Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
431/10.8TBOHP.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO DOMINGOS PIRES ROBALO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
REPARTIÇÃO
CULPA
INDEMNIZAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
Data do Acordão: 10/18/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA – INST. CENTRAL – SEC. CÍVEL – J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 483º, 563º, 564º E 570º DO C. CIVIL.
Sumário: I – Tendo presente a natureza dos veículos - um veículo ligeiro de passageiros e um motociclo -, saindo o primeiro de um parte de estacionamento e o segundo seguindo a uma velocidade superior à permitida, por lei, no local, temos para nós que a percentagem de responsabilidade civil a fixar (pelo facto de quem sai de um parque dever ter uma atenção redobrada e não se pode imputar uma culpa de ¼ a alguém que circule a uma velocidade superior a 50 Km/h num local limitativo dessa velocidade, pela hemi-faixa de rodagem direita, atento o seu sentido de marcha, e que ao se aperceber da iminência do embate trava e desvia-se para a hemi-faixa de rodagem esquerda, tendo o veículo automóvel prosseguido a sua marcha indo o motociclo colidir frontalmente conta a parte lateral da frente desse veículo), com base nestes factos, é bastante maior quanto ao condutor do veículo automóvel, pelo que se fixa em 95% para o condutor deste veículo e 5% para o condutor do motociclo.

II - A indemnização pela perda da capacidade aquisitiva deve ser calculada em atenção ao tempo provável de vida activa da vítima e esperança média de vida, de forma a representar um capital produtor de rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual até final desse período. Para tanto, serão convocadas as normas dos arts.564º e 563º, nº 3 do Código Civil, onde se extrai a legitimação do recurso à equidade (art.4º do CC) e a desvinculação relativamente a puros critérios de legalidade estrita.

Decisão Texto Integral:





Acordam na secção cível (3.ª secção) do Tribunal da Relação de Coimbra

                                                           1.Relatório

1.1 N..., padeiro, residente na ..., intentou a presente acção contra a R.C..., com sede na ..., pedindo a sua condenação no pagamento de € 46.290, 39, acrescida do que se liquidar posteriormente quanto a danos ainda não determinados ao tempo da propositura da ação.

Para o efeito diz, em síntese, ter sido interveniente em acidente de viação causado pelo veículo seguro pela Ré quando seguia tripulando um motociclo que foi abalroado por aquele veículo que, provindo de um parque de estacionamento, entrou na estrada sem curar da aproximação do motociclo, que em consequência do embate,  sofreu lesões físicas graves que demandaram intervenções cirúrgicas, internamento, sofre incapacidade permanente para a sua actividade de padeiro, tendo tidos despesas médicas e outras (€ 5.463, 39) e perdido salários (Setembro de 2007 a Setembro de 2010).

1.2. A R contesta e diz, em síntese, que sua segurada saíu de um parque de estacionamento para entrar na via e seguir direção para a sua esquerda, verificando que nenhum veículo se aproximava, razão pela qual entrou na estrada, onde surgiu de forma súbita o A. que circulava a mais de 120 kms/hora, razão pela qual não conseguiu deter o motociclo, o que o torna corresponsável pelo sinistro, aceitando a Ré assumir apenas 75% da responsabilidade pelos danos, impugna o valor dos danos, afirmando ter-lhe já adiantado a quantia de € 11.500, 00, que deverá ser abatida no valor final.

1.3. A fls. 235 e 236 o A. responde em réplica e termina como na petição inicial.

1.4. A fls. 244 e ss. foi proferido despacho saneador e selecionada a factualidade relevante.

1.5. A fls. 348 e ss. veio o autor ampliar o pedido, considerando uma IPP de 65% e um rendimento médio mensal de € 930, 00, peticionando uma indemnização pela perda da capacidade de ganho de € 400.681, 62; mais € 13.698, 63, pela ITA e € 15.902, 32, pela ITP. Pelos danos não patrimoniais, pretende uma compensação de € 80.0000, 00.

Mais pretende, para além da indemnização reclamada inicialmente, € 30.000, 00, pela medicação que terá de tomar até aos 75 anos, e € 10, 00, diários pela privação do seu motociclo desde a data do sinistro até 17.10.08.

1.6. A Ré exerceu contraditório relativamente a este pedido de ampliação, o qual foi admitido por despacho de fls. 387 e ss., tendo sido fixados novos temas de prova. 

1.7. A instância mantém-se válida e regular e procedeu-se á realização de audiência de discussão e julgamento, onde foi decidido julgar a ação parcialmente procedente e absolvendo a Ré do restante peticionado, condena-se a mesma a pagar ao A. a quantia de € 229.256, 54 (devendo descontar-se o valor já pago pela Ré ao A. a título indemnizatório – com exceção do que corresponde ao valor venal do veículo – a apurar em posterior liquidação), acrescida de juros de mora legais, atualmente à taxa de 4%, desde a citação, sobre € 26.756, 55, e desde esta data e até integral pagamento sobre a quantia restante, mais condena a Ré a pagar ao A. a quantia necessária para aquisição dos medicamentos supra descritos em 64 e 76, desde 31.8.2010 e até à idade de 70 anos, em valor a apurar em incidente de liquidação posterior.

1.8. Inconformados com a sentença dela recorreram o A. (fls. 531 a 540) e a R. (fls. 544 a 550).

1.9. O A. termina (fls. 538v a 540) a sua motivação com as seguintes conclusões:

...

1.10. A fls. 558 v.º a 561 a R. contra-alegou terminando referindo que o recurso da matéria de facto deve ser rejeitado por inobservância do preceituado no art.º 640º  do nCPC ou caso assim não se entenda, julgado improcedente, por não provado, com todas as consequências legais.

            1.11. A R. (a fls. 549 e 550) termina a sua motição com as conclusões que se seguem: ...

1.12. Colhidos os vistos, cumpre decidir.

                                               2. Fundamentação

2.1. Factos provados em 1.ª instância (já com a alteração operada ao facto 2.1.36. que se encontra a negrito, face á alteração da matéria de facto por esta relação).

...

3.1. É, em principio, pelo teor das conclusões do/a recorrente que se delimitam as questões a apreciar no âmbito do recurso (cfr. art.s 608, n.º 2, 635, n.º 4 e 639, todos do C.P.C.).

As questões a decidir resumem-se, quanto ao recurso do A., a saber:

I - Saber se a matéria de facto deve ser alterada;

II – Saber se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que atribua culpa exclusiva da segurada ou caso assim não se entenda nunca a responsabilidade será de 80% - 20%, não podendo nunca ser atribuída á A. parte  superior a 5% .

III – Saber se as perdas salariais decorrentes da incapacidade absoluta que sofreu durante  1079 dias, ser com base no rendimento mensal de 806,99 (anual de 11.220,00€) e não apenas de um rendimento mensal de 770,00€ (ou anual de 10.220,00), o que significa que essas perdas ascendem a 33.398,33 €.

 As questões a decidir resumem-se, quanto ao recurso da R., pois a saber

I - Saber se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que atribua culpa de 50%  a A. e R..

II - Saber se deve ser fixado um valor indemnizatório de 130.00,00€ pela perda de capacidade de ganho, em vez dos 190.000,00€ fixados na sentença recorrida.

III – Saber se o montante a fixar pelos danos não patrimoniais deve fixar-se em valor não superior a 40.000,00€, em vez dos 80.000,00 fixados em 1.ª instância

Tendo presente que ambas as partes recorreram, por uma questão metodológica iremos em primeiro lugar a analisar o recurso do A. e depois o recurso da R.

Atendendo que o A. recorre também da matéria de facto, iremos em primeiro lugar a analisar este e após o de direito.

3.1.2. Recurso do A.

3.1.2.1. – Recurso da matéria de facto.

O recorrente considera que foram incorrectamente julgados os pontos 32 e36 dos factos provados e o ponto 10 dos factos não provados.

A recorrida na resposta refere que o recurso da matéria de facto deve ser rejeitado por não observar o preceituado no art.º 640º do C.P.C.

Assim, antes demais cabe apreciar esta questão prévia, ou seja, saber se o recurso da matéria de facto deve ou não ser admitido.

            Vejamos.

No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de

hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido art.º 607, n.º 5, do C.P.C.

Perante o estatuído neste artigo exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação – cfr. J. Rodrigues Basto, Notas ao C.P.C. 3º, 3ªed. 2001, p.175.

            O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente; mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed. III, p.245.

Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

Pelo que: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.

Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade – a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005 e de 23-04-2009 dgsi.pt., p.09P0114.

Nesta conformidade constitui jurisprudência sedimentada que:

«Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na

1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. – Ac. do STJ de.20.05.2010, dgsi.pt p. 73/2002.S1.

Ademais, urge atentar que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto não se destina a que o tribunal da Relação reaprecie global e genericamente a prova valorada em primeira instância, ainda que apenas se pretenda discutir parte da decisão - Cfr. entre outros, os Acs. do STJ de 9.07.2015, p.405/09.1TMCBR.C1.S1 e de 01.10.2015, p. 6626/09.0TVLSB.L1.S1 in dgsi.pt.

Na verdade, e como dimana do preâmbulo do Decreto-Lei nº 39/95 (…), «a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.

Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido.».

Como corolário deste princípio «impôs-se ao recorrente um “especial ónus de alegação”, no que respeita “à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação”, em decorrência “dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos das relações (resultante da nova redacção do artigo 712º [actual 662º]) – e a consequente ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1ª instância – possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito e julgado de uma decisão inquestionavelmente correcta.»

«A reforma do Código de Processo Civil de 2013 não pretendeu alterar o sistema dos recursos cíveis…mas teve a preocupação de “conferir maior eficácia à segunda instância para o exame da matéria de facto”, como se pode ler na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 113/XII apresentada à Assembleia da República…Essa maior eficácia traduziu-se no reforço e ampliação dos poderes da Relação, no que toca ao julgamento do recurso da decisão de facto; mas não trouxe consigo a eliminação ou, sequer, a atenuação do ónus de delimitação e fundamentação do recurso, introduzidos em 1995. Com efeito, o nº 1 do artigo 640º vigente, aplicável ao recurso de apelação que agora nos interessa:

– manteve a indicação obrigatória “dos concretos pontos de facto” que o recorrente “considera incorrectamente julgados” (al. a),

– manteve o ónus da especificação dos “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos de facto impugnados diversa da recorrida” (al. b), – exigiu ao recorrente que especificasse “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” (al. c), sob pena de rejeição do recurso de facto. E à mesma rejeição imediata conduz a falta de indicação exacta “das passagens da gravação em que se funda” o recurso, se for o caso, sem prejuízo de poder optar pela apresentação da “transcrição dos excertos” relevantes.» - Ac. do STJ de 01.10.2015, sup. cit.

Assim, preceitua o artº 640º do CPC:

“1 — Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 — No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

A - Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

B - Perante o estatuído neste ultimo segmento normativo tem-se entendido, por um lado, que:

«A exacta indicação das passagens da gravação…não se identifica com a mera indicação do local, no suporte de registo áudio disponibilizado ao Tribunal de recurso, onde começa e termina cada um dos depoimentos em causa…Daí que ao recorrente…seja mister indicar, por referência ao suporte em que se encontra gravado o depoimento que pretende utilizar, o início e o termo da passagem ou das passagens, desse depoimento, em que se funda o seu recurso.» - Ac. da RC de 17-12-2014, p. 6213/08.0TBLRA.C1 in dgsi pt.

Ou, noutra nuance:

«Sempre que o recorrente impugne a decisão sobre a matéria de facto, deve observar o ónus de impugnação previsto no artº 640º do nCPC, nomeadamente deve indicar as exatas passagens da gravação dos depoimentos testemunhais em que se baseia para discordar do decidido, sob pena de rejeição do recurso quanto à reapreciação da prova.» - Ac. da RC de 16.03.2016, p. 1598/14.1T8LRA.C1.

Na verdade, ainda que o tribunal da Relação tenha de fundar a sua própria convicção, tal não significa que tenha de realizar um novo julgamento com total reapreciação de todos os meios probatórios produzidos.

Como se viu, a letra da lei não permite tal eventual entendimento.

E nem tal perspetiva se compadeceria com a índole e natureza deste tribunal ad quem, a qual exige uma tendencial depuração das questões, aliás, sempre necessaria a uma desejável celeridade decisoria que, obviamente, sairia prejudicada.

Por outro lado, como dimana do já supra referido, e como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genéricamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos.

A lei exige que os meios probatórios invocados imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida.

Ora tal imposição não pode advir, em termos mais ou menos apriorísticos, da sua subjetiva convicção sobre a prova.

Porque, afinal, quem tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz.

Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular deve ele efetivar uma análise concreta, discriminada, objetiva, crítica, logica e racional, de todo o acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.

A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas ou das objetivas evidencias e emanações probatórias, e para além da margem de álea em direito permitida e que lhe é concedida.

E só quando se concluir que a natureza e a força da prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção se podem censurar as respostas dadas.

Tudo, aliás, para se poder cumprir a exigência de o recorrente transmitir à parte contrária os seus argumentos, concretos e devidamente delimitados, de sorte a que esta possa exercer cabalmente o contraditório – cfr. neste sentido, os Acs. da RC de 29-02-2012, p. nº1324/09.7TBMGR.C1, de 10-02-2015, p. 2466/11.4TBFIG.C1, de 03-03-2015, p. 1381/12.9TBGRD.C1 e de 16.06.2015, p. nº48/11.0TBTND.C2, ainda inédito; e do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1., todos in dgsi.pt;

Finalmente:

«. No âmbito do recurso de impugnação da decisão da matéria de facto não cabe despacho de convite ao aperfeiçoamento das respectivas alegações.» - Acs. do STJ 15.09.2011, p. 455/07.2TBCCH.E1.S1 e de de 09.02.2012, 1858/06.5TBMFR.L1.S1, aquele citando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, pg. 157, nota 333.

Chegados, aqui, temos para nós que o recorrente cumpriu no mínimo o exigido pelo art.º 640 do C.P.C., pelo que o mesmo também é admitido nesta vertente.

Dito isto, cabe apreciar se a matéria de facto fixada em 1.ª instância deve ser alterada como pretende a recorrente A.

Vejamos.

..

Vejamos, agora, o recurso de direito deste recorrente

- Saber se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que atribua culpa exclusiva da segurada ou caso assim não se entenda nunca a responsabilidade será de 80% - 20%, não podendo nunca ser atribuída à A. parte  superior a 5% .

- Saber se os valores fixados na sentença recorrida, quanto ao valor de perda de ganho, deve ser, face às perdas salariais decorrentes da incapacidade absoluta que sofreu durante  1079 dias, com base no rendimento mensal de 806,99 (anual de 11.220,00€) e não apenas de um rendimento mensal de 770,00€ (ou anual de 10.220,00), o que significa que essas perdas ascendem a 33.398,33 €.

- Saber se deve a R. ser já condenada no valor de 20.000,00 em vez de ter relegado para liquidação de sentença o valor referente aos medicamentos descritos nos factos 2.1.64 a 2.1.76. 

Por uma questão de método vejamos cada uma das questões de per si.

I - Saber se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que atribua culpa exclusiva da segurada ou caso assim não se entenda nunca a responsabilidade será de 80% - 20%, não podendo nunca ser atribuída à A. parte  superior a 5%

Sobre esta matéria cabe referir que o tribunal a quo não fixou uma percentagem de 80% e 20% como refere o recorrente, mas sim em ¾ para o condutor do automóvel (logo ¾ da responsabilidade da R.) e e ¼ para o condutor do veículo com motor (do A.).

Ora, ¾ correspondem a 75%  e ¼ corresponde a 25% - e foi essa a percentagem fixada na sentença. A sentença recorrida fala em 80% e 20% mas a respeito de um caso semelhante aludida no Ac. do S.T.J. de 7/1/2011, (cfr. a este propósito fls. 526v.º da sentença recorrida).

Dito isto, voltemos ao caso em análise.

Entende o recorrente que deve ser fixada culpa exclusiva á seguradora e caso assim não se entenda não lhe pode ser fixada uma culpa superior a 5%.

Afigura-se-nos que tem razão.

Antes demais cabe referir que estamos no domínio da responsabilidade civil extracontratual, sobre a qual preceitua o art.º 483º do C.C. « aquele que com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos causados».

No caso em apreço resulta provado que o A., conduzindo o veículo US, saindo de um parque de estacionamento para entrar na via pública, não cedendo a passagem (cfr. factos 2.1.27. a 2.1.29.) como preceitua o art.º 31º do C. de Estrada, cortando a trajectória do motociclo, apesar de dispor de uma visibilidade de 90 metros para a sua esquerda. Que este seguia a uma velocidade não apurada mas superior a 50 Km/h, apesar de no local haver um sinal vertical de limitação de velocidade a 50Km/h (cfr. factos 2.1.30. e 2.1.32), tendo a estrada no local uma largura de 5,80 m, deixando o motociclo um rasto de travagem de 11,70 metros, que terminou à distância de 5,05 m do local de embate, tendo os veículos sido arrastados, após o embate, durante 3,95 m (cfr. facto 2.1.31.), violando, assim, também o motociclo o C. de Estrada art.º 27).

Como sabemos e face ao preceituado no n.º 2 do art.º 487º do C. Civil a culpa é apreciada na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família em face das circunstâncias do caso.

Face ao descrito ambos os intervenientes violaram o C. de Estrada e ambos tiveram culpa na produção do acidente, pelo que, nos resta ver em que percentagem cada um contribuiu, tendo presente o preceituado no n.º 1 do art.º 570 do C. Civil que preceitua «quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída».

Tendo presente a natureza dos veículos um veículo ligeiro de passageiros (cfr. facto 2.1.2.) e um motociclo (cfr. facto 2.1.2.), que o primeiro saia, como já referimos, de um parte de estacionamento, e que o segundo seguia a uma velocidade superior à permitida, por lei, no local, como já aludimos, tendo também presente às lesões que o condutor do motociclo sofreu, temos para nós, que a percentagem fixada em 1.ª instância não se adequa, desde logo, pelo facto de quem sai de um parque deve ter uma atenção redobrada, e não se pode imputar uma culpa de ¼ a alguém que circule a uma velocidade superior a 50 Km/h, num local limitativo dessa velocidade, pela hemi-faixa de rodagem direita, atento o seu sentido de marcha e que ao se aperceber da iminência do embate, travou e desviou-se para a hemi-faixa de rodagem esquerda, tendo o veículo US prosseguido a sua marcha indo o A. colidiu frontalmente conta a parte lateral da frente desse veículo.

Com base nestes factos a responsabilidade no acidente é bastante maior quanto ao condutor do veículo US, pelo que se fixa em 95% para o condutor deste veículo e 5% para o condutor do motociclo, procedendo nesta vertente a pretensão do recorrente A.

II - Saber se os valores fixados na sentença recorrida, quanto ao valor de perda de ganho, deve ser, face às perdas salariais decorrentes da incapacidade absoluta que sofreu durante 1079 dias, com base no rendimento mensal de 806,99 (anual de 11.297,86€) e não apenas de um rendimento mensal de 770,00€ (ou anual de 10.220,00), o que significa que essas perdas ascendem a 33.398,33 €.

Quanto a este pont cabe, desde já, referir que os valores fixados na sentença recorrida têm de ser alterados, pois basta assentar em factos diferentes para tal se verificar.

A sentença recorrida fixou este valor em 30.212,00€, mas teve por base um rendimento salarial mensal de 730,00€.

Ora, face á alteração da matéria de facto fixou-se um rendimento mensal de 806,99€ (cfr. 2.1.36.). Assim, houve por parte do A. uma perda salarial de 33.393,33€ -  [ (806,99 mês x 14 meses = 11.297,86€ (perda anual) – 11.297,86:365 = 30,95€ por dias, 30,95 x 1079 dias de incapacidade = 33.395,05€

 Assim, no que concerne a este ponto assiste razão ao recorrente e por conseguinte o valor da perda de ganho referente ao período de 1079 dias não é de 30.212,00€, mas sim de 33.395,05 €

III - Saber se deve a R. ser já condenada no valor de 20.000,00 em vez de ter relegado para liquidação de sentença o valor referente aos medicamentos descritos nos factos 2.1.64 a 2.1.76. 

Quanto a esta matéria temos para nós não assistir razão ao recorrente, pois não resulta provado quanto tem o recorrente de despender em medicamentos, pelo que neste campo acompanhamos a sentença recorrida quando refere « … a este respeito ficou demonstrado que as sequelas físicas resultantes do sinistro, mormente as lesões urológicas, determinam a necessidade de ajuda terapêutica com um inibidor da fosfodiesterase para obtenção de um desempenho sexual satisfatório (tadalafil 10 mg), ignorando-se todavia a quantidade necessária ou aconselhável do medicamento e respectivo custo».

Assim, sem mais delongas esta pretensão da recorrente tem de improceder.

Visto que foi o recurso do A. vejamos, agora, o recurso da R.

 I - Saber se a sentença recorrida deve ser revogada e substituída por outra que atribua culpa de 50%  a A. e R.,

Sobre este ponto refere a recorrente que pugna por uma repartição igualitária 50% para A. e R., apenas porque, na sua opinião, e após o que resultou provado e não provado em julgamento, é a própria sentença recorrida que o faz, ao referir a pág. 21 “no caso, afigura-se-nos idêntica a medida de contribuição causa para os danos …».

Na verdade a sentença recorrida a fls. 526 dos autos refere « No caso, afigura-se-nos idêntica a medida da contribuição causal para os danos: a condutora do automóvel por não ter atentado na circulação que se fazia na via com prioridade e, assim, ter dado início ao processo causal; o sinistrado, por circular a velocidade excessiva e, desta forma, exponenciar os danos gravosos que para si resultaram».

Porém, logo a fls. 526 dos autos lança mão do art.º 570, do C.C. e tendo por base a gravidade das culpas e as consequências que delas resultaram (…) fixou as culpas em ¾ para a condutora do veículo automóvel e ¼ para o veículo motociclo.

É sobre estas valores que temos de reflectir, para saber a percentagem que recai sobre cada um deles, pelas razões em supra e por as acharmos acertadas mantemos as mesmas percentagens fixadas em 1.ª instância, como supre referido.

II -  Saber se deve ser fixado  um valor indemnizatório de 130.00,00€ pela perda de capacidade de ganho em vez dos 190.000,00€ fixados na sentença recorrida.

A sentença recorrida fixou a indemnização pela perda da capacidade de ganho em 190.0000,00 €, sendo que a recorrida, no seu recurso, pugna por um valor de 130.000,00 €.

A indemnização pela perda da capacidade aquisitiva deve ser calculada em atenção ao tempo provável de vida activa da vítima e esperança média de vida, de forma a representar um capital produtor de rendimento que cubra a diferença entre a situação anterior e a actual até final desse período. Para tanto, serão convocadas as normas dos arts.564 e 563 nº3 do Código Civil, onde se extrai a legitimação do recurso à equidade (art.4 do CC) e a desvinculação relativamente a puros critérios de legalidade estrita.

Reportado especificamente à quantificação da indemnização através de juízos de equidade, Karl Larenz afirma que se exige do juiz a formulação de “ juízos de valor “, devendo orientar-se “ em primeiro lugar por casos singulares e sua apreciação na jurisprudência, mas seguindo para além disso, a sua própria intuição axiológica (Metodologia da Ciência do Direito, pág.335 ).

A equidade, nas judiciosas considerações feitas no Ac STJ de 10/2/98, C.J. ano VI, tomo I, pág.65, “ é a justiça do caso concreto, flexível, humana, independente de critérios normativos fixados na lei “, devendo o julgador “ ter em conta as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida “.

Quaisquer tabelas financeiras para o cálculo indemnizatório não são vinculativas, apenas servindo como critério geral de orientação para a determinação equitativa do dano (art.566 nº3 CC). Por isso, é de repudiar a utilização pura e simples de critérios mais positivistas, assentes em equações de complexidade variável, como determinadas fórmulas matemáticas utilizadas em alguns arestos (cf., por ex., Ac do STJ de 4/2/93, C.J. ano I, tomo I, pág.129, e de 6/7/2000, C.J. ano X, tomo II, pág.144), encontrando-se criticamente comentadas no estudo do Cons. Sousa Dinis, “ Dano

Corporal em Acidente de Viação “, publicado na C.J. do STJ ano V, tomo II, pág.11, e C.J. ano IX, tomo I, pág.6 e segs.

Note-se que os tribunais não estão vinculados às tabelas fixadas na Portaria nº 377/2008 de 26/5 (alterada pela Portaria nº 679/2009 de 25/6) que se destinam penas a agilizar as propostas razoáveis na resolução extrajudicial (cf., por ex., Ac STJ de 28/11/2013 ( proc. nº 177/11), em www dgsi.pt ).

Neste contexto, tendo por base os princípios gerais exposto, para a determinação equitativa do dano patrimonial futuro do lesado, relevam, designadamente, os seguintes tópicos:

A esperança média de vida, que, segundo as estatísticas, no nosso país se situa – em 71,00 anos para os homens.

Como tem vindo a salientar a jurisprudência do STJ, finda a vida activa do lesado por incapacidade permanente, não é razoável ficcionar que a vida física desaparece nesse momento ou com elas todas as necessidades, é que atingida a idade da reforma, isso não significa que a pessoa não continue a trabalhar ou simplesmente a viver ainda por muitos anos, como, aliás, é das regras da experiência comum ( cfr. a titulo de exemplo os Ac.s do STJ de 16/3/99, C.J. ano VII, tomo I, pág.167, de 25/7/2002, C.J. ano X, tomo II, pág.128 ).

O que está  em causa é não só o maior esforço despendido na actividade laboral, enquanto trabalhador, mas também a actividade do lesado como pessoa, afectado por uma incapacidade fisiológica significativa, ou seja, a sua incapacidade funcional ( cfr. Álvaro Dias, Dano Corporal - Quadro Epistemológico e Aspectos Ressarcitórios, Coimbra - Almedina - 2001, págs. 255 a 265 ). Por conseguinte, mantendo-se este dano fisiológico para além da vida activa é razoável que, no juízo de equidade sobre o dano patrimonial futuro, se apele à esperança média de vida.

A evolução profissional e os reflexos a nível remuneratório, quer se trabalhe por conta própria ou de outrem, ou até as duas actividades em simultâneo.

A taxa média de inflação e a taxa de rentabilidade do capital, baseadas num juízo de previsibilidade.

A gravidade das lesões e as suas consequências, sendo que a atribuição do grau de incapacidade em pontos (com o DL nº 352/2007) e não em percentagem (no caso, 45 (cfr. ponto 2.1.47.),  pontos de défice funcional permanente) é de livre apreciação, sendo um dos elementos a atender em sede de equidade (cfr. , por ex., Ac STJ de 18/12/2013 ( proc. nº 150/10), Ac RC de 12/4/2011 ( proc. nº 756/08) e AC. da mesma relação de 1/3/2016, disponíveis em www dgsi.pt ).

Considerando que o Autor á data do acidente tinha 21 anos de idade – (cfr. ponto 2.1.16.), a incapacidade permanente geral, impeditiva do exercício da sua actividade profissional habitual (trabalhava com o pai, como pedreiro), a esperança média de vida, que tinha um vencimento mensal (806,99€), num juízo de ponderação global, estima-se equitativamente o dano patrimonial futuro do Autor no valor de € 190.000,00, valor fixado na sentença recorrida, por se justo e adequado á situação em apreço.

Assim, face ao exposto nesta vertente a pretensão da recorrente companhia de seguros terá de improceder.

III – Saber se o montante a fixar pelos danos não patrimoniais deve fixar-se em valor não superior a 40.000,00€, em vez dos 80.000,00 fixados em 1.ª instância

A sentença recorrida fixou a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 80.000,00 e a recorrente considera o valor exagerado, devendo, em seu entender ser atribuído um valor não superior a 40.000,00 €

A indemnização pelos danos não patrimoniais não visa reconstituir a situação que existiria se não ocorresse o evento, mas sim compensar o lesado, tendo também uma função sancionatória sobre o lesante.

Embora sem rigor sistemático, é patente uma preocupação superadora da tradicional categoria de “dano moral “, ampliando o seu espectro, de molde a abranger outras manifestações que a lesão provoca na pessoa, e já não a simples perturbação emocional, a dor ou o sofrimento. Pretende-se, assim, erigir um novo modelo centralizado no “ dano pessoal” correspondendo ao “dano ao projecto de vida”, como

núcleo do “dano existencial”.

Na verdade, esta concepção é a que melhor se adequa à natureza e finalidade da indemnização pelos danos extrapatrimoniais/pessoais, pondo o enfoque na vítima, com

implicações na (re)valorização compensatória, maximizada pelo princípio da reparação integral.

Como critério de determinação equitativa para o equivalente económico do dano não patrimonial (arts.496 nº3 e 494 do CC), há que atender à natureza e intensidade do dano, ao grau de culpa, à situação económica do lesado e do responsável, bem como ao valor actual da moeda e aos padrões jurisprudenciais.

Deste modo, para a quantificação do dano, o nosso sistema assenta no recurso à equidade (art.4 do CC) e a desvinculação relativamente a puros critérios de legalidade estrita, pois não está instituído ainda em Portugal um sistema tarifado, semelhante à “baremación “, vigente em Espanha, com a Ley nº 30/1995, de 8/11, vinculativo para os tribunais, ou o modelo francês das “barèmes“, já que os critérios e valores fixados pela Portaria nº 377/2008, de 26/5, reportam-se apenas à regularização extrajudicial de sinistros, não afastando valores superiores aos propostos (cfr. Ac. Rel. de Coimbra de 1/3/2016).

Nesta medida, o direito equitativo não se compadece com uma construção apriorística, emergindo, porém, do “facto concreto”, como elemento da própria compreensão do direito, rectius, um direito de resultado, em que releva a força criativa da jurisprudência, verdadeira law in action, com o imprescindível recurso ao “pensamento tópico” que irá presidir à solução dos concretos problemas da vida.
Em matéria de acidentes de viação tem-se assistido, nas últimas décadas, a uma evolução significativa quanto aos padrões da indemnização, a fim de se evitarem prejuízos irreparáveis aos lesados. De resto, nesta linha de evolução, entre outros tópicos, apela-se, por exemplo, aos critérios da convergência real das economias no seio da União Europeia, aos montantes mínimos do seguro automóvel obrigatório, fixados em aplicação das directivas comunitárias, como índices emergentes da preocupação legal de protecção dos lesados em matéria de acidentes de viação, (cf., por ex., Calvão da Silva, RLJ ano 134, pág.112 e segs.),o que significa que os danos não patrimoniais devem ser dignamente compensados.

Seguindo este critério de orientação e uma vez que natureza e intensidade das lesões deve servir como “factor-base da ponderação” ( cf. Maria Veloso, “Danos não patrimoniais”, Comemorações dos 35 anos do Código Civil, vol.III, Direito Das Obrigações, pág.542 ), impõe-se considerar, as lesões do A. (cfr. pontos 2.1.14. a 2.1.20., 2.1.22. a 2.1.23, 2.1.33. e 2.134, 2.1.39. e 2.1.64 a 2.1.66.), que espelham bem a gravidade das mesmas e as suas consequências, o enorme sofrimento ( grau 6 numa escala de 7 – ponto 2.1.24. ) e sofreu um dano estético permanente fixável no grau 5 a uma escala de 1 a 7. (cfr. ponto 2.1.25.)

A  situação descrita demonstram a gravidade intensa, e com relativa similitude com o caso já se valorou o dano entre € 80.000,00 e € 150.000,00 (cf., por ex., Ac STJ de 7/5/2014 (proc. nº 436/11), Ac STJ de 9/9/2014 (proc. nº 654/07), Ac RC de 10/11/2015 (proc. nº 55/12), disponíveis em www dgsi.pt).

Assim, num juízo de ponderação, o valor do dano estimado na sentença em 80.000,00 € revela-se adequado e justo, pelo que, face ao exposto nesta vertente a pretensão da recorrente companhia de seguros terá de improceder.

Apurados os valores ora fixados e os fixados na sentença recorrida não postos em causa pelos recorrentes temos:

Valor de 5.463,00€ referentes a despesas de medicamentos e taxas moderadoras (fixadas em 1.ª instância fls. 526 v.º não recorrida);

Valor de 33.395,05€ (fixados neste Tribunal da relação) em vez dos 30.212,00 fixados na sentença recorrida (cfr. Fls. 527 da sentença recorrida);

 Valor de 190.000,00€ referente perda de capacidade ganho (recorrido, mantido neste tribunal da relação);

Valor de 80.000,00€ referente a danos não patrimoniais (recorrido, mantido neste tribunal da relação);

Valor total apurado : 5.463,00 +33.395,05+190.000,00+80.000,00 = 308.858,05€.

Ora, tendo presente que as culpas foram fixadas em 95%  para a R. e 5%  para o A. a responsabilidade da R. corresponde a 308.858,05€x 95% = 293.415,14€.

                                    4. Decisão

Face ao exposto, acorda-se, no que no concerne ao recurso do A.:

a) Jugar parcialmente procedente o recurso da matéria de facto e alterar a mesma no que concerne ao ponto 2.1.36., como já colocado a negrito no mesmo ponto factual.

b) Julgar parcialmente o mesmo procedente e fixar a perdas salariais em 33.395,05€, em vez do valor de 30.212,00€ fixado na sentença recorrida.

 c) Julgar procedente o recurso no que concerne à alteração da percentagens de culpas, fixando-se em 95% para o condutor do veículo ligeiro e 5% para o condutor do motociclo.

d) Alterar a sentença recorrida e condenar a R. a pagar ao A. a quantia de 293.415,14€.

Quanto ao recurso da R. segurada, julgar improcedente o mesmo e manter a sentença recorrida, nessa vertente.

Custas pelo recorrido.

Coimbra, 18/10/2016

Des. Pires Robalo (relator)

Des. Sílvia Pires (adjunta)

Des. Jorge Loureiro (adjunto)