Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
393/12.1GCTND.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: FURTO
TENTATIVA
VALOR
BENS
Data do Acordão: 04/02/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA TONDELA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: ALTERADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 203, Nº 1 E 2, 204, Nº 2 AL. E) E Nº 4, 202 AL. C), 23 Nº 2 E 73 Nº 1 AL. C) DO CÓDIGO PENAL.
Sumário: Tendo ficado provado que os arguidos “pretendiam fazer seus os objetos e dinheiro que se encontravam no interior do estabelecimento”, não se pode entender que eram todos mas, apenas os que lhes interessassem e os que pudessem levar, pelo que não se apurando em concreto os valores dos bens que tentaram furtar, tem que em seu favor funcionar o benefício da dúvida e, consequentemente, a tentativa de furto simples.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.

No processo supra identificado foi proferido acórdão que julgou procedente a acusação deduzida pelo Mº Pº contra os arguidos:

A..., solteiro, desempregado, natural da freguesia de (...), concelho de Tondela, nascido a 06.06.1992, filho de (...) e de (...), residente em Rua (...), em Tondela, atualmente preso preventivamente no Estabelecimento Prisional Regional de Viseu,

B..., desempregado, filho(a) de (...) e de (...), estado civil: Solteiro, nascido(a) em 01-07-1993, concelho de (...), freguesia de (...) [Tondela], nacional de Portugal, BI - (...), domicílio: Rua (...)Tondela;

Sendo decidido:

- Condená-los numa pena de um ano de prisão efetiva pela prática de um crime de furto qualificado na forma tentada previsto e punido pelo artigo 203, nº 1 e 204, nº 2 al. e) do Código Penal.

***

Inconformados interpuseram recurso os arguidos.

São do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do recurso do arguido A..., e que delimitam o objeto do mesmo:

1.Nenhuma das testemunhas, nomeadamente, as que estiveram no local a quando da prática dos factos vertidos na acusação - F... e G..., reconheceu o recorrente como sendo o autor dos mesmos.

2.A testemunha F..., que passou na rua no momento em que um sujeito que não soube identificar estava a tentar abrir a porta do supermercado junto à praça de Táxis e que junto aos contentores viu um outro sujeito que não soube identificar, veio a - cfr. consta da fundamentação da douta sentença - relatar o sucedido à GNR.

3.Mas, tal como consta daquela fundamentação, esta testemunha não conseguiu identificar nenhum dos indivíduos que avistou.

4.Também a testemunha G..., proprietária do edifício onde se situa o estabelecimento comercial em causa nos presentes autos e que habita por cima do mesmo, não foi capaz de identificar os indivíduos que avistou do interior da sua casa, junto ao referido estabelecimento, naquela noite.

5.Apelando-se à audição atenta do depoimento desta testemunha G... [depoimento prestado no dia 17/10/2013, com início às 11:00:22 e fim às 11:08:29] que em parte se transcreve, reitera-se que em momento algum a mesma refere ter-se «... mantido na janela até à chegada da GNR e tendo dito a esta força policial que a pessoa que se encontrava por baixo do toldo era a que ia em direção à igreja que se situa na praça em frente a este tribunal, que foi identificada como sendo o arguido A... ...».

6.Concluindo-se através da análise da fundamentação da sentença, ser esta a única testemunha que faz referência a factos que permitem relacionar o recorrente com a prática dos descritos na acusação e não tendo a mesma, como se constata pela análise atenta do seu depoimento, relatado tais factos, deve concluir-se pela inexistência de provas que sustentem a condenação do recorrente.

7.Em conformidade e salvo o devido respeito, só uma apreciação arbitrária da prova (baseada na mera impressão gerada no espírito do julgador com base em pré-juízos) permite concluir que, como fez o tribunal a quo, o facto de a quando da chegada dos militares da GNR ao local - C... e D... - os mesmos terem encontrado o recorrente A... em marcha rápida pelo jardim em direção à Igreja, o mesmo praticou os factos de que vem acusado.

8.De igual modo, nenhum dos restantes elementos de prova constantes dos autos, foram, em momento algum, relacionados de forma credível com o recorrente.

9.Relativamente a chave inglesa, também referida na fundamentação da sentença e encontrada nos arredores do estabelecimento comercial em causa, no dia seguinte, pelo cabo chefe D..., nenhuma prova cabal foi produzida - nem pericial, nem testemunhal, ou outra qualquer - que relacione aquela ferramenta com os factos narrados na acusação e muito menos com o recorrente.

10. Não foi realizada a recolha de impressões digitais à chave inglesa ou à porta referida como alvo de tentativa de arrombamento, de forma a poder aferir da eventual compatibilidade das mesmas com as do recorrente.

11. Em nenhum momento, nenhuma testemunha - nem mesmo os militares da GNR que estiveram no local naquele dia, relataram ao tribunal ter visto a chave inglesa encontrada (no dia seguinte), na posse do recorrente.

12.Pelo que, não podia o tribunal a quo concluir como concluiu na sua fundamentação, ser «... possível constatar que a chave inglesa encontrada no jardim no dia seguinte tem dimensões compatíveis com as mossas que a porta apresenta, bem como a mesma apresenta mossas compatíveis com o uso conforme é descrito na acusação», por total falta de sustentação fáctica.

13.Aliás, a própria dona do estabelecimento - H... - não esclareceu no seu depoimento (depoimento prestado em 17/10/2013 - com início ao minuto 10:37:02 e fim ao 10:47:31) de que forma conseguiu abrir a porta do estabelecimento e de que ferramentas fez uso, mas dizendo claramente que não conseguiu abri-la com a chave normal.

14 . Sendo que as fotografias tiradas àquela porta e constantes dos autos a fls 12 e segs., foram tiradas, de acordo com o depoimento do militar da GNR que as tirou D..., (depoimento prestado em 17/10/2013 - com início ao minuto 10:47:54 e fim ao 11:56:52) após a proprietária ter aberto a porta.

Tendo presente que se pugna pela absolvição do recorrente, refere-se ainda que:

15. O tribunal a quo deu como provado, existirem no estabelecimento comercial mercearias, frutas e uma grande variedade de bebidas:

«... em valor não concretamente apurado, mas certamente, superior a €500,00 e inferior a €2. 000, 00 ...»

16. E ainda que, «... no interior da caixa registadora havia sido deixado como fundo de maneio a quantia não apurada mas valor não inferior a €50,00

17.E deu ainda como provado que o(s) autores) da tentativa de furto tinha intenção de furtar tudo o que se encontrasse dentro do estabelecimento comercial, quando rigorosamente nenhuma prova foi produzida quanto àquilo que o(s) autores) tinha intenção de furtar.

18. Nenhuma das testemunhas ouvidas refere a presença de qualquer veículo nas redondezas do estabelecimento, ou que o(s) autores) se fazia transportar nalgum veículo; logo, como seria retirada e transportada do estabelecimento toda a mercadoria que lá se encontrava? A pé?

19.A conclusão apresentada pelo tribunal a quo, quanto a este ponto em concreto, é lógica e racionalmente infundada.

20.Ora, na dúvida sobre qual a real intenção do autores), não pode extrapolar-se que era intenção do(s) mesmo(s), furtar todos os objetos e dinheiro que lá encontrasse.

21.E perante a dúvida, o Tribunal a quo deveria ter feito funcionar o principio «ln dubio pro reo», ou seja, perante a dúvida sobre o valor dos bens, que o autor da tentativa de furto tinha intenção de furtar e se esse valor seria ou não diminuto, a decisão não poderia ter condenado pelo tipo de crime qualificado.

22.Ao afirmar que: «Encontrando-se provado que no estabelecimento comercial se encontravam objetos de valores superior a 1 UC, e não havendo qualquer outro facto que permita concluir que os arguidos queriam objetos de valor inferior, não é possível funcionar o disposto no nº 4 do artigo 204 do Código Penal que contem uma cláusula de desqualificação "Não há lugar à qualificação se a coisa furtada for de diminuto valor". O tribunal a quo fez operar aqui, uma verdadeira inversão do ónus da prova, exonerando a acusação da prova dos factos subsumíveis no tipo de crime qualificado e onerando a defesa com o ónus de provar factos que permitissem ao tribunal concluir que se pretendia furtar objetos de valor inferior.

23. Ora, atendendo a tudo o supra descrito e salvo o devido respeito, não podia o tribunal a quo ter dado como provados os factos constantes dos pontos 1. a 4. e 6. a 10. da fundamentação, antes devendo, face à prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, conjugada com a restante prova constante dos autos, ter dado os mesmos como não provados.

24.Não há pois, na douta sentença, qualquer sustentação para a condenação do recorrente na prática de um crime de furto qualificado na forma tentada, muito menos com a fundamentação que consta da mui douta sentença.

25. A sentença ora recorrida violou o disposto nos arts. 127 e 410 nº 2, C.P.P..

Deverá conceder-se provimento ao Recurso, julgando-o procedente e provado e consequentemente, reapreciada que seja a matéria de facto e a sua aplicação ao direito, deve proceder-se à modificação da matéria provada nos termos acima indicados, revogando-se a sentença recorrida por acórdão absolutório do recorrente.

*

São do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do recurso do arguido B..., e que delimitam o objeto do mesmo:

1. Ao condenar o arguido, B..., como condenou e nos termos em que o condenou, o Tribunal a quo fê-lo com base na matéria de facto que considerou como provada e constante da Douta Sentença ora recorrida nos pontos números 1, 2, 5, 7, 8 e 9.

2-Com o devido respeito por opinião diversa, da produção da prova produzida resultante das duas sessões da Audiência de Discussão e Julgamento decorreria decisão em sentido contrário do constante da douta sentença

3-Com efeito, das declarações das testemunhas, F..., G... e Cabo da GNR C... afigura-se, de acordo com as mais elementares regras da experiencia comum, impossível concluir, como o faz o Meritíssimo Juiz a quo, que se tenham provado os factos constantes da Douta Sentença, no respeitante aos pontos 1, 2, 5, 7, 8 e 9.

4-Com efeito não há uma única prova que permita concluir que o arguido B..., em comunhão de esforços e vontades e plano previamente elaborado vigiava a ação do arguido A.... Que o arguido B... tinha como finalidade apoderar-se dos objetos e dinheiro que encontra-se o interior do estabelecimento, fazendo-os seus e contra a vontade da sua proprietária, que o arguido B... de comum acordo, em conjugação de esforços e plano previamente elaborado pretendia fazer seus os objetos e dinheiro que se encontrava no interior do estabelecimento “Que o arguido B... sabia que a sua conduta era proibida e punida por Lei.

5-Salvo o devido respeito, face aos depoimentos das testemunha, F..., G... e Cabo da GNR C..., impunha-se uma decisão diferente da proferida - a absolvição do arguido B... do crime de que vinha acusado.

6- No caso em apreço, e salvo o devido respeito pela posição do Meritíssimo Juiz a quo, entendemos que a apreciação que fez da prova produzida em Audiência Discussão e Julgamento, contra o arguido B... violou o disposto no artigo 127 do Código Processo Penal.

7-Assim, e salvo o devido respeito por melhor opinião, entende-se que a Decisão do Tribunal a quo enferma de erro notório na apreciação da prova, uma vez que os elementos probatórios conduzem á não verificação de todos os elementos típicos do crime previsto e punido pelo artigo 203 n° 1 e 204 n° 2 al e) do Código Penal.

8- Com todo o respeito pelo principio da livre convicção do Juiz, face á prova produzida em Audiência e Discussão conjugada com as regras da experiência comum, deveria o arguido B... ser absolvido o crime de que vinha acusado e pelo qual foi condenado.

9- Caso V. Exª assim o não entendam e considerem improcedente o entendimento do ora recorrente, sempre se deverá considerar excessiva a pena, devendo ser atenuada mediante a aplicação do regime especial para jovens delinquentes, resultando assim vantagens para a sua reinserção social.

10- Não se vendo razões de prevenção geral que irremediavelmente se oponham á suspensão da sua execução.

11- Foi violado o disposto nos artigos 71 n° 2 e 70 do Código Penal que consagra a preferência pela pena não privativa da liberdade

DEVERÁ A SENTENÇA, PROFERIDA PELO TRIBUNAL A QUO, SER SUBSTITUIDA POR OUTRA, DE ACORDO COM A PROVA PRODUZIDA E COM A PRETENSÃO SUPRA EXPOSTA PELO RECORRENTE.

Foi apresentada resposta, pelo magistrado do Mº Pº concluindo:

I- Não padece a sentença recorrida de quaisquer dos vícios previstos no artigo 410, n° 2, do Código de Processo Penal;

II- O Tribunal "a quo" fez uma correta avaliação dos meios de prova produzidos e indicou as razões porque valorizou os depoimentos das testemunhas de acusação, demonstrando o percurso lógico utilizado para chegar às conclusões a que chegou, sendo que tal apreciação não merece censura.

III- Limitou-se, pois, o tribunal a fazer uso do princípio da livre apreciação da prova, que se encontra previsto no artigo 127, do Código de Processo Penal.

IV- Nesta conformidade, atenta a matéria de facto dada como provada, dúvidas não ficaram ao tribunal nem ao Ministério Público que os autores do crime de furto qualificado, na forma tentada, foram os arguidos e por tal fato foram os mesmos condenados.

IV- Os recorrentes/arguidos foram condenados na pena de 1 (um) ano de prisão efetiva, pela prática de 1 (um) crime de furto qualificado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22, 23, 203, n° 1 e 204, nº 2, alínea e), todos do Código Penal.

V- Atenta a matéria de facto dada como provada, os antecedentes criminais dos recorrentes/arguidos, tendo em consideração as exigências de prevenção geral e especial, as penas aplicadas aos arguidos, em nosso entender, não merecerem qualquer reparo.

VI- Tendo por base os critérios de determinação da medida concreta da pena legalmente consagrados, entendemos que face à pena aplicada ao recorrente/arguido, o tribunal "a quo" interpretou de forma totalmente correta os critérios plasmados no Código Penal, bem como os princípios inerentes aos fins das penas que norteiam o nosso ordenamento jurídico penal.

VII- Não foram violadas quaisquer normas legais, nomeadamente, as contidas nos artigos 70, 71, nº 2, do Código Penal e artigo 410, nº 2, do Código de Processo Penal.

VIII- Não merece, assim, qualquer reparo a sentença proferida pelo Mmº. Juiz "a quo".

IX- Pelo que, deve a mesma, ser mantida na íntegra, negando-se, consequentemente, provimento aos recursos interpostos pelos recorrentes/arguidos.

Nesta Instância, o Ex.mº Procurador Geral Adjunto, em parecer emitido, sustenta a improcedência dos recursos.

Foi cumprido o art. 417 nº 2 do CPP.

Não foi apresentada resposta.

Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.

***

Mostra-se apurada, a seguinte matéria de facto e fundamentação da mesma:

II – Fundamentação:

Discutida a causa resultaram os seguintes:

Factos provados:

1. No dia 24 de Outubro de 2012, pelas 22H30, os arguidos A... e B..., em comunhão de esforços e vontades e plano previamente elaborado, que consistia em o arguido A... estroncar a porta do estabelecimento e retirar do interior do mesmo os objetos e dinheiro que encontrasse, enquanto o arguido B... vigiava a ação daquele, alertando-o da proximidade de pessoas ao local; dirigiram-se ao estabelecimento comercial (mini mercado) denominado “ K(...)”, sito na Rua Dr. x(...), nesta cidade.

2. Uma vez aí chegados, o arguido B... ficou junto da praça de táxis ali existente a vigiar a ação do arguido A....

3. Por sua vez, o arguido A..., munido de uma chave inglesa, marca “zoreflor” de 200mm, de cor prateada, dirigiu-se à porta do estabelecimento estroncando a mesma para entrar naquele.

4. No entanto, o arguido A... não conseguiu abrir a porta do estabelecimento, uma vez que foi surpreendido pela GNR, que foi alertada por um popular que havia passado no local e avisou aquela guarda.

5. Os militares da GNR procederam à interceção dos arguidos A... e B..., bem como, à apreensão da chave “inglesa”, a poucos metros do local onde se encontra situado o estabelecimento comercial.

6. No interior do estabelecimento comercial havia mercearias, frutas e uma grande variedade de bebidas em valor não concretamente apurado, mas certamente, superior a €500,00 e inferior a €2.000,00 e no interior da caixa registadora havia sido deixado como fundo de maneio a quantia não apurada mas valor não inferior a €50,00.

7. Os arguidos tinham como finalidade apoderar-se dos objetos e dinheiro que encontrassem no interior do estabelecimento fazendo-os seus e contra a vontade da sua proprietária.

8. Os arguidos A... e B..., de comum acordo, em conjugação de esforços e plano previamente elaborado, agindo de forma deliberada, livre e consciente pretendiam fazer seus os objetos e dinheiro que se encontravam no interior do estabelecimento, bem sabendo que os mesmos não lhes pertencia, que atuavam contra a vontade da dona e que não tinham quaisquer direitos sobre os mesmos, só não o conseguindo por motivos alheios à sua vontade, uma vez que foram surpreendidos pelos militares da GNR.

9. Bem sabiam os arguidos que a sua conduta era proibida e punida por Lei como crime.

Além da acusação provou-se que:

10. O arguido A... foi condenado, por sentença de 23-01-2013, na pena de 60 dias de multa à taxa diária de €5,00, pela prática de um crime de furto simples.

11. O arguido A... até se encontrar em prisão preventiva vivia na companhia dos pais, não possuindo trabalho nem filhos.

12. O arguido B... foi condenado por sentença de 11-04-2012 como autor material de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 120 dias de multa.

13. Foi condenado por sentença de 21-10-2012 como autor material de um crime de furto qualificado na pena de 8 meses se prisão suspensa na execução.

14. O arguido B... vive na companhia da mãe, não possuindo despesas, e trabalhando à jorna na agricultura de forma esporádica.

Factos não provados:

Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.

Fundamentação da decisão da matéria de facto:

Para julgar como provados os factos que antecedem, o tribunal formou a sua convicção no conjunto das provas produzidas em audiência de discussão e julgamento conjugadas com as regras da experiência comum a saber:

No depoimento de F..., que passou na rua no momento em que um sujeito que não soube identificar estava a tentar abrir a porta do supermercado, e que nesse momento recebeu uma chamada no telemóvel, sendo que um pouco mais à frente, junto à praça de Táxis e junto aos contentores, viu um outro sujeito que não soube identificar que estava a falar ao telefone, que a seguiu com o olhar e que ficou com a impressão de estar a vigiar tendo telefonado à pessoa que estava tentar abrir a porta do supermercado. Esta testemunha deslocou-se, a pé, ao posto da GNR tendo relatado o sucedido.

No depoimento de G... proprietária do edifício onde se situa o estabelecimento comercial e que relatou ter ouvido barulhos a mexer em portas, tendo-se colocado à janela e visto que havia uma pessoa por baixo do toldo do mini mercado e que o barulho provinha dali, tendo-se mantido na janela até á chegada da GNR e tendo dito a esta força policial que a pessoa que se encontrava por baixo do toldo era a que ia em direção à igreja que se situa na praça em frente a este tribunal, que foi identificado como sendo o arguido A... e que também referiu que a pessoa que há muito ali se encontrava e que foi identificado como sendo o arguido B....

Estas duas testemunhas referiram que não havia mais ninguém na praça e jardim sendo que a única pessoa que refere a existência de uma pessoa a passar ao telefone, e que passa junto ao tribunal – lado oposto ao da rua Dr. x(...), é a testemunha F..., pessoa essa que ia em marcha rápida e a falar alto e que vinha desde a zona onde se situa a Vários – mesmo ao lado do tribunal.

Tais depoimentos permitem concluir pela certeza das pessoas que se encontravam no local e funções da cada uma.

Tais depoimentos foram conjugados com o depoimento de C..., Cabo GNR, e D..., Guarda GNR, que se deslocaram ao local e que encontraram o arguido A... em marcha rápida pelo jardim em direção à igreja e o arguido B... com o telefone junto à cara e na zona da praça de táxis, tendo sido informados pelas testemunhas supra referidas.

Estas testemunhas referiam que os arguidos já eram conhecidos há longa data dos mesmos, e que eram vistos juntos pela cidade.

O que permite concluir pela certeza decorrente da identificação dos arguidos.

No depoimento de E..., Cabo GNR, id., que no dia seguinte procedeu à recolha fotográfica, bem como encontrou a chave de inglesa (Fotografias, fls. 30 a 34; Auto exame direto e avaliação, fls. 16; Fotografia, fls. 17; Auto de apreensão, fls. 35).

Ora, perante tais elementos é possível constatar que a chave inglesa encontrada no jardim no dia seguinte tem dimensões compatíveis com as mossas que a porta apresenta, bem como a mesma apresenta mossas compatíveis com um uso conforme é descrito na acusação.

Mais permite concluir que a chave inglesa encontrada se situa no percurso que o arguido A... percorre, quando a GNR se encontra a chegar ao largo Dr. w(...), e a proveniência do mesmo é a rua Dr. x(...).

Ora tais elementos permitem concluir com certeza que foi o arguido A... quem se encontrava a tentar abrir a porta.

Quanto ao arguido B..., não obstante ter, no momento negado que se encontrasse a fazer o que quer que seja, e na sala de audiências ter referido que estava à espera de um casal, a descrição que a testemunha F... que estava com um capuz, a circunstância de que o arguido A... ter recebido um telefonema no preciso momento em que a testemunha estava a passar por ele, a sua presença naquele local durante tanto tempo, pois a distância a percorrer por esta testemunha desde o local até à GNR cerca de 10 minutos a pé, o tempo que a GNR iria demorar a té chegar ao local de carro, 2 a 3 minutos, o cumprimento caloroso que o tribunal teve oportunidade de presenciar entre os arguidos na sala de audiências, a saída do A... assim que o carro da GNR é avistado quando se encontra a iniciar o Jardim, permite concluir que o arguido B... estava a servir de vigilante aos factos praticados pelo A....

Quanto aos valores existentes na loja no depoimento de H..., proprietária do estabelecimento que relatou qual o valor das mercadorias existentes no local e valores deixados no fundo de caixa, moedas e trocos para o dia seguinte, relatando que havia bebidas alcoólicas no interior da loja de valor superior a €500,00.

Estas testemunhas depuseram sobre factos que conhecem e que relataram, tendo deposto de forma espontânea sem qualquer relação com os arguidos, logrando convencer o tribunal da autenticidade dos mesmos.

Quanto aos factos não provados por não se ter feito qualquer prova quanto aos mesmos.

E quanto aos outros por não serem credíveis as declarações do arguido B... nos termos em que já foi referido.

Quanto aos antecedentes criminais, no CRC dos autos.

Quanto às condições económicas e sociais no depoimento dos arguidos que os referiram sem que existam fundamentos para não os aceitar como verdadeiros.

***

Conhecendo:

- Os recorrentes insurgem-se contra a matéria de facto apurada, alegando que não foi produzida prova que consubstancie a prática de factos integradores do crime de furto e os bens que alegadamente pretenderiam furtar.

- Pondo em causa a qualificação jurídica.

- O arguido A... alega ainda a violação do princípio in dúbio pró reo.

- O arguido B... questiona a escolha e medida da pena, tendo como suficiente pena não privativa.

***

Matéria de facto:

Os arguidos recorrentes pedem a sua absolvição, entendendo ter havido incorreta apreciação da matéria de facto, que não se provaram (em seu entender) os factos, porque não houve testemunhas presenciais que os identifiquem, ou qualquer outra prova que ligasse os arguidos aos factos.

Alegam que dos depoimentos se deve concluir que não se apurou quem praticou os factos e, que na dúvida se deve decidir em favor dos arguidos.

De acordo com o preceituado no artigo 124, nº1 do Código de Processo Penal, “constituem objeto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis”.

Neste artigo, onde se define qual o tema da prova, estabelece-se que o podem ser todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou para a inexistência de qualquer crime, para a punibilidade ou não punibilidade do arguido, ou que tenham relevo para a determinação da responsabilidade civil conexa.

A ausência de quaisquer limitações aos factos probandos ou aos meios de prova a usar, com exceção dos expressamente previstos nos artigos seguintes ou em outras disposições legais, é afloramento do princípio da demanda da verdade material, que continua a dominar o processo penal (cfr. Conselheiro Maia Gonçalves, Código de Processo Penal, 12ª ed., págs. 331).

Por sua vez, o artigo 127 do Código de Processo Penal prescreve:

Salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.

É o chamado princípio da livre apreciação da prova, cujo tem duas vertentes. Na sua vertente negativa, significa que, na apreciação (valoração, graduação) da prova, a entidade decisória não deve obediência a quaisquer cânones legalmente preestabelecidos. Tem o poder-dever de alcançar a prova dos factos e de valorá-la livremente, não existindo qualquer pré-fixada tabela hierárquica elaborada pelo legislador. Do lado positivo, significa que os factos são dados como provados, ou não, de acordo com a íntima convicção que a entidade decisória gerar em face do material probatório validamente constante do processo, quer ele provenha da acusação, quer da defesa, quer da iniciativa do próprio" (Acórdão da Relação de Coimbra de 9 de Fevereiro de 2000, Coletânea de Jurisprudência, Ano XXV, Tomo I, Pág. 51).

Segundo os ensinamentos do Prof. Germano Marques da Silva “a livre valoração da prova não deve ser entendida como uma operação puramente subjetiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de conjeturas de difícil ou impossível objetivação, mas a valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objetivar a apreciação, requisito necessário para uma efetiva motivação da decisão” (Direito Processual Penal, vol. II, pág. 111). Também, o S.T.J., em acórdão datado de 13 de Fevereiro de 1992, referiu que “a sentença deve conter os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituam o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência” (Col. Jur. ano XVII, tomo I, pág. 36). Por sua vez, o Tribunal Constitucional, acórdão n.º 464/97/T se pronunciou por não julgar inconstitucional a norma do artigo 127 do Código de Processo Penal. Neste acórdão, após ter-se chamado à colação os ensinamentos dos Profs. Castanheiro Neves e Figueiredo Dias, escreve-se que “esta justiça, que conta com o sistema da prova livre (ou prova moral) não se abre, de ser assim, ao arbítrio, ao subjetivismo ou à emotividade. Esta justiça exige um processo intelectual ordenado que manifeste e articule os factos e o direito, a lógica e as regras da experiência. O juiz dá um valor posicional à prova, um significado no contexto, que entra no discurso argumentativo com que haverá de justificar a decisão. Este discurso é um discurso «mediante fundamentos que a ‘razão prática’ reconhece como tais (Kriele), pois que só assim a obtenção do direito do caso está «apta para o consenso». A justificação da decisão é sempre uma justificação racional e argumentada e a valoração da prova não pode abstrair dessa intenção de racionalidade e de justiça” (D.R. n.º 9/98 de 12 de Janeiro de 1998, II Série, pág. 499).

Perante estes ensinamentos, está pois, o Tribunal autorizado a valorar factos, que com a segurança necessária à verdade prática-jurídica, sirvam de suporte à decisão.

Nos termos do prescrito no artigo 374, n.º 2 do Código de Processo Penal, o Tribunal deve na sentença indicar os motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal. Conforme refere Marques da Silva o juízo sobre a valoração da prova tem vários níveis. Num primeiro aspeto trata-se da credibilidade que merecem ao tribunal os meios de prova e depende substancialmente da imediação e aqui intervêm elementos não racionais explicáveis. Num segundo nível inerente à valoração da prova intervêm as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios e, agora já as inferências não dependem substancialmente da imediação, mas hão de basear-se na correção do raciocínio que há de fundamentar-se nas regras da lógica, princípio da experiência e conhecimentos científicos, tudo se podendo englobar na expressão, regras da experiência.

Do exposto se pode concluir:

Referindo uma testemunha, F... que passou no local e viu alguém que não conheceu a tentar abrir a porta do minimercado e depois a falar ao telemóvel com alguém junto à praça de táxis, indo depois narrar o que viu à GNR;

Referindo a testemunha G..., dona do edifício onde se situa o minimercado e que por ouvir barulho veio espreitar à janela e apercebeu-se que alguém estava por baixo do toldo do minimercado e aí se manteve até vir a GNR a quem disse que a pessoa que estava por baixo do toldo era a mesma que se dirigia para a direção da praça de táxis onde estava o outro indivíduo;

Estas duas testemunhas referiram que não havia mais ninguém no local (além de alguém que passou junto ao edifício do tribunal);

Sendo que aqueles indivíduos foram identificados como sendo o arguido A... que estava por debaixo do toldo a tentar abrir a porta e o arguido B... junto à praça de táxis;

As regras da experiência hão de fazer concluir algo dessa situação.

Só se pode concluir como na fundamentação da matéria de facto na sentença, “Tais depoimentos permitem concluir pela certeza das pessoas que se encontravam no local e funções da cada uma.

No caso em apreço, há algo em concreto que é a situação dos arguidos, a posição que cada um tomou, a fechadura forçada e a inexistência de outras pessoas que pudessem ter tentado forçar essa fechadura pelo que o julgador tem de concluir pelo que nos ditam as regras da experiência.

Sendo o silêncio do arguido A... um direito que lhe assiste, sem que isso o possa prejudicar, não pode o mesmo esperar um benefício resultante do exercício desse direito ao silêncio.

Assim, não se pode concluir, como pretendem os recorrentes, que a matéria de facto foi fixada, sem prova.

Não se pode entender como os recorrentes pretendem (assim parece), que só os factos presenciais (arguidos apanhados em flagrante) podem ser punidos por só nesses casos se apurar a autoria.

É que há outros modos e meios de fazer prova, para além do flagrante delito.

Assim e face ao exposto o tribunal recorrido só poderia concluir, como o fez, imputando a prática dos factos aos arguidos (em coautoria).

Da atuação dos mesmos, a posição que cada um assumiu e comprovada pelas testemunhas referidas, resulta que os mesmos atuavam de forma combinada e concertada e em cumprimento de plano a executar pelos dois.

Também a chave inglesa, sendo provado que era apta a forçar a fechadura pelo modo como estava a ser forçada e, sendo encontrada abandonada no jardim ali perto, é manifesto que as regras da experiência indicam que a mesma teria sido usada na tentativa de conseguir forçar a porta do estabelecimento.

E o Tribunal convenceu-se, fazendo-o como o fez de forma perentória e convincente. São bastantes os indícios quando se trata de um conjunto de elementos convincentes de que o arguido praticou os factos incrimináveis que lhe são imputados; por indícios suficientes entendem-se vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações, suficientes e bastantes, para convencer de que há crime e é o arguido responsável por ele.

Assim, se o facto probatório (meio da prova) se refere imediatamente ao facto probando fala-se de prova direta, se o mesmo se refere a outro do qual se infere o facto probando fala-se em prova indireta ou indiciária.

O indício não tem uma relação necessária com o facto probando, pois pode ter várias causas ou efeitos, e, por isso, o seu valor probatório é extremamente variável. Na prova indiciária, mais do que em qualquer outra, intervém a inteligência e a lógica do juiz. Porém, qualquer um daqueles elementos intervém em momentos distintos.

Em primeiro lugar é a inteligência que associa o facto indício a uma máxima da experiência ou uma regra da ciência; em segundo lugar intervém a lógica através da qual, na valoração do facto, outorgaremos à inferência feita maior ou menor eficácia probatória.

A associação que a prova indiciará proporciona entre elementos objetivos e regras objetivas leva alguns autores a afirmar a sua superioridade perante outro tipo de provas, nomeadamente prova direta e testemunhal, pois que aqui também intervém um elemento que ultrapassa a racionalidade e que será muito mais perigoso de determinar, como é o caso da credibilidade do testemunho (Mittermaier Tratado de la Prueba em Matéria Criminal).

Conforme refere André Marieta (La Prueba em Processo Penal, pág. 59) são dois os elementos da prova indiciária:

a) - Em primeiro lugar o indício que será todo o facto certo e provado com virtualidade para dar a conhecer outro facto que com ele está relacionado. (Delaplane define-o como todo o resto, vestígio, circunstância e em geral todo o facto conhecido ou melhor devidamente comprovado, suscetível de levar, por via da inferência ao conhecimento de outro facto desconhecido).

O indício constitui a premissa menor do silogismo que, associado a um princípio empírico ou a uma regra da experiência, vai permitir alcançar uma convicção sobre o facto a provar. Este elemento de prova requer em primeiro lugar que o indício esteja plenamente demonstrado, nomeadamente através de prova direta (v.g. prova testemunhal no sentido de que o arguido detinha em seu poder objeto furtado ou no sentido de que no local foi deixado um rasto de travagem de dezenas de metros), de que só o arguido estava no local dos factos, onde depois apareceu forçada a fechadura da porta.

O que não se pode admitir é que a demonstração do facto indício que é a base da inferência seja também ele feito através de prova indiciária atenta a insegurança que tal provocaria.

b) - Em segundo lugar é necessária a existência da presunção que é a inferência que obtida do indício permite demonstrar um facto distinto. A presunção é a conclusão do silogismo construído sobre uma premissa maior: a lei baseada na experiência; na ciência ou no sentido comum que apoiada no indício-premissa menor - permite a conclusão sobre o facto a demonstrar.

A inferência realizada deve apoiar-se numa lei geral e constante e permite passar do estado de ignorância sobre a existência de um facto para a certeza, ultrapassando os estados de dúvida e probabilidade.

A prova indiciária realizar-se-á para tanto através de três operações. Em primeiro lugar a demonstração do facto base ou indício que, num segundo momento faz despoletar no raciocínio do julgador uma regra da experiência ou da ciência que permite, num terceiro momento, inferir outro facto que será o facto sob julgamento.

A lógica tratará de explicar o correto da inferência e será a mesma que irá outorgar à prova da capacidade de convicção.

Não faz a nossa lei processual penal qualquer referência a requisitos especiais em sede de demonstração dos requisitos da prova indiciária.

O funcionamento e creditação desta está dependente da convicção do julgador que, sendo uma convicção pessoal, deverá ser sempre objetivável e motivável.

Como salienta o acórdão do STJ de 29-02-1996, anotado e comentado na "Revista Portuguesa de Ciência Criminal", Ano 6º, fascículo 4º, pág. 555 e seguintes, "a inferência na decisão não é mais do que ilação, conclusão ou dedução, assimilando-se todo o raciocínio que subjaz à prova indireta e que não pode ser interdito à inteligência do juiz".

Nada impedirá, porém, que devidamente valorada a prova indiciária a mesma por si, na conjunção dos indícios permita fundamentar a condenação (conforme Mittermaier "Tratado de Prueba em Processo Penal pág. 389) - (in Acórdão da Relação de Coimbra de 9 de Fevereiro de 2000, Coletânea de Jurisprudência, Ano XXV, Tomo I, Pág. 51).

Do exposto resulta que apesar de não haver prova direta (ninguém viu o arguido a forçar a porta), houve outra prova que conjugada permitiu, segundo as regras da experiência, concluir pela responsabilidade sua responsabilidade.

Assim que, fazendo a análise crítica da prova, a partir dos factos concretos provados, só se podia concluir como na sentença, em suma, todos os elementos expostos, conjugados com as regras da experiência comum, conduziram à convicção de que os arguidos praticaram os factos que lhes foram imputados na acusação pública e pelos quais foram condenados.

Mantendo-se por conseguinte a matéria de facto como fixada na sentença recorrida.

Sem que o tribunal tivesse dúvidas acerca do apuramento desses factos.

In dúbio pró reo:

Também se não verifica violação do princípio in dúbio pró reo.

O princípio in dubio pro reo é o correlato processual do princípio da presunção da inocência do arguido.

Gozando o arguido da presunção de inocência (artigo 32, nº 2, da Constituição da República Portuguesa), toda e qualquer dúvida com que o tribunal fique reverterá a favor daquele.

"O principio in dubio pro reo aplica-se sem qualquer limitação, e portanto não apenas aos elementos fundamentadores e agravantes da incriminação, mas também ás causas de exclusão da ilicitude (v. g. a legitima defesa), de exclusão da culpa. Em todos estes casos, a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de atuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido" - Figueiredo Dias in D.tº Processual Penal, 1974, 211.

"Não adquirindo o tribunal a "certeza" (a convicção positiva ou negativa da verdade prática) sobre os factos (...), a decisão tem de ser, por virtude do princípio in dubio pro reo, a da absolvição. Neste sentido não é o princípio in dubio pro reo uma regra de ónus da prova, mas justamente o correlato processual da exclusão desse ónus" - vd. Castanheira Neves in processo criminal, 1968, 55/60.

No que aos factos desfavoráveis aos arguidos tange, a dúvida insanável deve levar a dar como não provado o facto sobre o qual recai.

O princípio in dubio pro reo só é desrespeitado quando o Tribunal, colocado em situação de dúvida irremovível na apreciação das provas, decidir, em tal situação, contra o arguido - Ac. do mesmo Supremo de 18/3/98 in Proc 1543/97.

Afigura-se-nos que ressalta, de forma límpida, do texto da decisão ter o Tribunal, após ponderada reflexão e análise crítica sobre a prova recolhida, obtido convicção plena, porque subtraída a qualquer dúvida razoável, sobre a verificação dos factos imputados aos arguidos e que motivaram a sua condenação.

Donde resulta a inexistência de dúvida.

Como já se disse, o que se pretende através dos recursos é que o tribunal deveria ter valorado as provas à maneira dos recorrentes, substituindo-se eles -recorrentes- ao julgador, tal incumbência é apenas, porém deste - art. 127° CPP.

Questão distinta é a do valor dos bens tentados furtar.

Os arguidos queriam apoderar-se de bens e valores que encontrassem no estabelecimento.

Dos valores da caixa registadora?

Das bebidas alcoólicas?

Dos outros bens?

De todos os bens e valores?

Factos que não se apuraram e que, integrariam o vício da insuficiência, caso fosse possível vir a apurá-los.

Como se refere no acórdão do STJ de 19.03.2009, acessível através do site (www.dgsi.pt), a insuficiência “é uma lacuna de factos, que se revela internamente, só a expensas da própria sentença, sempre no cotejo com a decisão, e não se confunde, evidentemente, com a eventual falta de provas para que se pudessem dar por provados os factos que se consideraram provados”.

Diz-se ainda no acórdão do STJ de 27.05.2010 (Relator: Cons. Raul Borges) que “O vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo Penal, verifica-se quando a matéria de facto é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada, porque o tribunal não esgotou os seus poderes de indagação em matéria de facto; ocorre quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação ou de absolvição. A insuficiência prevista na alínea a) determina a formação incorreta de um juízo porque a conclusão ultrapassa as premissas. A matéria de facto é insuficiente para fundamentar a solução de direito correta, legal e justa”.

Mas no caso temos que o tribunal apurou o que podia apurar-se sendo inviável tentar apurar, pelo reenvio, quais os bens e/ou valores, em concreto, de que os arguidos pretendiam apropriar-se.

Assim que não se verifica este vício e temos de nos reportar aos provados, de que os arguidos pretendiam apoderar-se de bens e valores que encontrassem no estabelecimento. E, é neste sentido que tem de se interpretar os factos do ponto 8 dos provados, já que é o que resulta de todo o teor da sentença.

Nesse ponto 8, onde se refere que os arguidos “pretendiam fazer seus os objetos e dinheiro que se encontravam no interior do estabelecimento”, não se pode entender que eram todos mas, apenas os que lhes interessassem e os que pudessem levar.

É o que resulta da sentença ao fazer a análise jurídica e referindo, “Encontrando-se provado que no estabelecimento comercial se encontravam objetos de valores superior a 1 UC, e não havendo qualquer outro facto que permita concluir que os arguidos queriam objetos de valor inferior”.

Porém, entendemos que os factos merecem qualificação jurídica distinta.

Qualificação jurídica dos factos:

Não se apurando em concreto os valores dos bens que os arguidos tentaram furtar, tem que em seu favor funcionar o benefício da dúvida e não concluir, como na sentença que os arguidos não queriam bens de valor inferior a 1UC.

Embora haja entendimento diferente sufragamos o expendido no acórdão do STJ de 10.12.1997 (www.dgsi.pt/jstj) onde se entendeu que deve beneficiar-se o arguido e considerar diminuto o valor da coisa:

“Não se conseguindo determinar o valor dos objetos subtraídos pelo arguido, tem de concluir-se, em benefício daquele, que o mesmo é insignificante e diminuto, o que exclui a qualificação do furto, nos termos do disposto pelos artigos 297 nº 3 do CP de 1982 e 204 n. 4 e 202 alínea c) do CP de 1995”.

Na mesma linha seguiu o STJ de 12.11.1997 (www.dgsi.pt/jstj)

E ainda nesse entendimento podemos citar o acórdão da Relação do Porto de 15.04.2009 (www.dgsi.pt) que onde é dito:

“Desconhecendo-se o valor dos bens objeto de tentativa de furto, a dúvida sobre se o valor de tais bens é ou não diminuto, porque se refere a um elemento de facto, tem de solucionar-se a favor do arguido, em obediência ao princípio “in dubio pro reo”, considerando-se ser esse valor diminuto e, em consequência, a tentativa de furto simples”.

E o Ac. da Rel. de Évora de 12-06-2012, no processo nº 330/10,3GDPTM.E1, refere, “Desconhecendo-se o valor dos bens objecto de tentativa de furto, a dúvida sobre se o valor de tais bens é ou não diminuto, porque se refere a um elemento de facto e o reenvio do processo para novo julgamento nada alteraria, tem de solucionar-se a favor do arguido, em obediência ao princípio “in dubio pro reo”.

Este o sentido da orientação que sustentamos.

Assim que o crime de furto tentado é desqualificado.

Pelo que há que reanalisar a escolha e medida das penas aplicadas aos arguidos.

Escolha e determinação das penas em concreto a aplicar aos arguidos:

Na sentença recorrida, foram observados os critérios legais de escolha da pena, sendo que há agora a diferença da qualificação jurídica dos factos, estando perante tentativa de crime simples e não qualificado.

Assim a moldura penal para o crime tentado, em vez dos 1 mês a 5 anos e 4 meses de prisão, tida em conta na sentença, é a de multa de 10 a 120 dias ou, prisão de 30 dias a 1 ano.

Sendo que agora a questão também se coloca quanto à escolha da pena, detentiva ou não detentiva.

Sendo que o recorrente coloca em crise a aplicação de pena detentiva, entendendo como suficiente, acertada, a pena de multa.

Conforme art. 70 do CP, o tribunal deve dar preferência à pena não detentiva sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Perante a previsão abstrata de uma pena compósita alternativa (multa ou prisão), o tribunal deve dar preferência à multa sempre que formule um juízo positivo sobre a sua adequação e suficiência face às finalidades de prevenção geral positiva e de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial de socialização, preterindo-a a favor da prisão na hipótese inversa.

Como refere o Prof. Figueiredo Dias «são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efetiva aplicação.» - Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, § 497, pág. 331.

A escolha entre a pena de prisão e a alternativa ou de substituição depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial – Maia Gonçalves, em anotação ao artigo 70 do Código Penal anotado e comentado.

A escolha das penas é determinada apenas por considerações de natureza preventiva, uma vez que as “finalidades da punição” são exclusivamente preventivas – Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário ao Código Penal, 2ª edição atualizada, pág. 266.

Temos assim que a escolha da pena depende de critérios de prevenção geral e especial v.g. Acórdão deste Tribunal, de 17 de Janeiro de 1996, in CJ, ano XXI, tomo I, pág. 38., pelo que o julgador, perante um caso concreto, tem que valorar os factos para depois optar por aplicar uma pena detentiva ou não detentiva.

A escolha da pena, nos termos do artigo 70 depende exclusivamente das finalidades da punição pelo que o julgador só deve optar pela cominação de pena não privativa da liberdade quando a mesma se mostre consentânea com os princípios de prevenção geral e especial.

No caso em apreço, verificam-se acentuadas necessidades de prevenção geral atualmente ligadas aos tipos de crime em causa (crime contra o património) e as necessidades de prevenção especial que o presente caso encerra já que os arguidos possuem antecedentes criminais (com a prática e condenação por crime da mesma natureza), mas mesmo assim entendemos não ser de afastar a preferência normativa, optando-se ainda pela pena não detentiva.

Elucida a este respeito o Professor Jorge de Figueiredo Dias In Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, §§ 497 e 498., que “o tribunal deve preferir à pena privativa de liberdade uma pena alternativa ou de substituição sempre que, verificados os respetivos pressupostos de aplicação, a pena alternativa ou a de substituição se revelem adequadas e suficientes à realização das finalidades da punição, o que vale logo por dizer que são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção especial e de prevenção geral, não finalidades de compensação da culpa, que justificam (e impõem) a preferência por uma pena alternativa ou por uma pena de substituição e a sua efetiva aplicação. Bem se compreende que assim seja: sendo a função exercida pela culpa, em todo o processo de determinação da pena, a de limite inultrapassável do quantum daquela, ela nada tem a ver com a questão da escolha da espécie de pena. Por outras palavras: a função da culpa exerce-se no momento da determinação quer da medida da pena de prisão (necessária como pressuposto da substituição), quer da medida da pena alternativa ou de substituição; ela é eminentemente estranha, porém, às razões históricas e político-criminais que justificam as penas alternativas e de substituição, não tendo sido em nome de considerações de culpa, ou por força delas, que tais penas se constituíram e existem no ordenamento jurídico.”

Na aplicação da medida da pena, em concreto, deve ter-se em conta o disposto no art. 71 do C. Penal.

Aí se diz – no seu nº 1 – que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (geral e especial).

Visando-se, com a aplicação das penas, a proteção de bens jurídicos e a reintegração social do agente, art. 40 nº1 do Cód. Penal.

No que se refere à prevenção geral, haverá que dizer que esta radica no significado que a "gravidade do facto" assume perante a comunidade, isto é, importa aferir do significado que a violação de determinados bens jurídico penais tem para a comunidade (na sociedade ocidental releva os crimes cometidos contra a vida) e satisfazer as exigências de proteção desses bens na medida do necessário para assegurar a estabilização das expectativas na validade do direito (cfr. ANABELA RODRIGUES, A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade, Coimbra, 1995, págs. 371 e 374) ou, por outra forma, a consideração da prevenção geral procura dar "satisfação à necessidade comunitária de punição do caso concreto, tendo-se em conta de igual modo a premência da tutela dos respetivos bens jurídicos" (Ac. STJ de 4-7-1996, CJSTJ, II, p. 225).

Entendendo-se e como na sentença e com os fundamentos aí expostos que, os arguidos não são merecedores da atenuação ao abrigo do Regime Especial para Jovens Delinquentes aprovado pelo Dl. 401/82 de 23-9.

Sendo que, em caso algum, a pena pode ultrapassar a medida da culpa, art. 40 nº 2 do C. Penal.

Decorre, assim, de tais normativos que a culpa e a prevenção constituem os parâmetros que importa ter em apreço na determinação da medida da pena.

Na determinação concreta da pena, o tribunal atende a todas as circunstâncias, que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele – art. 71 nº 2 do C. Penal.

Enunciando-se, de forma exemplificativa, no mesmo nº 2 quais as circunstâncias que podem ter tal função.

Assim, tendo em conta a moldura abstrata de 10 a 120 dias de multa, temos como adequada a aplicação da pena concreta de 100 dias de multa, para cada arguido.

Sendo que se espera que os arguidos saibam aproveitar mais esta oportunidade.

Taxa diária da multa aplicada:

O arguido A... encontra-se detido.

O arguido B... trabalha à jorna na agricultura e não tem despesas, vivendo com a mãe.

Na fixação da taxa deve ser tido em conta o disposto no art. 47 nº 2 do CP, a situação económica e financeira do condenado e os seus encargos pessoais.

Em relação à quantia de 5€, o mínimo atualmente em vigor, redação da lei 59/07 de 4-09, a jurisprudência há muito tinha fixado tal quantia como patamar mínimo considerando que taxa inferior apenas se justificava para situações extremas.

A situação económica do arguido B... ultrapassa esse patamar mínimo.

Ao arguido B..., tendo em conta os rendimentos (jorna diária) e encargos (sem encargos) tem rendimentos que lhe permitem, sem sacrifício exagerado, pagar uma taxa diária de multa de 8,00€.

Ao arguido A... fixa-se a taxa diária em 5,00€.

Tal montante (pena de multa) não pode, efetivamente, deixar de constituir um castigo, sob pena de deixar de cumprir a sua finalidade de verdadeira pena.

Não se pode levar terceiros a pensar (prevenção geral) que "o crime compensa".

Não se pode transformar a pena de multa numa absolvição encapotada.

Há que fazer sentir ao arguido o desvalor social da sua atuação.

***

Assim se julgando parcialmente procedentes os recursos.

Decisão:

Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação e Secção Criminal em:

- Julgar parcialmente procedentes os recursos dos arguidos, A... e B..., em consequência:

A)- Condená-los, cada um, na pena de 100 dias de multa, pela prática de um crime de furto na forma tentada previsto e punido pelo artigo 203, nº 1 e 2, 204, nº 2 al. e) e nº 4, 202 al. c), 23 nº 2 e 73 nº 1 al. c) e 47 nº 1, do Código Penal.

B)- Nos termos do art. 47 nº 2 do CP, fixa-se a taxa diária da multa aplicada em 8,00€ para o arguido B... e 5,00€ para o arguido A....

C)- Quanto ao mais, mantém-se a sentença recorrida.

Sem custas.

Jorge Dias (Relator)

Orlando Gonçalves