Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
73/08.8GDSCD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RIBEIRO MARTINS
Descritores: RECURSO
MATÉRIA DE FACTO
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
HOMICÍDIO TENTADO
MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 01/28/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE SANTA COMBA DÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS ,22º,23º,131º, 132º 40º,71º E 72º DO CP ,127º. 410º, 412º,428 DO CPP
Sumário: 1.A apreciação da prova faz-se segundo as regras da experiência e a livre convicção, a significar que a prova deve ser analisada através da formulação de juízos assentes no bom senso e na experiên­cia de vida temperados pela capacidade crítica, o distanciamento e a ponderação adquiri­dos pela experiência.
2 Do exame da motivação constante do acórdão verifica-se que o tribunal elegeu fundamentalmente as declarações do ofendido C. conjugadas pontualmente com as dos arguidos e de algumas passagens das declarações que estes prestaram no 1º interrogatório judicial em detrimento do acolhimento integral da versão que estes deram na audiência de julgamento.
2.As versões dadas pelos arguidos no primeiro interrogatório judicial também são atendíveis como meio de prova para a decisão final já que os arguidos foram confrontados em julgamento com as suas divergências [art.º 356//3 alínea b)], tendo o tribunal optado por aquilo que delas lhe pareceu mais credível.
3.O julgador não está obrigado a aceitar ou a rejeitar acriticamente e em bloco as declarações prestadas, podendo delas respigar aquilo que lhe pareça credível, desde que justifique a sua opção.
4.Analisadas as provas, ouvindo a gravação que nos foi presente, nada resulta que nos imponha diverso juízo sobre o acontecido. A prova na base da qual o tribunal formou a sua convicção relativamente aos factos nucleares objecto do processo justifica a decisão assumida.
5, O agente age com frieza de ânimo quando selecciona os meios a utilizar, reflecte na opção pelo meio mais adequado repudiando o que menos probabilidades de êxito lhe oferecer dum ponto de vista pragmático por ter em mente o que menos possibilidade de defesa represente para a vítima. A frieza de ânimo resulta duma vontade formada de modo frio, reflexivo e cauteloso na preparação e execução da resolução criminosa. Frieza de ânimo significa sangue frio, insensibilidade, indiferença ou insensibilidade do agente.
6.Estatui o art.º 72º do Código Penal que o tribunal atenuará especialmente a pena quando existirem circunstâncias de que resulte uma acentuada diminuição da ilicitude do facto, da culpa do agente ou a necessidade da pena. O n.º2 do preceito contém uma enumeração exemplificativa dalgumas dessas circunstâncias. Mas para ter lugar a especial atenuação da pena haverá de concluir-se que dessas circunstâncias se retira acentuada diminuição da ilicitude do facto, da culpa do agente ou das exigências de prevenção. Se tal diminuição não for acentuada, as circunstâncias enunciadas no referido n.º2 terão, então, valor de circunstâncias atenuantes gerais.
Decisão Texto Integral: 50

Acordam na Secção Criminal de Coimbra –
I –
1- No processo comum com o n.º 73/08 de Santa Comba Dão SA e SB foram condenados pela prática dum crime tentado de homicídio qualificado p. e p. pelos artºs. 22º, 23º/1 e 2, 73º/1 alíneas a) e b), 131º e 132º/1 e 2 alínea j) do Código Penal, nas penas, respectivamente, de 6 e de 7 anos de prisão.
O arguido foi ainda condenado na pena de 10 meses de prisão pela prática do crime de detenção de arma ilegal p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 2º, 3º/6 alínea c) e 86º/1 alínea c) da Lei nº 5/2006 de 23.02. Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 7 anos e 3 meses de prisão.
Foram ainda condenados no pagamento das seguintes indemnizações –
a) Aos Hospitais da Universidade de Coimbra, a quantia de € 4.593,66 acrescido de juros de mora contados da sua notificação do pedido até integral pagamento.
b) Ao ofendido C. as quantias de –
- € 30.000 por danos não patrimoniais, com juros de mora contados da condenação até integral pagamento;
- € 7.341.45 por danos patrimoniais, com juros de mora desde a notificação do pedido até integral pagamento;
- o que vier a liquidar-se como despesas posteriores em exames, consultas médicas, medicamentos e perda de rendimentos resultantes de I.P.P.
c) Ao Instituto de Segurança Social IP, € 13.448,43 com juros de mora sobre €11.321,27 desde o final do prazo para contestar o pedido inicialmente formulado e sobre €2.127,16 desde a notificação para se pronunciarem sobre a ampliação apresentada.
2- Os arguidos recorrem concluindo –
a) A SB
I – O tribunal condenou os arguidos valorando somente a versão do ofendido como se de uma única verdade se tratasse, considerando o tribunal que o seu depoimento “ não foi, de modo algum, susceptível de sequer beliscar a credibilidade que nos mereceu o depoimento do ofendido e com base nele formar a nossa convicção quanto ao modo como os factos se desenrolaram no dia dos factos”;
II – O tribunal valoriza quase em exclusividade o depoimento do ofendido, que é parte interessada e tem ressentimento relativamente aos arguidos;
III – O tribunal desvalorizou por completo os depoimentos dos arguidos e valorou até à exaustão e quase em exclusivo o 1º interrogatório dos arguidos:
- Entendeu o tribunal (fls. 33 e segs do Acórdão) «valorar, no que diz respeito à arguida SB o por si referido em sede de 1º interrogatório »;
- Entendeu o tribunal (fls. 33 do acórdão) « valorar, no que diz respeito ao arguido SA o por si referido em sede de 1º interrogatório »;
IV - A desvalorização dos depoimentos dos arguidos é por demais evidente e fixar a matéria dada como provada assente no 1º interrogatório destes é, além do mais, totalmente, absurdo e contrário à lei.
a) - Neste caso acabado o 1º interrogatório passaríamos imediatamente à prolação do douto acórdão, sem necessidade do princípio do contraditório e dispensando-se, desde logo, a audiência de discussão e julgamento uma vez que no entender do tribunal esta é a prova bastante e adequada para sentenciar, sem mais nem menos, os arguidos, no enquadramento dos factos e na aplicação da medida da pena.
b) - O 1º interrogatório é tão simplesmente um 1º interrogatório numa fase processual distinta e serve, fundamentalmente, para determinar um despacho judicial de aplicação de uma medida de coacção ou de garantia patrimonial (artº 194º/4 do CPP), proceder à qualificação jurídica dos factos imputados e referir os factos concretos que preenchem os pressupostos da medida de coacção, incluindo os previstos nos artigos 193º e 204º do CPP.
c) - Fundamentar uma decisão judicial ao dar como provados factos com base no 1º interrogatório dos arguidos menosprezando o contraditório e a prova produzida em audiência de discussão e julgamento é ilegal e desconforme à realidade jurídica.
V - Desvaloriza em seguida todos os outros depoimentos e aqui chamamos à colação que o ofendido ao longo de todo o inquérito e mesmo em sede de audiência e discussão de julgamento apresentou sempre diversas versões, aliás nada condizentes com toda a dinâmica factual produzida em audiência de julgamento;
VI – Se procedermos à análise dos depoimentos dos arguidos e ofendidos sem quaisquer intervenção de testemunhas presenciais e tendo em conta a prova produzida em julgamento, teremos de concluir:
1 – Os arguidos iniciaram a preparação dum encontro com o ofendido por iniciativa da arguida SB para todos terem uma conversa de modo a esclarecer quem era quem, nunca chegando a admitir a possibilidade de durante tal encontro virem a agredir fisicamente o ofendido;
2 – A compra dum cartão telemóvel numa loja chinesa por parte dos arguidos para a arguida SB combinar o encontro com o ofendido, nunca foi feito com o propósito de esconder quaisquer registos telefónicos;
3 – O arguido SA dirigiu-se a casa do pai onde sabia que este guardava uma arma de caça, de 2 canos paralelos, de alma lisa, com o nº de série FS 77063, da marca “ Fausti Stefano “, vulgo caçadeira, que levou consigo juntamente com um saco de tiracolo contendo, pelo menos, 35 cartuchos, com o objectivo de a levar consigo para o referido encontro sem pensar no uso da mesma;
4 - A arguida SB desconhecia que o arguido SA levasse para o encontro marcado com o ofendido uma arma de caça e um saco de tiracolo contendo, pelo menos, 35 cartuchos;
5 – A arguida SB não entregou ao arguido SA quaisquer luvas de borracha cor-de-rosa para o encontro marcado com o ofendido, desconhecendo que aquele as tivesse trazido e muito menos para que este ocultasse qualquer vestígio;
6 - As luvas cor-de-rosa que o arguido SA utilizou no lugar dos factos sempre se destinaram para a limpeza do carro e não para qualquer outro fim;
7 – A arguida SB após se encontrar com o ofendido C., quando seguia apeada ao encontro do ofendido, no caminho entre o parque do restaurante e o viaduto do IP3, entrou para a viatura do mesmo, mas foi este que decidiu por si só e por sua exclusiva iniciativa alterar o lugar do encontro e dirigir-se para a zona da Albufeira da…, vindo a estacionar o veículo num caminho térreo perto da margem da albufeira da …
8 – Apercebendo-se do trajecto feito pelo ofendido, o SA saiu do parque de estacionamento e seguiu no seu encalço; e ao aperceber-se do local onde aquele acabara de estacionar a viatura imobilizou o seu automóvel e dirigiu-se para o lugar do condutor sem ter qualquer arma ou luvas calçadas;
9 – Após ver o ofendido e a arguida SB dentro no veículo daquele debruçado e a apalpar os seios da sua companheira, o arguido SA veio ao seu carro e foi buscar a arma que trazia, aproximou-se do lado do ofendido, deu um tiro para o ar e de seguida dirigindo-se ao ofendido disse-lhe «dá-me a tua carteira; isto é um assalto»;
10 – Como o arguido SA tivesse com resposta do ofendido «estás com azar que eu não tenho carteira », chegou-se para trás e calçou umas luvas cor-de-rosa e voltou a insistir « dá-me a tua carteira» « isto é um assalto»;
11 – Neste momento tanto o ofendido como a arguida SB encontravam-se sentados no interior do veículo daquele;
12 - A arguida SB nunca bateu com um pau nem desferiu qualquer pancada na cabeça do ofendido C.
13 - A arguida SB nunca provocou quaisquer tipo de lesões físicas ao ofendido C
14 – Quando abandonaram o local os arguidos nunca se aperceberam da gravidade das lesões do ofendido C.
15 – Nunca foi intenção dos arguidos SA e SB dificultar que o ofendido providenciasse por socorro pelos seus próprios meios;
16 – Foi o próprio ofendido C. que recusou a intervenção das autoridades policiais;
17 – Os arguidos limitaram-se a combinar um encontro entre si e o C apenas para conversarem e tomar café, nunca tendo previamente preparado qualquer plano para ferir ou matar o ofendido nem agiram em conjugação de esforços na execução de qualquer plano nesse sentido;
18 – Os co-arguidos não actuaram de modo a eventuais tentativas de movimentação do carro do ofendido ou da colocação de terra no depósito de combustível deste ( exclusiva versão do ofendido), por manifesta ausência de prova pericial, valendo aqui como única referência o depoimento do ofendido;
19 – Nunca foi disparado qualquer tiro com arma de caça dentro do veículo automóvel do ofendido, partindo o vidro lateral, lado direito, da parte da frente, por manifesta ausência de prova pericial ou testemunhal, valendo aqui como única referência o depoimento do ofendido;
VII – O artº 127º do CPP dispõe que “ Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”, consagrando-se o princípio da livre apreciação da prova, mas para além da enumeração das razões de facto e de direito, a sentença, nos termos do artº 374º/ 2 do CPP, reclama do juiz o exame crítico das provas, que é a sua descrição e o juízo de valor que elas oferecem em termos de suporte decisório, ou seja, a crítica porque umas merecem credibilidade e outras não, impondo que o juiz indique todas as provas a favor ou contra que constituam a decisão e diga as razões pelas quais não atendeu às provas contrárias à decisão tomada – cfr. Ac. do STJ de 31-10-2007/ Procº nº 3280/07, 3ª Secção;
VIII – A livre apreciação da prova não se confunde com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Dentro destes pressupostos se deve portanto colocar o julgador ao apreciar a prova e que neste caso, não aconteceu.
IX – Neste caso não sucedeu igual valoração, assinalando-se só para um lado o interesse na causa e aceitando-se como bom apenas baseado na versão do ofendido e o 1º interrogatório dos arguidos, existindo uma nítida violação do disposto no artº 374º/2 do CPP, porquanto antes da vigência da Lei nº 59/98 de 15 de Agosto entendia-se que o artº 374º/2 do CPP não exigia a explicitação e valoração de cada meio de prova perante cada facto. Actualmente, face à nova redacção do nº 2 do artº 374º do CPP é indiscutível que tem de ser feito um exame crítico das provas. Foi a referida Lei nº 59/98 de 25 de Agosto que aditou a exigência do exame crítico das provas e que inalterou na revisão de 2007 pela Lei nº 48/2007 de 29 de Agosto. O exame crítico das provas tem como finalidade impor que o julgador esclareça “quais foram os elementos probatórios que em maior ou menor grau o elucidaram e porque o elucidaram, possibilitando a compreensão de ter sido proferida uma dada decisão e não outra.
Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo que serviu de suporte ao respectivo conteúdo.
X – Não existe qualquer facto ou prova nos autos que permita concluir pela prática dum crime de homicídio qualificado na forma tentada p. p. pelo Artº 22º, 23º/1 e 2, 73º/1 alíneas a) e b), 131º e 132/1 e 2 alínea j), todos do Código Penal;
XI – Face aos factos dados como provados, nomeadamente que a Susana confessou todos os factos, sempre mantive uma atitude de dedicação ao trabalho, tanto anterior como posterior, é de modesta condição social, nunca respondeu nem esteve presa, e mostrou-se profundamente arrependida, devem aplicar-se os artºs 72º, 73º e 74º do Código Penal;
XII - No caso concreto, além da atenuação especial foram julgados provados factos susceptíveis de diminuir de forma acentuada a ilicitude do facto ou a culpa do agente e de constituir, assim, uma atenuante especial autónoma - concurso de circunstâncias modificativas de atenuantes especiais, previstas no artº 73º do Código Penal;
XIII – Há deste modo fundamentol para se efectuar a aplicação de atenuação especial, por força das disposições conjugadas nos artºs 72º, 73º e 74º do Código Penal;
XIV – O tribunal interpretou as normas dos Artºs 22º, 23º, nº 1 e 2, 73º, nº 1, al.s a) e b), 131º e 132º, nºs 1 e 2, al. j) do Código Penal, no sentido de ser aplicável à recorrente a pena de 6 anos de prisão e deveria tê-las interpretado no sentido da sua absolvição, ou, a não ser atendida a absolvição, não a condenação numa pena de 6 anos de prisão mas a aplicação duma pena inferior a 5 anos, suspensa na sua execução por igual período;
XV – Violou pois o acordão as normas constantes dos 127º, 374/ 2 do CPP e os Artºs 22º, 23/1 e 2, 73/1 alíneas a) e b), 131º e 132º/1 e 2 alínea j), 70º a 74º do Código Penal.
XVI - Do texto do acordão resulta a insuficiência ou deficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude a alínea a) do nº 2 do artº 410º, 217º e 374/ 2 do Código de Processo Penal.
b) O SA
I – O tribunal condenou os arguidos valorando sòmente a versão do ofendido como se de uma única verdade se tratasse, considerando que o seu depoimento, “não foi, de modo algum, susceptível de sequer beliscar a credibilidade que nos mereceu o depoimento do ofendido e com base nele formar a nossa convicção quanto ao modo como os factos se desenrolaram no dia dos factos”;
II – Valoriza, assim, o tribunal quase em exclusividade, o depoimento do ofendido que é parte interessada e tem ressentimento negativo relativamente aos arguidos;
III – O tribunal desvalorizou por completo, os depoimentos dos arguidos e valorou até à exaustão e quase em exclusivo o 1º interrogatório dos arguidos:
- Entendeu o tribunal (fls. 33 e seg.s do Acórdão) «valorar, no que diz respeito à arguida SB o por si referido em sede de 1º interrogatório »;
- Entendeu o tribunal (fls. 33 do Acórdão) « valorar, no que diz respeito ao arguido SA o por si referido em sede de 1º interrogatório »;
IV - A desvalorização dos depoimentos dos arguidos é por demais evidente; e fixar a matéria dada como provada assente no 1º interrogatório destes é absurdo e contrário à lei.
a) – Neste caso acabado o 1º interrogatório passaríamos imediatamente à prolação do acórdão sem necessidade do contraditório e dispensando-se a audiência de discussão e julgamento uma vez que no entender do tribunal esta é a prova bastante e adequada para sentenciar sem mais nem menos os arguidos no enquadramento dos factos e na aplicação da medida da pena.
b) - O 1º interrogatório é tão simplesmente um 1º interrogatório numa fase processual distinta e serve fundamentalmente para determinar um despacho judicial de aplicação duma medida de coacção ou de garantia patrimonial (artº 194/4 do CPP), proceder à qualificação jurídica dos factos e referir os factos concretos que preenchem os pressupostos da medida de coacção, incluindo os previstos nos artigos 193º e 204º do CPP.
c) - Fundamentar uma decisão judicial ao dar como provados factos com base no 1º interrogatório dos arguidos menosprezando o contraditório e a prova produzida em audiência de discussão e julgamento é ilegal e desconforme à realidade jurídica.
V - Desvaloriza todos os outros depoimentos; e aqui chamamos à colação que o ofendido ao longo de todo o inquérito e mesmo em sede de audiência e discussão de julgamento apresentou sempre diversas versões, aliás nada condizentes com toda a dinâmica factual produzida em audiência de julgamento;
VI – Para tanto, se procedermos à análise dos depoimentos dos arguidos e ofendidos, sem quaisquer intervenção de testemunhas presenciais e tendo em conta a prova produzida em julgamento, teremos de concluir:
1 – Os arguidos iniciaram a preparação de um encontro com o ofendido, por iniciativa da arguida SB, para todos terem uma conversa de modo a esclarecer quem era quem, nunca chegando a admitir a possibilidade de durante tal encontro virem a agredir fisicamente o ofendido;
2 – A compra de um cartão telemóvel, numa loja chinesa, por parte dos arguidos, para a arguida Susana combinar o encontro com o ofendido nunca foi feito com o propósito de esconder quaisquer registos telefónicos;
3 – O arguido SA dirigiu-se a casa do pai , onde sabia que este guardava uma arma de caça, de 2 canos paralelos, de alma lisa, com o nº de série FS 77063, da marca “ Fausti Stefano “, vulgo caçadeira, que levou consigo, juntamente com um saco de tiracolo, contendo, pelo menos, 35 cartuchos, com o objectivo de a levar consigo para o referido encontro sem pensar no uso da mesma;
4 - A arguida SB desconhecia que o arguido SA levasse para o encontro marcado com o ofendido uma arma de caça e um saco de tiracolo, contendo, pelo menos, 35 cartuchos;
5 – A arguida SB não entregou ao arguido SA quaisquer luvas de borracha cor-de-rosa para o encontro marcado com o ofendido, desconhecendo que este as tivesse trazido e muito menos para que este ocultasse qualquer vestígio;
6 - As luvas cor-de-rosa que o arguido SA utilizou no lugar dos factos sempre se destinaram para a limpeza do carro e não para qualquer outro fim;
7 – A arguida SB após se encontrar com o ofendido C. quando seguia apeada ao encontro do ofendido, no caminho entre o parque do restaurante e o viaduto do IP3, entrou para a viatura do mesmo, mas foi este que decidiu, por si só e por sua exclusiva iniciativa alterar o lugar do encontro e dirigir-se para a zona da Albufeira da…, vindo a estacionar o veículo, num caminho térreo, perto da margem da albufeira da ….
8 – Apercebendo-se do trajecto feito pelo ofendido, o arguido SA saiu do parque de estacionamento e seguiu no seu encalço e ao aperceber-se do local onde aquele acabara de estacionar a viatura, imobilizou o seu automóvel e dirigiu-se para o lugar do condutor sem ter qualquer arma ou luvas calçadas;
9 – Após ver o ofendido e a arguida SB dentro do veículo daquele, debruçado e a apalpar os seios da sua companheira, o arguido SA veio ao seu carro e foi buscar a arma que trazia, aproximou-se do lado do ofendido, deu um tiro para o ar e de seguida dirigindo-se ao ofendido disse-lhe «dá-me a tua carteira» “ isto é um assalto “;
10 – Como o arguido SA tivesse com resposta do ofendido «estás com azar que eu não tenho carteira », chegou-se para trás e calçou umas luvas cor-de-rosa e voltou a insistir « dá-me a tua carteira» « isto é um assalto»
11 – Neste momento, tanto o ofendido como a arguida SB encontravam-se sentados no interior do veículo daquele;
12 - A arguida SB nunca bateu com um pau nem desferiu qualquer pancada na cabeça do ofendido C
13 - A arguida SA nunca provocou qualquer tipo de lesões físicas ao ofendido C.
14 – Quando abandonaram o local, os arguidos, nunca se aperceberam da gravidade das lesões do ofendido C.
15 – Nunca foi intenção dos arguidos SA e SB dificultar que o ofendido providenciasse por socorro pelos seus próprios meios;
16 – Foi o próprio ofendido C que recusou a intervenção das autoridades policiais e médicas ou de saúde;
17 – Os arguidos, limitaram-se a combinar um encontro entre si e o ofendido C, apenas para conversarem e tomar café, nunca tendo previamente preparado qualquer plano para ferir ou matar o ofendido, nem agiram em conjugação de esforços na execução de qualquer plano nesse sentido;
18 – Os co-arguidos não actuaram de modo a eventuais tentativas de movimentação do carro do ofendido ou da colocação de terra no depósito de combustível deste ( exclusiva versão do ofendido), por manifesta ausência de prova pericial, valendo, aqui como única referência o depoimento do ofendido;
19 – Nunca foi disparado qualquer tiro com arma de caça dentro do veículo automóvel do ofendido, provocando, em consequência, que o vidro lateral, lado direito, da parte da frente, fosse partido, por manifesta ausência de prova pericial ou testemunhal, valendo, aqui como única referência o depoimento do ofendido;
VII – O artº 127º do CPP dispõe que “ Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”, consagrando-se o princípio da livre apreciação da prova; mas para além da enumeração das razões de facto e de direito, a sentença, nos termos do artº 374/2 do CPP, reclama do juiz o exame crítico das provas, que é a sua descrição e o juízo de valor que elas oferecem em termos de suporte decisório, ou seja, a crítica porque umas merecem credibilidade e outras não, impondo que o juiz indique todas as provas a favor ou contra que constituam a decisão e diga as razões pelas quais não atendeu às provas contrárias à decisão tomada . cfr. Ac. do STJ, de 31-10-2007/ Procº nº 3280/07, 3ª Secção;
VIII – A livre apreciação da prova não se confunde com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova, a prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica. Dentro destes pressupostos se deve portanto colocar o julgador ao apreciar livremente a prova e que neste caso, não aconteceu.
IX – Neste caso não sucedeu igual valoração, assinalando-se só para um lado o interesse na causa e aceitando-se como bom o apenas baseado na versão do ofendido e o 1º interrogatório dos arguidos, existindo nítida violação do disposto no artº 374/2 do CPP, porquanto antes da vigência da Lei nº 59/98 entendia-se que o artº 374º/ 2 do CPP não exigia a explicitação e valoração de cada meio de prova perante cada facto. Actualmente, face à nova redacção do nº 2 do artº 374º do CPP, é indiscutível que tem de ser feito um exame crítico das provas. Foi a referida Lei nº 59/98 de 25 de Agosto que aditou a exigência do exame crítico das provas e que inalterou na revisão de 2007 pela Lei nº 48/2007 de 29 de Agosto. O exame crítico das provas tem como finalidade impor que o julgador esclareça “ quais foram os elementos probatórios que o elucidaram e porque o elucidaram, possibilitando a compreensão de ter sido proferida uma dada decisão e não outra.
Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo que serviu de suporte ao respectivo conteúdo.
X – Não existe qualquer facto ou prova nos autos que permita concluir pela prática dum crime de homicídio qualificado na forma tentada p. p. pelos artºs 22º, 23/1 e 2, 73/1 alíneas a) e b), 131º e 132/1 e 2 alínea j) do Código Penal;
XI – Face aos factos dados como provados, nomeadamente que a SB confessou todos os factos, sempre mantive uma atitude de dedicação ao trabalho tanto anterior como posterior, é de modesta condição social, nunca respondeu nem esteve presa e mostrou-se profundamente arrependida, devem aplicar-se os artºs 72º, 73º e 74º do Código Penal; bem como e em relação ao arguido Sérgio, demonstrando-se que o mesmo não agiu com especial censurabilidade ou perversidade e não se tratando de um crime de homicídio qualificado, igualmente ao mesmo se devem aplicar os artigos 72º,73º e 74º do Código Penal.
XII - No caso concreto, além da atenuação especial foram julgados provados factos susceptíveis de diminuir de forma acentuada a ilicitude do facto ou a culpa do agente e de constituir, assim, uma atenuante especial autónoma - concurso de circunstâncias modificativas de atenuantes especiais, previstas no artº 73º do Código Penal;
XIII – Há deste modo fundamento factual e legal para se efectuar a aplicação de atenuação especial, por força das disposições conjugadas nos Artºs 72º, 73º e 74º do Código Penal;
XIV – O tribunal interpretou as normas dos Artºs 22º, 23º, nº1 e 2, 73º, nº 1, al.s a) e b), 131º e 132º, nºs 1 e 2, al. j), todos do Código Penal, no sentido de ser aplicável à recorrente a pena de 6 (seis) anos de prisão e ao recorrente SA a pena de 7 anos e 3 e deveria tê-las interpretado no sentido respectivamente à arguida SB da sua absolvição, ou, a não ser atendida a absolvição, não a condenação numa pena de 6 anos de prisão mas a aplicação de uma pena inferior a 5 anos, suspensa na sua execução por igual período; em relação ao arguido SA a aplicação de uma pena unitária de prisão, igualmente inferior a 5 anos, suspensa na sua execução, por igual período, já cumprido o tempo de detenção domiciliária em cumprimento pelo arguido SA.
XV – Violou pois o acordão as normas constantes dos 127º, 374º, nº 2, todos do CPP e os Artºs 22º, 23º, nº 1 e 2, 73º, nº 1, al.s a) e b), 131º e 132º, nºs 1 e 2, al. j), 70º a 74º, todos do Código Penal.
XVI - Do seu texto resulta a insuficiência ou deficiência para a decisão da matéria de facto provada a que alude a alínea a) do nº 2 do artº 410º, 217º e 374/ 2 do Código de Processo Penal.
3- Respondeu o Ministério Público junto do tribunal recorrido pelo infundado dos recursos. No mesmo sentido se pronunciou o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto.
4- Colheram-se os vistos e procedeu-se à conferência.
Cumpre, agora, apreciar e decidir!
II-
1- Decisão de facto inserta no acórdão recorrido -
a) Factos provados –
1) Na sequência de contactos iniciados através de chat da TMN, a arguida SB em …de 2008, conheceu o ofendido C., tendo estabelecido com o mesmo vários contactos telefónicos, utilizando para tal, a arguida, o telefone móvel, com o nº .. e o ofendido o telefone móvel, com o nº ..
2) Em de 2008 a arguida SB e o ofendido C encontraram-se pelo menos três vezes, a primeira na noite de 16 para 17 de 2008 em casa da arguida sita na … na Pampilhosa, a segunda no dia.. d de 2008 junto à Albufeira da … perto do restaurante “…” e a terceira no dia…..2008 primeiro em Vila Verde/ Seia e posteriormente na residência do ofendido em …. tendo em todos os encontros mantido relações sexuais.
3) A arguida SB nunca revelou ao C a sua verdadeira identidade, dizendo chamar-se CCC e ser obstetra, sendo certo que a sua verdadeira profissão era a de auxiliar de acção educativa desempenhando funções na Escola…. de Coimbra.
4) Em data não concretamente apurada do mês de Março de 2008, mas anterior ao dia …, o arguido SA que mantinha com a arguida SB uma relação marital partilhando com a mesma a habitação referida em 2) teve conhecimento através de mensagens que leu no telemóvel da sua companheira que esta se vinha encontrando com o C, o que motivou uma discussão entre o casal e levou à sua separação temporária, tendo o arguido deixado a residência comum.
5) Em data não apurada, mas posterior à da separação temporária dos arguidos e antecedendo em pelo menos uma semana o dia…..2008, o arguido SA regressou à residência que partilhava com a arguida SB, tendo, mais uma vez constatado que continuaram a existir contactos por sms entre o C e a arguida, o que a mesma confirmou confessando ainda que havia mantido com aquele relações sexuais mas alegando que tudo havia já terminado.
6) Apesar disso os arguidos continuaram a viver maritalmente, aceitando a arguida SB a condição posta pelo arguido SA de “lavar a sua honra”.
7) Para tanto os arguidos iniciaram a preparação dum encontro com o ofendido de modo que este pensasse que apenas se iria encontrar com a arguida SB admitindo ambos ao longo da sua preparação a possibilidade de durante tal encontro virem a agredir fisicamente o ofendido, provocando-lhe lesões das quais pudesse advir-lhe a sua morte, resultado com o que o que se conformaram.
8) A fim de não haver registos dos contactos telefónicos, os arguidos adquiriram, numa loja chinesa um cartão de telemóvel da rede Vodafone através do qual a arguida SB combinaria o encontro com o ofendido.
9) Como o cartão não funcionou no telemóvel da arguida SB, esta contactou o C. pelo menos três dias antes do referido dia 14/5, através de uma cabine telefónica sita … em Coimbra, dizendo-lhe que iria para os USA e que se queria despedir dele, ao que o mesmo acedeu, combinando encontrarem-se no dia 14...2008 pelas 10 horas junto ao restaurante…., local onde já antes haviam estado juntos, data essa em que o arguido SA sabia estar de férias.
10) O arguido SA dirigiu-se a casa de seu pai, onde sabia que este guardava uma arma de caça, de 2 canos paralelos, de alma lisa, com o nº de série FS 77063, da marca “FAUSTI STEFANO”, vulgo caçadeira, que levou consigo, juntamente com um saco de tiracolo, contendo, pelo menos, 35 cartuchos, com o objectivo de a levar consigo para o referido encontro e de a usar se necessário fosse.
11) A arguida SB a fim de ocultar qualquer vestígio trouxe da escola onde trabalhava umas luvas utilizadas na limpeza que entregou ao SA a fim de este as usar no encontro que havia combinado com o C
12) No dia 14….2008 os arguidos deslocaram-se para as imediações do Restaurante “…” fazendo-se transportar o SA no veículo …. de matrícula ….QO e a SBno veículo ….de matrícula …IL.
13) Do mesmo modo o C deslocou-se para o mesmo local fazendo-se transportar no veículo …. com a matrícula …GD.
14) Chegado ao local o SA aguardou no seu veículo que estacionou no parque do restaurante … que o C. se encontrasse com a SB.
15) Por sua vez a SB após se encontrar com o C. quando seguia apeada no caminho entre o parque do restaurante e o viaduto do IP3 entrou para a viatura do mesmo e pediu-lhe para se deslocar para a zona da Albufeira da…. ao que o mesmo acedeu, vindo a estacionar o veículo, num caminho térreo perto da margem da albufeira da….
16) Apercebendo-se do trajecto feito, o SA saiu do parque de estacionamento e seguiu no seu encalço e ao aperceber-se do local onde aquele acabara de estacionar a sua viatura, imobilizou o seu automóvel, muniu-se das luvas referidas em 11), da referida caçadeira que municiou com dois cartuchos e colocou a bolsa a tiracolo dos cartuchos contendo 33 cartuchos, dirigindo-se de arma em punho para a viatura do ofendido.
17) Aí chegado, o SA com a cara descoberta, abordou a viatura do C pelo lado do condutor, onde o mesmo se encontrava ao volante, conversando com a arguida SB, estando esta sentada no lugar vulgarmente designado como o do pendura.
18) A fim de forçar o C. a sair da viatura e melhor concretizar os seus intentos, o SA, já com as luvas calçadas, empunhou a caçadeira e disparou um tiro para o ar ao mesmo tempo que disse para o ofendido “sai do carro, isto é um assalto”.
19) De seguida o SA disse à SB para esta sair da viatura e trazer consigo as chaves da ignição e o telemóvel do ofendido, o que a mesma fez saindo da viatura e deslocando-se para o local onde se encontrava o arguido, dando ao mesmo tais objectos.
20) Como o ofendido não saiu da viatura, tendo mesmo tentado fechar os vidros da viatura, o que apenas logrou fazer em relação ao vidro da porta junto ao lugar do pendura, ficando o da porta do seu lado entreaberto, o SA desferiu com a boca do cano da arma, pelo menos, uma pancada no queixo do ofendido.
21) Procurando impedir que o SA voltasse a usar a caçadeira, o C agarrou com as mãos a mesma pelo cano, puxando-a para si.
22) De imediato o SA disparou um segundo tiro que veio a atingir o vidro da porta do pendura, partindo-o.
23) O SA verificando que já havia disparado os dois tiros com que a caçadeira se encontrava municiada, recuou e tentou recarregar a mesma tentando introduzir no cano dois outros cartuchos que tirou do saco que tinha a tiracolo.
24) Tal facto permitiu que o C saísse da sua viatura e agarrasse novamente a caçadeira, evitando desse modo que o arguido SA a recarregasse, acabando por ambos se envolverem em confronto físico.
25) Vendo que havia perdido a vantagem que a arma lhe dava, o SA disse à SB para a mesma se munir de um pau e bater com o mesmo no ofendido C
26) Acedendo a tal pedido, a SB muniu-se dum pau de características não apuradas e desferiu com o mesmo uma pancada na cabeça do C.
27) De seguida o SA, segurando a caçadeira pelos canos, desferiu, pelo menos, uma pancada na cabeça, com tal violência que provocou a quebra da coronha de madeira da arma em, pelo menos, 3 pedaços.
28) Por força das pancadas que o ofendido C sofreu na cabeça, o mesmo perdeu os sentidos, ficando prostrado no solo.
29) Em consequência da actuação dos arguidos, o ofendido C sofreu ferida incisa na região temporal direita, ferida incisa na região occipital esquerda, ferida contusa frontal, ferida palpebral superior esquerda e ferida na região mandibular direita, bem como traumatismo crâneo-encefálico com fractura multiesquilerosa e afundamento associado a contusão cerebral cortico-temporal e parietal direitas e pneumocefalia, tendo de ser intervencionado cirurgicamente, com recurso a carnioplastia e duroplastia, lesões melhor descritas nos autos de exame de fls. 117-120, 825 -826, as quais lhe determinaram 153 dias de doença, todos com afectação da capacidade para o trabalho geral e profissional, encontrando-se ainda o ofendido de baixa médica.
30) De seguida os arguidos lançaram o telemóvel do ofendido C para junto da margem da albufeira, encheram o depósito de combustível do veículo daquele com terra e ausentaram-se do local, levando consigo as chaves da mesma viatura, procurando dessa forma dificultar que o ofendido pudesse obter socorro pelos seus próprio meios.
31) Os arguidos sabiam que o local onde agrediram o ofendido não era habitualmente frequentado e previram que ao abandoná-lo nesse local com as lesões que evidenciava e que eles provocaram e a carecer de tratamento médico urgente, o ofendido poderia não resistir e vir a morte a sobrevir-lhe.
32) Contudo, para além de não providenciaram pelo seu socorro, dificultaram-se até que o fizesse pelos seus próprios meios, conformando-se assim com a possibilidade que representaram uma vez mais de ele vir a morrer ali mesmo como consequência das lesões que lhe provocaram e da falta de assistência médica.
33) O ofendido C permaneceu no local, em estado de inconsciência, durante um período não concretamente apurado, sem qualquer assistência de outrem, tendo face às graves lesões sofridas corrido perigo de vida.
34) Apesar disso o ofendido C, cerca das 10.00 horas do dia 15...2008, conseguiu deslocar-se, a pé até ao restaurante ..” onde foi auxiliado por pessoas que aí trabalham, tendo sido transportado para os Hospitais da Universidade de… onde foi medicamente assistido e lhe foi salva a vida.
35) Os arguidos ao combinarem entre si, com antecedência de mais de 24 horas sobre a hora do crime, executar tal plano pela forma acima descrita, fizeram-no em conjugação de esforços e de vontades, admitindo a possibilidade de que de toda a sua actuação pudesse advir a morte do ofendido, com o que se conformaram e que só não ocorreu por este ter sido assistido atempadamente.
36) O arguido SA não possui licença de uso e porte de arma de caça.
37) O arguido SA ao usar a arma da forma supra descrita, conhecendo as características da mesma, bem sabia que utilizava uma arma para cujo uso não estava legalmente habilitado.
38) Os arguidos agiram em tudo, deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta não lhes era permitida e era punida por lei.
39) Não são conhecidos antecedentes criminais à arguida.
40) O arguido SA, no âmbito do P.C.S. nº…/1994, do 1º juízo criminal de Coimbra, já respondeu pela prática em 21…/94, de um crime de ofensas corporais a funcionário (agente policial), p. e p. pelos arts.384 e 385,nº1 do C.Penal e dois crimes de injúria à autoridade, p. e p. pelos artºs. 165º e 168º,nº2, ambos do C.Penal, tendo sido condenado por sentença de 30/…/95, transitada em julgado, numa pena única de 90 dias de multa, à taxa diária de 400$00.
41) No âmbito do P.C.C. …/95.7 JACBR, da 2ªVara Mista de Coimbra, por sentença de 16/5/96, transitada em julgado em 30../97, foi o arguido condenado como autor de dois crimes de ofensas corporais p. e p. pelo art.142º do C.Penal de 82, na pena única de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de dois anos, sob condição de entregar, no prazo de 3, meses a uma Instituição de Solidariedade Social.
42) A arguida SB à data dos factos exercia a sua actividade de auxiliar de acção educativa, ao abrigo da sua inscrição no fundo de desemprego, auferindo do Centro de Apoio de …o subsídio de cerca de €400.
43) Tem uma filha – MN - com …anos de idade, a qual se encontra a frequentar o 7º ano.
44) A arguida, a sua filha e o co-arguido SA, eram as únicas pessoas que à data dos factos integravam o seu agregado familiar, sendo este último quem com o exercício da sua actividade profissional suportava no essencial as despesas familiares.
45) Actualmente a arguida presta serviços domésticos três vezes por semana, das 9 horas às 16 h e 30 minutos, auferindo à hora €5.
46) Vive numa casa arrendada com a filha, sendo a renda, no montante de €200, suportada pela testemunha AAA ( companheiro, durante 40 anos, da avó da arguida) como contrapartida do facto de a arguida SB permitir que este ocupe a garagem do apartamento onde ela e o arguido Sérgio viviam à data dos factos.
47) Recebe do pai da filha, a título de pensão alimentos, a quantia mensal de €53,50.
48) A arguida possui como habilitações literárias o 9º ano.
49) É tida por aqueles com quem se relaciona como uma pessoa educada e trabalhadora.
50) À data dos factos o arguido SA trabalhava como vendedor por conta da Distribuidora de Produtos Alimentares … auferindo em média, mensalmente, a título de retribuição e comissões nas vendas, a quantia de 700/800 euros.
51) Actualmente, por força da medida de coacção a que se encontra sujeito, vive com os seus pais em casa destes, não suportando qualquer renda mensal.
52) Possui como habilitações o 9º ano de escolaridade.
53) A filha da arguida nutre uma grande afeição pelo arguido Sérgio, tratando-o como se fosse o seu pai.
54) O arguido SA é tido por aqueles que o conhecem e com ele convivem como uma pessoa humilde, honesta e trabalhadora.
55) Actualmente tem o seu contrato de trabalho suspenso, aguardando a sua entidade patronal o desfecho dos presentes autos.
Do pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante C.
56. O demandante ao deparar-se com a presença do demandado junto ao seu veículo assustou-se profundamente, começando a temer pela sua própria vida.
57. O lugar onde se encontrava era servido por caminhos térreos com vegetação, por onde não é frequente o transito de pessoas, a pé ou em veículos motorizados, junto da Albufeira da ….
58. O demandante ao encontrar-se sentado no interior do seu veículo com uma arma apontada na sua direcção encontrava-se numa posição de inferioridade.
59. O temor sentido pelo demandante agravou-se quando se apercebeu que os demandados agiam em comunhão de esforços e intentos, tomando nesse momento consciência do perigo efectivo que a sua vida corria.
60. Sentiu a sua vida entregue à vontade dos agressores.
61. Sabendo-se totalmente desamparado, confuso, num estado de fragilidade e medo.
62. Com a pancada que lhe foi desferida com o pau e que lhe provocou fortes dores, sentiu-se desfalecer em absoluto, como se do fim da sua vida se tratasse.
63. Em consequência da conduta dos demandados e dos ferimentos daí resultantes, o demandante veio a ser socorrido pelos Bombeiros, cerca de um dia depois dos factos, tendo dado entrada no Centro de Saúde …. de onde foi transferido para o Hospital de …
64. Ai chegado apresentou-se consciente mas desorientado, com escala de Glaslow 14, pupilas isocóricas e isorreactivas.
65. Apresentava ainda as lesões descritas no supra mencionado ponto 29, que, pela sua gravidade, determinaram a sua transferência para os H.U.C. onde deu entrada cerca das 18.30 do dia 15/5/2008, período durante o qual sofreu fortes dores.
66. Para além de ter sido submetido a uma cranioplastia e duroplastia, sujeitou-se ainda a tratamento medicamentoso e a diversos meios de diagnóstico tais como TAC,s.
67. Durante os primeiros dias após as agressões relatadas, o demandante esteve confuso, pouco comunicativo e preocupado, à medida que ia constatando a perda de memória .
68. Sofreu fortes dores de cabeça, tendo estado internado naquela unidade hospitalar até 24 de… de 2008, após o que iniciou um período doméstico de convalescença.
69. Em consequência das agressões de que foi alvo, o demandante ficou com uma cicatriz com cerca de 11 cm de comprimento e 3 ml de largura, na região temporo-occipital direita, duas cicatrizes com 5 e 1,5 cm de comprimento e 5 ml de largura na região parietal esquerda, bem como com três cicatrizes com cerca de 1,5 cm, 1,2 cm e 3 cm na face (queixo e sobrolho), cicatrizes que o desfeiam e são visíveis.
70. Tais cicatrizes incomodam-no sobretudo de manhã ao fazer a respectiva higiene diária.
71. Desde os actos perpetrados pelos demandados, o demandante sente muitas dores na cabeça, as quais são intensificadas com a mudança de clima, sentindo-se também bastante deprimido, com a consequente necessidade de acompanhamento médico especializado.
72. O demandante não exerce qualquer trabalho desde o dia 15/…/2008 até pelo menos o dia 15/…/2009, permanecendo de baixa médica, situação que se desconhece por quanto tempo perdurará.
73. As lesões sofridas pelo demandante têm-no forçado à ingestão de analgésicos, continuando a viver, desde a data dos factos, um estado de acentuada depressão, agravada pelo desespero sentido pelas perdas de memória que por vezes sente, face a alguns acontecimentos do passado e também a esquecimentos relativos a coisas simples como comparecer a um encontro.
74. O demandante tinha 30 anos à data da agressão, sendo uma pessoa saudável, sem que alguma vez tivesse sido acometido de doença grave.
75. Era alegre, divertido, dinâmico e muito trabalhador, amigo dos pais, irmãos e amigos.
76. Trabalhava como electricista na fábrica de montagem automóvel PSA …, com sede em …., auferindo uma retribuição média mensal de 1200,00 euros, acrescida de subsídio de férias e de Natal de igual montante.
77. Para além da actividade que desempenhava na mencionada fábrica, o demandante prestava ainda outros serviços de electricidade doméstica.
78. O demandante sofre ainda actualmente de fortes dores de cabeça, encontra-se depressivo, triste e ansioso, o que determinou que fosse aconselhado a tomar medicação própria como Diazepam, Rivotril, Dumyrox, Neurobion, Vastarel, Nimed, Bem-U-Rom, frequentando consultas de psiquiatria.
79. O demandante tem dificuldades em descansar, acorda sucessivas vezes durante a noite, tem frequentes pesadelos e palpitações no coração.
80. Por vezes acorda durante a noite com visões de momentos por si vividos nas horas que passou no interior do veículo, o que lhe causa perturbação.
81. Desde a data dos factos e ainda hoje sente dificuldade em conviver com as pessoas, raras vezes sai da sua habitação, evitando o convívio com os amigos.
82. Em consequência da actuação dos demandados, o demandante teve de realizar pelo menos 15 deslocações à cidade de Coimbra para a realização de consultas médicas e sujeição a exames médicos, contactos com a P.J. e o Instituto de Medicina Legal, utilizando, para o efeito, o seu veículo, ainda que algumas vezes tripulado pelos familiares, com o que despendeu pelo menos a quantia de €810,00 euros (€0.30/Km x180 x15).
83. Em deslocações, pelo menos 10 vezes, ao Centro de Saúde de…. … e Casa de Saúde de … gastou uma quantia global não inferior a € 150,00 (€0,30/Km x 25Kmx10).
84. Em consultas e exames médicos despendeu até à data a quantia global de €413,85.
85. Consulta e exames médicos que ainda continua a fazer e que para já não se prevêem quando possam terminar.
86º. Em medicamentos gastou pelo menos a quantia de €50.00, os quais, actualmente, continua a tomar, não se prevendo quando tal possa terminar.
87. Em consequência da agressão, o demandante ficou com a roupa que trazia vestida naquele dia estragada e inutilizada (calças, camisola, casaco, camisa) e, bem assim, o telemóvel, tudo no valor global de pelo menos 500,00 €.
88. Em consequência da actuação dos demandados supra descrita, o veículo automóvel do demandante sofreu vários estragos que determinaram a reparação a que respeita a factura, no montante de 866,07 euros.
Do pedido de indemnização civil formulado pelos Hospitais da Universidade de Coimbra, EPE, provou-se que:
89. Em consequência das lesões sofridas e supra descritas, o ofendido C. no dia 15 de… de 2008 foi assistido no serviço de urgência dos Hospitais da Universidade de Coimbra, tendo ficado internado no Serviço de Neurotraumatologia onde permaneceu até ao dia 22 do mesmo mês de … voltando a receber assistência, em regime de Consulta Externa no Serviço de Neurocirurgia nos dias 9/7 e 14/10/2008, assistência que importou no montante global de 4.593,66 euros.
Do pedido de reembolso formulado pelo I.S.S.,I.P. provou-se que:
90. Em consequência da actuação dos arguidos e das lesões sofridas, o ofendido C. encontra-se incapacitado para o exercício da sua actividade profissional desde o dia 15/5/2008 até pelo menos o dia 15/6/2009, tendo-lhe o I.S.S, por força de tal incapacidade, pago a quantia global de 13.448.43 euros, a título de subsídio de doença: 11.321.27 euros relativos ao período de 15/5/2008 a 16/4/2009 e 2.127,16 euros relativos ao período de 17/4/2009 a 15/6/2009.
b) Factos não provados:
[Da acusação pública] -
1. que a condição posta pelo arguido SA passasse por pôr termo à vida do ofendido C
2. que a arguida aquando do contacto telefónico tenha dito ao ofendido que queria estar com ele uma última vez.
3. que o arguido SA tenha marcado férias da empresa onde trabalhava depois de ter marcado o encontro;
4. que o arguido SA tivesse levado a arma para por termo à vida do ofendido;
5. que a arguida tenha dito ao ofendido para se deslocar para próximo do local onde haviam estado no dia 18/…/2008;
6. que o arguido tenha trazido a arma e o saco das munições para a sua residência;
8. que durante a sua actuação os arguidos tivessem a intenção de causar a morte do ofendido;
[Da contestação da arguida SB ] -
9. que com o encontro marcado com o ofendido a arguida tivesse como único objectivo pedir-lhe para a deixar de vez, pois não pretendia com ele continuar mais nenhum tipo de relação amorosa;
10. que a conversa que a arguida pretendia ter com o ofendido C era no Restaurante “…” e não em outro qualquer lugar;
11. que tenha sido o ofendido, de forma inesperada, que obrigou a arguida a deslocar-se para a zona da Albufeira da….;
12. que já no local pediu insistentemente ao ofendido C. para regressar ao largo do Restaurante “..;
13. que o ofendido a tenha retido dentro do seu veículo automóvel contra a sua própria vontade;
14. que dentro do veículo automóvel o ofendido C. tenha tentado, por várias vezes, fazer-lhe carícias, ao que a mesma tentava impedir, mas sem sucesso;
15. que a arguida nunca tenha usado qualquer objecto ou instrumento para agredir o ofendido C;
16. que após os dois disparos, o arguido SA tenha atirado a arma para o chão sem mais a utilizar;
17. que tenha sido o ofendido quem se muniu de um pau para ofender fisicamente o arguido Sérgio;
18. que o arguido SA seja o único suporte afectivo para a filha da arguida;
[Do pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante C -
19. que durante a sua actuação o demandado SA tivesse proferido as seguintes expressões “vais ver o que te acontece”, “prepara-te para morrer”.
20. que tenha sido no momento em se apercebeu de que lhe iria ser desferida a pancada com a coronha da arma que o demandante interiorizou a sua morte.
21. que o demandante prestasse por conta própria outros serviços de electricidade doméstica aos quais dedicasse 3 ou 4 horas diárias, todos os sábados do mês e manhãs de alguns domingos.
22. que os canhões das fechaduras do veículo do demandante tenham ficado inutilizadas.
23. que as dores de que o demandante ainda actualmente padece jamais irão desaparecer na totalidade;
24. que o demandante jamais irá recuperar a sua memória por completo;
25. que jamais irá ultrapassar o trauma porque passou;
26. que jamais será a pessoa alegre a bem disposta que foi até ao dia dos factos;
27. que o demandante terá de viver no futuro com medos, ansiedades e desconfianças.
28. que em consequência da actuação dos arguidos, o veículo do ofendido tenha sofrido os estragos que determinaram a reparação no montante de 698,50 euros.
29. que em consequência da actuação dos demandados, o demandante tenha ficado com os ténis que trazia no dia dos factos calçados inutilizados.
Os demais factos mencionados na acusação, nos pedidos de indemnização civil e nas contestações dos arguidos e não mencionados em A) ou B), são conclusivos, de direito ou irrelevantes para a decisão da causa, razão pela qual o tribunal não se pronunciou quanto aos mesmos.

c) Motivação -
A convicção do tribunal alicerçou-se na análise crítica de toda a prova produzida na audiência de julgamento em conjugação com a prova documental, pericial e as reconstituições dos factos constante dos autos, e, ainda, com as regras da experiência.
Assim, no que respeita ao modo como a arguida SB e o ofendido se conheceram e ao posterior relacionamento amoroso entre ambos, valorou o Tribunal as declarações da arguida, a qual, de um modo espontâneo e sem quaisquer reservas confirmou, o que, a tal propósito, se mencionou na factualidade provada, designadamente, ter usado nos contactos com o ofendido uma falsa identidade, quer no chat, onde utilizava o nome “kelly”, quer nos encontros pessoais com aquele, dizendo chamar-se CCC e ser obstectra, confirmando ainda ter mantido com o mesmo, nos dias ai mencionados, relações sexuais, justificando tal envolvimento no facto de, à data, se encontrar zangada com o arguido SA, com quem mantinha uma relação marital e que veio a sair de casa no dia 15 de… de 2008 por se ter apercebido dos contactos que ela andava a estabelecer.
Instada sobre o modo como o ofendido se identificava, referiu que embora no chat o mesmo usasse o nome de “M Bz”, já nos encontros pessoais utilizou sempre o nome Carlos.
Nesta matéria, tais declarações foram corroboradas pelo ofendido C., o qual, de um modo objectivo e isento, confirmou, igualmente, nos termos descritos nessa mesma factualidade, o envolvimento mantido com a arguida, coincidente com o período em que temporariamente se separou da sua namorada, a testemunha APZ, esclarecendo ainda ter terminado o mencionado envolvimento no dia de Páscoa, dia imediatamente seguinte àquele em que pela última vez mantiveram relações sexuais, pese embora a arguida, insistentemente, continuasse a mandar-lhe mensagens, algumas de números privados, optando ele por responder a umas e a outras não, sendo que duas semanas antes dos factos lhe telefonou a dizer que estava grávida, voltando depois a telefonar-lhe de um número fixo, dois ou três dias antes do dia 14/5, para lhe dizer que não estava grávida e que lhe tinha mentido, mas que queria encontrar-se com ele para se despedir, alegando ir trabalhar para os E.U.A, encontro a que acedeu pois também queria inteirar-se do porquê da referida mentira, tendo a arguida marcado o local – junto ao restaurante …- e ele as horas do mesmo.
A respeito do modo como se identificava nos contactos e encontros com a arguida, referiu que pese embora no chat tivesse usado o nome “M Bz”, já nos encontros pessoais identificou-se sempre com o seu próprio nome, esclarecendo que relativamente à arguida só veio a ter conhecimento que a mesma não se chamava CCC posteriormente à ocorrência dos factos.
A propósito da relação marital dos arguidos e dos motivos que levaram à separação temporária do casal, e para além das declarações da arguida, valorou o Tribunal as declarações do arguido SA, o qual confirmou ao Tribunal ter saído de casa uns dias antes da Páscoa, por se ter apercebido de várias mensagens de conteúdo amoroso no telemóvel da arguida.
Conjugando as declarações de ambos os arguidos com o facto objectivo de no dia 16 de … de 2008, a arguida e o ofendido já se terem encontrado na residência daquela, optou o Tribunal por situar a saída do arguido da residência que partilhava com a arguida em data anterior ao mencionado dia 16.
Quanto ao momento em que, após tal saída temporária, o arguido regressou novamente ao lar, convirá referir que não obstante as declarações dos arguidos não tenham, a tal propósito, sido de molde a permitir ao tribunal fixá-lo em termos precisos, a verdade é que da conjugação das mesmas é possível extrair-se que quando decidem marcar o encontro com ofendido e o contactam, para o efeito, telefonicamente, o arguido SA já se encontrava a alguns dias, pelo menos uma semana antes dos factos, na residência do casal, vindo, todavia, como ele próprio adiantou, após regressar, a dar-se conta que continuavam a existir contactos por sms entre a arguida e o individuo que veio saber tratar-se do ofendido, altura em que, segundo o mesmo, a confrontou, tendo a arguida confirmado não só a ocorrência dos mesmos, como confessado que havia mantido com aquele relações sexuais, mas que já estava tudo terminado entre os dois.
Ora, se é certo que até este momento as versões de ambos os arguidos, no essencial, foram coincidentes, a verdade é que, a partir daqui, mais concretamente do momento em que o arguido teve conhecimento do envolvimento sexual da arguida com o ofendido, as suas versões, não foram coincidentes, sendo até contraditórias nalguns aspectos.
Referiu a arguida que na sequência de ter revelado ao seu companheiro o seu envolvimento sexual com o ofendido C e porque aquele aceitara, não obstante tal revelação, continuar a viver consigo, entendeu por bem demonstrar-lhe pessoalmente que tal envolvimento acabara, situação que passava por terem os três uma conversa civilizada, de modo a que este último percebesse que ela tinha um companheiro com quem queria ficar e deixasse, de vez, de lhe mandar sms, sendo que, para tal conversa, decidiu de comum acordo com o SA marcar um encontro no café do .
A instâncias do Tribunal a arguida negou que a iniciativa de tal acordo tivesse sido do arguido SA.
Sobre o modo como foi marcado o mencionado encontro com o ofendido, o qual, de acordo com a mesma, terá ocorrido cerca de oito dias antes dos factos, a arguida confirmou, o que a tal propósito o tribunal fez constar da factualidade provada, desde logo, terem ambos os arguidos recorrido à prévia aquisição do ai mencionado cartão, que, por não ter funcionado nesse dia no seu telemóvel, pois que, segundo a mesma, implicava um carregamento prévio, os levou a fazer a chamada telefónica de uma cabine pública, sita em Coimbra, confirmando ainda ter transmitido ao ofendido que se iria ausentar para os E.U.A e que queria despedir-se dele, encontro que aquele aceitou.
Sobre o dia, local e hora combinados, adiantou ao Tribunal que o ofendido marcou o dia e a hora, tendo ela escolhido como local o café ”, onde já anteriormente se havia encontrado com o ofendido.
Instada a arguida porque razão recorreram à aquisição do mencionado cartão, a mesma respondeu ter sido uma “estupidez”, acrescentando não saber explicar porque razão o fizeram.
Para o facto de terem recorrido a uma cabine pública, adiantou como explicação a circunstância de o ofendido não lhe querer atender o telemóvel, sendo certo que, de acordo com a sua versão dos factos, era o mesmo que insistia em querer continuar a encontrar-se com ela.
Ainda a propósito do cartão adquirido nos chineses referiu ao tribunal, numa fase posterior do seu depoimento, que embora, pelas razões já aduzidas, aquele não tenha funcionado, veio, todavia, a utilizá-lo mais tarde no local dos factos, tendo sido com ele que fez os contactos telefónicos desse dia, vindo depois a destruiu-lo.
Sobre a arma, referiu que só veio a ter conhecimento da sua existência quando já no local dos factos vê surgir o arguido com ela, tendo-se, todavia, nas suas declarações, denotado uma preocupação em justificar o facto de o arguido a ter levado para o encontro.
A tal respeito, referiu que o arguido só o fez por ter ouvido o ofendido dizer, quando ela se encontrava a falar com este ao telefone no dia da marcação do encontro, para ela ter cuidado, pois ele não era flor que se cheirasse, a que acresceu a circunstância de também ela própria lhe ter dito no dia dos factos que o C uma vez mostrara-lhe uma arma, factos que, diga-se, vieram a ser desmentidos pelo ofendido.
A propósito das luvas utilizadas pelo arguido SA, referiu que as mesmas encontravam-se na garagem da sua residência, local onde as colocou após ter constatado que se encontravam no interior de uma bata que trouxera da escola onde trabalhava e que ai utilizava.
Quanto ao facto de no mencionado dia 14 se terem deslocado separadamente para o local dos factos nos veículos que confirmou serem os identificados na factualidade provada, a mesma nada soube esclarecer de concreto.
Quanto ao modo como os factos ocorreram no local, a mesma referiu que chegada ao restaurante “..”, após ter estacionado o seu veículo na parte lateral do respectivo parque de estacionamento – estacionando o arguido SA o seu veículo na parte da frente - vê surgir o Carlos do IP3, vindo do lado de Viseu, a passar por detrás do restaurante, zona que dá acesso à … ao invés de entrar pela parte da frente do mencionado restaurante, altura em que, após lhe ter telefonado a dizer que o encontro era no café, vai ter com ele a pé até às traseiras do restaurante. Acrescentou ainda a arguida que embora a ideia dela fosse depois virem juntos para a parte da frente do restaurante e ai o ofendido poder estacionar o jeep, este último, após lhe ter dito para entrar para interior do carro, arrancou de imediato em direcção à Albufeira, não lhe tendo dado tempo de reagir.
Instada porque razão não aguardou pelo o ofendido no interior do café, tanto mais que a ideia era ter ai com o mesmo e o arguido uma “conversa civilizada”, a mesma não adiantou qualquer argumento credível.
Instada também porque razão, após ter sido “forçada” a entrar para o jeep, não optou por pedir ajuda ao arguido SA, a mesma referiu não o ter feito, em virtude de ter o seu telemóvel desligado, sendo certo que, momentos antes, e conforme se pode extrair da facturação detalhada do telemóvel do arguido SA (fls. 548 dos autos) o mesmo recebeu entre as 8h e 32 e 9h e 44 três chamadas no seu telemóvel, cuja localização celular indicou a povoação de … onde ocorreu o crime.
A propósito dos factos ocorridos já junto à …, a mesma referiu que, após o ofendido ter estacionado o carro junto a um beco, perto da água, começaram a conversar, sendo que no momento em que o ofendido se debruçava sobre ela, após ter rebaixado o banco, vê o SA surgir pela 1ª vez, a cerca de 4 metros, sem qualquer arma, vindo, após algum tempo, aperceber-se novamente do mesmo já do lado do condutor, em que a respectiva janela se encontrava meia aberta, com a arma na mão e as luvas cor-de-rosa calçadas, apontando a mesma em direcção ao ofendido, sem contudo a introduzir no interior do carro, ao mesmo tempo que lhe ordenava para sair do carro, proferindo ainda a expressão “Isto é um assalto”. Mais adiantou a arguida que não tendo o C, após lhe ter sido dito por três vezes para sair do carro, acatado a referida ordem, o arguido efectuou um disparo para o ar a fim de o intimidar. Porque o ofendido continuava no interior do veículo, o arguido SA pegou numa pedra que se encontrava no chão e atirou-a para o interior deste, vindo, em consequência, a estilhaçar-se o vidro do lado dela, embora não tenha sido atingida pelos vidros.
Acrescentou ainda a arguida que, nesse momento, o SA pediu-lhe para tirar a chave da ignição, o que fez, após o que saiu para o exterior, deixando aquela em cima do banco, tendo o ofendido que, entretanto, também saíra do carro, atirado uma garrafa de cerveja na direcção do arguido que o veio a atingir no sobrolho, após o que este efectuou um novo disparo para o solo.
Referiu ainda a arguida que, posteriormente a tal disparo, o arguido colocou a arma no chão, envolvendo-se depois num confronto físico com o ofendido, no decurso do qual este último, munindo-se de um pau, desferiu uma pancada no Sérgio, na sequência da qual este veio a desmaiar. Esclareceu ainda a arguida que, a determinada altura, apercebeu-se do SA a começar de reagir e do ofendido a mexer no bolso das calças, momento em que o arguido SA , admitindo que aquele trouxesse consigo alguma arma, lhe deu uma pancada na cabeça com a parte de madeira da sua arma.
Sobre o que aconteceu ao ofendido na sequência desta pancada, a mesma referiu que o mesmo, pese embora tenha ficado caído ao pé da roda da frente do Jeep, manteve-se consciente, não se tendo apercebido que sangrasse, sendo que quando ela e o arguido se preparavam para abandonar o local, aquele estava a tentar levantar-se, dizendo-lhes para o deixarem pois tinha uma filha para criar.
A instâncias esclareceu não terem tentado por o carro do ofendido em movimento, sendo que quanto aos objectos que levaram do local, referiu terem apenas levado a arma.
Questionada sobre se considera o arguido uma pessoa violenta, a mesma negou, negando igualmente ter alguma vez apresentado queixa contra o mesmo, designadamente por agressões.
Passando, agora, à versão do arguido e começando pela razão de ser da marcação do encontro, foi pelo mesmo adiantado ao tribunal que após a arguida ter-lhe confirmado, já após o seu regresso a casa, que os sms continuavam e que durante o envolvimento com o individuo que a continuava a contactar havia mantido relações sexuais com este, transmitiu-lhe que seria melhor esclarecer a situação pessoalmente com o mencionado indivíduo, pois lidando ele (arguido), na qualidade de vendedor, com muita gente, tinha uma imagem e um nome a defender, não querendo, por isso, correr o risco de um dia ter de “ouvir bocas” a tal propósito.
Ainda sobre o mencionado encontro, referiu que a arguida acedeu marcá-lo, sendo seu objectivo que esta lhe apresentasse o tal indivíduo e lhe pudessem ambos dizer que acabasse com as mensagens e os deixasse viver a vida à vontade, sem interferências.
Sobre o modo como foi estabelecido o contacto telefónico com o ofendido, o arguido manteve, no essencial, a versão da arguida, esclarecendo, todavia, ter o mesmo ocorrido 3 a 4 dias antes do dia 14.
Quanto à questão de ter tirado as férias na empresa para a qual trabalhava em função da marcação do encontro com o ofendido, convirá desde já referir que, para além de o arguido o ter negado, resultou da prova produzida, desde logo do documento junto aos autos a fls.191 e do depoimento da testemunha JA, director comercial da empresa onde o arguido se encontrava a trabalhar, que o período de férias a que se reporta o mencionado documento já havia sido marcado no início do ano, depoimento que se nos mostrou credível e que não posto em causa por qualquer outro meio de prova.
Quanto à questão da arma, referiu ter ido buscar a mesma e respectivas munições no dia anterior a casa do pai, adiantando, como explicação, o facto de lhe ter vindo à ideia a já mencionada expressão utilizada pelo ofendido aquando do telefonema da arguida, a que acresceu ainda a circunstância de desconhecer a pessoa que ia encontrar.
Instado sobre a razão de ser de tal receio, tanto mais que o encontro iria ser num local público, não foi pelo arguido adiantada qualquer explicação credível.
Sobre o conhecimento por banda da arguida da existência da arma na sua posse, o mesmo referiu não lhe ter dado conhecimento desse facto, sendo sua convicção que a mesma só se apercebeu da mencionada arma no local dos factos.
A propósito das luvas cor-de-rosa e que confirmou ter utilizado, negou que tivesse sido a arguida a trazê-las para o efeito de ele as usar no dia, adiantando que as mesmas encontravam-se no interior do seu veículo juntamente com uma lata de petróleo, vindo a ser utilizadas por si há já algum tempo.
Quando ao facto de se terem deslocado em dois carros para o local, adiantou não saber explicar o porquê de tal opção.
A propósito de como se desenrolaram os factos após ter seguido no encalço do Jeep do ofendido, referiu ao Tribunal que ao sair do seu veículo que previamente estacionara e ao aproximar-se daquele, pode aperceber-se do ofendido inclinado para o lado da Susana com as mãos nos seios desta, altura em que, movido pelos ciúmes, voltou atrás, pegou na arma, nas luvas e na sacola dos cartuchos que colocou à tira-colo, municiando de seguida aquela com duas munições.
Já ao pé do veículo do ofendido, tocou com os canos da arma na janela do lado do ofendido que se encontrava meia fechada, proferiu a expressão “Isto é um assalto” e ordenou-lhe que saísse do veículo. Como o ofendido não foi receptivo a sair, pediu à arguida para tirar as chaves do Jeep e o telemóvel, o que esta fez, entregando-lhe tais objectos quando saiu do carro, atirando depois para o interior do mesmo veículo uma pedra, não podendo precisar se antes ou depois de a arguida ter saído, vindo a estilhaçar-se o vidro do lado desta.
Entretanto, tendo o C. saído também do veículo, os dois vieram para as traseiras deste, onde então ai lhe ordenou que se sentasse, sendo que, não tendo aquele cumprido a mencionada ordem disparou, nesse momento, o 1º tiro para o chão. De imediato, o ofendido atirou-lhe com uma garrafa que o atingiu na testa, momento a partir do local decidiu dar o segundo tiro para o chão. Porque, neste momento, a arma ficou descarregada, atirou-a para o chão e envolveu-se num confronto físico com o ofendido, na sequência do qual, também na sua versão, ocorreram as agressões com o pau e a coronha da arma, nos termos adiantados pela arguida e já descritos, chamando igualmente à colação o facto de ter decidido dar com a coronha da arma na cabeça do ofendido, em virtude de estar convencido que aquele também trazia uma arma consigo, coronha essa que confirmou ter-se partido em consequência da pancada.
Instado sobre se participou criminalmente dos ferimentos que, segundo a sua versão, o ofendido lhe provocou, referiu que não.
A propósito de eventuais tentativas de movimentação do carro do ofendido ou da colocação de terra no depósito de combustível deste, o arguido negou ter procedido a qualquer um destes actos.
Sobre o estado em que o ofendido ficou quando ele e arguida abandonaram o local, referiu que o mesmo ficou caído no chão e a gritar, dizendo que tinha uma filha para criar, confirmando ainda ter levado consigo, para além da arma, as chaves do veículo do ofendido, que veio mais tarde a destruir, esclarecendo a propósito do telemóvel do ofendido, tê-lo atirado para o lado onde se encontrada caído o ofendido.
Tais declarações dos arguidos, para além de terem divergido entre si, mostraram-se até, nalguns aspectos, divergentes às vertidas nos respectivos interrogatórios prestados em sede de inquérito perante juiz de instrução e a cuja leitura se procedeu em audiência de julgamento, nos termos do art.357º,nº1,b), do C.P.P. e, bem assim, com os autos de reconstituição em que participaram em sede de inquérito e realizados com o formalismo legal (autos de fls. 356 a 405), sendo que quando confrontadas com as mesmas não conseguiram dar qualquer explicação credível, para além do argumento de que, aquando de tais diligências, se encontrarem nervosos e com a cabeça cheia do que a Polícia Judiciária lhes havia dito.
Neste último aspecto, e no que concerne à arguida, refira-se que aquando da reconstituição mencionou o facto de ter chegado a pegar num pau, a pedido do arguido, para agredir o ofendido, o qual abandonou de imediato por não conseguir fazê-lo, e, bem assim, a circunstância de ter abandonado o local dos factos sozinha, não tendo, de acordo com o que fez constar aquando da reconstituição, presenciado à agressão ao ofendido com a coronha da arma.
Quanto ao arguido, refira-se o facto de ter ai feito constar que a arguida agrediu o ofendido com um pau e, bem assim, a circunstância de ter atirado o telemóvel para a albufeira.
Do confronto das declarações prestadas pelos arguidos em audiência de julgamento com a recriação que fizeram dos acontecimentos, não poderá deixar de considerar-se ainda estranho o facto de os arguidos não terem feito alusão ao momento em que, de acordo com as suas declarações, o ofendido se debruçou sobre a arguida e lhe começou a fazer carícias, circunstância que, de acordo com os mesmos desencadeou a actuação agressiva do arguido.
Quanto ao que a arguida declarou em sede de 1º interrogatório judicial, chama-se à colação, para além de outras contradições com o que adiantou em sede de audiência de julgamento, o facto de, aquando de tal diligência, ter feito alusão à personalidade agressiva e ciumenta do arguido Sérgio, referindo ter marcado o encontro por ter sido ameaçada por este para o fazer, a circunstância de também ai ter declarado ter pegado num pau para agredir o ofendido (embora o não tenha vindo a fazer) e, ainda, o facto de se ter ausentado do local antes de qualquer agressão ao ofendido, da qual, segundo tais declarações, só veio a ter conhecimento mais tarde, quando o arguido SA chegou a casa e lhe contou que embora não fosse sua intenção matar o C receava tê-lo feito.
Quanto ao arguido SA, importará chamar à colação, o facto de em sede de 1º interrogatório ter dito que as luvas que levava calçadas tinham sido trazidas pela arguida, da escola onde trabalhava, a fim de ele as utilizar naquele dia, a circunstância de também ai ter feito alusão à agressão com um pau por parte da arguida Susana ao ofendido e, ainda, o facto de ter referido que o objectivo do encontro era dar “uns sopapos” ao ofendido, sendo que, em face da reacção dele acabou por disparar.
Ora chegados aqui, e antes de extrair qualquer conclusão das declarações dos arguidos e das mencionadas contradições, vejamos a versão dos factos apresentada pelo ofendido C.
Tendo-se já supra adiantado, o que a propósito da marcação do encontro, referiu ao Tribunal, dir-se-á que quanto ao modo como os factos se desenrolaram junto à A, - dispensando-nos aqui de transcrever as suas declarações que, aliás, à excepção de um único pormenor que mais à frente iremos fazer referência, estão de acordo com a reconstituição que fez dos factos em sede de inquérito, igualmente com observância do formalismo legal e que o tribunal não poderá deixar de valorar - o mencionado ofendido, de um modo isento, objectivo e seguro, relatou-os nos termos em que supra se mencionou na factualidade provada até ao momento que levou a pancada na cabeça desferida pela arguida, esclarecendo que, a partir daí, apenas recorda que acordou deitado no banco traseiro do seu veículo, tapado com uma manta e cheio de sangue, não sabendo esclarecer como é que chegou até ao restaurante …. ao outro dia de manhã.
A instâncias, confirmou ter-se envolvido fisicamente com o arguido com vista a evitar que este carregasse novamente a arma, negando, contudo, rotundamente, ter agredido qualquer um dos arguidos nos termos adiantados por estes ao tribunal, acrescentando ainda que, a partir do momento em que o arguido SA pediu à arguida para tirar a chave da ignição e o telemóvel, pode aperceber-se de que aqueles se encontravam conluiados.
De salientar que o ofendido C, a propósito do que o levou a não entrar no café e antes dirigir-se para a zona da Albufeira da ---, referiu ao Tribunal ter sido arguida quem, apeada, vem ter com ele às traseiras do restaurante e lhe pede, após entrar para o veículo, para ir para “baixo” – referindo-se à Albufeira – vindo ainda indicar-lhe, após ter-se dirigido no sentido da Barragem da …, a cortada por onde ele havia de entrar.
A instâncias referiu que o argumento invocado pela arguida prendeu-se com o facto de ai poderem conversar melhor, pedido a que acedeu, sendo que, decorridos poucos minutos logo surge o arguido.
A instâncias, esclareceu que não mexeu no seu assento, não se inclinou sobre a arguida, não lhe mexeu nos seios, finalizando com a expressão “não ia com intenção de nada, queria apenas saber a razão de tanta mentira”, esclarecendo ainda que à data já havia feito as pazes com a namorada AP, com quem havia tomado café nesse dia de manhã antes de se deslocar para o local, o que, aliás, também foi adiantado por esta.
Ora, independentemente do que estaria na mente do ofendido quando acabou por aceder ao pedido da arguida, a verdade é que o Tribunal, em face de toda a prova produzida, terá de concluir que aquele só para ai se deslocou a pedido desta.
A respeito do único pormenor divergente entre o declarado pelo ofendido em sede de audiência e o teor do respectivo auto de reconstituição, tal prendeu-se apenas com o facto de, em sede de audiência, ter adiantado ter-lhe o arguido SA ainda atirado, através da janela, uma garrafa de vidro para o interior do veículo e que ele (ofendido) agarrou com a mão, actuação essa que não mencionou aquando da reconstituição dos factos.
Todavia, tal pormenor, não mencionado sequer na acusação pública, não foi, de modo algum, susceptível de sequer beliscar a credibilidade que nos mereceu o depoimento do ofendido e com base nele formar a nossa convicção quanto ao modo como os factos se desenrolaram no dia dos factos, depoimento esse que se mostra também compatível com tipo de lesões sofridas e os vestígios hemáticos constatados na arma, cfr. relatórios periciais de fls 112 a 120, 825/826 do I.M.L. e fls. 659-664, do L.P.C: as lesões ao nível da face (aludidas no ponto 2, fls.19, do relatório do I.M.L) são compatíveis com a agressão desferida com a boca da arma, onde foi encontrado um vestígio hemático, pese embora do mesmo não tivesse sido possível obter resultados no que concerne à análise de D.N.A.; as ocorridas no crâneo (ponto 1 de Fls, 119) são compatíveis com a agressão desferida com o pau e a coronha da arma, tendo, nesta última, sido recolhida uma mancha onde foi encontrada detectada a presença de DNA do ofendido.
Quanto às concretas lesões sofridas pela vítima C em consequência das agressões de que foi vítima e ao nexo de causalidade entre estas e o perigo de vida, valorou o tribunal o teor dos mencionados relatórios periciais elaborados pelo IML.
Ora, face às declarações contraditórias e inconsistentes dos arguidos já supra chamadas à colação e porque, à luz das regras da experiência comum, as declarações prestadas pelo ofendido se mostraram credíveis, entendeu-se pois dar como provado o que, a propósito do modo como os factos ocorreram no dia 14/5, se fez constar da factualidade provada.
E, tendo-se assim desenrolado os factos é indubitável que o encontro a marcar com o ofendido nunca poderia ter tido como objectivo uma “conversa civilizada”, como os arguidos tentaram convencer o Tribunal, mas antes, um “lavar de honra” por parte do arguido SA, confrontado como foi com o envolvimento sexual da sua companheira com o ofendido, pois, como ele próprio referiu era uma pessoa que lidava com o público, tinha uma imagem a manter e não estava para um dia ainda ouvir bocas.
E, tal intenção do arguido, torna-se ainda mais consistente se a isto associarmos o que a, propósito da sua personalidade e da marcação do encontro, a arguida referiu em sede de 1º interrogatório judicial e que já atrás trouxemos à colação.
Com efeito, referiu aí a arguida que SA é muito ciumento e que só aceitou marcar o encontro porque este a obrigou.
E tal versão, é sem dúvida, aquela que mais se aproxima da realidade dos factos, pois que, não é crível, à luz das regras da experiência comum, que tendo sido a arguida quem foi infiel ao arguido fosse ela depois, como tentou convencer o tribunal, a tomar a iniciativa de marcar um encontro a três.
Assim, em face da incoerência e inconsistência que apresentam as declarações da arguida em sede de audiência, a respeito, desde logo, da iniciativa do encontro, entendeu o tribunal, valorar, nesta sede, o por si referido em sede de 1º interrogatório, razão pela qual se deu como provado que a marcação do encontro resultou de uma condição imposta pelo arguido para que continuassem a viver juntos, condição que a arguida acabou por aceitar, colaborando depois, como ela própria admitiu, na marcação do mesmo, servindo ainda de embuste para atrair o ofendido ao local do encontro.
A respeito do dia em que foi estabelecido o contacto telefónico com o ofendido, entendeu o tribunal ter o mesmo ocorrido pelo menos três dias antes do dia 14/5, resultando tal convicção da conjugação das declarações do ofendido e do arguido.
Assim, tendo o 1º falado em 2/3 dias antes do dia 14/5 e o 2º em 3/4 dias antes do mesmo dia, entendeu o tribunal, na ausência de outros meios de prova convincentes - pois que, a tal propósito, a arguida adiantou não poder precisar com certeza quando tal ocorreu, embora tenha admitido, como hipótese, tal ter ocorrido 8 dias antes - entendeu o tribunal, na ausência de outros meios de prova, situá-lo três dias antes do dia 14/5.
Quanto ao que o tribunal, a propósito do modo como foram conseguido as luvas utilizadas pelo arguido, fez constar da factualidade, tal resultou das declarações da arguida prestadas em audiência, conjugadas com o que sobre tal aspecto o arguido referiu em sede de primeiro interrogatório, sendo que quando confrontado com a discrepância manifesta entre o que aí havia dito e o que veio a declarar em audiência, o mesmo não deu qualquer explicação credível, limitando-se a dizer que quando foi ouvido em 1º interrogatório estava nervoso.
Ora, perante a ausência de qualquer explicação credível para tal discrepância e mostrando-se o declarado por si em sede de 1º interrogatório, a propósito das luvas, o que, à luz das regras da experiência, mais se aproxima da realidade, entendeu o tribunal, nesta sede, valorar as mesmas, considerando-se assim como provado terem tais luvas sido trazidas pela arguida da escola onde trabalhava, a fim de o arguido SA as utilizar naquele dia.
Consequentemente, também por este facto, não colheram, à luz das regras da experiência comum, as razões já adiantadas pelos arguidos para se munirem da arma e, bem assim, a alegação de que a arguida Susana só teve conhecimento desta quando no local vê surgir o arguido com a mesma.
Chegados aqui e chamando agora à colação o modo como os arguidos, com vista à marcação do encontro, contactaram o ofendido, recorrendo à aquisição prévia de um cartão numa loja de chineses, o qual, por não ter funcionado, faz com que aqueles optassem por o fazer de uma cabine pública, sita na cidade de Coimbra, quando é certo que residiam na Pampilhosa, cremos, à luz das regras da lógica e da experiência, não poder ser outra a conclusão de que com tal actuação os arguidos pretenderam não deixar qualquer rasto sobre tais contactos telefónicos.
O mesmo se passando com as luvas trazidas pela arguida para o arguido usar no dia do encontro, em que a razão de ser da sua utilização, em face das considerações já feitas, não podia ser outra que não ocultar qualquer vestígio.
Ora, atentos os contornos que assumiu a preparação do encontro e munindo-se os arguidos da arma, cremos ter de conclui-se, à luz das mencionadas regras, que a condição imposta pelo arguido Sérgio e que a arguida acabou por aceitar, passava não só por agredir o ofendido, mas também, e se necessário fosse - o arguido desconhecia a pessoa que ia encontrar - causar-lhe lesões das quais pudesse advir-lhe a morte.
No fundo, os arguidos acautelaram-se para “o que desse e viesse” desse encontro e dai a prévia preocupação de evitar deixar “rastos”.
Com efeito, se atentarmos na dinâmica dos factos junto à Albufeira, temos sedimentada essa intenção dos arguidos e, dai, o tribunal ter dado como não provado que a condição posta pelo arguido SA passasse por pôr termo à vida do ofendido, resultado que, todavia, admitiram apenas a título de dolo eventual.
Na verdade, se o lavar da honra do arguido SA passasse por pôr termo à vida do ofendido, bastar-lhe-ia, para tal, para além da arma e respectivos cartuchos que trazia consigo, disparar um tiro certeiro neste.
Porém, ficou o Tribunal com a convicção, da conjugação de todos os meios probatórios, que a intenção do arguido SA passou por encarar de frente o homem com quem a sua companheira o havia traído e, posteriormente, assustá-lo e “humilhá-lo” durante algum tempo, admitindo, porém, que se algo corresse mal, como acabou por acontecer – atente-se que o ofendido não lhes facilitou a sua actuação - provocar-lhe lesões de que pudesse vir advir-lhe a morte, conformando-se com tal resultado .
E, na verdade, atentas as pancadas que acabaram por desferir na cabeça do ofendido, zona vital onde sabiam alojar-se o cérebro, não pode deixar de concluir-se que os arguidos admitiram novamente a possibilidade de que da sua actuação conjunta e concertada, pudesse resultar a morte do ofendido, lesões que, só por si, de acordo com os mencionados relatórios, consubstanciaram, perigo para a vida, resultado com que se conformaram e que se infere ainda da circunstância de o terem abandonado, após as agressões perpetradas, num local não habitualmente frequentado, não providenciando pelo seu socorro, como eles próprios admitiram e dificultando-lhe até que pudesse fazê-lo pelos seus próprios meios.
Com efeito, para além de terem levado as chaves do veículo do ofendido, como o próprio arguido SA admitiu, e atirado o telemóvel daquele para junto da margem da albufeira, os arguidos encheram ainda de terra o depósito de combustível do veículo daquele.
A propósito do local para onde foi atirado o mencionado telemóvel, estribou-se o tribunal no depoimento da testemunha VVM, Inspector da Polícia Judiciária que dirigiu a investigação, a qual, dando conta ao tribunal das diligências levadas a efeito ao longo do inquérito, esclareceu ter o mesmo sido encontrado no local do crime, numa zona de declive, quase submerso na água, na sequência de indicação prévia por parte do arguido da zona para onde o atirara aquando dos factos, depoimento que o tribunal conjugou ainda com os registos fotográficos de fls. 278 a 285, elucidativos de tal local.
De salientar que aquando da reconstituição dos factos o arguido deu essa indicação, pese embora em audiência tenha dito que o atirou para o lado do ofendido.
A propósito da factualidade atinente à existência de terra no depósito do veículo do ofendido, valorou o tribunal o depoimento da testemunha MMAA, mecânico responsável pela sua reparação, a qual, esclarecendo o tribunal, de um modo objectivo e isento, sobre o estado do mencionado veículo e, bem assim, sobre o tipo de trabalhos de reparação levados a efeito no mesmo, adiantou ainda ter-se apercebido aquando da mesma que no interior do depósito se encontravam cerca de dois Kg de terra misturada com o gasóleo.
A instâncias, referiu ainda que tal introdução ocorreu através do bucal por onde entra o gasóleo, no qual também constatou existir terra, sendo que para tal ter ocorrido foi necessário que alguém tivesse procedido a tal introdução.
Mais esclareceu que para aceder ao depósito é necessário ter a chave do veículo, em virtude de só através da mesma se conseguir abrir a portinhola que dá acesso ao tampão do depósito.
Ora, conjugando o teor de tal depoimento com o facto objectivo de as chaves do veículo do ofendido terem sido levadas pelos arguidos, ter-se-à de concluir terem sido os mesmos quem procedeu a tal colocação.
Acto esse que juntamente com os relativos as chaves e ao telemóvel, o tribunal considerou, em face da conjugação dos meios de prova já aduzidos, e na ausência de outros, terem sido praticados pelos arguidos com o objectivo de impedir que aquele pudesse, em tempo oportuno, vir em sua perseguição, sendo certo que, como referiu o arguido SA, a propósito das chaves e do telemóvel, desconhecia que o ofendido já havia frequentado a sua residência, no momento em que se relacionou com a arguida.
Quanto às características do local dos factos e ao conhecimento por parte dos arguidos da pouca frequência do mesmo, estribou-se o tribunal não só no depoimento do ofendido, mas ainda nos registos fotográficos constantes dos autos relativos ao local dos factos (registos de fls 15,25,278, para além daqueles que integram os respectivos autos de reconstituição) elucidativos de que o mesmo é servido por caminhos térreos, circundados por vegetação e recuados em relação à via principal, a inculcar a aludida pouca frequência, importando chamar à colação o facto de a arguida já ter estado na zona da albufeira, ainda que não no preciso local em que no dia dos factos foi estacionado o veículo, onde segundo a mesma manteve relações sexuais com o ofendido.
Ora, em face do exposto e à luz das regras da experiência comum, não podia o tribunal deixar de dar como provado o que, a tal respeito, fez constar da factualidade provada.
A propósito do abandono do ofendido no local, em estado de inconsciência, convirá referir que não colheu a versão dos arguidos de que quando o aí abandonaram ainda se encontrava consciente e a falar.
Com efeito, tendo o ofendido perdido os sentidos quando levou a 1ª pancada com o pau, como ele próprio adiantou, e o tribunal se convenceu, não pode deixar de concluir-se, à luz das regras da experiência, que após ter sido agredido com a coronha da arma, o mesmo assim tivesse continuado, atenta a violência desta, evidenciada pela quebra da coronha e os ferimentos de que veio a padecer.
Ferimentos esses de que os arguidos não poderão ter deixado de aperceber-se e, bem assim, da perda de sangue daí decorrente (atentar pelas manchas hemáticas existentes no veículo do ofendido e na manta que o cobria) e, consequente, necessidade de assistência médica, nada fazendo, todavia, para o socorrer e dificultando-lhe ainda tal possibilidade.
Termos em que não pode deixar de conclui-se que os arguidos, mais uma vez, representaram a possibilidade de este poder vir a morrer, resultado que aceitaram.
Quanto ao período de tempo em que o arguido permaneceu no local em estado de inconsciência, estribou-se o tribunal na conjugação dos depoimentos do ofendido C. e da testemunha R , a qual, encontrando-se a trabalhar no Restaurante …, pode aperceber-se, no dia seguinte aos factos, por volta das 10 horas da manhã, da chegada do ofendido pelas traseira do mesmo, com golpes na cabeça e na face e com manchas de sangue seco na cabeça, boca e braços, tendo logo providenciado pelo seu socorro.
No que respeita à actuação concertada dos arguidos, extraiu-a o tribunal das regras da experiência comum, em conjugação com a factualidade atinente ao modo como os factos se desenrolaram, desde que o arguido impôs como condição de continuar a viver com a arguida SB ter o aludido encontro com o ofendido.
Para prova da matéria atinente ao crime de detenção de arma proibida, valorou o tribunal as declarações do arguido, em conjugação com o que a propósito do tipo de arma utilizada resulta do auto de apreensão de fls.298/299 e exame pericial de fls. 1018 a 1022.
Relativamente à ausência de antecedentes criminais por parte da arguida, valorou-se o seu certificado de registo criminal junto aos autos a fls.1125, sendo que, relativamente às condenações sofridas pelo arguido SA, o tribunal valorou as certidões condenatórias juntas aos autos no decurso da audiência de julgamento, condenações a que o arguido fizera referência nas suas declarações.
Quanto às condições de vida da arguida SB nos seus aspectos familiares, profissionais e económicos, valorou o tribunal o teor das declarações prestadas pela mesma a tal propósito, em conjugação com os depoimentos das testemunhas por si arroladas e cuja respectiva identificação remetemos para a acta da audiência de julgamento, as quais, quer por terem privado com ela por força da sua actividade profissional, quer por manterem com a mesma uma relação de amizade e familiar, demonstraram estar a par de tal factualidade.
Quanto às condições de vida do arguido SA foram igualmente valoradas as declarações prestadas pelo próprio a tal propósito, em conjugação com os depoimentos das testemunhas por si arroladas e cuja respectiva identificação remetemos para a acta da audiência de julgamento, as quais, quer na qualidade de amigos, quer de seu superior hierárquico, depuseram sobre tal matéria.
Para prova da matéria atinente aos sentimentos experimentados pelo demandante C. durante a abordagem por parte dos arguidos, assentou o tribunal a sua convicção nas regras da experiência comum, à luz das quais é razoável admitir, em face do local em que se encontrava e da forma como foi abordado pelos dois arguidos, que o mesmo se tivesse sentido nos termos descritos nos pontos 56 e 58 a 61.
Relativamente ao tipo de assistência médica prestada ao ofendido após as agressões, ao modo como o mesmo se encontrava quando deu entrada nos H.U.C., ao tipo de intervenções a que foi sujeito, às dores sentidas após a agressão de que foi vítima e durante o período de internamento, às cicatrizes com que ficou e ao incómodo que as mesmas lhe provocam, atendeu-se ao teor dos relatórios médicos elaborados pelo I.M.L e já supra chamados à colação, igualmente ponderados a respeito da idade do ofendido, em conjugação ainda com os depoimentos das testemunhas APX, namorado do ofendido até Fevereiro do corrente ano e com quem viveu até essa altura e AM, mãe deste e com quem actualmente vive, as quais pela proximidade que mantiveram e mantêm com o ofendido e por o terem acompanhado durante o período de internamento depuseram sobre tal factualidade, confirmando ainda a primeira ter-se apercebido durante o período em que morou com o ofendido dos incómodos resultantes das cicatrizes com que ficou na face, designadamente para fazer a barba.
No que respeita às fortes dores de cabeça ainda sentidas por este, às perdas de memória de que padece, ao seu estado depressivo, triste e ansioso, ao receio que sente em conviver com pessoas, evitando sair de casa, à dificuldade que sente em adormecer, aos pesadelos e palpitações de que frequentemente padece, valorou o tribunal não só os depoimentos das mencionadas testemunhas, mas ainda o depoimento da testemunha Fandília Lopes, médica do Centro de Saúde de.. e de quem o ofendido é utente, a qual, por o observar uma vez por mês, há um ano a esta parte, adiantou que o mesmo ainda apresenta um ar doente e triste, queixando-se frequentemente de dores de cabeça, perdas de memória e de alguma falta de concentração, confirmando ainda encontrar-se aquele a ser seguido em consultas de neurologia e psiquiatria, facto que, de acordo com esta clínica, é perfeitamente compreensível, atento o stress pós traumático que situações como aquelas por que passou o ofendido podem determinar, para além da medicação a que se encontra sujeito, designadamente, anti depressivos.
Sopesaram ainda na convicção do tribunal os depoimentos das testemunhas PXZ. PIA e AMM, amigos do ofendido e que, nessa qualidade, e por conviverem com ele, puderam aperceber-se da mudança radical do seu comportamento, considerando-o uma pessoa completamente diferente: antes era tido como uma pessoa activa, alegre e divertida e actualmente, isola-se, apresenta-se triste, assustado, aterrorizado, apático e com perdas de memória, chegando inclusivamente a esquecer-se dos encontros que marca com os amigos.
Para prova de que o demandante C. se encontra de baixa médica desde o dia 15/5/2008, até pelo menos o dia 15/6/2009 e dos montantes recebidos por aquele a título de subsídio por doença, por parte do Instituto de Segurança Social, valorou o tribunal, conjugadamente, os documentos de fls.965 a 985, 1050,1302,1303 e 1312 a 1316.
Relativamente à actividade profissional do demandante e ao montante mensal do seu salário, valorou o tribunal o teor dos recibos de vencimento juntos aos autos com o pedido de indemnização civil (doc.nºs1,2 e 3), tendo o tribunal fixado o valor do salário em 1.2000,00, através do cálculo de uma média obtida a partir dos três valores ai mencionados.
Para prova das quantias despendidas pelo demandante com consultas e exames médicos a que teve de se sujeitar em consequência dos factos descritos, assistência essa que se mostra compatível com o tipo de lesões sofridas, atendeu-se aos documentos nºs 10 a 29 juntos com o pedido de indemnização e, bem assim, os juntos com a respectiva ampliação, com os nº1 a 4.
Quanto à quantia que o demandante já despendeu em medicamentos, em consequência das lesões sofridas, valorou o tribunal o teor dos documentos nº4 a 9, elucidativos do tipo de medicamentação ingerida pelo ofendido e do respectivo custo da mesma, sendo que, no que em especial se refere ao montante de 50,00 euros, julgou-o o tribunal ajustado, à luz das regras da experiência comum, em face ao custo de tal medicação e ao período já decorrido desde os factos.
No que respeita à matéria atinente às despesas suportadas pelo demandante com deslocações a Coimbra, Nelas, Mortágua e Viseu para consultas e exames médicos (pontos 82 e 84), valorou o tribunal o teor dos documentos atinentes às consultas e exames efectuados pelo demandante, em conjugação com os depoimentos das testemunhas Ana Paula e Ana Pais que as confirmaram e as regras da experiência comum, à luz das quais, tendo em conta o número de deslocações e o número de quilómetros entre a residência do demandante e os mencionados locais, se reputaram equitativos os valores mencionados na factualidade provada, partindo-se de um custo unitário do Km a 0,30 cêntimos.
Relativamente à matéria vertida nos pontos 85 e 86, tal assentou no facto objectivo de o demandante ainda continuar actualmente a fazer exames e consultas e a tomar medicação, sendo crível que atento o estado de saúde em que o mesmo se encontra ainda continue no futuro a ter de suportar tais despesas.
No que respeita à quantia que o demandante despendeu para proceder à reparação dos estragos causados no veículo por causa da actuação dos arguidos, valorou o tribunal, para além do relatório de exame junto aos autos a fls.25 a 31, elucidativo do estado do veículo e, bem assim, o depoimento da testemunha MMA, mecânico responsável pela sua reparação, a qual esclareceu o tribunal sobre o estado do mencionado veículo e também sobre o tipo de trabalhos de reparação levados a efeito no mesmo.
A propósito de tal reparação, convirá referir que o tribunal, em face do modo como os factos se desenrolaram, apenas considerou serem consequência da actuação dos arguidos os estragos que deram origem à factura no valor de 866,07 euros, junta a fls.962, e dai o teor do ponto 88 da factualidade provada, consignando-se que se admitiu também, à luz das regras da experiência e em conjugação com o depoimento do ofendido, que a queima do fusível da ignição tenha resultado do facto de este, perante a abordagem do arguido, ter tentado por o carro a trabalhar por mais do que uma vez, o que não logrou, em virtude da chave de ignição da sua viatura conter um dispositivo de corte à bomba injectora e que impede o motor de funcionar antes da prévia passagem da chave por um chip de bloqueio anti roubo.
Já quanto a eventuais estragos provocados pela actuação dos arguidos e que tenham sido determinantes da reparação da caixa de velocidade, a prova produzida não permitiu estabelecer qualquer nexo de causalidade
Com efeito, tal testemunha, para além de ter adiantado não se recordar de qualquer reparação da caixa de velocidades, esclareceu que apenas a factura junta a fls 962, no valor de 866,07 euros, se reportou à reparação do veículo do ofendido quando o mesmo ai chegou de reboque, na sequência do que lhe aconteceu.
A instâncias, adiantou ainda que quando procedeu a tal reparação, experimentou o veículo, tendo confirmado que tudo estava bem.
É certo que no decurso da audiência foi trazido à colação pelo inspector da P.J. ao facto de aquando da deslocação ao local no dia seguinte aos factos – diligência a que se reporta o relatório de exame de fls.25 a 35 - o veículo do ofendido encontrar-se dois metros mais à frente, em direcção ao declive, do local onde se encontravam os estilhaços resultantes da quebra do vidro, o que é susceptível de inculcar ter tal veículo sido, entretanto, movimentado.
Todavia, a verdade é que a prova produzida em audiência de julgamento, e já também em sede de inquérito, não foi susceptível de, com segurança, imputar aos arguidos tal movimentação, pois, se assim fosse, poderia a mesma estar na origem de qualquer estrago ao nível da caixa de velocidades, como referiu também a testemunha MA
Todavia, em face do exposto, e não ausência de outros meios de prova, entendeu o tribunal dar apenas como provado o que, a tal propósito, se referiu no ponto 88 e não provado o que se consignou no ponto 28.
Relativamente ao ponto 87 da factualidade provada, valorou, desde logo, o tribunal o depoimento da testemunha APZ, a qual adiantando ao tribunal ter trazido do hospital a roupa que o demandante usara no dia dos factos, referiu que a mesma não se encontrava em condições de tornar a ser utilizada.
Quanto ao telemóvel, a sua inutilização mostra-se evidente, atentas as circunstâncias em que veio a ser apreendido.
Quanto ao montante despendido pelos Hospitais da Universidade de Coimbra com a assistência médica prestada ao ofendido C, em consequência dos factos descritos, atendeu o Tribunal ao teor da factura junta a fls.839.
No que concerne aos alegados serviços domésticos prestados pelo ofendido por conta própria, convirá referir que não foi produzida prova bastante que apontasse em tal sentido.
Com efeito, pese embora algumas testemunhas tenham dito que o demandante prestava serviços de electricidade por conta própria, fora do horário do trabalho, a quem o rogasse para o efeito, tendo inclusivamente uma delas adiantado ter chegado a colaborar com o ofendido na prestação dos mesmos, auferindo cinco euros à hora, a verdade é que as declarações de rendimentos do mesmo juntas aos autos não o espelham.
Assim, e na ausência de outros meios de prova, entendeu o tribunal dar como não provada tal factualidade.
Também no que respeita aos canhões das fechaduras do veículo do demandante, não foi feita prova da sua inutilização.
Quanto à factualidade constante dos pontos 22 a 26, considerou-se a mesma não provada, por não ser crível, à luz das regras da experiência comum, que sendo o demandante uma pessoa com 31 anos, se possa afirmar, atentas as conhecidas evoluções na área da medicina, que o mesmo jamais irá recuperar das dores, dos traumas, dos medos… factualidade com base na qual o demandante peticionava uma indemnização de danos morais futuros.
A respeito dos demais factos considerados não provados, sopesou o tribunal a circunstância de não ter sido possível extrair a prova dos mesmos dos elementos carreados para os autos, pois que, para além do que resulta da convicção supra exposta a respeito de tais elementos probatórios, nenhum outro elemento de prova foi carreado para os autos susceptível de sustentar a prova dos mencionados factos .

2- Apreciação
2.1- Os arguidos discordam da decisão de facto pretendendo ver acolhida uma versão que vá ao total encontro das declarações que prestaram em julgamento em detrimento da versão nele dada pelo ofendido.
Mas não deram cabal cumprimento à estatuição do art.º 412º/3 e 4 do Código de Processo Penal São deste diploma os preceitos cuja origem se não indique. já que não especificam os pontos da decisão de facto que pretendem ver alterados nem as passagens das declarações que imponham decisão diferente. Antes apresentam uma transcrição indiscriminada das suas declarações e das do ofendido, obviamente não coincidentes, e um elenco narrativo diverso do constante do acórdão quanto ao modo como se preparou o encontro e como se passaram os factos neste.
Os recorrentes podem ter diverso entendimento do nosso quanto ao cumprimento do ónus de impugnação da citada disposição legal [art.º 412/3 e 4] entendendo que as suas exigências se satisfazem nos termos em que apresentam a impugnação.
Admitindo-se a divergência interpretativa do preceito a seu favor e porque o desiderato é, afinal, o de indagar da justeza da decisão e consequentemente fazer-se a melhor justiça, procedemos à sua sindicância.
2.2- A prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador [art.º 127º]. Esta convicção é pessoal mas motivada em elementos que a tornem credível. Por isso se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, isso significa que o julgamento da matéria de facto não merece censura.
A reconstituição em julgamento do acontecimento histórico está dependente da prova produzida na respectiva audiência pública sob o signo da investigação oficiosa, da verdade material e do juízo valorativo do julgador, submetida ao crivo do contraditório sob a égide da oralidade e da imediação.
O valor da prova oral enquanto elemento reconstituinte dos factos depende da sua credibilidade. Daqui dizer-se que a prova necessária para a convicção do julgador não resida tanto na quantidade como na qualidade dos meios de prova produzidos.
A credibilidade da prova por declarações depende essencialmente da personalidade, do carácter e probidade moral de quem as presta. Estas características não são totalmente apreensíveis por quem não esteve no julgamento, razão por que o tribunal de recurso adopte salvo casos de excepção o juízo valorativo formulado pela 1ª instância.
A apreciação da prova faz-se segundo as regras da experiência e a livre convicção Excepção feita à prova tarifada., a significar que a prova deve ser analisada através da formulação de juízos assentes no bom senso e na experiên­cia de vida temperados pela capacidade crítica, o distanciamento e a ponderação adquiri­dos pela experiência.
2.3- Do exame da motivação constante do acórdão verifica-se que o tribunal elegeu fundamentalmente as declarações do ofendido C. conjugadas pontualmente com as dos arguidos e de algumas passagens das declarações que estes prestaram no 1º interrogatório judicial em detrimento do acolhimento integral da versão que estes deram na audiência de julgamento.
O tribunal fê-lo por entender serem aquelas que lhe mereciam credibilidade, apresentando uma desenvolvida motivação credenciadora dessa opção.
Tal opção parece-nos racional, também nos parecendo merecerem maior credibilidade as declarações prestadas pelo ofendido quanto ao modo como se sucederam os factos no local do encontro.
Por nós analisadas as ditas provas ouvindo a gravação que nos foi presente, nada resulta que nos imponha diverso juízo sobre o acontecido. A prova na base da qual o tribunal formou a sua convicção relativamente aos factos nucleares objecto do processo justifica a decisão assumida.
As versões dadas pelos arguidos no primeiro interrogatório judicial também são atendíveis como meio de prova para a decisão final já que os arguidos foram confrontados em julgamento com as suas divergências [art.º 356//3 alínea b)], tendo o tribunal optado por aquilo que delas lhe pareceu mais credível. Não podem, assim, os recorrentes negarem a existência do contraditório.
Atente-se que o julgador não está obrigado a aceitar ou a rejeitar acriticamente e em bloco as declarações prestadas, podendo delas respigar aquilo que lhe pareça credível, desde que justifique a sua opção. Ora basta atentar na extensa motivação do acórdão para se perceber a opção feita.
É assim que se deu por provado que o encontro foi forçado pelo arguido (cfr. as primeiras declarações judiciais da arguida), que as luvas usadas foram por esta trazidas do seu local de trabalho para o efeito, que foi ela quem desferiu a primeira paulada na cabeça do ofendido, que este perdeu os sentidos com as coronhadas, que a arguida sempre se manteve no local da contenda até dele se retirarem conjuntamente ( cfr. as declarações judiciais do arguido a fls. 220 ).
Os arguidos não podem fazer crer ao tribunal que o encontro planeado seria um «encontro civilizado» pois tal versão não colhe com o modo como o mesmo foi preparado [v.g. uso de caçadeira, de luvas, de cartão de telecomunicação não identificador da origem das chamadas, deslocação dos arguidos em diferentes carros, local escolhido pela arguida para a conversa, etc.).
Depois há também a considerar a prova indiciária. Ou seja, perante factos decorrentes de prova directa, o tribunal inferiu outros factos, tais como o verdadeiro propósito dos arguidos, a sua mancomunação, o depósito de terra no depósito do combustível do jipe do ofendido, etc.
Apesar de nem sempre resultar explícita a intervenção das presunções judiciais elas por vezes constituem mecanismo necessário para o tribunal afirmar a verificação de factos controvertidos servindo-se da ocorrência de factos certos para deles inferir a verificação de outros carecidos de prova directa.
O art.º 127º não proíbe esses raciocínios lógico/mentais nem a lei processual faz qualquer referência a requisitos especiais no uso da prova indiciária. E no caso dos autos os raciocínios de que se socorreu o tribunal são conformes às regras da lógica e da experiência comum.
A prova processual, ao invés do que ocorre com a demonstração no campo da matemática ou com a experimentação no âmbito das ciências naturais, apenas visa a convicção essencial às relações práticas da vida em sociedade. Essa certeza assim configurada é extraível das provas produzidas em julgamento.
O tribunal credibilizou sem reservas as declarações do ofendido, pelo que não somos nós carecidos da imediação que infirmaremos essa credibilidade. Note-se que o art.º 412º/3 alínea b) reporta-se a concretas provas que imponham decisão diversa.
O tribunal fundamentou a sua convicção em provas objectivas e em conformidade com as regras da experiência comum pelo que nada temos a objectar-lhe.
O propósito dos arguidos é uma decorrência lógica dos restantes factos provados.
Em conclusão, nada há a alterar à decisão de facto constante do acórdão recorrido.
2.3- A fundamentação neste inserta é bastante explícita quanto à motivação do tribunal na decisão que apresenta pelo que não podem os recorrentes apontar-lhe o vício da insuficiência.
A motivação da decisão de facto não é um substituto da imediação ou da oralidade transformando-se numa exigência desmedida. Nunca se exigiu que a mesma tivesse de reflectir exaustivamente todos os factores probatórios e argumentações; antes devendo aferir-se por critérios de razoabilidade, desde que permita avaliar o porquê da decisão e o processo lógico/mental que a suporta.
E na apreciação da prova oral o tribunal não está obrigado a ter como verdadeiro ou como falso um depoimento na sua globalidade tendo de aceitá-lo ou de rejeitá-lo em bloco. Dele pode aproveitar o que lhe pareça credível de acordo com a apreciação que faz das provas em consonância com a experiência comum, a lógica e os conhecimentos científicos.
A fundamentação apresentada é perfeitamente inteligível e não é carente de mais minuciosa explicitação.
Também não existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada [ art.º 410/2 alínea a)] já que esta preenche o tipo de crime em causa [ homicídio temtado].
De resto o referido vício teria de resultar do texto da decisão recorrida sem o lançar de mão de outros elementos constantes dos autos, excepção feita à prova tarifada.
2.4- Dos factos provados resulta a sua correcta a integração no tipo de crime [homicídio tentado].
Decorre do afirmado nos pontos 31, 33, 34 e 35 que o ofendido só não faleceu atenta a assistência médico/cirúrgica que lhe foi hospitalarmente prestada.
A compatibilidade da tentativa com o dolo eventual tem sido maioritariamente afirmada como se vê junto dos autores e a jurisprudência do STJ de que no acórdão recorrido se faz respigo Figueiredo Dias, Direito Penal, I, pp. 695; Eduardo Correia, Direito Criminal , II, pp. 240; Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal, 4ª ed., pp. 404; Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, pp. 241; Ac do STJ de 14/6/2000, CJ,2000, 2, 20; de 11/12/97, BMJ, 472,163; e de 2/4/2009 im www.pt/stj. .
A qualificação do tipo também se encontra claramente explicitada no acórdão onde se refere que “perante a factualidade provada não pode deixar de extrair-se da mesma que os arguidos no circunstancialismo descrito agiram com frieza de ânimo, com reflexão dos meios empregados, tendo persistido na intenção de matar por mais de vinte e quatro horas. Com efeito (…) admitindo a possibilidade de agredir fisicamente o ofendido e que da agressão pudesse advir-lhe a morte, resultado com que se conformaram, começaram pelo menos três dias antes dos factos a elaborar mentalmente o seu cometimento, elaboração que passou não só pela prévia marcação do encontro com o ofendido servindo-se (…) dum embuste para o convencerem a ele aceder, mas também pela ponderação dos meios a utilizar munindo-se (…) duma caçadeira e respectivos cartuchos e dum par de luvas (…) mantendo-se firmes (…) em levar a efeito o seu plano, mesmo após terem deixado prostrado no solo o ofendido na sequência das agressões que lhe desferiram na cabeça com um pau e a coronha da arma, dificultando-lhe ainda a obtenção de meios de socorro (…) sabendo que lhe poderia advir a morte.
Tal actuação dos arguidos não pode pois deixar de inculcar uma conduta determinada e persistente na concretização do seu desígnio criminoso, de grande indiferença e insensibilidade reveladoras de especial censurabilidade e perversidade».
Quanto a nós a qualificação dos factos também caberia na alínea i) do apontado n.º2 do artigo 132º do Código Penal, a saber, a utilização de “meio insidioso”.
Efectivamente os arguidos atraíram a vítima ao local sob falso pretexto dum encontro amistoso entre ele e a arguida que se iria ausentar definitivamente para o estrangeiro; levaram-no a parar o jipe em local ermo onde não pudesse ser socorrido, aparecendo o arguido de súbito e armado de caçadeira carregada pretextando um assalto.
O meio insidioso existe quando se torna especialmente difícil a defesa da vítima. É insidioso o meio cuja forma assuma características enganadoras, sub-reptícias ou ocultas.
Na insídia o agente aproveita a distracção da vítima para actuar; age enganando-a; cria uma situação que a coloca em posição de não poder resistir como sucederia em circunstâncias normais. O conceito abarca os meios aleivosos, traiçoeiros e desleais. A actuação dos arguidos foi duma agressão à vítima totalmente inesperada e traiçoeira.
Também concordamos com o tribunal recorrido ao ponderar que «houve reflexão sobre os meios empregues»: a escolha dum sítio distante de casa e ermo facilitador da sua actuação e que na sua óptica também impediria da pronta descoberta do ofendido e a identificação dos agressores; a sua deslocação em carros separados, os contactos através de telemóvel que não indicasse a origem das chamadas, a utilização duma caçadeira e respectivas munições, o uso de luvas, etc.
A frieza de ânimo titula firmeza e tenacidade indiciada na persistência da ideia do crime durante apreciável espaço de tempo.
O agente age com frieza de ânimo quando selecciona os meios a utilizar, reflecte na opção pelo meio mais adequado repudiando o que menos probabilidades de êxito lhe oferecer dum ponto de vista pragmático por ter em mente o que menos possibilidade de defesa represente para a vítima.
A frieza de ânimo resulta duma vontade formada de modo frio, reflexivo e cauteloso na preparação e execução da resolução criminosa. Frieza de ânimo significa sangue frio, insensibilidade, indiferença ou insensibilidade do agente.
A persistência da intenção dos arguidos de poderem vir a matar a vítima prolongou-se por mais de 24 horas. Do plano arquitectado e usado resulta frieza de ânimo e reflexão sobre os meios utilizados.
Há apenas a clarificar que a qualificação do crime por uma dessas circunstâncias faz com que a outra passe a ser tomada como circunstância agravante geral na determinação da medida concreta da pena.
O dolo é uma entidade complexa portadora de sentidos diversos consoante a sua valoração é objecto da ilicitude ou da culpa: em sede de tipo de ilícito, enquanto determinante da direcção do comportamento, o dolo entende-se como conhecimento e vontade de realização do tipo objectivo; como forma de culpa, enquanto modo de formação da vontade que conduz ao facto, o dolo é portador do desvalor da atitude pessoal contrária ao direito Teresa Serra, ob. cit. p. 32.
O conhecimento compreensivo pelos arguidos da carga da ilicitude decorrente do modo da sua acção acarreta maior censurabilidade a esta.
O art.º 132º do Código Penal trata duma censurabilidade especial. As circunstâncias em que a morte ocorreria se não fosse a intervenção médico/cirúrgica são de tal modo graves que reflectem uma atitude dos arguidos muito distanciada em relação a uma determinação normal.
Nesta medida pode afirmar-se que a especial censurabilidade se refere às componentes da culpa relativas ao facto, ou seja, funda-se naquelas circunstâncias que revelam um maior grau de culpa A culpa consiste num juízo de censura dirigido ao agente que, tendo podido actuar segundo o dever, optou por agir ilicitamente, evidenciando uma atitude contrária ao direito [Teresa Serra, ob. cit., p. 35]. como consequência dum maior grau de ilicitude do facto.
Como refere Teresa Serra (ob. cit., pp. 65/66) “Uma análise das mencionadas circunstâncias, evidencia pelo menos no que a parte delas respeita, um mais acentuado desvalor da conduta que implica um maior grau de ilicitude (…) o aumento da ilicitude resulta do maior desvalor da conduta e pode estar relacionado (…) com os modos de execução do facto (…).
Desta maneira, as circunstâncias do n.º2 do art.º 132º traduzem tanto um aumento da ilicitude e, logo em regra, um aumento correlativo do grau de culpa, como um maior desvalor da culpa decorrente da intervenção de elementos autónomos, não relacionados com a ilicitude (…).
Embora se compreendam as razões que levam à afirmação de que as referidas circunstâncias constituem elementos da culpa, dela retirando as devidas consequências designadamente para a problemática da participação, não parece que se mostre necessário recorrer a tais meios para alcançar os fins sistemáticos desejados”.
O referido parece-nos justificar que o tribunal parta da moldura penal do tipo qualificado atenta a maior ilicitude do facto decorrente do modo da sua execução.
2.5- Os recorrentes fazem apelo ao regime da atenuação especial da pena, o que se torna incompreensível face à qualificação do tipo nos termos expendidos.
Estatui o art.º 72º do Código Penal que o tribunal atenuará especialmente a pena quando existirem circunstâncias de que resulte uma acentuada diminuição da ilicitude do facto, da culpa do agente ou a necessidade da pena. O n.º2 do preceito contém uma enumeração exemplificativa dalgumas dessas circunstâncias.
Mas é ponto assente que para ter lugar a especial atenuação da pena haverá de concluir-se que dessas circunstâncias se retira acentuada diminuição da ilicitude do facto, da culpa do agente ou das exigências de prevenção.
Se tal diminuição não for acentuada, as circunstâncias enunciadas no referido n.º2 terão, então, valor de circunstâncias atenuantes gerais.
Como refere Figueiredo Dias Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 302 e ss. , as próprias situações descritas nas alíneas do art.º 72º/2 do Código Penal não têm o efeito automático de atenuar especialmente a pena. Esta só ocorrerá quando a imagem global do facto se apresente com uma gravidade tão diminuta que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida no tipo respectivo, pelo que só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar. Para a generalidade dos casos, para os casos «normais», lá estão as molduras penais normais.
As circunstâncias a que os recorrentes fazem apelo não têm a força de circunstâncias que levem o julgador a exorbitar da moldura penal a ter em conta para a generalidade das situações, pelo que não passam de circunstâncias atenuativas de carácter geral e que o tribunal também ponderou na determinação das penas.
2.6- Quanto a estas [às penas], esclarece o art.º 40º do Código Penal que com a aplicação da pena visa-se a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo a pena ultrapassar a medida da culpa.
O art.º 71º do mesmo diploma estatui que a medida da pena é feita, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa e das exigências de prevenção; na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime depuserem a favor do agente ou contra ele.
O fundamento legitimador da aplicação da pena é a prevenção na sua dupla dimensão geral e especial. A culpa do infractor desempenha o duplo papel de pressuposto (não há pena sem culpa) e de limite máximo da pena a aplicar.
O art.º 40º do Código Penal assenta numa concepção ético/preventiva da pena: ética porque a sua aplicação está condicionada e limitada pela culpa do infractor; preventiva na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção ( geral e especial).
O fim do direito penal é o da protecção dos bens jurídico/penais e a pena é o meio de realização dessa tutela, havendo de estabelecer-se uma correlação entre a medida da pena e a necessidade de prevenir a prática de futuros crimes, nesta entrando as considerações de prevenção geral e especial.
Pela prevenção geral (positiva) faz-se apelo à consciencialização geral da importância social do bem jurídico tutelado e pelo outro no restabelecimento ou revigoramento da confiança da comunidade na efectiva tutela penal dos bens tutelados.
Pela prevenção especial pretende-se a ressocialização do delinquente ( prevenção especial positiva) e a dissuasão da prática de futuros crimes ( prevenção especial negativa).
A prevenção especial não é um valor absoluto mas duplamente limitado pela culpa e pela prevenção geral: pela culpa já que o limite máximo da pena não pode ser superior à medida da culpa; pela prevenção geral que dita o limite máximo correspondente à garantia da manutenção da confiança da comunidade na efectiva tutela do bem violado e na dissuasão dos potenciais prevaricadores.
O art.º 131º do Código Penal em conjugação com os art.ºs 22, 23 e 73 do Código Penal prevê uma pena entre os 2 anos, quatro meses e 24 dias e os 16 anos e 8 meses de prisão.
O bem jurídico tutelado é a vida humana de outrem, remetendo-nos para maiores desenvolvimentos nesta parte para as considerações tecidas no acórdão recorrido.
Assente que ao caso corresponde o tipo de homicídio qualificado com a referida moldura penal, importa ponderar as circunstâncias gerais agravativas e atenuativas a considerar.
O tribunal recorrido justificou as penas do seguinte modo – “(…) Começando pelo crime de homicídio (…) considera-se a ilicitude de grau elevado atenta a manifesta superioridade dos meios, agindo os arguidos contra uma pessoa indefesa e desarmada, num local pouco frequentado, a qual abandonam de seguida pese embora os ferimentos (…), entregue à sua sorte (…) e dificultando até a possibilidade do ofendido o fazer pelos seus próprios meios.
No que respeita ao modo de execução do crime, bastante censurável, importa ponderar a zona (vital) do corpo escolhida pelos arguidos para com os instrumentos de que se muniram (um pau e a coronha da arma em madeira) agredirem a vítima e bem assim a violência da agressão evidenciada não só pela quebra da coronha em três pedaços mas também pelo tipo de lesões sofridas, entre as quais o afundamento do crânio. Foram graves as lesões sofridas pela vítima e as consequências (…) que delas advieram.
No que respeita ao grau de culpa, o mesmo assumiu em relação a ambos a modalidade de dolo eventual, forma menos grave de culpa, o que inculca uma intenção enfraquecida da vontade de matar.
Grau de culpa esse mais acentuado no caso do arguido atenta a maior energia criminosa manifestada na execução do crime e o facto de ter sido ele quem, como condição da manutenção da vivência em comum, teve a iniciativa do propósito criminoso.
Em desfavor dos arguidos não poderá deixar de levar-se ainda em conta o facto de não terem admitido o seu propósito criminoso no que respeita ao crime de homicídio tentado, procurando fazer crer que o encontro visava apenas uma “conversa civilizada” com o ofendido, para que este percebesse de vez que a arguida não estava interessada em continuar a manter contactos consigo, para além de que quanto ao modo como os factos se desenrolaram no local e confessando o arguido ter desferido com a coronha da arma uma pancada na cabeça do ofendido, tentaram igualmente justificar a sua actuação em comportamentos previamente assumidos pelo ofendido, seja porque este tentou manter um relacionamento mais íntimo com a arguida (…) seja porque manifestou comportamentos agressivos para com este, tentando ambos fazer crer que a vítima agrediu o arguido com um pau e uma garrafa de vidro.
Tal postura (…) é reveladora de que os mesmos não interiorizaram a desconformidade das suas respectivas condutas à lei e a gravidade dos actos praticados.
No que em especial respeita ao crime de detenção de arma ilegal (…), convirá salientar que não são de desprezar as exigências de prevenção geral dado o crescendo de violência no país com o recurso a armas ilegais.
O grau de ilicitude é mediano e elevado o grau de culpa, tendo o arguido agido quanto a este crime com dolo directo (…).
Em desfavor do arguido importa chamar à colação os seus antecedentes criminais reveladores duma personalidade agressiva.
A favor de ambos propendem as suas condições de vida, nos seus aspectos familiares, profissionais e sociais e a reputação perante aqueles que lhe são próximos, e ainda a favor da arguida a ausência de passado criminal.
Num juízo de ponderação sobre a culpa (…) e atentas as exigências de prevenção e demais circunstâncias previstas no art.71º, mostra-se adequado aplicar à arguida a pena de 6 anos de prisão; ao arguido a de 7 anos de prisão pelo crime de homicídio e 10 meses de prisão pelo crime de detenção de arma proibida. (…) Em cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido condena-se este na pena única de 7 anos e 3 meses de prisão”.
Ora, como se vê, o tribunal não descurou nenhuma circunstância que militasse a favor dos arguidos, pelo que não se justifica qualquer alteração das penas aplicadas.
Com o STJ Acs de 23/9/96 e de 4/3/2004, BMJ 460/411 e CJ 2004,1,220 diremos que as expectativas da comunidade ficam goradas, a confiança na validade das normas jurídicas esvai-se, o elemento dissuasor não passa duma miragem, quando a medida concreta da pena não possuir o vigor adequado à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade respeitando-se o limite da culpa. Se uma pena de medida superior à da culpa é injusta, uma pena insuficiente para satisfazer os fins de prevenção constitui um desperdício.
E, ainda, que observados os critérios legais de dosimetria concreta da pena, nomeadamente os do art.º 71º do Código Penal, há uma margem de actuação do juiz dificilmente sindicável se não mesmo impossível de sindicar, salvo casos de manifesta desproporcionalidade.
2.7 – Face à confirmação das penas aplicadas, tornam-se despiciendas quaisquer considerações sobre a sua suspensão da execução das penas sabido que nos termos legais não podem suspender-se penas superiores a cinco anos de prisão.
III –
Decisão –
Termos em que se têm os recursos por improcedentes.
Custas pelos recorrentes, com a taxa individual de justiça que se fixa em 4 UCs.
Coimbra,