que a falecida vivia há mais de um ano, à data da morte, com o interessado, que estava assente que todos os herdeiros indicados têm o mesmo grau de parentesco com a inventaria e que A… vivia com esta há mais de um ano à data da morte, que o cargo de cabeça de casal deveria ser deferido a esse A…, deferiu o requerido e nomeou-o para o exercer as funções de cabeça-de-casal.
É esta decisão que a interessada M… impugna através do recurso ordinário de apelação, no qual pede a sua revogação e substituição por outra que a mantenha no cargo de cabeça-de-casal ou, se assim, se não entender que ordene a produção de prova no incidente.
A recorrente rematou a sua alegação com estas conclusões:

Na resposta, o interessado A… concluiu, naturalmente, pela improcedência do recurso.
2. Factos relevantes para o conhecimento do objecto do recurso.

3. Fundamentos.
3.1. Delimitação objectiva do âmbito do recurso[1].
Dentro do objecto do processo e com observância dos casos julgados formados na acção, o âmbito do recurso delimita-se objectivamente pela parte dispositiva da decisão que for desfavorável ao recorrente, âmbito que pode ainda ser restringido pelo próprio recorrente, no requerimento de interposição do recurso ou nas conclusões da alegação (artºs 684 nº 2, 1ª parte, e nº 3 do CPC).
                Nestas condições, tendo em conta o conteúdo da decisão impugnada e da alegação das partes, as questões concretas controversas que esta Relação deve resolver são as de saber se aquela decisão se encontra ferida com o vício na nulidade substancial e, em qualquer, caso se deve ser revogada e substituída por outra que reinvista a apelante no cabeçalato, ou menos, que ordene a produção das provas propostas pelas partes.
                Um dos fundamentos do recurso consiste na contradição entre a decisão que designou a recorrente como cabeça-de-casal e a decisão impugnada - que a substituiu, nesse cargo, pelo interessado A… – pelo que esta última decisão ofendeu o artº 675 do CPC. Este fundamento da impugnação, devidamente interpretado, resolve-se na alegação da violação, pela decisão recorrida, do caso julgado formado sobre a decisão que investiu a recorrente no cabeçalato.
                A resolução dos problemas apontados vincula, portanto, ao exame da causa de nulidade da decisão judicial representada pela falta de fundamentação e de pronúncia, das regras de nomeação e de substituição do cabeça-de-casal e da eficácia da composição do inventário, no tocante ao cabeçalato, do despacho que designa o cabeça-de-casal.
                3.2. Nulidade da decisão por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia.
                A falta de motivação ou fundamentação da decisão judicial verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. A nulidade decorre, portanto, da violação do dever de motivação ou fundamentação de decisões judiciais (artº 208 nº 1 da Constituição da República Portuguesa e 158 nº 1 do CPC de 1961 e 154 nº 1 do NCPC).
Isto é assim dado que uma das funções essenciais de toda e qualquer decisão judicial é convencer os interessados do bom fundamento da decisão. A exigência de motivação da decisão destina-se a permitir que o juiz ou juízes convençam os terceiros da correcção da sua decisão. Através da fundamentação, o juiz ou juízes devem passar de convencidos a convincentes.
Compreende-se facilmente este dever de fundamentação, pois que os fundamentos da decisão constituem um momento essencial não só para a sua interpretação – mas também para o seu controlo pelas partes da acção e pelos tribunais de recurso[2].
A motivação constitui, pois, a um tempo, um instrumento de ponderação e legitimação da decisão judicial e, nos casos em que seja admissível – como sucede na espécie sujeita - de garantia do direito ao recurso.
Portanto, o dever funcional de fundamentação não está orientado apenas para a garantia do controlo interno - partes e instâncias de recurso - do modo como o juiz exerceu os seus poderes. O cumprimento daquele dever é condição mesma de legitimação da decisão.
Na motivação da decisão o juiz deve desenvolver uma argumentação justificativa da qual devem resultar as boas razões que fazem aceitar razoavelmente a decisão, numa base objectiva, não só para as partes, mas também – num plano mais geral – para toda a comunidade jurídica. Na motivação, o juiz deve demonstrar a consistência dos vários aspectos da decisão, que vão desde a determinação da verdade dos factos na base das provas, até à correcta interpretação e aplicação da norma que se assume como critério do juízo. Da motivação deve resultar particularmente que a decisão foi tomada, em todos os seus aspectos, de facto e de direito, de maneira racional, seguindo critérios objectivos e controláveis de valoração, e, portanto, de forma imparcial[3]. Dito doutro modo: a decisão não deve ser só justa, legal e razoável em si mesma: o juiz está obrigado a demonstrar que o seu raciocínio é justo e legal, e isto só pode fazer-se emitindo opiniões racionais que revelem as premissas e inferências que podem ser aduzidas como bons e aceitáveis fundamentos da decisão[4].
A fundamentação da decisão é, pois, essencial para o controlo da sua racionalidade. Pode mesmo dizer-se que esta racionalidade é uma função daquela fundamentação. E como a racionalidade da decisão só pode ser aferida pela sua fundamentação, esta fundamentação é constitutiva dessa mesma racionalidade.
Numa palavra: a exigência de fundamentação decorre da necessidade de controlar a coerência interna e a correcção externa da decisão.
No entanto, quanto a este ponto, há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação – da motivação deficiente, medíocre ou errada. O dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (artº 158 nº 1 do CPC de 1961 e 154 nº 1 do NCPC)[5].
Tem-se, porém, entendido que o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação[6]; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente: afecta o valor doutrinal e persuasivo da decisão – mas não produz nulidade[7]. Portanto, só a ausência total de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão: se a decisão invocar algum fundamento de facto ou de direito – ainda que exasperadamente errado - está afastada a nulidade, no tocante à justificação fáctica e jurídica da decisão. Assim, pelo que respeita aos fundamentos de direito, não é forçoso que o juiz cite os textos da lei que abonam o seu julgado: basta que aponte a doutrina legal ou os princípios jurídicos em que se baseou.
Depois, o tribunal não está vinculado a analisar e a apreciar todos os argumentos, todos os raciocínios, todas as considerações, todas as razões jurídicas produzidas pelas partes, desde que não deixe de apreciar os problemas fundamentais e necessários à decisão da causa[8].
A lei adjectiva vigente ao tempo do proferimento da decisão impugnada vinculava o juiz a proceder, na decisão, ao exame crítico das provas de que lhe fosse lícito conhecer (artº 653 nº 3, in fine, do CPC). Não era, porém, inteiramente líquido de provas é que, nesse momento, a decisão devia conhecer. Segundo o melhor entendimento do problema, essas provas eram só duas, que aliás, só em sentido lato, se podiam considerar provas ou meios de prova: o chamado ónus da prova; as presunções[9].
A prova produzida podia não ter permitido a resolução de um qualquer questão de facto. No caso de dúvida insanável ou irredutível, a lei manda aplicar o sistema do ónus da prova (artºs 516 do CPC e 346, 2ª parte, do Código Civil). A aplicação das regras desse ónus, é uma das formas de fixação dos factos de que ao juiz, competia, no momento do proferimento da decisão, conhecer.
Se dos factos adquiridos para o processo constarem factos – indiciários – de que se possam concluir outros por presunção – de facto ou de direito – é lícito ao juiz tirar, na decisão, essa conclusão. Portanto, o juiz deve utilizar como fundamentos de facto os factos que resultem do exame crítico das provas, i.e., aqueles que podem ser inferidos, por presunção judicial ou legal, dos factos provados (artºs 349 a 351 do Código Civil).
A bem pouco se resumia, pois, o exame crítico das provas a que, na decisão, o juiz devia proceder.
O tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas, claro, aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras[10]. O tribunal deve, por isso, examinar toda a matéria de facto alegada e todos os pedidos formulados pelas partes, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tenha tornado inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta dada a outras questões. Por isso é nula, a decisão que deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, ou seja, quando se verifique uma omissão de pronúncia (artº 668 nº 1 d), 1ª parte, do CPC de 1961 e 615 nº 1 d), 1ª parte, do NCPC).
3.3. Nomeação e impugnação da competência do cabeça-de-casal.
Aspecto de primordial importância no contexto do fenómeno sucessório e da função de importância capital, embora de carácter bastante transitório, da administração geral da herança, é o da identificação da pessoa ou entidade a quem compete essa administração. Essa pessoa ou entidade é o cabeça-de-casal, figura jurídica da maior importância no desenrolar da sucessão, e à qual cabem, aliás, não apenas funções de gestão económica dos bens que integram a massa hereditária – mas também tarefas processuais determinadas no processo de inventário, como as de inventariante.
Realmente é ao cabeça-de-casal que pertence a administração da herança até à sua liquidação e partilha e que incumbe fornecer todos os elementos necessários para o prosseguimento do inventário (artºs 2079 do Código Civil e 1138 nº 2 e 1340 nºs 1 a 3 do CPC de 1961).
A designação do cabeça-de-casal está sujeita a uma ordem ou escala de preferências. O cabeçalato defere-se, por esta ordem: ao cônjuge sobrevivo, não separado judicialmente de pessoas e bens, se for herdeiro ou meeiro; ao testamenteiro, salvo declaração contrária do testador; aos parentes que sejam herdeiros legais; aos herdeiros testamentários (artº 2080 nºs 1 e 2 a) a c) do Código Civil). De entre os parentes que sejam herdeiros legais, preferem os mais próximos em grau, e em caso de igualdade de grau, os que viviam com falecido há pelo menos um ano à data da morte (artº 2080 nºs 2 e 3 do Código Civil).
Na escolha do cabeça-de-casal, através desta escala de preferências, a lei como que procura a pessoa presuntivamente mais interessada na gestão diligente dos bens que integram a herança ou a comunhão de bens da qual se individualizará a herança do de cuius: a lei presume que a pessoa melhor colocada na escala de preferências é, em princípio, a que melhores garantias oferece de zelosa, esforçada ou criteriosa gestão do património hereditário e, em caso de partilha judicial, de cumprimento pontual dos deveres processuais a que lei vincula o cabeça-de-casal.
No contexto do processo de inventário, a indicação da pessoa que deve ser investida no cabeçalato, incumbe ao requerente, mas a designação do cabeça-de-casal compete ao juiz, que, para o efeito, pode colher as informações necessárias (artºs 1338 nº 1 e 1339 nº 1 do CPC de 1961). A designação não é, nesse momento, o resultado da ponderação e da aplicação das regras de preferência contidas na lei substantiva, pela razão decisiva de que, na fase liminar do inventário, o processo não disponibiliza, em regra, ao juiz os elementos que permitam aquela ponderação e esta aplicação.
Em qualquer caso, o juiz não está vinculado à indicação do requerente do inventário, dado que se verificar, pelas declarações da pessoa designada, que o cargo de cabeça-de-casal compete a pessoa diversa, deferi-lo-á a quem couber (artº 1339 nº 1, in fine, do CPC Civil).
Todavia, bem sabendo a lei que a gestão de um património ou o promoção do processo de inventário nada lucram se forem forçadamente exercidas, como uma espécie de múnus ou de dever de ofício a que o administrador se não pode furtar, não só permite o afastamento coercivo daqueles que revelem não possuir a idoneidade técnica ou a integridade de carácter exigíveis para o bom desempenho da função, como facilita a escusa do cargo a quem de facto, se não encontre, segundo os critérios legais, em boas condições para o exercer. A resposta para o primeiro problema é dado pelo instituto da remoção do cabeça-de-casal e, para o segundo, pelo da escusa (artºs 2086 e 2085 do Código Civil).
No entanto, uma coisa é a remoção do cabeça-de-casal – assente genericamente na falta de qualidades necessárias, da pessoa investida nesse cargo, para o preenchimento da função que lhe foi confiada – outra bem diversa é a impugnação da competência do cabeça-de-casal, que a lei faculta a qualquer interessado directo na partilha e, quando tenha sido citado, também ao Ministério Público (artº 1343 nº 1 do CPC de 1961).
Tanto a escusa, a remoção como a impugnação da competência do cabeça-de-casal, além de obedecerem a uma finalidade ou preocupação comum – a de que, em cada, momento, esteja provido no cargo de cabeça-de-casal, a pessoa dotada das qualidades exigidas para o exercício das funções correspondentes - produzem, caso procedam, um mesmo efeito – a substituição do cabeça-de-casal.
O que é diferente – profundamente diferente – é o fundamento. Na hipótese de remoção, o fundamento consiste no facto de a pessoa designada para o cabeçalato não prestar, comprovadamente, para o desempenho do cargo, ao passo que no caso de impugnação da competência do cabeça-de-casal, o fundamento é a preterição da preferência definida na escala disposta na lei substantiva para o deferimento do cargo[11]. Em face deste regime, a alegação da recorrente de que só podia ser substituída no cargo de cabeça-de-casal através do incidente de remoção é, portanto, nitidamente desacertada.
O interessado que impugna a competência do cabeça-de-casal não alega – ou não deve alegar – que a pessoa investida no cargo não possui as qualidades necessárias para o exercício das funções inerentes ao cabeçalato, mas antes que, por força das regras de preferência dispostas na lei substantiva, o desempenho do cargo compete a pessoa diversa.
Note-se que a lei não exige que o impugnante alegue a superveniência objectiva ou puramente subjectiva do facto ou que serve de fundamento impugnação, ou da respectiva prova, e, portanto, a contestação bem pode basear-se em facto já verificado ao tempo da designação do cabeça-de-casal cuja competência é impugnada, mas que, por desatenção do juiz ou por qualquer outra causa, não tenha sido levada em consideração no despacho de nomeação.
No plano adjectivo, a remoção e a impugnação da competência do cabeça-de-casal, partilham uma mesma natureza: são ambos incidentes do inventário (artºs 1339 nº 3 e 1344 nºs 1 e 2 do CPC de 1961).
Maneira que, deduzida a impugnação da competência do cabeça-de-casal, este é notificado para responder; as provas são propostas com o requerimento e com a resposta e, produzidas as julgadas necessárias, a questão é decidida (artº 1344 nº 1 do CPC de 1961). E foi justamente no âmbito deste incidente – e não no incidente da remoção – que a requerente foi substituída, pelo interessado que impugnou a sua competência, no cabeçalato.
                3.4. O caso julgado formal.
O caso julgado consiste na insusceptibilidade de impugnação – por meio de reclamação ou através de recurso ordinário - de uma decisão, decorrente do seu trânsito em julgado (artº 677 do CPC de 1961).
O caso julgado traduz-se, por isso, na inadmissibilidade da substituição ou modificação da decisão – por qualquer tribunal, mesmo, portanto, por aquele que a proferiu – por força da insusceptibilidade da sua impugnação, por reclamação ou recurso ordinário.
Um distinguo fundamental neste domínio, e que assenta no âmbito da sua eficácia, é o que separa o caso julgado formal do caso julgado material: o caso julgado formal só tem um valor intraprocessual e, portanto, só é vinculativo no processo em que foi proferida a decisão que o adquiriu (artº 672 nº 1 do CPC de 1961 e 620 nº 1 do NCPC); já o caso julgado material, para além de valer no processo em que a decisão foi proferida, é susceptível de valer num outro processo (artº 671 nº 1 do CPC de 1961 e 619 nº 1 do NCPC).
Estas considerações deixam, aliás, antever os dois efeitos processuais característicos do caso julgado: um efeito negativo, que se resolve na insusceptibilidade de qualquer tribunal, incluindo aquele que proferiu a decisão, de se voltar a pronunciar sobre a decisão proferida; um efeito positivo, que se traduz na vinculação do tribunal que proferiu a decisão – e eventualmente, qualquer outro tribunal – ao que nessa mesma decisão se declarou ou definiu.
É claro que é sempre possível a violação destes efeitos e, portanto, a situação patológica da existência de casos julgados contraditórios – tanto no mesmo processo como em processos distintos. Para resolver o conflito, a lei socorre-se de um critério ou princípio de prioridade: vale a decisão contraditória sobre o mesmo objecto que tiver transitado em primeiro lugar (artº 675 nº 1 do CPC de 1961 e 625 nºs 1 e 2 do NCPC). Este critério de remoção da contradição de casos julgados vale, igualmente, para as decisões que, num mesmo processo, versem sobre a mesma questão concreta (artºs 675 nº 2 do CPC de 1961 e 625 nº 2 do NCPC). Assim, por exemplo, se tiver sido interposto recurso da segunda decisão, o recurso tem necessariamente de improceder, dada a vinculação – do tribunal e das partes – ao caso julgado da primeira decisão[12].
                Seja como for, isto mostra que a decisão que se pronuncie sobre uma questão sobre a qual se tenha formado caso julgado, não incorre no vício grave da nulidade, por excesso de pronúncia, antes determina a ineficácia formal da segunda decisão[13]. Realmente, ao considerar que, havendo duas decisões contraditórias sobre, por exemplo, a mesma questão concreta da relação processual, se cumprirá a que primeiramente tiver passado em julgado, mostra que a extinção do poder jurisdicional provocada pelo proferimento da decisão, não constitui causa de nulidade da segunda decisão sobre o mesmo objecto, antes origina, simplesmente, a ineficácia formal da última das decisões conflituantes.
Este viaticum habilita, com suficiência, à resolução da questão material colocada pela recorrente à atenção desta Relação.
                3.5. Concretização.
3.5.1. Nulidade da decisão impugnada.
A recorrente assaca à decisão à decisão o vício da nulidade. Valor negativo que, no seu ver, radica em duas causas: a falta de fundamentação; a omissão de pronúncia.
De harmonia com a alegação da recorrente, a decisão impugnada padeceria de erro de julgamento por não especificar os factos que julga provados e não provados nem analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz.
Abstraindo da nítida confusão entre o erro de julgamento – error in iudicando – e o erro de procedimento – error in procedendo – que é a espécie de erro em que se resolve a nulidade substancial da decisão, o facto discutido no âmbito do incidente e no qual assentava a impugnação da competência do cabeça-de-casal, deduzida pelo interessados A… era este: a sua vivência há mais de um ano, com a autora da herança.
E esse facto surge perfeitamente individualizado na decisão impugnada e constitui, aliás, a sua ratio decidendi. Decisão que também especifica, de forma clara e cristalina o argumento de prova ou a fonte da prova desse mesmo facto: o reconhecimento, pela apelante, da realidade ou veracidade desse mesmo facto.
Como, por força da fonte da prova – a confissão da apelante, como melhor adiante se detalhará – o facto se considera plenamente provado, não há qualquer espaço do juiz para analisar criticamente essa prova, não lhe sendo sequer lícito, no plano da decisão da matéria de facto, sob pena de inexistência, qualquer pronúncia sobre ele (artº 646 nº 4 do CPC de 1961). É bem de ver, portanto, que a decisão não omitiu o exame crítico das provas, dado que não teve necessidade de analisar o cumprimento do ónus da prova nem dos factos adquiridos para a causa incidental, que podia ou devia ter inferidos outros, por presunção judicial ou legal.
Sendo isto irrecusavelmente exacto então dar-se por certo que a decisão impugnada se encontra suficientemente motivada, dado que expõe os fundamentos de facto, i.e., os factos relevantes para a decisão que foram adquiridos durante a tramitação do incidente e mesmo a fonte da sua prova. Em face deste conteúdo da decisão impugnada, é evidente que não pode dizer-se que aquele acto decisório não tenha elucidado as partes a respeito dos motivos de facto da decisão, que não tenha tornado patentes os motivos determinantes da decisão, as razões em que, no plano de facto, apoia o seu veredicto. Nestas condições, é, de todo desrazoável dizer-se que a decisão recorrida considerada padece de falta de fundamentação.
A recorrente não tem, pois, a mínima razão para assacar à decisão impugnada o vício da nulidade por falta de fundamentação de facto.
O problema que a decisão impugnada tinha que resolver era o de saber se a impugnação da competência da recorrente para o cabeçalato deduzida pelo apelado deveria ou não proceder. A decisão recorrida depois de notar que era exacto o facto alegado como fundamento da impugnação julgou-a procedente e extraiu dessa procedência, esta consequência jurídica: a investidura do impugnante, em substituição da impugnada, naquele cargo.
Não pode, por isso, em boa verdade, dizer-se que a decisão recorrida não tenha resolvido a questão que as partes tinham submetido à sua apreciação. Decerto que sempre se pode discutir a bondade da decisão, a sua exactidão jurídica, mas o que não é lícito dizer-se é que a decisão impugnada não apreciou a questão suscitada, incidentalmente, pelas partes, no contexto do processo de inventário.
                A decisão recorrida não se encontra, pois, ferida com o valor negativo da nulidade substancial.
Por este lado, a impugnação é – de todo – improcedente.
3.5.2. Violação do caso julgado formal.
Na espécie do recurso, o apelado não requereu a remoção da recorrente do cabeçalato, antes se limitou a impugnar a sua competência, com o argumento de que a designação para o exercício daquele cargo deveria ter recaído, não na apelante, mas nele, dado que ao tempo da abertura da herança, residia, há mais de um ano, com a autora dela.
A referência, no despacho que convidou a apelante a esclarecer a alegação contida na sua resposta ao requerimento em que foi deduzida a impugnação da competência da recorrente, e na alegação desta, à remoção do cabeça-de-casal não, é, pois, exacta.
De outro aspecto, ao contrário do que parece inculcar a alegação da apelante, o requerimento da impugnação deu lugar ao respectivo incidente, no âmbito do qual a recorrente exerceu o seu inalienável direito de contraditório, na modalidade do direito de resposta.
E o contraditório desenvolvido pelas partes no contexto do incidente mostrou a exactidão do facto alegado como fundamento da impugnação: que o impugnante, à data do óbito da autora da herança vivia, há mais do ano, com a última.
Realmente, a recorrente – na sequência de despacho que a instou a esclarecer a sua resposta ao requerimento de impugnação da sua competência – foi terminante em declarar que o facto alegado pelo impugnante como fundamento dessa mesma impugnação – que à data da morte do de cuius, com ele vivia, há mais de um ano – era verdadeiro.
Como tal facto desfavorece a apelante e favorece a contraparte aquela declaração da apelante, de reconhecimento expresso da sua veracidade, constitui verdadeira confissão que, apesar de ter sido feita pelo seu Exmo. Mandatário no articulado de resposta ao requerimento em que se deduziu incidente, a vincula. E vincula-a dado que, apesar de não ter sido objecto de aceitação especificada pelo impugnante, não foi, em momento anterior ao do proferimento da decisão do incidente, rectificada nem retirada (artºs 352 do Código Civil, 38 e 567 nº 2 do CPC de 1961, 46 e 465 nº 2 do NCPC).
E devendo tal facto – único relevante para a decisão do incidente, segundo o único enquadramento jurídico possível do seu objecto – ter-se, por virtude da confissão judicial espontânea, plenamente provado, não era necessária, evidentemente, a produção de quaisquer outras provas para se decidir, em consciência, o incidente (artºs 356 nº 1 e 358 nº 1 do Código Civil, 157 e 1344 nº 2 do CPC de 1961).
                Obtempera, porém, a recorrente que a decisão recorrida – que a substituiu, pelo impugnante, no cabeçalato - está em colisão com a que a nomeou para o exercício desse mesmo cargo.   
                Esta alegação, considerada no plano lógico ou prático, é verdadeira. Mas não o é no plano jurídico.
                Em primeiro lugar, o despacho que, na sequência do requerimento do inventário, nomeia o cabeça-de-casal não produz, logo, caso julgado. Realmente, a lei admite, a modificação, mesmo oficiosamente, da decisão de nomeação do cabeça-de-casal, se, em face das declarações da pessoa que originariamente designou para o cargo, o juiz verificar que o encargo compete a pessoa diversa, caso em que deve deferi-lo a essa pessoa (artº 1339 nº 1, in fine, do CPC). Portanto, o proferimento daquele despacho não impede de o juiz de, motu proprio, se voltar a pronunciar sobre a questão do cabeçalato nem importa a vinculação desse mesmo juiz ao que nele se decidiu.
Depois, o proferimento do despacho de designação do cabeça-de-casal não torna indiscutível a questão da competência do cabeça-de-casal, dado que não impede que qualquer dos interessados directos na partilha impugne aquela competência, impugnação que vincula mesmo o juiz ao dever de voltar a pronunciar-se sobre a questão da designação do cabeça-de-casal e – caso a impugnação proceda – de a modificar ou revogar. Dito doutro modo: a questão da competência do cabeça-de-casal só se considera definitivamente resolvida, quando se mostrar irremissivelmente precludida a faculdade, reconhecida aos interessados directos na partilha citados, da sua impugnação.
Como reflexo do princípio do contraditório, quem não pode defender os seus interesses num processo pendente não pode ser afectado pela decisão nele proferida (artº 3 nºs 1 a 3 e 1336 nº 1 do CPC de 1961 e 3 nºs 1 e 3 do NCPC). Seria, por isso, de todo estranho e desrazoável, que os interessados directos na partilha, citados depois do proferimento do despacho que designou o cabeça-de-casal, ficassem vinculados a uma decisão proferida em momento anterior ao da sua intervenção no processo, i.e., que não foi proferida no seu confronto. Por isso que se faculta aos citados a impugnação da competência do cabeça-de-casal e só o caso julgado que se constituir sobre decisão que for proferida no seu confronto acerca desse objecto se deve reconhecer, relativamente a eles, uma eficácia vinculativa.
Por último, ao contrário do que decorre da alegação da recorrente entre os meios de prova existentes no momento do proferimento do despacho que a nomeou cabeça-de-casal e os utilizados pela decisão recorrida para julgar provado o facto que serviu de fundamento à impugnação - a residência do impugnante há pelo menos, um ano com a autora da herança – não verifica qualquer relação de identidade.
Em primeiro lugar a recorrente – notoriamente de caso pensado - não alegou aquele facto na petição inicial nem o afirmou, já na qualidade de cabeça-de-casal, nas declarações. Apesar da referência na petição inicial à possibilidade do deferimento do cabeçalato ao interessado A…, a verdade é que a recorrente silenciou, tanto na petição inicial como nas declarações o facto apontado, e inculcou mesmo, naquele articulado, ao invocar a qualidade de filha mais velha do inventariada, que o cargo de cabeça-de-casal lhe pertencia. Aliás, a recorrente já se tinha arrogado essa qualidade na escritura pública de habilitação que outorgou e só reconheceu expressamente, de plano, a exactidão do facto alegado como fundamento da impugnação da sua competência, na sequência de despacho que lhe determinou o esclarecimento da sua resposta.
Depois, tal facto não podia, ao tempo do proferimento da decisão impugnada, ter-se por provado por força, designadamente, da escritura pública de rectificação de habilitação outorgada pelo interessado A... Entendimento diverso resulta, nitidamente, de incompreensão grave relativamente à força probatória material daquele documento.
O interessado A… afirmou, naquela escritura pública, que a inventariada residia, há mais de um ano, consigo.
É exacto que aquela escritura constitui um documento autêntico (artº 369 nºs 1 e 2 do Código Civil). Faz prova, por isso, prova plena dos factos que sejam atestadas pela entidade documentadora (artº 371 nº 1 do Código Civil).
                Este ponto merece ser examinado de forma detida.
                A força probatória do documento consiste no valor ou na fé que, como meio de prova a lei lhe confere. Esse valor pode referir-se do documento em si mesmo; ao seu conteúdo. No primeiro caso, têm-se em vista a força probatória formal do documento, a sua autenticidade ou genuinidade; no segundo, a sua força probatória material.
                A força probatória formal do documento diz, desde logo, respeito, à proveniência dele, à pessoa de que emana. No tocante à proveniência do documento, estabelece a nossa lei substantiva civil fundamental uma presunção de autenticidade: desde que o documento se mostre subscrito pelo autor, com assinatura reconhecida notarialmente ou com o selo do respectivo serviço, presume-se que provêm da autoridade ou oficial público a quem é atribuído (artº 370 nºs 1 e 2 do Código Civil).
                À economia do recurso interessa, porém, a força probatória material do documento, quer dizer, a força probatória dele quanto às declarações ou narrações de que é continente.
                Em primeiro lugar, o documento autêntico faz prova pela dos factos referidos como praticados pelo documentador: tudo o que o documento referir como tendo sido praticado pela entidade documentadora, tudo o que, segundo o documento, seja obra do seu autor, tem de ser aceite como exacto (artº 371 nº 1, 1ª parte, do Código Civil).
                Assim, por exemplo, quando o notário afirma no documento que o leu em voz alta perante os outorgantes, que lhes explicou o seu conteúdo e os direitos que adquiriam e as obrigações que contraíam, tal afirmação há-de ter-se por verdadeira; tem de admitir-se como certo que o notário praticou o acto que, no instrumento, diz ter praticado: a fé pública de que goza o documentador garante a veracidade desse facto.
                Depois, o documento autêntico prova a verdade dos factos que se passaram na presença do documentador, quer dizer, os factos que nele são atestados com base nas suas próprias percepções (artº 371 nº 1, 2ª parte, do Código Civil). Este ponto – que é, de resto, o mais delicado da eficácia probatória do documento autêntico – deve ser entendido com habilidade. O documentador garante, pela fé pública de que está revestido, que os factos que documenta, se passaram; mas não garante, nem pode garantir, que tais factos correspondem à verdade. Dito doutro modo: o documento autêntico não fia, por exemplo, a veracidade das declarações que os outorgantes fazem ao documentador; só garante que eles as fizeram[14].
                Se o documento prova plenamente os factos atestados que se passaram na presença do documentador, v.g., as declarações, já não prova de pleno a sinceridade desses factos ou a sua validade ou eficácia jurídicas, pois de uma coisa e de outra não pode aperceber-se a entidade documentadora. Pode, assim, demonstrar-se que a declaração inserta no documento não é sincera nem eficaz, sem necessidade de arguição da falsidade dele.
                Assim, por exemplo, se numa escritura pública de compra e venda, o vendedor declara ao notário que já recebeu o preço, aquele documento só faz prova plena de que aquele outorgante fez aquela declaração negocial; não prova, porém, que tal afirmação corresponde à verdade[15]. Identicamente, se numa escritura pública o outorgante declara que vivia com o de cuius há mais de um ano, o documento faz prova plena de que aquele outorgante produziu esta declaração de ciência – mas não prova em caso algum que essa declaração seja verdadeira.
Aquela declaração também não vale como confissão extrajudicial feita em documento autêntico, dado que o facto declarado não é desfavorável ao declarante – antes o favorece – nem foi feita à parte contrária, visto que o declarante foi o único outorgante da escritura (artºs 352, 355 nº 1 e 358 nº 2 do Código Civil).
Portanto, ao tempo do proferimento do despacho que designou a recorrente como cabeça-de-casal, o facto que serviu de fundamento à impugnação da sua competência não poderia ter-se por provado – nem aliás tinha sido alegado – e só ficou assente – plenamente assente - por força da confissão judicial espontânea expressa da recorrente feita em articulado do incidente da impugnação.
O encargo do cabeçalato compete – sempre competiu – pois, ao interessado A…, pelo que se compreende mal a recusa terminante da recorrente, apesar de ter como exacto o facto que impõe o deferimento do cargo aquele herdeiro, em em abrir mão dele a favor desse mesmo herdeiro.
O recurso não tem, pois, bom fundamento. Cumpre julga-lo improcedente.
Síntese recapitulativa:
a) A nulidade da decisão judicial por falta de fundamentação – que decorre de um error in procedendo e não de um error in iudicando – só se verifica no caso de falta absoluta ou total dessa motivação;
b) A nulidade da decisão judicial por omissão de pronúncia só ocorre quando o juiz deixa por resolver questão concreta controversa que as partes submeteram à sua apreciação;
c) O fundamento da impugnação da competência do cabeça-de-casal, que dá lugar a um incidente específico do processo de inventário, consiste na preterição da preferência definida na escala disposta na lei substantiva para o deferimento do cargo;
                d) O despacho que, na fase liminar do inventário, nomeia o cabeça-de-casal, não produz uma composição definitiva da questão relativa à competência do cabeça-de-casal nomeado, dado que ao juiz é lícito, se verificar pelas declarações da pessoa designada, que o encargo compete a outrem, deferi-lo a quem competir, e a qualquer dos interessados directos na partilha é facultada a impugnação daquela competência;
                e) O documento autêntico apenas faz prova plena de que os intervenientes produziram uma declaração, mas não de que essa declaração é verdadeira.
As custas do recurso serão satisfeitas pela sucumbente: a apelante (artº 527 nº 1 do NCPC).
4. Decisão.
Pelos fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso.
Custas pela apelante.
                                                                                                              13.12.03
                      Henrique Antunes - Relator
                       José Avelino Gonçalves
                        Regina Rosa

[1][1] Entre o proferimento da decisão recorrida e o julgamento do recurso entrou em vigor uma lei nova que regula a matéria de causa: a Lei nº 23/2013, de 5 de Março, que entrou em vigor no dia 2 de Setembro, e que reconformou, uma vez mais, o regime jurídico do processo de inventário (artº 8). Todavia, de harmonia com a norma de direito transitório de que se fez acompanhar aquela Lei não é aplicável ao processo de inventário em que foi proferida a decisão impugnado, dado que este se encontra pendente à data da sua entrada em vigor (artº 7 da Lei nº 23/2013, de 5 de Março).
[2] Ac. do STJ de 09.12.87, BMJ nº 372, pág. 369.
[3] Michele Tarufo, Páginas Sobre Justicia Civil, Marcial Pons, 2009, pág. 53.
[4] Michele Tarufo, cit., págs. 36 e 37.
[5] Acs. do STJ de 08.07.87, BMJ nº 369, pág. 481, da RP de 06.01.94, CJ, 94, I, pág. 197 e da RL de 03.11.94, CJ, 94, V, pág. 90.
[6] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra, 1984, pág. 140, Lebre de Freitas/Montalvão Machado/Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra, 2001, pág. 703, e Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, págs. 221 e 222.
[7] Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, cit., pág. 139 e 140 e Acs. da RP de 06.01.94 e da RL de 03.11.94 e 17.1.91, CJ, 94, I, págs. 197, 94, V, pág. 90 e 91, I., pág. 121, respectivamente.
[8] Ac. do STJ de 26.09.95, CJ, 95, III, pág. 22 e da RE de 24.11.94, BMJ nº 441, pág. 420.
[9] João de Castro Mendes, Direito Processual Civil, III, AAFDL, Lisboa, 1980, pág. 268.
[10] Acs. do STJ de 26.09.95, CJ, STJ, III, pág. 22 e de 16.01.96, CJ, STJ, III, pág. 43.
[11] José António Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Volume III, 4ª edição, Almedina, Coimbra, págs. 149.
[12] Neste sentido, por exemplo, os Ac. da RC de 06.12.04 e 20.12.94, BMJ nºs442, pág. 266.
[13] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa, Lex, 1997, pág. 218.
[14] Vaz Serra, RLJ, Ano 111, pág. 302, e Ac. do STJ de 16.12.11, www.dgsi.pt.
[15] Ac. do STJ de 18.06.69, BMJ nº 189, pág. 246.