Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2198/12.6TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDA VENTURA
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO AMBIENTAL
ATENUAÇÃO ESPECIAL DA COIMA
Data do Acordão: 11/27/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU (2.º JUÍZO)
Texto Integral: S
Meio Processual: PROCESSO CONTRA-ORDENACIONAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 72.º DO CP; ARTIGO 32.º DO RGCO
Sumário: É subsidiariamente aplicável às contra-ordenações ambientais o instituto de atenuação especial previsto no art. 72.º do CP, ex vi dos arts. 2.º da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, e 32.º do RGCO.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 5.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório:
1. No Tribunal Judicial de Viseu, 2º Juízo criminal,  pela arguida A... , foi interposto recurso de contra-ordenação tendo, por sentença de 14 de Junho de 2013,  sido julgado improcedente, decidindo-se:
- Manter a decisão administrativa proferida pelo Inspetor-Geral da Inspeção Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, que condenou a recorrente A... no pagamento de uma coima de € 20.000,00 (vinte mil euros,), pela prática de uma contra-ordenação ambiental muito grave, prevista e punível pelo artigo 18, n.º 1 do Decreto-lei n.º 46/2008, de 12 de Março e pelo artigo 22, n.º 4, al. a,), da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 89/2009, de 31 de Agosto.

2. Inconformada interpôs recurso da sentença, tendo formulado na respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões:
1. O presente recurso é interposto da sentença proferida pelo Tribunal “a quo” que julgou improcedente a impugnação judicial e manteve a decisão administrativa que condenou a Recorrente a pagar uma coima no valor de 20.000,00€ pela prática de contra-ordenação ambiental muito grave, não reconhecendo a possibilidade de a mesma beneficiar da atenuação especial da coima conforme requerido.
2. Ora, dispõe o artº 2.º da Lei 50/2006 de 29 de Agosto que às contra-ordenações ambientais se aplica subsidiariamente o regime geral das contra-ordenações.
3. Por sua vez, o art. 32.º do RGCO prevê expressamente o recurso ao Código Penal como direito subsidiário aplicável às contra-ordenações.
4. O art. 18.º do mesmo RGCO (na redacção do DL de 14 de Setembro) prevê que, em caso de atenuação especial de punição por contra-ordenação, “os limites máximo e mínimo são reduzidos para metade”.
5. A atenuação especial da pena está prevista no art. 72.º, n.º 1 do Código Penal “quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente o a necessidade de pena.”
6. Devendo para o efeito serem considerados os actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, reparação dos danos causados, ter decorrido tempo sobre a prática da infracção com boa conduta do agente - n. º 2, als. c) e d) do mesmo artigo.
7. A aplicação do art. 72.º do Cód. Penal às contra-ordenações em geral e ambientais em particular é hoje reconhecida pela jurisprudência, com especial referência para os Ac. da Relação de Évora e de Lisboa já identificados neste recurso.
8. Referindo a primeira daquelas decisões judiciais “…que são relevantes circunstâncias anteriores ou posteriores ao facto, mesmo que insignificantes do ponto de vista da culpa e da gravidade do ilícito, como sejam o comportamento posterior do arguido ou o lapso de tempo decorrido desde o facto (art. 72°, n.º 2, als. c) e d) Cód. Penal) desde que se apresentem como especialmente relevantes na perspectiva da menor necessidade de pena”.
9. No mesmo sentido, o Ac. Relação de Lisboa, ao referir que, “...cremos não existir fundamento legal para o afastamento da aplicação às contra-ordenações ambientais do disposto no art. 72.º do Cód. Penal”.
10. Acrescentando que, neste caso, se deverá atender “ás circunstâncias anteriores, posteriores ou contemporâneas da infracção, que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente, ou a necessidade da pena”.
11. Ora, resulta dos Autos que a Arguida não agiu com o cuidado a que estava obrigada, sendo a sua conduta classificada como negligente.
12. Os objectos descarregados, oriundos de uma obra efectuada pela Arguida, destinavam-se a nivelar o terreno, de forma a permitir a limpeza e melhor acesso aos terrenos vizinhos, com vista à prevenção de incêndios.
13. Logo que informada da infracção a Arguida de imediato removeu os resíduos em causa e depositou-os no local apropriado, assim reparando a sua conduta anterior.
14. A Arguida não retirou por isso qualquer benefício económico da sua conduta, antes pelo contrário, uma vez que suportou todas as despesas decorrentes da remoção e depósito dos resíduos em local apropriado.
15. A Arguida sempre pautou a sua vida pessoal e empresarial pelo cumprimento da Lei, mantendo uma conduta exemplar, sem qualquer infracção aos regulamentos em vigor quer antes quer depois dos factos até à presente data.
16. A Arguida tem uma situação precária financeira, apresentando em 2009 (anterior à infracção) um resultado líquido da sua actividade em sede de IRS de 3.531,51€, apresentando-se o valor da coima aplicada como incomportável face à sua dimensão empresarial.
17. Acresce que, o seu marido sofre de graves problemas de saúde, pelo que não exerce qualquer actividade profissional, na qual despende avultadas quantias em medicamentos e tratamentos médicos.
18. Resulta do exposto que a Arguida se encontra em condições de beneficiar de atenuação especial da coima, uma vez reunidas as condições legalmente exigidas pelo art. 72.°, n.º 1 e 2, als. c) e d) Código Penal.
19. E, se a culpa da Arguida foi considerada no caso sub judice como diminuta, o mesmo se poderá dizer da necessidade da pena.
20. Com efeito, a Arguida com a sua conduta não colocou em risco os interesses protegidos pela legislação ambiental em vigor, nem provocou qualquer lesão dos mesmos.
21. Isto porque, logo que avisada pelas autoridades, de imediato retirou os resíduos que colocou em depósito apropriado.
22. Pelo que, sem prejuízo de a conduta da Arguida não ser conforme com a legislação ambiental em vigor, o certo é que, os bens juridicamente protegidos por aquelas normas, não foram afectados face à pronta e disponível reparação por parte da Arguida.
23. A moldura da coima prevista para a infracção cometida pela Arguida é de 20.000,00€ a 30000,00€ uma vez que se trata de pessoa singular em caso de negligência - art. 22.º, n.º 4, al. a), da Lei 50/2006, de 29 de Agosto.
24. Limites que deverão ser reduzidos para metade quando houver lugar a atenuação especial de punição.
25. Pelo que, uma vez verificados os requisitos legalmente exigidos para a atenuação especial da pena, esta deverá ser graduada em valor não superior a 10.000,00€ - art. 2.º, n.º 1, e 20.º, n.º, 1 e 2, Lei 50/2006 de 29 de Agosto, arts. 18.º e 32.º, Reg. Geral das Contra- ordenações e art. 72.º, n.ºs 1 e 2. als. c) e d), Código Penal.
26. A decisão recorrida violou os preceitos legais atrás citados.
TERMOS EM QUE:
Julgado procedente o presente recurso requer a v. Exa. que a coima aplicada à Arguida seja objecto de atenuação especial, e, em consequência, fixada em montante não superior a 10.000,00€.
Assim será feita JUSTIÇA.

3. A Magistrada do Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção da decisão alegando em suma não ser aplicável no caso a pretendida atenuação especial.

4. Neste Tribunal da Relação, O Exmº. Procurador-Geral Adjunto manifestou-se, de igual modo, no sentido da confirmação integral da sentença sob recurso.
Desde logo é incontroverso que a decisão ora sob recurso, tendo cominado o mínimo legal em razão dos factores atenuativos que o Tribunal não se coibiu de explicar.
O artigo 72.º do C. Penal que a Recorrente pretende venha a ser aplicado exige no seu texto que as circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.
Ora no caso vertente, para além das circunstâncias atenuantes tidas em conta na decisão e que motivaram a opção pelo mínimo punitivo, não vislumbramos outra ou outras razões com peso suficiente de modo a fazer funcionar a atenuação especial da pena.
É verdade que a ora Recorrente removeu os resíduos e colocou-os em local apropriado. Mas seria que tal atitude, tal como a ausência de cadastro relativo a outras infracções do mesmo tipo, só por si têm força, potencialidade suficiente para podermos considerar estarmos perante um caso de diminuição acentuada da ilicitude, culpa ou necessidade da pena. Ou não será que tal atitude não deve ser especialmente louvada, pois que corresponde apenas ao que é expectável do cidadão normalmente cumpridor da lei? E o que todos devem fazer: Não cometer infracções puníveis pela lei e corrigir a conduta no sentido da reposição da legalidade.
A propósito, pertinentemente - como Faz a Exma. Colega da 1.ª Instância - podemos perguntar: Então ao fim de oito anos de existência a ora Recorrente ainda não tinha encontrado um local legalmente apropriado para depósito dos resíduos da sua actividade?
Realmente, também na nossa óptica, mesmo que se considere a aplicabilidade do regime geral da atenuação especial da pena, o que se concede, não nos parece que o caso concreto contenha elementos factuais ou circunstâncias de natureza excepcional que permitam preencher o conceito de diminuição acentuada da ilicitude, da culpa ou da necessidade da pena, razão pela qual vai o nosso parecer no sentido da manutenção da douta decisão recorrida,

5. A recorrente veio responder mantendo a sua pretensão inicial por entender haver quer fundamento legal quer de facto.

Colhidos os vistos, foram os autos submetidos a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

II. Fundamentação:
1. Poderes cognitivos do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso:
Conforme Jurisprudência constante e pacífica, são as conclusões extraídas pelos recorrentes das respectivas motivações que delimitam o âmbito dos recursos, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso, indicadas no art. 410.º, n.º 2 do Código de Processo Penal (cfr. Ac. do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de Outubro, publicado no DR, 1-A de 28-12-1995).

Assim, no caso sub judicie cumpre apreciar:
Aplicação do disposto no art. 72º do C.Penal ao regime contra-ordenacional ambiental.

2. A sentença recorrida:
III.1. Factos provados
Da decisão administrativa:
1 - No dia 18 de Outubro de 2010, pelas 15h30m, na localidade de Côja, junto à EN229, do concelho de Aguiar da Beira, área desta comarca de Viseu, B.... , descarregou de uma carrinha de marca “Mitsubishi”, modelo ‘Canter”, com a matrícula x..., para esse solo, resíduos da de construção e demolição, nomeadamente comporto por cimento e tijolo.
2 - O indivíduo acima identificado é filho da arguida e seu trabalhador, tendo atuado por ordem e com o conhecimento daquela, encontrando-se no período de exercício de funções.
3 - Os objectos descarregados eram oriundos da reparação de um edifício em Aguiar da Beira, trabalho este desenvolvido pela recorrente.
4 - O local da descarga não estava licenciado nem autorizado para o efeito.
5 - Ao atuar nos termos acima mencionados, a arguida não agiu com o cuidado a que estava obrigada e de que era capaz.
6 - Não tendo chegado a representar que com a sua conduta estava a causar impacto no meio ambiental.
7 - Mais sabendo que esta sua atividade é proibida e punida por lei penal.
8 - A arguida declarou em sede de IRS, relativamente ao exercício de 2009, um prejuízo fiscal de € 3 531,51
Do recurso de impugnação:
9 - Desconhece-se que a arguida tenha alguma vez sido condenada pelo cometimento de crimes ou outras infrações de natureza ambiental ou outra.
10 - A arguida não retirou benefício económico com a sua conduta, já que logo que foi informada da infração removeu imediatamente os resíduos em causa, depositando-os em local apropriado.
11 - O imóvel em causa é terra de pinhal e mato, sem qualquer aproveitamento económico.
12 - Com a sua atuação, a arguida visava nivelar o terreno, para permitir a sua limpeza, melhor acesso a outros terrenos vizinhos, contribuindo para a prevenção de incêndios.
13 - O seu marido tem apresentado problemas graves de saúde que implicam o dispêndio de avultadas quantias em medicamentos e tratamentos médicos e que fazem como que o mesmo não trabalhe.
III.2. Factos não provados
Não se apuraram quaisquer outros factos com relevância para a decisão a proferir, designadamente não resultaram factos não provados.
III.3. Motivação
A factualidade descrita de 1) a 8) supra, resultou da valoração da prova documental dos autos (auto de notícia de 8 e 9; o registo fotográfico de fols. 10. 56 e 100/101; o mapa de localização de fols. 11; a declaração de IRS de fols. 27 a 34; a declaração de fols. 35) conjugada com os depoimentos isentos e credíveis das testemunhas G... e H... , guardas florestais que ocorreram ao local nas circunstâncias de tempo e de lugar acima descritas e em que ocorreram os factos provados e que, no âmbito do exercício das suas funções, constataram direta e pessoalmente essa factualidade, tendo-a descrito em Tribunal, de forma absolutamente objetiva, coincidente, lógica e isenta.
Acresce que, com exceção da falta de consciência da ilicitude, tais factos não foram impugnados pela recorrente, que, no seu recurso, os reconheceu expressamente.
Relativamente à consciência da ilicitude destes factos por parte da arguida, para além da valoração dos depoimentos dos guardas florestais acima identificados, os quais referiram que a pessoa que ali estava a efetuar a descarga não referiu que desconhecia tal proibição, valoramos ainda a circunstância de a arguida se dedicar à atividade da construção civil desde há mais de 8 anos e, como tal e de acordo com as regras de experiência comum, conhecer todos os enquadramentos legais relativos à descarga de resíduos provenientes de construção e demolição.
Relativamente aos factos enunciados nos pontos 9) a 13) valoramos os depoimentos isentos e credíveis das testemunhas C...., D...., E...e F..., . Todos revelaram conhecer a arguida e a sua família, atendendo à atividade de construção civil que tem vindo a desenvolver em Aguiar da Beira, mais revelando conhecer o local onde foi efetuada a descarga, tendo descrito a morfologia do solo, a sua utilização, a retirada dos resíduos após o cometimento da infração e as obras nele realizadas após estes factos. Mais descreveram o estado de saúde do marido da arguida, impossibilitando-o de exercer atividade profissional. Nenhum elemento probatório oferecido nos autos infirmou os depoimentos prestados por estas testemunhas, que descreveram factos dos quais tinham conhecimento direto e pessoal, de forma coincidente e consentânea com as regras da lógica.
Relativamente à ausência de benefício económico retirado com a conduta, consideramos que o escasso tempo em que os resíduos ali estiveram depositados e a sua remoção quase imediata na sequência da elaboração do auto de notícia, permitem concluir com segurança que a arguida teve que despender a quantia necessária para dar destino apropriado e legalmente previsto aos referidos resíduos.
IV. Da Fundamentação de Direito
À recorrente foi imputada a prática de uma contra-ordenação ambiental muito grave, prevista e punível pelo artigo 18.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 46/2008, de 12 de Março e pelo artigo 22.º, n.º 4. al. d), da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto.
Dispõe o artº 18.º, n.º 1 do Decreto-lei n.º 46/2008, de 12 de Março, que ‘Constitui contra-ordenação muito grave o abandono e a descarga de RCD (resíduos de construção e demolição,) em local não autorizado para o efeito.”. Sendo certo que o cometimento desta contra-ordenação a título negligente é igualmente punível, nos termos do n.º 4 do mesmo preceito legal e do art. 9, n.º 2, da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto (Regime Geral das Contra-ordenações Ambientais).
A punibilidade das pessoas singulares empresárias pela prática desta contra-ordenação encontra-se expressamente prevista no art., 8.º, n.º 1, da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, esclarecendo o n.º 2 do mesmo preceito legal que “As pessoas colectivas e as entidades que lhes são equiparadas (...) são responsáveis pelas contra-ordenações previstas na presente lei quando os factos tiverem sido praticados, no exercício da respectiva actividade, em seu nome ou por sua conta, pelos titulares dos seus órgãos sociais, mandatários, representantes ou trabalhadores”.
Ora, no caso dos autos não restam dúvidas de que a arguida cometeu a contra-ordenação que lhe vem imputada.
Nas circunstâncias de tempo e de lugar acima referidas, um seu trabalhador, no exercício do seu trabalho e por sua ordem, descarregou resíduos de construção e demolição em local não autorizado para o efeito, sendo certo que, apenas atuou desta forma, por violação do dever de cuidado, não representando que com essa atividade causava impacto ambiente, apesar de saber que a mesma era proibida.
Pelo exposto, a arguida cometeu a infração em causa, com negligência.
Assim, nesta parte é de manter a decisão administrativa em crise.
Da sanção:
No seu recurso, veio a recorrente requerer a atenuação especial da coima, sustentando este pedido na falta de consciência da ilicitude, prevista no art.° 9 do Regime Geral das Contra-ordenações.
Sucede que resultou assente que a arguida tinha consciência da ilicitude dos factos por si cometidos, razão pela qual o referido preceito é inaplicável.
Vejamos agora da medida da coima.
Dispõe o art. 18.º, n.º 1, do Regime Geral das Contra-ordenações que “A determinação da medida da coima faz-se em função da gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do beneficio económico que este retirou da prática da contra-ordenação”.
Em face do que acabamos de expor, e tendo em consideração a moldura da coima, atendendo à circunstância da arguida ser pessoa singular e de ter cometido a contra-ordenação com negligência (€ 20.000,00 a € 30.00,00), podemos, com facilidade concluir que a coima de E 20.000,00. por corresponder ao mínimo legalmente admissível, se nos afigura como adequada, proporcional e necessária em face dos fatores mencionados no citado art. 18.º.
Através do recurso, veio a recorrente requerer a suspensão da execução dessa coima.
A hipótese da suspensão da sanção aplicada na sequência das contra-ordenações ambientais encontra-se prevista no art. 39.º, da Lei n.º 50/2006.
Prevê este preceito que:
1 - A autoridade administrativa que procedeu à aplicação da sanção pode suspender, total ou parcialmente, a sua execução.
2 - A suspensão pode ficar condicionada ao cumprimento de certas obrigações, designadamente as consideradas necessárias para a regularização de situações ilegais, à reparação de danos ou à prevenção de perigos para a saúde, segurança das pessoas e bens e ambiente.
3 - O tempo de suspensão da sanção é fixado entre um e três anos, contando -se o seu início a partir da data em que se esgotar o prazo da impugnação judicial da decisão condenatória.
4 - Decorrido o tempo de suspensão sem que o arguido tenha praticado qualquer contra -ordenação ambiental e sem que tenha violado as obrigações que lhe hajam sido impostas, fica a condenação sem efeito, procedendo -se, no caso contrário, à execução da sanção aplicada.
Tal como vem sendo entendido pelos Tribunais superiores e pela doutrina, entendemos que o instituto da suspensão da sanção se aplica exclusivamente às sanções acessórias previstas no art. 30.º dessa lei.
Na verdade, essa interpretação decorre, além do mais, da inserção sistemática desse preceito (todo o capítulo 1H. onde a norma se insere, diz respeito às sanções acessórias) (cf. acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 13 de Novembro de 2012, processo n.º 490/12.9TASTB.El, in www.dgsi.pt)
“É, aliás, solução idêntica à encontrada no âmbito das contra-ordenações estradais (onde apenas as sanções acessórias, que não as coimas, podem ser suspensas na respectiva execução,). E é solução absolutamente compatível com a prevista no regime geral das contra-ordenações e coimas constante do DL 433 /82, de 27/ 10 onde, como é sabido, não vem prevista a possibilidade de suspensão da execução das coimas” (citação do citado acórdão).
É este, também, o entendimento da Prof. Dra. Carla Amado Gomes, no estudo intitulado “As contra-ordenações ambientais no quadro da Lei 50 2006, de 29 de Agosto:
Considerações gerais e observações tópicas”, o qual se mostra acessível em http://www.fdunl.pt/docentes docs/ma/cg MA 1 5893.pdf e onde, a pág. 20, escreve: Vale a pena mencionar aqui a possibilidade de suspensão da execução da sanção (acessória), prevista no artigo 39° da LQCOA”
Pelo exposto, entendemos inexistir fundamento de facto ou de direito para determinar a atenuação especial da coima e não ser o caso de aplicar o instituto da suspensão da sanção. por inadmissibilidade legal. sendo de manter a coima aplicada pela autoridade administrativa e fixada em €20.000.00 (vinte mil euros).
*
Dispositivo
Pelo exposto, julga-se o recurso totalmente improcedente e, em consequência. decide-se:
- Manter a decisão administrativa proferida pelo Inspetor-Geral da Inspeção Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, que condenou a recorrente A... no pagamento de uma coima de é 20.000,00 (vinte mil euros,), pela prática de unia contra-ordenação ambiental muito grave, prevista e punível pelo artigo 18, n.º 1 do Decreto-lei n.º 46/2008, de 12 de Março e pelo artigo 22, n.º 4, al. a,), da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 89/2009, de 31 de Agosto.
Condenar a arguida no pagamento das custas deste recurso de contra-ordenação fixando a taxa de justiça a pagar em 1 UC (uma unidade de conta).

6. Mérito do recurso:
Como referido, em resumo, a questão a conhecer é da aplicação do disposto no art.º 72º do C.Penal ao regime contra-ordenacional ambiental.
Cotejando a LQCA (lei 50/2006 de 29 de Agosto) verificamos que o legislador ponderou expressamente  situações de atenuação especial como sendo a de erro sobre a ilicitude, tentativa, cumplicidade podendo assim incutir a ideia de que pretendeu assim abranger os casos de atenuação especial, não prevendo expressamente, com carácter de generalidade, uma cláusula geral de atenuação especial da punição ope judicis (de modo similar ao art. 72º do C.Penal) podendo incutir a ideia de que pretendeu afastar-se do regime penal, designadamente do disposto no art.º 72º.
Não é esse o nosso entendimento dado que, logo no n.º 2 o legislador remeteu a título subsidiário para o regime geral das contra-ordenações e este, por seu turno remete a título subsidiário para o C.Penal (art.º32).
Ora não se vê razão par que, nas contra-ordenações ambientais tal regime não seja aplicável...
Não se diga que atenta a natureza “mais grave” das contra-ordenações ambientais o legislador pretendeu afastar tal regime.
Então e o ilícito criminal não é mais grave que o contra-ordenacional e ainda assim o legislador entende poder ser aplicada a atenuação especial?

Como refere o Prof. F. Dias, bem se compreende que o C.Penal constitua direito subsidiário relativamente ao direito substantivo das contra-ordenações considerando que o direito das contra-ordenações se não é direito penal é, em todo o caso direito sancionatório de carácter punitivo, o que abrange a generalidade da matéria relativa à punição, que encontra na parte geral do C.Penal a sua sede. Por outro lado porque, como continua o autor, a parte substantiva do Dec-lei 433/82, dado o referido preceito de aplicação subsidiária do Código Penal, contém várias normas que em rigor se poderão dizer desnecessárias; o que é decerto consequência de o Dec-lei 433/82 ser apenas uma versão reformulada e alargada do Dec-lei nº 232/79 e de a publicação deste ter antecedido de três anos a do novo Código Penal (O Movimento de descriminalização e o ilícito de mera ordenação social in Direito Penal Económico e Europeu: Textos Doutrinários, Vol I, Coimbra Editora-1998, p. 28).

Vejamos então o caso concreto;
Quanto à atenuação especial da pena dispõe o art. 72.º do C. Penal que o Tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena (n.º 1), enumerando o n.º 2 diversas dessas circunstâncias.
Conforme ensina a doutrina, o legislador sabe estatuir, à partida, as molduras penais atinentes a cada tipo de factos que existem na parte especial do Código Penal e em legislação extravagante, valorando para o efeito a gravidade máxima e mínima que o ilícito de cada um daqueles tipos pode assumir. Porém, entende, ainda, a doutrina, que o sistema só pode funcionar de forma justa e eficaz se contiver válvulas de segurança, vendo estas como circunstâncias modificativas. Por isso, quando, em hipóteses especiais, existam circunstâncias que diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer a sua imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo padrão de casos que o legislador teve em mente à partida, aí haverá um caso especial de determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto por outra menos severa. Resumindo a tendência dominante na nossa jurisprudência, que segue a par a mencionada doutrina, podemos afirmar que a atenuação especial da pena só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar, uma vez que, para a generalidade dos casos normais, existem as molduras penais normais, com os seus limites máximos e mínimos próprios. Conforme se acentua, na linha do que vem de ser exposto, no Acórdão de 17/10/02, do S.T.J., Processo n.º 3210/02, da 5.ª Secção (Relator: Conselheiro Pereira Madeira): «Como instituto, a atenuação especial da pena surgiu em nome dos valores irrenunciáveis de justiça, adequação e proporcionalidade. Surgiu da necessidade de dotar o sistema de uma verdadeira válvula de segurança que permita, em hipóteses especiais - quando existam circunstâncias que diminuam de forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer uma imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo «normal» de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respectiva - a possibilidade, se não mesmo a necessidade, de especial determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto, por outra menos severa».
Posto isto, pode a consideração global da conduta do arguido, à luz do que vem de ser dito, preencher circunstâncias que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, apresentando-se com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em tal hipótese quando estatuiu os limites normais da moldura abstracta da coima.
Da análise da matéria de facto considerada provada estamos em crer existirem elementos que permitem o recurso a tal medida.
Na verdade, na aplicação concreta o tribunal já ponderou a ausência de antecedentes contra-ordenacionais da recorrente, a sua precária situação económica, a negligência da sua conduta e, se é certo que a recorrente já exerce a actividade de construção civil há cerca de oito anos, temos que ter presente no caso concreto que foi condenada por conduta negligente -o que atenua desde logo tal facto.
 Mas, para além disso, o tribunal  deu como provado que:
A arguida logo que foi informada da infracção removeu imediatamente, os resíduos depositando-os em local apropriado.
 Com a sua actuação visava nivelar o terreno, para permitir a sua limpeza, melhor acesso a outros terrenos vizinhos, contribuindo para a prevenção de incêndios.
Ora tal atitude e finalidade não podem deixar de ser valoradas de forma relevante pelo tribunal.
 Pois se é certo que com a penalização aplicada se visa sancionar a conduta da arguida, não pode o tribunal esquecer os efeitos da sua conduta e, acima de tudo, já que o deu como provado, a sua intenção beneficiando os vizinhos e o combate aos incêndios.
Perante tal quadro, do nosso ponto de vista, a moldura abstracta prevista, que  não permitindo a aplicação de coima inferior a 20mil euros é manifestamente inadequada pois, no caso o efeito preventivo pretendido com a coima pode ser atingido com montante inferior, devendo o tribunal, no caso socorrer-se do referido instituto como pretende a recorrente.
Nos termos do n.º3 do art.º 18º do RGCO, “quando houver lugar à atenuação especial da punição por contra-ordenação, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos para metade.”
Assim, no caso, a coima aplicada em concreto à recorrente será reduzida para metade sendo assim condenada final no pagamento da coima de €10.ooo (dez mil euros).
Nesta medida, julgar-se-á o recurso procedente, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-a pela decisão de aplicar à recorrente a coima mínima, especialmente atenuada, de 10 000,00 Euros, que corresponde ao mínimo previsto no tipo contra-ordenacional reduzido para metade, de harmonia com o preceituado no art. 18º nº3 do mesmo RGCO.

III. Dispositivo:
Em face do exposto, acordam na 5.ª Secção deste Tribunal da Relação de Coimbra em conceder provimento ao recurso interposto pela arguida, revogando parcialmente a sentença recorrida e decidindo, em substituição, aplicar à recorrente a coima mínima, especialmente atenuada, de 10 000,00 Euros, pela prática de uma contra-ordenação p. e p. pelo artigo 18.º, n.º 1 do Decreto-lei n.º 46/2008, de 12 de Março e pelo artigo 22.º, n.º 4, al. a,), da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto, com as alterações introduzidas pela Lei n.º 89/2009, de 31 de Agosto.

Sem tributação (artigo 513.º, n.º 1, do C.P. Penal).
Notifique.


Coimbra, 27 de Novembro de 2013-11-21

 (Fernanda Ventura - Relatora)

 (Luís Coimbra)