Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1408/12.4PBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: COAÇÃO AGRAVADA
TENTATIVA
Data do Acordão: 09/20/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU (J L CRIMINAL – J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 22.º, 23.º, 154.º E 155.º DO CP
Sumário: I - O bem jurídico protegido no crime de coação é a liberdade de decidir e de atuar: liberdade de decisão (formação) e de realização da vontade. Numa perspetiva estrutural poder-se-á dizer que a liberdade pessoal se analisa em dois âmbitos essenciais: a liberdade de decisão e de ação e a liberdade de movimento.

II - O tipo objetivo de ilícito da coação consiste em constranger outra pessoa a adotar um determinado comportamento: praticar uma ação, omitir determinada ação, ou suportar uma ação.

III - Porque a ofendida, apesar de coagida, com um mal futuro, contra a sua vida, não deixou de apresentar queixa criminal contra os arguidos é que o preenchimento, por estes, de todos os elementos constitutivos do crime de coação agravado, p. e p. pelos artigos 154.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alínea a), do CP, tem lugar sob a forma tentada.

Decisão Texto Integral:


Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

              

     Relatório

Pelo Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, Juízo Local Criminal de Viseu, Juiz 1, sob acusação do Ministério Público, foram submetidos a julgamento, em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, os arguidos

A... , filha de (...) e de (...) , natural da freguesia de (...) , concelho de Viseu, nascida a 12.12.1981, titular do Cartão de Cidadão n.º (...) , solteira, desempregada, residente na Rua (...) Viseu, e 

B... , filho de (...) e de (...) , natural da freguesia de (...) , nascido a 12.09.1974, titular do BI n.º (...) , solteiro, desempregado, na Rua (...) Viseu,

imputando-se-lhes a prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.143.°, n.º1, do Código Penal e um crime de coação agravado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.°, 23.°, 155.°, n.º 1 al. a), por referência aos art.154.°, n.º 1, e 131.°, todos do Código Penal.

O Centro Hospitalar C... deduziu pedido de indemnização civil contra os arguidos, pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 294,00, relativos a despesas hospitalares em assistência médica prestada a D... , bem como os juros de mora legais desde a data da respetiva notificação até integral e efetivo pagamento.

Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 14 de fevereiro de 2017, decidiu julgar procedente a acusação e, em consequência:

- Condenar a arguida A... , pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.º 143.°, n.º 1, do Código Penal, na pena de oito meses de prisão;

- Condenar a arguida A... , pela prática de um crime de coação agravado, na forma tentada, p. e p. pelos art.º 22.°, 23.°, 155.°, n.º 1 al. a), por referência aos art.º 154.°, n.º 1, e 131.°, todos do Código Penal, na pena de seis meses de prisão;

- Operar o cúmulo jurídico e condenar a arguida A... na pena única de doze meses de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação, com vigilância eletrónica;

- Condenar o arguido B... , pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.º 143.°, n.º 1, do Código Penal, na pena de seis meses de prisão;

- Condenar o arguido B... pela prática de um crime de coação agravado, na forma tentada, p. e p. pelos art.º 22.°, 23.°, 155.°, n.º 1 al. a), por referência aos art.º 154.°, n.º 1, e 131.°, todos do Código Penal, na pena de cinco meses de prisão;

- Operar o cúmulo jurídico e condenar o arguido B... na pena única oito meses de prisão, substituída por duzentas e quarenta horas de trabalho a favor da comunidade, a prestar nos termos e condições que vierem a ser estabelecidas pela DGRSP.

Mais decidiu julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo Centro Hospitalar C... e, e consequência, condenar os arguidos a pagar-lhe, solidariamente, a quantia de cento e quarenta e sete euros, acrescida de juros moratórios à taxa legal supletiva desde a notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento.

Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso a arguida A... , concluindo a sua motivação do modo seguinte:

1ª O presente recurso vai interposto do acórdão proferido, que condenou a arguida, ora recorrente, A... , em:

   d) 8 meses de prisão pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.º 143.º, n.º 1 do Código Penal;

   e) 6 meses de prisão pela prática de um crime de coação agravado, na forma tentada, p. e p. pelos art.º 22.º, 23.º, 155.º, n.º 1 al. a) por referência aos art.º 154.º, n.º 1, e 131.º, todos do Código Penal;

   f) Em cúmulo jurídico na pena única de doze meses de prisão, a cumprir em regime de permanência na habitação, com vigilância eletrónica.

2ª No mesmo acórdão, além da condenação em custas, foi também condenada no pedido de indemnização civil formulado pelo Centro Hospitalar C... , no valor de € 147,00.

3ª Entende a arguida, ora recorrente, que, face à factualidade dada como provada em juízo e ao Direito aplicável, a pena aplicada revela-se pouco criteriosa e desequilibradamente doseada.

4ª A arguida praticou o crime pelo qual vem acusada no dia 11 de setembro de 2012, e condenada a 14 de fevereiro de 2017, ou seja, 4 anos e cinco meses depois.

5ª Posterior a essa data, a arguida apenas praticou um crime de ameaça agravada, processo n.º 122/14.0GCVIS, em que foi condenada em pena de prisão substituída por trabalho a favor da comunidade.

6ª Logo, não pode agora a arguida vir a ser penalizada neste processo numa pena mais gravosa, do que aquele crime que praticou numa fase posterior.

7ª A arguida desde o dia 11 de setembro de 2012, não praticou qualquer outro crime de ofensa à integridade física simples ou agravada.

8ª Nem qualquer outro tipo de crime além do já referenciado.

9ª Sabendo da existência do processo, a arguida não voltou a procurar a ofendida, nem para a agredir fisicamente, nem a coagindo.

10ª Assim como, foi dado como provado nos autos de que a arguida agrediu a ofendida apenas com murros, pontapés e puxou-lhe o cabelo, ao contrário do outro arguido que usou um objeto que se assemelhava a um taco de basebol.

11ª Desconhece-se qual dos arguidos ofendeu mais a ofendida na sua integridade física.

12ª Até, que, pela estatura de ambos os arguidos, a arguida provocaria no corpo da ofendida um mal muito menor.

13ª O tribunal a quo violou o disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 71º do Código Penal, ao fixar a medida da pena com base num grau de ilicitude “acima da média”. “Média” é um critério estatístico e não qualitativo, de intensidade. Abaixo da média, na média ou acima da média: é uma apreciação estatística. Não demonstra a intensidade do grau de ilicitude: reduzida, moderada ou elevada.

14ª In casu, o grau de ilicitude não é reduzido, mas também não é elevado. Apenas desferiu murros, pontapés e puxou-lhe os cabelos, não utilizou qualquer objecto para agredir a ofendida, ao contrário do outro arguido.

15ª Deste modo, apenas se pode concluir que o grau de ilicitude é moderado. Nem reduzido nem elevado.

16ª A sentença recorrida viola a alínea a) do nº 2 do artigo 71º do Código Penal também porque avaliou o modo de execução pela seguinte circunstância: a existência de antecedentes criminais, por parte da arguida, à data dos factos, agrava a sua culpa por ser maior, em relação a si, o dever de abstenção.

17ª Logo, não pode a arguida ser penalizada numa pena mais gravosa à do arguido, que usou inclusivamente um objeto que se assemelhava a um taco de basebol.

18ª Provocando na ofendida maiores lesões/danos no seu corpo.

19ª As condenações no CRC não podem ser duplamente valoradas para considerar que o grau da culpa da arguida é mais elevada.

20ª Logo, não se pode concluir que perante o rol de crimes praticados pela arguida que este seja antes o espelho de uma forma de ser que, preocupantemente, se caracteriza como desrespeitadora e de não reconhecimento da legitimidade das reações penais a que vem sendo sujeita.

21ª Ainda no que concerne à situação da arguida, o tribunal fixou a pena tendo em consideração que a reiteração, por parte da arguida, na prática de crimes contra as pessoas e inerente culpa, demanda uma pena mais assertiva.

22ª Quando não se esclarece quem foi o responsável por tal conflitualidade e violência, pois o ponto 4 da matéria dada como provada refere: “Depois de uma troca de palavras cujo concreto conteúdo não se logrou apurar, a arguida empurrou D... , que retorquiu empurrando a arguida, fazendo com que esta se desequilibrasse e caísse”.

23ª A pena aplicada à arguida também foi determinada tendo em consideração que a postura assumida no julgamento, audível nas gravações, uma atitude de desafio ao sistema de justiça, tudo isto depois de saber o que é, afinal, estar presa.

24ª Não se mostrar, finalmente, minimamente intimidada com o processo nem com as potenciais consequências.

25ª Portanto, conclui-se, não resta senão à arguida cumprir pena de prisão e porque outra solução legal não existe que possa curar o deficit de formação que a arguida manifestamente ostenta.

26ª Foi dado como provado o facto 16, mas não especifica, qual dos arguidos disse “que se não retirasse a queixa no prazo de dois dias lhe cortavam o pescoço com uma faca ou que lhe davam dois tiros”, com isso querendo dizer que a matariam.

27ª Não pode o Tribunal a quo dar como provado de que foi a arguida que coagiu a ofendida.

28ª Se o crime de coação visava a que a ofendida não participasse criminalmente contra os arguidos, tal facto não se verificou.

29ª A ofendida não se sentiu coagida pelos arguidos, participando criminalmente contra os mesmos, não houve uma omissão do ato.

30ª Pelo que, não se verifica o preenchimento do elemento objetivo típico da coação.

31ª O relatório social (artigo 370º do CPP) apenas vale quanto aos pontos que forem adotados pelo tribunal e que sejam transpostos para a matéria de facto provada. Na sentença recorrida, estão em causa os artigos 25 a 43 dos factos provados.

32ª Portanto, o relatório social é elaborado para determinar a sanção: n.º 1 do artigo 370º do CPP. Mas o tribunal só acolhe o que dele considerar que é suscetível de integrar os factos provados.

33ª No entanto, do relatório social pode-se depreender de que a arguida necessita de uma grande disponibilidade para com a filha mais nova, que é portadora de progeria, e que necessita regularmente de se deslocar ao estrangeiro, para tratamento.

34ª Motivo, pelo qual a arguida não tem nos últimos anos exercido qualquer atividade com caráter regular.

35ª Ao ser aplicada à arguida uma pena de prisão efetiva, mesmo em regime de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, impedem que a mesma possa acompanhar a sua filha, dependente da mesma, ao estrangeiro, para lhe serem administrados os devidos tratamentos.

36ª Colocando, assim o bem-estar e a saúde da filha em perigo de vida, violando assim os direitos fundamentais da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente o art.º 13.º, n.º 1 e 2, 18.º, n.º 1 e 2, 24.º, 36.º n.º 5, 64.º, 67.º e 71.º.

37ª O Princípio da igualdade. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, (…).

38ª Estipula o artigo 18.º da CRP, no n.º 1 e 2 o seguinte: 1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas. 2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

39ª No caso do Douto Acórdão ao ser aplicada pena de prisão efetiva à arguida, estão-se a violar outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos. Nomeadamente o artigo 25.º da CRP, o direito à vida. A vida humana é inviolável. E o artigo 64.º referente à saúde.

40ª Ficou provado, que é a arguida que cuida da filha, logo nos termos do artigo 36.º n.º 5 da CRP, Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos.

41ª Ou seja, são estes que têm que zelar pela sua segurança, bem-estar e saúde.

42ª Refere o Artigo 64.º da CRP, quanto à saúde, o seguinte: 1. Todos têm direito à protecção da saúde e o dever de a defender e promover.

2. O direito à protecção da saúde é realizado

b) Pela criação de condições económicas, sociais, culturais e ambientais que garantam, designadamente, a protecção da infância, da juventude e da velhice (…)

3. Para assegurar o direito à protecção da saúde, incumbe prioritariamente ao Estado:

   a) Garantir o acesso de todos os cidadãos, independentemente da sua condição económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação;

43ª Porém, ao ser aplicada à arguida uma pena de prisão efetiva, mesmo cumprida em regime de permanência na habitação impede-a de cuidar e tratar da sua filha, visto que para poder viver tem que ser submetida a tratamentos no estrangeiro. Conforme, refere o Douto Acórdão, por referência ao relatório social. Ou seja, existem outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos, que tem que ser tidos em conta na aplicação da pena. Evitando, assim, que os mesmos sejam violados, causando um mal maior.

44ª Assim como, tal sentença viola o Artigo 67.º e 71.º da CRP, que se passam a transcrever:

1. A família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à protecção da sociedade e do Estado e à efectivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros.

Artigo 71.º Cidadãos portadores de deficiência

1. Os cidadãos portadores de deficiência física ou mental gozam plenamente dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição, com ressalva do exercício ou do cumprimento daqueles para os quais se encontrem incapacitados.

2. O Estado obriga-se a realizar uma política nacional de prevenção e de tratamento, reabilitação e integração dos cidadãos portadores de deficiência e de apoio às suas famílias, a desenvolver uma pedagogia que sensibilize a sociedade quanto aos deveres de respeito e solidariedade para com eles e a assumir o encargo da efectiva realização dos seus direitos, sem prejuízo dos direitos e deveres dos pais ou tutores.

45ª No que respeita à medida concreta da pena, o limite máximo fixa-se de acordo com a culpa do agente. O limite mínimo situa-se de acordo com as exigências de prevenção geral.

46ª Assim, reduz-se a amplitude da moldura abstratamente associada ao tipo penal em causa.

47ª A pena concreta é achada considerando as exigências de prevenção especial e todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra a arguida.

48ª É o que resulta dos art.º 40.º e 71.º do Código Penal.

Dito de melhor forma, por Anabela Rodrigues:

“Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida […] pela exigência de prevenção geral.

“Depois, […] a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial.

“Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena”.

(Problemas fundamentais de Direito Penal, Homenagem a Claus Roxin, Lisboa, 2002, p. 208).

49ª Relativamente ao crime de ofensa à integridade física simples art.º 143.º, n.º 1 do código Penal, temos uma moldura penal com pena de prisão até três anos ou com pena de multa. A moldura da multa é a geral prevista no art.º 47.º n.º 1, do Código Penal entre 10 a 360 dias.

50ª Quanto ao crime de coação art.º 154.º, n.º 1, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa de 10 a 360 dias. A moldura da multa é a geral prevista no art.º 47.º n.º 1, do Código Penal entre 10 a 360 dias.

51ª A dignidade da pessoa humana impede que a pena ultrapasse a culpa, pelo que tal limite encontra consagração no art.º 40º do Código Penal.

52ª Por mais repugnante que seja o crime, por mais dramáticas que sejam os seus efeitos, por maiores que sejam as necessidades de prevenção, nunca pode ser infligida à arguida uma pena que vá para além dos limites impostos pela medida da sua culpa.

53ª Nesta aceção, “a culpa é o juízo de censura ético-jurídica dirigida ao agente por ter atuado de determinada forma, quando podia e devia ter agido de modo diverso” (Eduardo Correia, Direito Criminal, Coimbra, reimpressão, 1993 vol. I, pág. 316). A culpa afere-se pelas circunstâncias de facto que rodearam a conduta da arguida.

54ª De acordo com a matéria de facto dada como provada, a ofendida D... é que se abeirou nessa altura dos arguidos, (artigo 3 dos factos provados). Depois de uma troca de palavras cujo concreto conteúdo não se logrou apurar, a arguida empurrou D... , que retorquiu empurrando a arguida, fazendo com que esta se desequilibrasse e caísse (artigo 4).

55ª Logo, não foi a arguida que procurou qualquer confronto com a ofendida D... .

56ª Nem lhe provocou a maior parte das lesões descritas no artigo 11 e 12.

57ª A medida da culpa da arguida impõe que a pena seja inferior aquela que lhe foi aplicada, 12 meses de prisão em regime de permanência na habitação, com vigilância eletrónica.

58ª Ou seja, a aplicação do art.º 40.º n.º 2 do Código Penal estabelece que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

59ª Assim como, o grau de ilicitude é moderado.

60ª Na fixação da medida da pena é necessário, ordenar, relacionando-as, a culpa, a prevenção geral e a prevenção especial, tendo-se, para isso, em conta os quadros agravativos e atenuativos, sob pena de se frustrarem as finalidades da sanção, ou seja, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração da arguida na sociedade.

61ª O Tribunal a quo julgou bastante e suficiente a prova produzida para, desse modo, condenar na pena única, em cúmulo jurídico, de 12 meses de pena de prisão em regime de permanência na habitação da arguida.

62ª Atentos os factos provados, e a esses teremos que nos reportar, há que valorar, para aferir e determinar a medida da pena, o grau de culpa do agente - devendo o facto ilícito ser valorado em função do seu efeito externo -, e, por outro lado, atender às necessidades de prevenção - cfr. artigo 71º do Código Penal.

63ª Considerando os escassos factos provados sobre as concretas circunstâncias da prática dos crimes, a ausência de quaisquer alusões ou considerações quer aos sentimentos manifestados no seu cometimento e os fins ou motivos que o determinaram - quer sobre a conduta anterior e posterior à prática dos factos, quer sobre a personalidade do agente, a sua integração social, as suas condições pessoais, nomeadamente familiares -, deverão pender a favor da arguida.

64ª Afirmar que «a arguida ... actuou com considerável grau de ilicitude e intensidade do dolo» carece de fundamentação e de explicação, ainda para mais porque o Tribunal a quo parte da presunção de que a maioria das lesões sofridas pela ofendida foram provocadas pela arguida.

65ª Há que respeitar a livre apreciação da prova e a convicção do Tribunal, sem, contudo, se descurar o facto de assistir à arguida o direito de exigir que o acórdão que determina a sua condenação - em especial a privação da sua liberdade - seja criteriosamente fundamentado e se sustente em factos que permitam, só por si, valorar o grau de ilicitude e a intensidade do dolo.

66ª Tal como não fundamentou, na perspectiva da defesa, a culpa da arguida.

67ª A medida da culpa da arguida impõe que a pena seja inferior aquela que lhe foi aplicada 12 meses de pena de prisão em regime de permanência na habitação.

68ª Logo, a pena aplicada à arguida é desproporcional em comparação com a pena aplicada ao arguido.

69ª Violando assim os direitos de igualdade e de proporcionalidade.

70ª Das condições pessoais da arguida, retiram-se as várias ilações da douta sentença, referente à disponibilidade da mesma para acompanhamento da filha ao estrangeiro, que padece de progeria. Verificando-se aqui um conflito de direitos, entre a pena a aplicar à arguida e o direito à vida da filha.

71ª Porém, as penas parcelares impostas à arguida são excessivas e devem ser reduzidas para medidas que se aproximam dos respetivos limites mínimos.

72ª A pena única resultante do cúmulo jurídico deverá, consequentemente, ser reformada e substancialmente reduzida.

73ª Assim como, tal pena aplicada à arguida, deve ser suspensa na sua execução ou substituída em trabalho a favor da comunidade, de forma a poder acompanhar a sua filha nos tratamentos no estrangeiro.

74ª Até porque, no relatório Social é referido no artigo 41.º que: Das várias condenações em medidas de execução na comunidade, as que deram origem a medidas de trabalho a favor da comunidade, resultaram no seu conjunto de forma bastante positiva, uma vez que, em contexto de local de trabalho, a postura da arguida se alerta profundamente, sendo uma trabalhadora destacada pela positiva, esforçada e com boa integração nos grupos de trabalho.

75ª Foram, assim, violados os artigos 40.º, 71º do Código Penal, assim como foi desrespeitado o disposto no art.º 13.º, n.º 1 e 2, 18.º, n.º 1 e 2, 24.º, 36.º n.º 5, 64.º, 67.º e 71.º da Constituição da República Portuguesa.

Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá a douta sentença ser revogada e substituída por outra que se coadune com a pretensão exposta, assim se fazendo a acostumada Justiça.

O Ministério Público no Tribunal da Comarca de Viseu respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pelo não provimento do recurso e manutenção integral da sentença recorrida.

O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá improceder, com a ressalva da medida da pena única, que admite a possibilidade de ser fixada em medida que se aproxime dos 10 meses de prisão.

Notificado deste parecer, nos termos e para efeitos do n.º 2 do art.417.º do Código de Processo Penal, o recorrente nada disse.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

    Fundamentação

A matéria de facto apurada e respetiva motivação constantes da sentença recorrida é a seguinte:

Factos provados

1. No dia 11 de setembro de 2012, cerca das 20h30, D... , nascida 22.1.1985, estava dentro de casa, sita na Rua (...) , em Viseu, quando ouviu pessoas na rua, referindo-se ao seu pai, apodando-o de “cabrão”, “filho da puta”, anda cá agora abaixo”

2. Entre essas pessoas estavam os arguidos  

3. Por via do que ouviu, D... decidiu descer à rua, abeirando-se nessa altura dos arguidos e para saber da razão do que diziam.

4. Depois de uma troca de palavras cujo concreto conteúdo não se logrou apurar, a arguida empurrou D... , que retorquiu empurrando a arguida, fazendo com que esta se desequilibrasse e caísse.

5. Ao visualizar isto, o arguido desferiu um murro no rosto de D... que, por via da violência do impacto, caiu prostrada ao chão.

6. Estando prostrada no chão, abeirou-se dela a arguida que lhe desferiu murros e pontapés, em número que não se logrou apurar, mas que atingiram o corpo de D... e puxou-lhe os cabelos.

7. Em simultâneo, também o arguido lhe desferia murros e pontapés e, a determinada altura, munindo-se, de forma que não se logrou apurar, de um objecto que se assemelhava a um taco de basebol, desferiu com ele pelo menos duas pancadas em D... que a atingiram na cabeça e numa perna.

8. A ação dos arguidos acabou por cessar por via da intervenção de terceiros que se abeiraram e, por ter sido chamada ao local, a PSP.

9. Foi igualmente chamado ao local o INEM que prestou os primeiros socorros a D... e, após, a levou ao serviço de urgência do Hospital de S.Teotónio.

10. Aí foi observada, vindo a realizar exames radiográficos e TAC crânio encefálico.

11. Ainda como consequência direta e necessária das descritas condutas dos arguidos D... sofreu as seguintes lesões:

   i. No crânio: uma equimose arroxeada na região parietal direita, medindo três centímetros de eixo maior por dois centímetros de eixo menor; na região temporoparietal esquerda, zona de alopecia, medindo dois centímetros de eixo maior por um centímetro de eixo menor;

   ii. Na face: nas faces cutânea e mucosa do hemilábio inferior direito, equimose fortemente arroxeada, medindo dois centímetros e meio de diâmetro;

   iii. No tórax: na região escapular direita área escoriada, medindo seis centímetros de eixo maior por quatro centímetros de eixo menor e na região escapular esquerda equimose arroxeada, medindo quatro centímetros de diâmetro;

   iv. No membro superior direito: na face superior do ombro, escoriação medindo quatro centímetros de diâmetro; no terço médio da face anterior do braço, equimose arroxeada, medindo dois centímetros e meio de eixo maior por cinco milímetros de eixo menor; na vertente lateral do cotovelo, área escoriada medindo três centímetros de diâmetro; no terço médio da face anterior do antebraço, equimose azulada, medindo um centímetro e meio de diâmetro;

   v. No membro superior esquerdo: na vertente lateral do cotovelo duas escoriações, medindo a maior dois centímetros de diâmetro; no terço médio da face póstero-medial do antebraço, equimose arroxeada, medindo quatro centímetros de diâmetro;

   vi. No membro inferior direito: no joelho equimose arroxeada, medindo sete centímetros de diâmetro;

   vii. No membro inferior esquerdo: no terço proximal da face lateral da coxa, duas equimoses arroxeadas, medindo a maior seis centímetros de eixo maior por três centímetros de eixo menor.

12. Tais lesões demandaram a D... , até à cura, um período de doença de dez dias, com cinco dias de afetação da capacidade para o trabalho geral e cinco dias de afetação da capacidade para o trabalho profissional.

13. Os arguidos agiram nas circunstâncias descritas com o propósito de molestarem o corpo e a saúde daquela D... .

14. Naquele mesmo dia 11 de setembro de 2012, a hora não concretamente apurada, mas por volta da meia-noite, D... regressou a casa vinda do serviço de urgências do Hospital de S. Teotónio.

15. Os arguidos estavam nas imediações da entrada da casa, naquela Rua (...) .

16. Ao verem D... , e pensando que esta tinha já apresentado queixa contra si, disseram-lhe que se não retirasse a queixa no prazo de dois dias lhe cortavam o pescoço com uma faca ou que que lhe davam dois tiros, com isso querendo dizer que a matariam.

17. Não obstante, D... apresentou queixa com que estes autos se iniciaram.

18. Ao dizer o que disseram a D... , os arguidos queriam evitar ser responsabilizados pelos atos que tinham praticado contra aquela D... naquele dia 11.09.2012, sabendo que só incutindo medo e receio à mesma de que a matariam, a poderiam levar retirar ou não apresentar queixa contra ambos.

19. Os arguidos sabiam que o que disseram a D... era apto a demovê-la de apresentar queixa ou de a retirar

20. Os arguidos agiram em todas as anteditas circunstâncias de forma livre, voluntária e consciente, sabendo igualmente que essas condutas eram proibidas por lei.

21. A assistência, no dia 11.9.2012, importou para o CHTV um custo de 147,00€, ainda em dívida.  

22. O CHT solicitou o pagamento dessa quantia a ao arguido através de carta cuja cópia está representada no documento de fls. 156, datada de 27 de Abril de 2015.

23. A arguida foi já sujeita às seguintes condenações:

   1º Em 9 de Janeiro de 2001, foi condenada pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, de menor gravidade, na pena de 18 meses de prisão suspensa na sua execução, pena essa que acabou por ser revogada [processo 621/99];

   2º Em 27 de Janeiro de 2004, foi condenada pela prática de um crime de condução sem habilitação legal em pena de multa [processo 187/01.5 GBNLS];

   3º Em 13 de Abril de 2007, foi condenada pela prática de um crime de desobediência, um crime de resistência e coação sob funcionário e um crime de injúria agravada, em pena de multa e pena de prisão suspensa [processo 1080/03.2PBVIS];

   4º Em 2 de Abril de 2009, foi condenada pelo crime de ameaça agravada e pelo crime de resistência e coação sob funcionário, em pena de prisão suspensa e em pena de multa [processo 168/08.8 PBVIS];

   5º Em 26 de Fevereiro de 2014, foi condenada pelo crime de ameaça agravada, em pena de prisão substituída por trabalho a favor da comunidade [processo 122/14.0 GCVIS];

   6º Em 9 de Maio de 2013, foi condenada pela prática de 3 crimes de injúria, 2 crimes e injúria agravada e dois crimes de ameaça, em pena de prisão substituída por trabalho a favor da comunidade [processo 56/09.0PEVIS];

   7º Em 22 de Setembro de 2015, foi condenada pela prática de 2 crimes de injúria agravada, em pena de prisão suspensa com regime de prova [processo 446/11.9 TAVIS].

24. O arguido, por sua vez, foi condenado em 16.10.2014, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, em pena de multa [processo 777/11.8 GCVIS].

25. A arguida é a terceira de um conjunto de cinco filhos, oriundos de uma família de modesta condição socioeconómica, natural de Viseu.

26. Viveu até à idade de dez anos, entregue à guarda e cuidados de ambos os progenitores. Contudo, a morte súbita do pai, vítima de um acidente de viação, acabaria por precipitar toda a dinâmica familiar e obrigar a uma redefinição do papel da progenitora. Recentrada na subsistência e manutenção do agregado, a vida doméstica e o acompanhamento educativo dos filhos acabariam inevitavelmente por ser de alguma forma descurados, fazendo com que o caráter rebelde da arguida se fosse acentuando.

27. Acompanhando essa tendência, o seu percurso escolar, passaria da regularidade, registada até ao final do 10 ciclo do ensino básico, à instabilidade e ao insucesso escolar, acabando por pôr termo de forma voluntária à atividade escolar, ainda no decorrer do 7° ano de escolaridade.

28. Após ter protagonizado algumas fugas pontuais de casa, acabaria por, em outubro de 1996, quando não havia ainda completado os seus 15 anos de idade, assumir uma união de facto com o arguido.

29. A oposição da progenitora e dos demais elementos do agregado a esta situação motivariam um processo tutelar no Tribunal Judicial de Nelas e posteriormente no Tribunal de Família e Menores de Coimbra.

30. Apesar de todas estas tentativas de contrariar esta decisão, a arguida acabaria por se manter junto do ex-companheiro, o que levou ao corte de relações face aos demais elementos do seu agregado de origem.

31. Desta união de facto resultaria então o nascimento de dois filhos B... e E... , atualmente com 19 e 18 anos, respetivamente.

32. O último destes elementos é portador de progeria, doença cujo acompanhamento tem exigido da arguida grande disponibilidade de tempo e deslocações regulares ao estrangeiro.

33. A família ocupa, em regime de arrendamento, sensivelmente desde 2011, uma fração de um prédio de vários andares, inscrito no bairro de habitação social da (...) .

34. Do agregado faziam parte para além da arguida e do companheiro, os dois filhos do casal acima identificados, ambos estudantes.

35. Há alguns meses, depois de uma relação problemática de cerca de vinte anos, onde se foram acumulando os conflitos e o afastamento entre os elementos do casal se tornou cada vez mais evidente, o arguido acabaria por abandonar a casa morada de família, para passar a viver num veículo, muitas vezes estacionado em frente ao Bairro.

36. Em termos ocupacionais, cumpre referir que alegando a necessidade de grande disponibilidade para com a filha mais nova, a arguida não tem nos últimos anos exercido qualquer atividade com caráter regular.

37. Por outro lado, ao arguido também não lhe é conhecida qualquer outra atividade para além do registo muito ocasional ligado à compra e venda de carros usados.

38. Nesta medida, a família surge-nos dependente da prestação pecuniária de que é beneficiária no âmbito do RSI e das prestações familiares relativas aos menores.

39. Ainda que todas as despesas relativas ao acompanhamento da filha e as deslocações ao estrangeiro sejam suportadas pelos organismos que estudam a doença, as fontes de rendimento deste agregado têm aparentemente merecido algumas interrogações por parte das autoridades policiais.

40. Ao longo dos vários contactos que têm sido mantidos com a arguida a mesma assume sistematicamente uma postura de vitimização face ao conjunto de instituições da justiça, evidenciando uma atitude desrespeitadora e de não reconhecimento da legitimidade interventiva das mesmas.

41. Das várias condenações em medidas de execução na comunidade, as que deram origem a medidas de trabalho a favor da comunidade, resultaram no seu conjunto de forma bastante positiva, uma vez que, em contexto de local de trabalho, a postura da arguida se altera profundamente, sendo uma trabalhadora destacada pela positiva, esforçada e com boa integração nos grupos de trabalho.

42. Relativamente ao presente processo a arguida mantém a postura de desafio ao sistema de justiça, referindo que apenas reagiu a uma ameaça ao filho.

43. Não demonstra qualquer tipo de intimidação perante o presente processo, nem perante este novo confronto com as instâncias judiciais.

44. O arguido, por sua vez, cresceu numa família de modesta, que vivia da venda de ambulante de lanifícios.

45. O arguido acabou por abandonar a escola com 14 anos, completando apenas o primeiro ciclo do ensino básico e só mais tarde, quando estabilizado em Nelas, veio a completar o 6.º ano de escolaridade através do ensino recorrente.

46. Seria no decorrer da permanência do seu agregado em Nelas que o arguido, viria a iniciar uma relação com a arguida, que se mudou a sua residência para Viseu, no ano de 2002.

47. À data dos factos, o arguido ainda integrava o agregado familiar.

48. Sem qualquer tipo de ocupação regular e sem perspetivas de qualquer ordem, o arguido atravessa uma fase de grande indefinição pessoal, cujo único fator de estabilidade parece resultar do facto do arguido estar a ser acompanhado pelo seu médico de família encontrando-se a ser medicado para um quadro depressivo.

Factos não provados

Não se provou que:

a. D... saiu à Rua por o seu pai, F... , estar numa altercação com os arguidos.  

b.Os arguidos tivessem dito a D... que chamariam os ciganos, para aquela não sair para ir trabalhar.

c.A assistência hospitalar prestada a D... em 6/10/2012, com um custo de 147,00€, tivesse sido originada pela provada acção dos arguidos.

Motivação

O julgamento decorreu com a presença dos arguidos que foram confrontados com os factos de que vinham acusados.

Ambos prestaram declarações sobre eles.

Nessas declarações admitiram, ambos, uma interação com D... nas circunstâncias de tempo e lugar provados.

Negaram, contudo, a dinâmica dos factos, quer nos termos imputados, quer nos termos em que se vieram a provar. Forneceram, para além da negação, uma descrição dos eventos que não mereceu credibilidade: quer por não explicar as lesões constatadas no corpo de D... , quer por não ter apoio em qualquer outro meio de prova.

Por seu turno a descrição do sucedido, feita por D... , pelo pai, F... , pela mãe, G... , pela irmã, H... , e pelo elemento da PSP I... que acorreu ao local, foi no essencial consonante entre si[1] e consonante com os elementos de prova “objetivos” recolhidos, quer no episódio de urgência quer no exame médico legal – ou seja as lesões.

Por outro lado, não se vislumbrou na pessoa de D... e respetiva família qualquer interesse ilegítimo que pudesse pôr em causa a credibilidade do que diziam, sendo disso sintomático a circunstância de que não foi sequer feito pedido de indemnização civil contra os arguidos.

O facto de que a quase totalidade das testemunhas serem familiares entre si – deixando de fora o referido elemento da PSP – está perfeitamente justificado pela circunstância de os eventos se situarem num âmbito restrito de interação e convivência, sendo por isso natural que, no contexto, serem as pessoas mais próximas a terem conhecimento dos factos, incluindo a própria irmã de D... que, no dia, por mera coincidência ia a casa dos pais de ambas.

Não se estranhou, ao mesmo passo, que inexistissem pessoas sem ligação familiar com D... que pudessem ter sido ouvidas com testemunhas, tendo tal falta de estranheza resultado da constatação, emergente dos depoimentos da própria D... e respetivos progenitores, de que a interação dos arguidos, mas sobretudo da arguida, com a maioria da vizinhança é muito problemática e que, como eles, no passado, tudo fazem para se abster de com eles interagir para evitar qualquer possibilidade de conflito.

Não se constatou, finalmente, a concorrência de qualquer elemento estranho, nomeadamente de perceção ou vivência dos eventos, que pusesse em causa as razões de ciência invocadas por todas estas pessoas.

Neste pressuposto, da força e validade dos meios de prova, veio a consolidar-se a versão provada na consideração de que:

   i. as circunstâncias de tempo e lugar acabaram por não ser controvertidas, mas, ainda assim, foram certificadas pelo auto de notícia de fls. 10 confirmado pelo referido elemento da PSP, e afirmadas por D... ;

   ii. o modo provado da ação agressora da arguida foi descrito por D... , na sua quase totalidade, complementado pelo depoimento do pai e da irmã, no particular aspeto no número das pancadas desferidas e zonas atingidas[2];

   iii. ainda que percecionando parte das ações agressoras dos arguidos, a mãe e irmã de D... secundaram-nos naquilo que disseram;

   iv. por sua vez, o exame médico legal de fls. 15 a 17, feito em parte com as informações colhidas no próprio episódio de urgência, documentado a fls. 56 e 57, em conjugação com a dinâmica da acçao dos arguidos, descrita por estas testemunhas, permitiu a afirmação das lesões constatadas, período de doença  e o nexo de imputação provado;

   v. a assistência médica, essa está documentada quer no episódio de urgência quer na fatura de fls. 155, esta que atesta o respetivo custo em dívida;

   vi. a interpelação para pagamento dessa quantia está também documentada, desta feita a fls. 156, ainda que não tenha sido produzida prova de que o arguido tenha recebido tal interpelação;

   vii. as circunstâncias de tempo lugar e modo da ação dos arguidos, já na parte referente às expressões ditas, além do complemento que resulta do próprio auto de denúncia, foram uma vez mais afirmadas por D... e pela irmã, que a acompanhava nessa altura, ambas regressadas do hospital.

   viii. a dinâmica da ação dos arguidos, num e noutro caso, quando analisada à luz das regras da lógica, da experiência e senso comum, levou a julgar provados a intenção e voluntarismo provados.

O passado criminal dos arguidos está documentado, e por isso se provou, no CRC atualizado que antecede esta sentença.

A situação pessoal dos arguidos, essa está documentada nos Relatórios Sociais e, por isso, se provou, sendo que em relação à arguida, a postura mantida em audiência e a sua posição perante os factos são ostensivamente reveladoras da forma de ser assinalada no relatório social e da postura perante a intervenção a que, nestes autos, como nos anteriores, foi sujeita.

 Já quanto aos factos que se julgaram não provados assim se consideraram porque não foi produzida prova que permitisse a sua afirmação.

                                                                          *

            O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação. (Cf. entre outros, os acórdãos do STJ de 19-6-96 [3] e de 24-3-1999 [4] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques , in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [5], sem prejuízo das de conhecimento oficioso.

Como bem esclarecem os Cons. Simas Santos e Leal-Henriques, «Se o recorrente não retoma nas conclusões, as questões que suscitou na motivação, o tribunal superior, como vem entendendo o STJ, só conhece das questões resumidas nas conclusões, por aplicação do disposto no art. 684.º, n.º3 do CPC. [art.635.º, n.º 4 do Novo C.P.C.]» (in Código de Processo Penal anotado, 2.ª edição, Vol. II, pág. 801).  

No caso dos autos , face às conclusões da motivação da recorrente A... as questões a decidir são as seguintes:

- se a arguida não preencheu a prática de um crime de coação agravada, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º, 23.º, 155.º, n.º 1 al. a), por referência aos artigos 154.º, n.º 1, e 131.°, todos do Código Penal;

- se a medida da pena é excessiva; e

- se a pena de prisão deve ser substituída por pena não detentiva. 


-

            Primeira questão: do crime de coação agravada, na forma tentada.

A recorrente A... defende que não praticou o crime de coação agravada, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º, 23.º, 155.º, n.º 1 al. a), por referência aos artigos 154.º, n.º 1, e 131.º, todos do Código Penal, alegando para o efeito, por um lado, que a factualidade dada como provada no ponto n.º 16 não especifica qual dos arguidos disse “que se não retirasse a queixa no prazo de dois dias lhe cortavam o pescoço com uma faca ou que lhe davam dois tiros”, com isso querendo dizer que a matariam, pelo que não pode o Tribunal a quo dar como provado de que foi a arguida que coagiu a ofendida e, por outro lado, se o crime de coação visava que a ofendida não participasse criminalmente contra os arguidos, tal facto não se verificou, pois não se sentiu coagida pelos arguidos, participando criminalmente contra os mesmos, não havendo assim uma omissão do ato.

Vejamos.

O art.154.º, n.º 1, do Código Penal estatui que comete o crime de coação «Quem, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, constranger outra pessoa a uma ação ou omissão, ou a suportar uma atividade (…).». O seu n.º 2 do acrescenta que «A tentativa é punível.».

O bem jurídico protegido é a liberdade de decidir e de atuar: liberdade de decisão (formação) e de realização da vontade. Numa perspetiva estrutural poder-se-á dizer que a liberdade pessoal se analisa em dois âmbitos essenciais: a liberdade de decisão e de ação e a liberdade de movimento.

Esta liberdade de decisão e liberdade de ação são como que o lado interno e o lado externo da liberdade de ação. Nesta medida, o crime de coação não só abrange as ações que apenas restringem a liberdade de (decisão) e de ação – as ações de constrangimento em sentido estrito, ou seja a tradicional vis compulsiva –, mas também as ações que eliminam, em absoluto, a possibilidade de resistência – a chamada vis absoluta – bem como as ações que afetem os pressupostos psicológico-mentais da liberdade de decisão, isto é a própria capacidade de decidir.

O tipo objetivo de ilícito da coação consiste em constranger outra pessoa a adotar um determinado comportamento: praticar uma ação, omitir determinada ação, ou suportar uma ação.

Os meios de coação são a violência ou a ameaça com mal importante.

A violência pode ser física ou psíquica, incluindo as formas não consentidas de domínio da vontade da vítima.

A ameaça de um mal importante consiste na comunicação de um mal em sentido social e não jurídico nem, muito menos, jurídico-criminal.

Quer a ação de violência, quer a ameaça com mal importante, devem ser adequadas ao resultado do constrangimento (isto é, à ação, omissão ou tolerância de uma atividade).

No juízo de adequação devem ser ponderadas, por um lado, as características físicas e psíquicas da pessoa vítima do constrangimento e do agente do crime e, por outro lado, as competências técnicas da vítima para resistir à violência.[6]

O tipo subjetivo do ilícito consiste no dolo, em qualquer das suas formas enunciadas no art.14.º do Código Penal.

O art.155.º, n.º1, do Código Penal, estabelece que a coação é agravada, designadamente, quando os factos previstos no art.154.º forem realizados por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a três anos.

Nos termos do art.22.º, n.º1 do Código Penal, há tentativa quando o agente praticar atos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se, sendo atos de execução, os que preenchem um elemento constitutivo do tipo ( al. a), os que forem idóneos a produzir o resultado típico (al. b), ou os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhe sigam atos das espécies indicadas nas alíneas anteriores ( al. c). 

No caso em apreciação, o Tribunal a quo deu como provado que, no dia 11 de setembro de 2012, a hora não concretamente apurada, mas por volta da meia-noite, a ofendida D... regressou a casa vinda do serviço de urgências do Hospital de S. Teotónio e que, nas imediações da entrada da casa desta, estavam “os arguidos” (pontos n.ºs 14 e 15).

Quando se menciona no ponto n.º 16 dos factos provados que «Ao verem D... , e pensando que esta tinha já apresentado queixa contra si, disseram-lhe que se não retirasse a queixa no prazo de dois dias lhe cortavam o pescoço com uma faca ou que que lhe davam dois tiros, com isso querendo dizer que a matariam», o Tribunal a quo está a referir-se, sem qualquer dúvida, aos “arguidos” referidos no ponto anterior, ou seja, à arguida A... e ao arguido B... .

O Tribunal a quo deu como provado, ainda, que «Ao dizer o que disseram a D... , os arguidos queriam evitar ser responsabilizados pelos atos que tinham praticado contra aquela D... naquele dia 11.09.2012, sabendo que só incutindo medo e receio à mesma de que a matariam, a poderiam levar retirar ou não apresentar queixa contra ambos» (ponto n.º 18) e que «Os arguidos sabiam que o que disseram a D... era apto a demovê-la de apresentar queixa ou de a retirar.» (ponto n.º 19).

Tal como mencionado na douta sentença recorrida, entendemos que a arguida A... (bem como o arguido B... ) exerceu uma ameaça sobre a ofendida, isto é, anunciou-lhe um mal futuro, em termos adequados a constrangê-la a não os responsabilizar criminalmente pelos atos descritos nos pontos n.º 4 a 12 da mesma factualidade.

A arguida atuou nestas circunstâncias com liberdade de ação e dolo direto, uma vez que está dado como provado na sentença recorrida que «Os arguidos [ A... e B... ] agiram em todas as anteditas circunstâncias de forma livre, voluntária e consciente, sabendo igualmente que essas condutas eram proibidas por lei » (ponto n.º 20).

A realização integral dos elementos constitutivos do tipo, por parte de ambos os arguidos, só não aconteceu por razões alheias à sua vontade, pois, «Não obstante, D... apresentou queixa com que estes autos se iniciaram» (ponto n.º 17). 

Exatamente porque a ofendida, apesar de coagida, com um mal futuro, contra a sua vida, não deixou de apresentar queixa criminal contra os ora arguidos A... e B... , é que o preenchimento, por estes, de todos os elementos constitutivos do crime de coação agravado, p. e p. pelos artigos 154.º, n.º 1 e155.º, n.º1, alínea a), do Código Penal, tem lugar sob a forma tentada.

Pelo exposto, tendo a arguida A... , preenchido com a sua conduta, todos os elementos do tipo objetivo e subjetivo do crime de coação agravado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.°, 23.°, 155.°, n.º 1, al. a), por referência ao art.154.°, n.º 1 e 131.°, do Código Penal, improcede esta primeira questão.


-

            Segunda questão: da medida da pena.

            A recorrente A... defende, seguidamente, que as penas parcelares que lhe foram impostas são excessivas e devem ser reduzidas para próximo dos seus limites mínimos.

Consequentemente, a pena única resultante do cúmulo jurídico deverá ser reformada e substancialmente reduzida.

Alega para o efeito, e em síntese, o seguinte:

- O Tribunal a quo violou o disposto na alínea a) do nº 2 do artigo 71º do Código Penal, ao fixar a medida da pena com base num grau de ilicitude “acima da média” e ao avaliar o modo de execução pela existência de antecedentes criminais, agravando a sua culpa.

A arguida agrediu a ofendida apenas com murros e pontapés e puxou-lhe o cabelo, desconhecendo-se qual dos arguidos ofendeu mais a D... , pelo que o grau de ilicitude é moderado. A arguida não pode ser penalizada numa pena mais gravosa do que a aplicada ao arguido, que usou inclusivamente um objeto que se assemelhava a um taco de basebol, provocando na ofendida maiores lesões/danos no seu corpo.

A arguida foi condenada quatro anos e cinco meses depois da prática dos factos, posteriormente a essa data apenas praticou um crime de ameaça agravada, no processo n.º 122/14.0GCVIS, em que foi condenada em pena de prisão substituída por trabalho a favor da comunidade, pelo que neste processo não pode ser penalizada de modo mais gravoso do que nesse processo.

As condenações da arguida não podem ser duplamente valoradas, quando não se esclarece no ponto n.º 4 dos factos provados quem foi o responsável pela conflitualidade e violência.

Vejamos.

O crime de coação agravado, sob a forma tentada, pelo qual a arguida vem acusada e pelo qual foi condenada, é punido com pena de 1 mês a 3 anos e 6 meses de prisão, e o crime de ofensa à integridade física simples, é punido, por sua vez, com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.

É dentro dos limites definidos na lei e de acordo com o critério geral estabelecido no art.71.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, que importa agora decidir se as penas parcelares de 8 meses e de 6 meses de prisão, aplicadas à arguida, são adequadas, ou se não deveriam ter sido fixadas em medida mais próxima dos respetivos limites mínimos legais, como sustenta a recorrente.

Nos termos do art.71.º, n.º 1 e 2 do Código Penal, a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo o Tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra ele.

Realçamos que a culpabilidade ali referida não se confunde com a intensidade do dolo ou a gravidade da negligência; é um juízo de reprovação que se faz sobre uma pessoa, censurando-a em face do ordenamento jurídico-penal.

O facto punível não se esgota com a ação ilícita-típica, necessário se tornando sempre que a conduta seja culposa, “ isto é, que o facto possa ser pessoalmente censurado ao agente, por aquele se revelar expressão de uma atitude interna pessoal juridicamente desaprovada e pela qual ele tem por isso de responder perante as exigências do dever-ser sociocomunitário.”[7]

O requisito de que sejam levadas em conta, na determinação da medida concreta da pena, as exigências de prevenção, remete-nos para a realização in casu das finalidades da pena.

De acordo com o art.40.º, n.º1, do Código Penal, a aplicação de penas (e de medidas de segurança) visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

O objetivo último das penas é a proteção, o mais eficaz possível, dos bens jurídicos fundamentais.

Esta proteção implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, servindo primordialmente para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal (prevenção geral positiva ou de integração).

A prevenção geral radica no significado que a “gravidade do facto” assume perante a comunidade, isto é, no significado que a violação de determinados bens jurídico penais tem para a comunidade e visa satisfazer as exigências de proteção desses bens na medida do necessário para assegurar a estabilização das expectativas na validade do direito.

É a prevenção geral positiva que fornece uma moldura de prevenção dentro de cujos limites podem e devem atuar considerações de prevenção especial.

A reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual, isto é, à ideia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida.

As circunstâncias gerais enunciadas exemplificativamente no n.º2 do art.71.º do Código Penal, são, no ensinamento do Prof. Figueiredo Dias, elementos relevantes para a culpa e para a prevenção e, “ por isso, devem ser consideradas uno actu para efeitos do art.72.º-1; são numa palavra, factores relevantes para a medida da pena por força do critério geral aplicável.”.

Para o mesmo autor, esses fatores podem dividir-se em “Fatores relativos à execução do facto”, “Fatores relativos à personalidade do agente” e “Fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto”.

Relativamente aos “Fatores relativos à execução do facto” esclarece que “Toma-se aqui a “execução do facto” num sentido global e complexo, capaz de abranger “o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente”, “a intensidade do dolo ou da negligência” e ainda “os sentimentos manifestados na preparação do crime e os fins e os motivos que o determinaram”... Assim, ao nível do tipo-de-ilícito releva logo a totalidade das circunstâncias que caracterizam a gravidade de violação jurídica cometida pelo agente, o dano material ou moral, produzido pela conduta – com todas as consequências típicas que dele advenham - o grau de perigo criado nos casos de tentativa e de crimes de perigo, a espécie e o modo de execução do facto...o grau de conhecimento e a intensidade da vontade no dolo...Nos fatores relativos à execução do facto...entram, por outro lado, todas as circunstâncias que respeitam à reparação do dano pelo agente, ou mesmo só os esforços por ele desenvolvidos nesse sentido ou no de uma composição com o lesado; como ainda o comportamento da vítima...os sentimentos, os motivos e os fins do agente manifestados no facto.”

Nos “Fatores relativos à personalidade do agente” incluem-se: a) Condições pessoais e económicas do agente; b) Sensibilidade à pena e suscetibilidade de ser por ela influenciado; c) Qualidades da personalidade manifestadas no facto.

Os “Fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto” incluem a conduta anterior ao facto – haverá que ponderar se o ilícito surge como um episódio ocasional e isolado no contexto de uma vida de resto fiel ao direito, que poderão atenuar a pena. Como contrapartida haverá igualmente que ponderar a existência de condenações anteriores, que, como contraponto, poderão servir para agravar a medida da pena – e a conduta posterior ao facto – haverá que ponderar se o arguido procedeu ou envidou esforços no sentido de reparar as consequências do crime, e qual o seu comportamento processual.[8] 

Podemos agrupar, nas alíneas a), b), c) e e), parte final, do n.º 2 do art.71.º, do Código Penal, os fatores supra mencionados relativos à execução do facto; nas alíneas d) e f), os fatores relativos à personalidade do agente; e na alínea e), os fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto. 

Por respeito à eminente dignidade da pessoa a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa (art.40.º, n.º 2 do C.P.), designadamente por razões de prevenção.

No caso concreto, que respeita aos “Fatores relativos à execução do facto”, resulta da factualidade dada como provada, que o grau de ilicitude dos factos cometidos pela arguida A... é elevado, uma vez que a sua conduta denota um acentuado desprezo pela integridade física da ofendida e pela sua liberdade de decidir e de atuar, bens protegidos, respetivamente, nos crimes de ofensa à integridade física simples e de coação.

Quanto ao modo de execução dos factos, anotamos que a ofendida D... saiu de sua casa e se abeirou do arguidos na rua, após ter ouvido, pelo menos estes, apodar o pai dela de cabrão, filho da puta e anda cá agora abaixo. A arguida A... empurrou a ofendida D... , fazendo com que se desequilibrasse e caísse, momento em que, aproveitando o facto de estar caída, lhe desferiu murros e pontapés pelo corpo, em número que não se logrou apurar, e lhe puxou os cabelos.

Esta atuação da arguida A... teve lugar, em simultâneo, com idêntica atuação do arguido - que ainda desferiu na cabeça e numa perna da ofendida, pelo menos, duas pancadas com um objeto semelhante a um taco de basebol -, o que, evidentemente, dificultou o ofendida de se defender das agressões da ora recorrente. As agressões físicas à ofendida D... só terminaram por via da ação de terceiros que se abeiraram e por ter sodo chamada ao local a PSP.        

O grau de violação dos deveres que lhe eram impostos é mediano.

Em consequência da conduta da arguida e do arguido, que agiram em simultâneo, a mesma apresentou um conjunto de lesões por todo o corpo: «  i. No crânio: uma equimose arroxeada na região parietal direita, medindo três centímetros de eixo maior por dois centímetros de eixo menor; na região temporoparietal esquerda, zona de alopecia, medindo dois centímetros de eixo maior por um centímetro de eixo menor; ii. Na face: nas faces cutânea e mucosa do hemilábio inferior direito, equimose fortemente arroxeada, medindo dois centímetros e meio de diâmetro; iii. No tórax: na região escapular direita área escoriada, medindo seis centímetros de eixo maior por quatro centímetros de eixo menor e na região escapular esquerda equimose arroxeada, medindo quatro centímetros de diâmetro; iv. No membro superior direito: na face superior do ombro, escoriação medindo quatro centímetros de diâmetro; no terço médio da face anterior do braço, equimose arroxeada, medindo dois centímetros e meio de eixo maior por cinco milímetros de eixo menor; na vertente lateral do cotovelo, área escoriada medindo três centímetros de diâmetro; no terço médio da face anterior do antebraço, equimose azulada, medindo um centímetro e meio de diâmetro; v. No membro superior esquerdo: na vertente lateral do cotovelo duas escoriações, medindo a maior dois centímetros de diâmetro; no terço médio da face póstero-medial do antebraço, equimose arroxeada, medindo quatro centímetros de diâmetro; vi. No membro inferior direito: no joelho equimose arroxeada, medindo sete centímetros de diâmetro; vii. No membro inferior esquerdo: no terço proximal da face lateral da coxa, duas equimoses arroxeadas, medindo a maior seis centímetros de eixo maior por três centímetros de eixo menor.» Tais lesões demandaram a D... , até à cura, um período de doença de dez dias, com cinco dias de afetação da capacidade para o trabalho geral e cinco dias de afetação da capacidade para o trabalho profissional.

A arguida agiu com dolo direto, e ainda intenso relativamente ao crime de coação sob a forma tentada, como resulta bem evidenciado do facto de ainda se encontrar nas imediações da entrada da casa da ofendida, quando esta aí regressou vinda do Hospital.

Quanto aos motivos que determinaram a conduta da arguida, não se apuraram , sabendo-se apenas que as agressões físicas tiveram lugar depois de uma troca de palavras com a ofendida, cujo conteúdo não se logrou apurar.

No que respeita aos «Fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto», que integram a alínea e), n.º2 do art.71.º do Código Penal, anotamos que a arguida já apresenta condenações penais por 17 crimes, a partir do ano de 2001, respeitando à prática de crimes de, tráfico de estupefacientes de menor gravidade, condução sem habilitação legal, desobediência, resistência e coação sob funcionário, injúria agravada, injúria, ameaça, e detenção de arma proibida, o que significa, além do mais que tem antecedentes criminais por crimes de natureza idêntica àqueles pelos quais está a ser julgada nestes autos, sendo de anotar a prática de vários crimes contra a liberdade das pessoas.

Para além de ter sido condenada em penas de prisão suspensa na execução, penas de multa, e penas de trabalho a favor da comunidade, já cumpriu pena de prisão.

As condenações agora em causa, neste processo, não são um episódio ocasional e isolado no contexto de uma vida de resto fiel ao direito; pelo contrário, como bem se menciona na douta sentença recorrida, inserem-se numa “carreira criminosa consistente” e “no campo da pluriocasionalidade”.

Sem esquecer o decurso do tempo decorrido desde a prática dos factos até à condenação da arguida em 1.ª instância neste processo, não podemos deixar de relevar a circunstância agravante de posteriormente à sua prática, a arguida ter praticado novos factos criminosos, integradores de um crime de ameaça agravada,  pelos quais  veio a ser condenada no processo n.º 122/14.0GCVIS, em pena de prisão substituída por trabalho a favor da comunidade.

O Tribunal a quo não deu como provada a confissão, o arrependimento do arguido, ou que tenha reparado ou feito qualquer tentativa de reparação dos danos causados à ofendida  através de alguma indemnização.

Nos “Fatores relativos à personalidade do agente” anotamos que apresenta modesta condição social e fraca situação económica, assumindo relevo a ausência de hábitos de trabalho por parte da ora recorrente, que não exerce nos últimos anos qualquer atividade com caráter regular, com a alegação de necessidade de grande disponibilidade para com a filha mais nova. Vive num bairro social, recebendo RSI e prestações relativas aos filhos.

A não interiorização da gravidade da conduta por parte da arguido, mostra-se bem realçada pelo Tribunal a quo, e é manifesta em face dos factos dados como provados, uma vez que ao longo dos vários contactos que têm sido mantidos com a arguida a mesma assume sistematicamente uma postura de vitimização face ao conjunto de instituições da justiça, evidenciando uma atitude desrespeitadora e de não reconhecimento da legitimidade interventiva das mesmas (ponto n.º 41); mantem no presente caso a mesma postura de desafio (ponto n.º 42), e não demonstra qualquer tipo de intimidação perante o presente processo, nem perante novo confronto com as instâncias judiciais.

A suscetibilidade da arguida A... em ser influenciada pelas penas em que já foi condenada é fraca, pese embora ter tido um comportamento positivo no cumprimento das penas de trabalho a favor da comunidade ( ponto n.º 41).

Considerando o grau de perigosidade da arguida que resulta dos factos provados, entendemos que são prementes as razões de prevenção especial.

Também são elevadas as razões de prevenção geral dada a frequência com que são cometidos em todo o País, crimes de ofensas à integridade física, e de coação sobre as vítimas dessas ofensas, para os seus agentes procurar evitar a responsabilidade criminal que sabem recair pelos seus criminosos, pelo que importa reforçar a ideia da validade dos bens jurídicos inerentes às normas violadas.

Anotamos aqui que os fatores relativos à conduta do agente anterior e posterior ao facto e à  personalidade do agente são bem mais favoráveis ao arguido B... , do que à ora recorrente, pelo que não tem qualquer razão a pretensão da recorrente de não poder ser penalizada numa pena mais gravosa do que a aplicada àquele, pese embora o mesmo tenha usado inclusivamente um objeto que se assemelhava a um taco de basebol para ofender a integridade física da ofendida.

Perante os referidos elementos objetivos relevantes para a culpa e para a prevenção, entendemos que é também elevada a culpa da arguida.

Considerando todas as circunstâncias que depõem contra e a favor do arguido e as exigências de prevenção, o Tribunal da Relação entende que as penas parcelares que foram aplicadas à arguida/recorrente A... são proporcionais e adequadas às exigências de prevenção e da culpa, respeitando o disposto no art.18.º, n.º 2 da CRP e os artigos 40.º e 71.º do Código Penal, o que já não aconteceria com a fixação de penas inferiores.

Pressupondo a redução das penas parcelares, pretende a arguida/recorrente, que a pena única resultante do cúmulo jurídico seja reformada e substancialmente reduzida.

Não tendo sido reduzidas as penas parcelares aplicadas à arguida cremos prejudicada a questão da redução da pena conjunta de doze meses de prisão que lhe foi aplicada.

Ainda, assim, diremos que a pena estabelecida em cúmulo jurídico, não viola o disposto no  art.77º, nº 1, do Código Penal, na redação do Decreto-Lei nº 48/95, de 15 de Março.

A medida da pena a atribuir em sede de cúmulo jurídico tem uma especificidade própria.
Como refere o Prof. Figueiredo Dias, a pena conjunta do concurso será encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, fornecendo a lei, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art.72º, n.º1 (actual 71º.º, n.º1), um critério
especial: o do artigo 77º, nº 1, 2ª parte.

Explicita este Professor que, na busca da pena do concurso, “Tudo deve passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta”.

E acrescenta que “de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização.” [9]

Na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o  tipo de conexão entre os factos em concurso.[10] 

Em suma, com o sistema da pena conjunta, perfilhado neste preceito penal, deve olhar-se para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente.[11]

No caso concreto, a moldura de punição tem um mínimo de 8 meses de prisão e um máximo de 14 meses de prisão.

Estamos perante a prática de dois crimes, um contra a integridade física e outro contra a liberdade pessoal. 

No que respeita à ilicitude global, entendida como juízo de desvalor da ordem jurídica sobre um comportamento, por este lesar e pôr em perigo bens jurídico-criminais, consideramos a mesma elevada, tendo em conta as conexões entre os crimes e o tipo de conexão entre os factos em concurso, designadamente de lesão da mesma vítima, em momentos diferentes.

Resulta dos factos dados como provados que a arguida/recorrente agiu com dolo direto no período da atividade ilícita agora em apreço.

As necessidades de prevenção geral neste tipo de crimes contra as pessoas, pela grande frequência com que são praticados, são prementes.

Na avaliação da personalidade da arguida/recorrente, importa reter o que consta dos factos dados como provados, nomeadamente, as suas condições de vida e já ter vastos antecedentes criminais.

No que toca à prevenção especial, a recorrente carece de forte socialização, até por não demonstrar qualquer tipo de intimidação perante o presente processo.

Neste contexto, valorando o ilícito global perpetrado, ponderando em conjunto a gravidade dos factos e a sua relacionação com sua mal formada personalidade, é de concluir que a pena conjunta fixada em 12 meses de prisão, se mostra justa, adequada às finalidades de prevenção e proporcional á culpa e personalidade do arguido/recorrente.

Assim, mantém-se também a pena conjunta fixada pelo Tribunal a quo em cúmulo jurídico.

Improcede, deste modo, a presente questão.


-

            Terceira questão: da substituição da pena de prisão por pena não detentiva. 

A recorrente A... defende que a pena aplicada deve ser suspensa na sua execução ou substituída em trabalho a favor da comunidade, de forma a poder acompanhar a sua filha nos tratamentos no estrangeiro, até porque, no relatório Social é referido no artigo 41.º que das várias condenações em medidas de execução na comunidade, as que deram origem a medidas de trabalho a favor da comunidade, resultaram no seu conjunto de forma bastante positiva, uma vez que, em contexto de local de trabalho, a postura da arguida se alerta profundamente, sendo uma trabalhadora destacada pela positiva, esforçada e com boa integração nos grupos de trabalho.

Do relatório social pode-se depreender de que a arguida necessita de uma grande disponibilidade para com a filha mais nova, que é portadora de progeria, e que necessita regularmente de se deslocar ao estrangeiro, para tratamento. Motivo, pelo qual a arguida não tem nos últimos anos exercido qualquer atividade com caráter regular. Ao ser aplicada à arguida uma pena de prisão efetiva, mesmo em regime de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, impedem que a mesma possa acompanhar a sua filha, dependente da mesma, ao estrangeiro, para lhe serem administrados os devidos tratamentos.

Colocando, assim o bem-estar e a saúde da filha em perigo de vida, violando assim os direitos fundamentais da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente o art.º 13.º, n.º 1 e 2, 18.º, n.º 1 e 2, 24.º, 36.º n.º 5, 64.º, 67.º e 71.º.

Vejamos.

Determinada uma concreta medida da pena de prisão, impõe-se ao Juiz verificar se ela pode ser objeto de substituição, em sentido próprio ou impróprio, e respetiva medida.

Dentro das penas de substituição da prisão, em sentido próprio, encontram-se a pena de multa, a que alude o art.43.º do Código Penal e as penas de suspensão de execução da prisão ( art.50.º do C.P.) e de prestação de trabalho a favor da comunidade (art.58.º do C.P.).

Para além destas penas de substituição, há ainda que contar com penas de substituição detentivas (ou formas especiais de cumprimento da pena de prisão) como o regime de permanência na habitação (art.44.º do C.P.), a prisão por dias livres (art.45.º do C.P.) e a prisão em regime de semidetenção (art.46.º do C.P.).

Por baixo de uma aparente multiplicidade e diversidade de critérios legais na escolha da substituição da pena de prisão, é mais ou menos pacífico que consegue divisar-se um critério ou cláusula geral de substituição da pena de prisão: são finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção geral e especial, não de compensação da culpa, que justificam e impõem a preferência por uma pena de substituição e sua efetiva aplicação.

Uma vez que a recorrente A... sustenta que o Tribunal a quo deveria ter procedido à substituição das penas de prisão, por pena suspensa na sua execução (art.50.º do C.P.) ou por prestação de trabalho a favor da comunidade (art.58.º do C.P.), importa, antes do mais, verificar se, no caso, se verificam os respetivos pressupostos.

Os pressupostos da suspensão da execução da pena vêm enunciados no art.50.º, n.º1 do Código Penal.

Nos termos deste preceito legal, na redacção vigente à data dos factos, « O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos  se , atendendo à personalidade do agente , às condições da sua vida , à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste , concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição .».

O pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão é apenas que a medida concreta da pena aplicada ao arguido não seja superior a 5 anos.

O pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão é que o Tribunal conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido, ou seja, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

No juízo de prognose deverá o Tribunal atender, no momento da elaboração da sentença, à personalidade do agente (designadamente ao seu carácter e inteligência), às condições da sua vida (inserção social, profissional e familiar, por exemplo), à sua conduta anterior e posterior ao crime (ausência ou não de antecedentes criminais e, no caso de os ter já, se são ou não da mesma natureza e tipo de penas aplicadas, bem como, no que respeita à conduta posterior ao crime, designadamente, à confissão aberta e relevante, ao seu arrependimento, à reparação do dano ou à prática de atos que obstem ao cometimento futuro do crime em causa) e às circunstâncias do crime (como as motivações e fins que levam o arguido a agir).

A prognose exige a valoração conjunta de todas as circunstâncias que tornam possível uma conclusão sobre a conduta futura do arguido, pois a finalidade político-criminal visada com o instituto da suspensão da pena é o afastamento da prática pelo arguido, no futuro, de novos crimes.[12]

Todavia, no entendimento do Prof. Figueiredo Dias, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada, mesmo em caso de conclusão do tribunal por um prognóstico favorável ( à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização), se a ela se opuserem as finalidades da punição ( art.50.º, n.º 1 e 40.º , n.º1 do Código Penal ), nomeadamente  considerações de prevenção geral sob a forma de exigência mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico, pois que « só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto…».[13]

A suspensão da execução da pena é, sem dúvidas, um poder vinculado do julgador, que terá de a decretar sempre que se verifiquem os respetivos pressupostos.

Deste modo, o tribunal, quando aplicar pena de prisão não superior a 5 anos deve suspender a sua execução sempre que, reportando-se ao momento da decisão, possa fazer um juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido, juízo este não necessariamente assente numa certeza, bastando uma expectativa fundada de que a simples ameaça da pena seja suficiente para realizar as finalidades da punição e consequentemente a ressocialização, em liberdade, do arguido.

No presente caso, tendo em conta que a arguida A... foi condenada neste processo numa pena global e única de 12 meses de prisão, o pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão encontra-se verificado.

O Tribunal da Relação entende, porém, que o pressuposto material de aplicação da mesma pena de substituição não se verifica, tendo em conta a factualidade dada como provada na sentença.

A arguida tem já um longo passado criminal no âmbito da pequena e média criminalidade, como atrás se especificou, tendo já beneficiado da substituição da prisão por suspensão da sua execução, tendo chegado a cumprir prisão efetiva. 

Após a condenação em penas de prisão suspensas na execução voltou a delinquir, deixando assim claro que não se deixa intimidar com penas de substituição deste tipo, de que pretende novamente beneficiar.

Como conduta posterior aos factos e relevando também para o conhecimento da personalidade do arguido, anotamos a ausência de confissão, de arrependimento e de não reparação dos prejuízos causados à ofendida, circunstâncias através das quais poderia demonstrar que previsivelmente não voltaria a praticar no futuro novos crimes. Pelo contrário, a mesma não demonstra qualquer intimidação perante o processo.

A personalidade da arguida tem-se pois revelado refratária a uma normal convivência social de acordo com as regras do direito e nem o cumprimento anterior de prisão efetiva tem obstado à reiterada prática de crimes, de vária natureza.

Em suma, a prognose sobre o comportamento da arguida à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização é claramente negativa.

Também o sentimento jurídico da comunidade na validade e na força de vigência das normas jurídico-penais violadas pela arguida A... , numa situação como esta, de sucessivas condenações penais, por variados tipos de crime, e em que já beneficiou anteriormente da suspensão de execução da pena de prisão, ficaria afetado pela substituição, novamente, da pena de prisão por suspensão de execução da pena de prisão.

Em suma, não existindo um prognóstico favorável relativamente ao comportamento da arguida A... , no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, bem andou o Tribunal recorrido em não decretar a suspensão da execução da pena aplicada ao arguido.

Relativamente à pena de trabalho a favor da comunidade, estatui o art.58.º, n.º1 do Código Penal que « Se ao agente dever ser aplicada pena de prisão em medida não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.».

A pena de trabalho a favor da comunidade consiste na prestação de serviços gratuitos ao Estado, a outras pessoas coletivas de direito público ou a entidades privadas cujos fins o Tribunal considere de interesse para a comunidade (art.58.º, n.º 2 do Código Penal). Exigindo-se a adesão do arguido a esta pena, ela só pode ser aplicada com aceitação do condenado ( art.58.º, n.º 5 do Código Penal ).

O pressuposto formal desta pena é, deste modo, a aplicação de uma pena de prisão em medida não superior a dois anos e a aceitação pelo condenado da sua substituição pelo trabalho a favor da comunidade. O pressuposto material é poder concluir-se que pela aplicação dessa pena de substituição se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

A pena de trabalho a favor da comunidade tem na base a ideia de centrar o conteúdo punitivo na perda, para o condenado, de uma parte substancial dos seus tempos livres, sem por isso o privar de liberdade e permitindo-lhe consequentemente a manutenção íntegra das suas ligações familiares, profissionais e económicas, numa palavra a manutenção com o seu ambiente e a integração social; por outro lado, com não menor importância, o conteúdo socialmente positivo que a esta pena assiste, enquanto se traduz numa prestação ativa, com o seu consentimento, a favor da comunidade.      

Como já se consignou, são só considerações preventivas, nomeadamente de prevenção de socialização, que podem ser erigidas em critério de escolha da pena de trabalho a favor da comunidade, posto que a ela não se oponham razões de salvaguarda do mínimo de prevenção de integração, sob a forma de tutela do ordenamento jurídico.

Sendo o trabalho a favor da comunidade uma pena de substituição em sentido próprio, em princípio, não será de aplicar a quem vem reiteradamente praticando crimes e já teve contacto com o meio prisional pelo cumprimento de pena de prisão efetiva.

No caso em apreciação, a arguida já viu substituída, em várias condenações, a pena de prisão por pena de trabalho a favor da comunidade e, no seu conjunto, de forma bastante positiva, uma vez que, em contexto de local de trabalho, a postura da arguida se alerta profundamente, sendo uma trabalhadora destacada pela positiva, esforçada e com boa integração nos grupos de trabalho (ponto n.º 41).

O que a execução desta pena de substituição não tem conseguido é a afastar a arguida da criminalidade.

Tendo já cumprido pena de prisão, e não existindo um prognóstico favorável relativamente ao comportamento futuro da arguida A... , não podemos ter como verificados os necessários pressupostos materiais para a substituição da pena de prisão por pena de trabalho a favor da comunidade e, consequentemente, não merece censura a decisão recorrida por não lhe ter aplicado esta pena substitutiva.

Chegados aqui, e tendo o Tribunal a quo optado por substituir a pena de prisão, por regime de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, importa decidir se a  aplicação, à arguida A... de uma pena de prisão em regime de permanência na habitação, viola os direitos fundamentais da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente o art.13.º, n.º 1 e 2, 18.º, n.º 1 e 2, 24.º, 36.º n.º 5, 64.º, 67.º e 71.º, por a sua filha mais nova ser portadora de progeria e necessitar regularmente de se deslocar ao estrangeiro, para tratamento.

Muito sucintamente, anotamos aqui que o art.13.º da C.R.P. estabelece que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei, ninguém podendo ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual. Interpretando este preceito, referem os Prof.s Gomes Canotilho e Vital Moreira , que o seu âmbito de proteção abrange as seguintes dimensões: « a) proibição do arbítrio, sendo inadmissíveis , quer diferenciações de tratamento sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios de valor objetivos, constitucionalmente relevantes , quer a identidade de tratamento para situações manifestamente desiguais; b) proibição de descriminação, não sendo legitimas quaisquer diferenciações de tratamento entre cidadãos baseadas em categorias meramente subjetivas ou em razão dessas categorias ( cfr. n.º 2, onde se faz expressa menção de categorias subjetivas que historicamente fundamentaram discriminações ; c) obrigação de diferenciação , como forma de compensar a desigualdade de oportunidades , o que pressupõe  a eliminação , pelos poderes públicos , de desigualdades fácticas de natureza social , económica e cultural ( cfr. , por ex., arts. 9.º/d e f, 58.º-2/b e 74.º-1)».[14]

Por outras palavras, e para a decisão da questão em apreciação, importa acentuar que o princípio postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para as situações de facto desiguais.

O art.18.º, n.º1, da C.R.P. estabelece que « os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.», pelo que face a esta norma, o Estado, enquanto legislador, não pode emitir normas incompatíveis com os direitos fundamentais e o Tribunal deverá desaplicar as normas emitidas pelo legislador ordinário que sejam incompatíveis com as normas constitucionais.

Como afloramento do Estado de Direito Democrático, consagrado no art.2.º da C.R.P., a última parte do n.º 2 do art.18.º da Lei Fundamental, estabelece pressupostos materiais para a restrição, legítima, de direitos, liberdades e garantias, através do chamado princípio da proporcionalidade.

Doutrinariamente, este princípio vem sendo desdobrado em três sub-princípios: princípio da necessidade ou da exigibilidade, princípio da adequação e da proporcionalidade em sentido estrito ou da racionalidade.[15]

O art.24.º, da C.R.P., consagra o direito à vida, estabelecendo que «A vida humana é inviolável» (n.º1) e que « Em caso algum haverá pena de morte».

Art.36.º, da C.R.P. consagra vários direitos relativos à família, casamento e filiação, estabelecendo no seu n.º 5 que « Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos.».

No âmbito dos direitos e deveres sociais, a Constituição da República Portuguesa, consigna no art.64.º, n.º 1, que « Todos têm direito à proteção da saúde e o dever de a defender e promover.», no art.67.º, n.º1 que « A família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à proteção da sociedade e do Estado e à efetivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros.» e no art.71.º, n.º1, que « Os cidadãos portadores de deficiência física ou mental gozam plenamente dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição, com ressalva do exercício ou do cumprimento daqueles para os quais se encontrem incapacitados. ».

Posto isto, importa deixar claro, desde já, que a integridade física e a liberdade das pessoas são bens jurídicos também constitucionalmente protegidos, pelo que a doença de uma filha da arguida, mesmo que com necessidades de deslocação, designadamente, no estrangeiro, não é causa de não aplicação de uma pena de substituição detentiva, como a de regime de permanência na habitação, com vigilância eletrónica.

No caso, não resulta provado da sentença – como pretende a arguida - que o motivo para a arguida não exercer qualquer trabalho regular seja a doença da filha E... – que padece de progeria –, pois apenas se mostra dado como provado que essa é a alegação da arguida para não exercer trabalho regular (ponto n.º 36).

A família da arguida vive na dependência das prestações do RSI e das prestações familiares relativas aos filhos e do Relatório Social, para que a recorrente remete, resulta ainda que “todas as despesas relativas ao acompanhamento da filha e as deslocações ao estrangeiro” são suportadas “pelos organismos que estudam a doença” e que “as fontes de rendimento deste agregado têm aparentemente merecido algumas interrogações por parte das autoridades públicas.”.

Se em termos económicos resulta medianamente claro que não é a arguida A... que sustenta economicamente a filha, nem suporta as despesas da doença da mesma,  é de realçar que a doença da E... , com 18 anos de idade, lhe tem exigido grande disponibilidade de tempo e deslocações ao estrangeiro (pontos n.ºs 31 e 32).

Porém, esta necessidade de acompanhamento da saúde da filha, nomeadamente em deslocações – que é uma das razões de substituição da pena de prisão pelo regime de permanência na habitação –, pode ser superada através do mecanismo da Lei n.º 33/2010, de 2 de setembro, designadamente do seu art.11.º, que permite ao juiz encarregado de acompanhar a execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, autorizar ausências do condenado(a).

Assim, a aplicação à arguida A... de uma pena de prisão em regime de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, não impede a arguida, prima facie,  de acompanhar a sua filha na doença, designadamente no estrangeiro. Se o Juiz, por razões justificadas, entender que a arguida não deverá acompanhar a sua filha nas deslocações, nomeadamente por não respeitar deveres ou outros valores essenciais da sociedade, durante a execução da pena – o que está na dependência da vontade da ora recorrente - , será esta e o Estado a desempenhar as funções de proteção da E... – como de resto já faz – pelo que a pena aplicada á arguida, de prisão em regime de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, não colocará em perigo o bem-estar e a saúde da filha, nem violará os direitos fundamentais da Constituição da República Portuguesa, nomeadamente os previstos nos seus artigos 13.º, n.º 1 e 2, 18.º, n.º 1 e 2, 24.º, 36.º n.º 5, 64.º, 67.º e 71.º.

Pelo exposto, improcede esta questão e, consequentemente, o recurso.

       

Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pela arguida A... e manter a douta sentença recorrida.

Custas pela recorrente, fixando em 5 Ucs a taxa de justiça (art. 513º, nºs 1 e 3, do C. P.P. e art.8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa).

                                                                         *

(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.). 

                                                                                  

Coimbra, 20 de Setembro de 2017

           

(Orlando Gonçalves – relator)

               

(Inácio Monteiro – adjunto)

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                    


[1] Para além do que são as compreensíveis e naturais deterioração da memória, provocadas pelo passar do tempo e para além do que são as distorções provocadas pela perceção e pela racionalização dos eventos, onde entra sempre um fator interpretativo. O que aconteceu, por exemplo e por ter sido o mais ostensivo, com parte do depoimento de H... , que observava ao longe o desenrolar dos eventos e que, como o afirmou no inquérito (cujas declarações foram lidas) observava sem ter a noção de que era a irmã a pessoa que estava a ser agredida e observava quer os gestos que interpretou, em julgamento, como sendo as ações descritas no seu depoimento. Daqui não resulta qualquer contradição, como se apontou em julgamento, antes uma descrição diversa da mesma realidade: a primeira mais crua, a segunda já racionalizada e interpretada também de acordo com conhecimentos adquiridos a posteriori pela testemunha e que lhe permitiram, por via do preenchimento dos vazios da informação original, o relato feito em julgamento.
[2] Das declarações de D... resultou a afirmação de que tinha sido uma pancada (foi o que nitidamente conseguiu percecionar, o que é compreensível no contexto da dinâmica agressora) mas ficou claro da conjugação do que disse o pai (seguro de que vira uma pancada na zona da cabeça de D... ) com o que disse a irmã (que visualizou a ação de desferir pancadas), que pelo menos terão sido duas e que atingiram D... em zonas diferentes do corpo.
[3]  Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[4]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[5]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.

[6] Cfr. Prof. Taipa de carvalho, in “ Comentário Conimbricense do Código Penal”, Tomo I,  Coimbra Editora, 2.ª edição, pág.s 568 e 569.

[7] Cf. Prof. Fig. Dias, in “Temas básicos da doutrina penal”, Coimbra Ed., pág. 230.
[8] Cf. “ Direito Penal Português - As consequências jurídicas do crime”, Aequitas – Editorial Notícias, págs. 210 e 245 e seguintes.

[9]  “Direito Penal Português , As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, 1993, pág.290/2.   

[10] Neste sentido, entre outros, o acórdão do STJ, de 09-01-2008, CJSTJ, 2008, Tomo 1  

[11]  Cf. “ Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, Ano 16, n.º1, Dr.ª Cristina Líbano Monteiro, pág. 155 a 166.  

[12] Cf. Prof. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, as Consequências do Crime”, pág. 337 e ss, e Prof. Jescheck,  “Tratado de Derecho Penal”, vol. I, Bosch, 1981, págs. 1154 e 1155. 

[13] “Direito Penal Português, as Consequências do Crime”, pág. 344.  

[14] Cf. “Constituição da República Portuguesa anotada”, Vol. I, Coimbra Editora, 2007, pág. 339 e, ainda , o  acórdão n.º 403/2004 do T.C. , in www.tribunalconstitucional.pt).
.
[15] Crf. Prof.s Gomes Canotilho e Vital Moreira , in “Constituição da República Portuguesa anotada”, Vol. I, Coimbra Editora, 2007, pág. 392, e Profs. Jorge Miranda - Rui Medeiros, in Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I , Coimbra Editora, 2005, pág. 162.