Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3236/13.0TBLRA-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
CONTRATO DE MÚTUO
PERDA DE BENEFÍCIO DO PRAZO PELO DEVEDOR
VENCIMENTO DE TODAS AS PRESTAÇÕES VENCIDAS
COMUNICAÇÃO EFECTUADA AO DEVEDOR
PARA O DOMICÍLIO CONVENCIONADO
JÁ APÓS O ÓBITO DESTE
INEFICÁCIA DA COMUNICAÇÃO
REQUISITOS DO REQUERIMENTO EXECUTIVO
Data do Acordão: 04/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ANSIÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 531.º, 1; 535.º, 2; 550.º, 3, A); 610.º, 2, B) E 804.º DO CPC
ARTIGOS 224.º; 781.º E 805.º, 1, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I. O disposto no artigo 781º do C. Civil natureza supletiva[1],  é o estipulado pelas partes que rege a perda do benefício do prazo pelo devedor.
II. O incumprimento da obrigação de pagamento das prestações, apenas confere ao credor o direito potestativo de considerar vencidas todas as prestações acordadas, devendo o exercício desse direito ser efetuado através de uma comunicação do mutuante ao mutuário, manifestando a sua vontade de considerar vencidas todas as prestações acordadas.
III. A resolução, como declaração recetícia ou recipienda, a que carece de ser dada a conhecer a um destinatário, como resulta do disposto no art.º 224º do C. Civil, é eficaz quando chegue ao poder do destinatário ou seja dele conhecida, ou quando seja enviada, mas só por culpa do destinatário não tenha sido oportunamente recebida.
IV. Tendo o devedor na data em que as cartas foram enviadas, ainda que para o domicílio convencionado com a Exequente, já falecido, as mesmas são ineficazes – n.º 3 do art.º 224º do C. Civil – não relevando qualquer argumentação derivada da convenção de domicílio.
V. Nos casos em que a interpelação é feita extrajudicialmente, seguida da propositura de ação executiva, deve o título executivo ser composto pelo título constitutivo da obrigação e pela declaração interpelativa.
VI. Nas hipóteses em que a interpelação seja efetuada através do próprio ato de citação na ação executiva [2], deve o próprio requerimento executivo incluir o conteúdo da interpelação exigível, ou seja a alegação da falta de pagamento de uma ou mais prestações e a vontade do exequente em considerar vencida toda a dívida, sendo aplicável, por identidade de razão, a imposição da forma de processo executivo ordinária, nos termos do art.º 550º, n.º 3, a), do C. P. Civil [3], apenas podendo ser peticionados juros de mora desde a data da citação, momento em que ocorre a interpelação para o pagamento da totalidade da dívida.


[1] ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 12.ª ed., Almedina, 2009, pág. 1018, nota 1, PEDRO ROMANO MARTINEZ, Código Civil Comentado, vol. II, Almedina, 2021, pág. 986, ANA AFONSO, Comentário ao Código Civil. Direito das Obrigações. Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, 2018, pág. 1071, e ANA PRATA, Código Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2017, pág. 980.

[2] Admitem essa possibilidade, Rui Pinto, Manual da Execução e Despejo, pág. 232-233, Almedina, 2013, Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, 4.ª ed., pág. 183, Almedina, 2020, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, pág. 41, Almedina, 2020, e os seguintes Acórdãos, todos acessíveis em www.dgsi.pt:
Do S. T. J. de 12.7.2018, relatado por. Hélder Almeida.
Do T. R. C. de 12.12.2017 relatado por Luís Cravo.
Do T. R. G. de 17.12.2019, relatado por Margarida Sousa; e de 30.4.2020, relatado por Margarida Almeida Fernandes.

[3] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit, pág. 45-46.


Decisão Texto Integral:
Relatora: Sílvia Pires
1.º Adjunto: Henrique Antunes
2.º Adjunto: Cristina Neves


          Embargante: AA

          Embargado: Banco 1..., S. A.

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  Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra
Por apenso à execução comum para pagamento de quantia certa, a Executada deduziu oposição mediante embargos, alegando:
- A quantia exequenda não é devida.
- O executado BB faleceu a .../.../2012.
- Nos dias após o falecimento, a embargante e o seu filho CC, verificaram a correspondência do falecido BB, tendo constato a existência de cartas remetidas pelo banco exequente que identificavam um contrato relativo à aquisição de um veículo automóvel.
- Razão pela qual se deslocaram ao Banco 1..., e chegados aí, comunicaram o falecimento do seu filho e irmão, entregando cópia da certidão de óbito.
- Nessa data a embargante e o seu filho CC, foram informados que os valores em dívida seriam pagos pela seguradora, junto da qual foi subscrita a apólice de seguro de vida.
- A embargante desconhece, se o Banco 1... participou o sinistro à seguradora, se não o fez, como lhe incumbia, e vem agora exigir o pagamento do crédito numa execução, adota um comportamento que excede manifestamente os limites impostos pela boa fé o que configura o exercício ilegítimo do direito enquadrável na previsão do art.º 334 do C Civil, que desde já se invoca para todos os efeitos legais
- Nos termos da cláusula 17ª do contrato de mútuo, o mutuário estava obrigado a subscrever um seguro de vida, cuja a apólice e as atas adicionais ficaram em poder do Banco mutuante como interessado, na qualidade de credor – Doc.1
- A morte era um dos riscos garantidos pela apólice de seguro de vida associada ao contrato de mutuo em causa nos presentes autos, estando previsto o reembolso do montante em dívida existente à data da ocorrência do sinistro, até ao limite do capital máximo garantido, in casu, 50.000,00 euros
- A embargante desconhece se a seguradora reembolsou o banco mutuante das quantias em divida à data do falecimento de BB.
- A Exequente interpelou o mutuário, 7 meses após ter conhecimento do seu falecimento, através de cartas que foram devolvidas.
- A falta de interpelação, nos termos do artigo 781º do CPC determina a falta/insuficiência do titulo executivo nos termos do 811º-A do CPC, o que se invoca para todos os efeitos legais.
Conclui pela procedência dos embargos.

O Exequente contestou, alegando:
- O Executado só liquidou 21 das prestações devidas, tendo em 21.3.2013 sido interpelado, acabando o contrato o ser resolvido em 17.5.2013.
 - O Embargado não é parte no contrato de seguro de vida celebrado pelo devedor, mas só beneficiário.
- Comunicou à Seguradora o óbito do Segurado em 27.9.2012.
- Em 15.10.2012 e 27.2.2013 a Seguradora solicitou aos familiares do mutuário o envio de documentação.
- Não foi fornecida à seguradora a documentação pedida, tendo o processo de sinistro sido encerrado.
- A Executada recusou, em 1.3.2018 e 29.5.2018, receber a citação nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 856º do C. P. Civil, considerando-se citada e suprida assim a sua falta de interpelação.
Conclui pela improcedência dos embargos.

Veio a ser proferida sentença que julgou os embargos improcedentes.

                                       *

A Embargante interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
1-O presente recurso versa sobre matéria de facto e de direito.
2- A recorrente discorda dos fatos dados como provados e não provados pelo tribunal a quo e da decisão sobre a matéria de facto.
3- Entende a recorrente que a sentença recorrida padece de erro na apreciação da prova, pelo que o presente recurso tem como objecto a reapreciação da prova gravada.
4- Os factos 1, 11,13,14,15,16 e 17 e todos os não provados constituem, para efeitos do presente recurso, os concretos pontos de facto que se impugnam.
5- O tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação dos artigos 224,406, 762,781, 798, 799, 376 e 334 todos do CC.
6- O tribunal a quo não deu como provado qualquer facto referente às quantias peticionadas.
7- A embargante impugnou (artigo 1 da oposição à execução e requerimento de 10/11/2021 com a refª 40414143) as quantias peticionadas e o plano de pagamentos junto aos autos pelo embargado como documento 1.3 e 1.4 e 1.5 - “Plano de pagamentos” em 29/10/2021 (req. com a refª 40310377)
8- o tribunal a quo não podia fazer constar do facto 1 a quantia certa de 17.339,48€ apenas com base plano de pagamentos se esse mesmo facto não resulta da demais prova produzida
9- O original da participação de sinistro (fls.90) datada de 26/09/2012 não foi junto aos autos conforme determinado por despachos, que constam das atas da audiencia de julgamento de 26/10/2021 e 30/11/202.
10- Sendo que a cópia da participação de sinistro junto aos autos com a requerimento de 29/10/2021 com a refº 40310377 foi impugnado pela embargante (requerimento de 10/11/2021 com a refª 40414143)
11- O email enviado em 27/09/2012 pelo Banco 1... para a seguradora A... a participar o sinistro para ativação do seguro de vida junto aos autos na audiência de julgamento que teve lugar em 30/11/2021 não permite, dar como provado a data do preenchimento entrega da participação de sinistro (facto 11)
12- A testemunha DD não revelou qualquer conhecimento direto quanto ao preenchimento e entrega da participação do sinistro no caso concreto (depoimento prestado em audiência de julgamento de 26/10/2021, min 00´17)
13- A testemunha EE limitou-se reproduzir a informação que constava no sistema, sendo que não esteve envolvida diretamente na recolha e inserção dessa informação (depoimento prestado em audiência de julgamento de 26/10/2021 min. 11.20)
14- A testemunha CC afirmou que viajou da Suissa onde reside e trabalha, no dia 15/09/2012 para vir ao funeral do seu irmão e regressou à Suissa no dia 19/09/2012, e que foi nesse período que efetuou a participação do falecimento e entregou o respetivo assento de óbito ao Banco 1..., onde (depoimento de 26/10/2021 min 15´43 e depoimento de 30/11/2021min 23´38)
15- Negou ter estado no Banco 1... no dia 26/09/2012 e justificou com um extrato bancário junto aos autos (requerimento de 10/11/2021 com a refª 40414143) do qual constavam as datas das viagens de e para Portugal.(depoimento prestado na audiência de julgamento de 30/11/2021 min. 26´38).
16-Pelo que da conjugação do depoimento do Sr. CC, com o extrato bancário e o depoimento das testemunhas do embargado, nunca o tribunal a quo poderia dar como provado, os factos 11 e 21 mas apenas que a entrega da participação do sinistro ocorreu em data que terá de se situar entre o dia 15/09/2012 e 19/09/2012, e é nesse sentido que deve ser alterado o facto 11 e o facto 21.
17-Perante a não junção do original da participação de sinistro, o tribunal a quo não podia considerar que a cópia desse documento fazia prova plena, ao fazê-lo violou o disposto no artigo 376 do CC
18- A testemunha EE referiu (depoimento de 26/10/2021 min. 11´20), que da informação que consta do sistema e na qual não teve qualquer intervenção constava um email remetido ao Sr. CC pelo Banco 1... em agosto de 2013, que este negou ter recebido
19-A testemunha não conseguiu identificar o endereço de email e referiu que, no sistema não constava qualquer contacto entre o banco e o Sr. CC após a participação do sinistro e entrega da certidão de óbito (audiência de julgamento de 26/10/2021 min 16´26 e 17´26)
20- O tribunal a quo afirmou que o exequente não poderia saber o email da testemunha, um dado de carater pessoal, se esta não o tivesse fornecido ou deixado chegar por interposta pessoa
21- Por douto despacho proferido na audiência de julgamento de 26 de outubro de 2021, foi determinada a notificação do Banco 1... para proceder a junção do referido email, bem como a documentação entregue pelo Sr. CC donde constasse o email que originou o envio do email referido pela testemunha EE.
22- Tais documentos não foram juntos aos autos - ata audiencia de julgamento de 30 de Novembro de 2021.
23- O embargado juntou aos autos um documento a que chamou de “comprovativo de como o email foi enviado e não foi devolvido” (requerimento de 29/10/2021 com a refº 40310377 doc. 2), documento que a embargante impugnou por requerimento de 10/11/2021 com a refª 40414143.
24-A testemunha EE afirmou que em Agosto de 2013 a testemunha CC forneceu ao embargado o seu email quando entregou ao Banco 1...- delegação de ..., o certificado de destruição de veículo em fim de vida
25-A testemunha CC negou ter entregue ao embargado o certificado de destruição e o seu email (depoimento de 30/11/2022 min 9´09)
26-A embargante impugnou o certificado de destruição (requerimento de 07/12/2021 com a refª 40682038 ) por se tratar de um documento assinado pelo falecido e datado de .../.../2012, data anterior falecimento.
27-Não resultou provado contactos entre embargado e a testemunha CC antes do falecimento
28-Atentas as regras da experiência, não é credível, que o certificado de destruição, assinado pelo falecido e datado com data anterior ao falecimento tenha sido entregue pela testemunha CC ao embargante em .../.../2013, ou seja mais de um ano após a data da sua emissão, 25/07/2012.
29- O tribunal a quo não podia, sem os documentos cuja a junção ordenara, com base no depoimento da testemunha EE, sem conhecimento direto dos factos, contraditado pela testemunha CC e não corroborado por qualquer outro documento ou prova, afirmar que o exequente não poderia saber o email da testemunha se esta não o tivesse fornecido, ao fazê-lo violou o disposto no artigo 376 do CC
30- Além do mais o tribunal não podia descurar o facto de o referido email ter sido informado nos autos, pela embargante, para efeitos de videoconferência (requerimento de 09/09/2021 com a refª 39798357)
31-Bem como ao facto de na contestação o embargado não ter feito qualquer referencia ao email, e de a referencia ao mesmo só ter sido feita na audiência de julgamento de 26/10/2021 ou seja após a embargante ter vindo aos autos informar do mesmo
32-O tribunal a quo, considerando o teor da clausula 18, ponto 1 das condições Gerais do contrato de mútuo (facto provado 13) afirma a existência de uma clausula de domicilio convencionado e comunicações entre as partes em sede de contrato de mútuo para a partir dela afirmar que as missivas enviadas para a morada do mutuário (que consta do ponto 12 dos factos provados) operaram à resolução e interpelação.
33-A clausula de domicilio convencionado e comunicações opera apenas entre as partes do contrato de mutuo e não pode operar se o mutuário já faleceu.
34- Resultou da prova produzida que as cartas juntas como doc. 2 e 3 foram remetidas para a morada do falecido sete meses após o falecimento e a sua comunicação ao embargado
35- Das referidas cartas consta que as mesmas foram devolvidas, pelo que não resultou provado nem envio nem a sua recepção pelo destinatário, o falecido BB
36- Pelo que, salvo melhor opinião não podia o tribunal a quo dar como provado que “em 19/04/2013 o exequente interpelou o executado (ponto 16 dos factos provados) nem dar como provado que o exequente resolveu o contrato em 17/05/2013 ( ponto 17 dos factos provados) .
37- o tribunal a quo determinou por despacho que consta da ata da audiencia de julgamento de 26/10/2021, a junção aos autos dos comprovativos de envio e de receção das carta remetidas em .../.../2012 e .../.../2013 aos familiares do falecido
38- Tais documentos não foram juntos aos autos.
39- As testemunhas do embargado quando questionadas se podiam afirmar que as cartas remetidas pela seguradora aos familiares foram efectivamente recebidas disseram “não, não posso” (depoimento da testemunha EE, prestado em 26/10/2021, min. 5´18 e “isso não sei” (depoimento da testemunha FF, prestado em 26/10/2021, min. 2´24)
40- Cabia ao embargado provar que remeteu as referidas cartas e que as mesmas foram recebidas/conhecidas do destinatário, prova que não fez.
41-A clausula de domicilio convencionado e comunicações também não opera, quanto aos familiares do mutuário, por não serem outorgantes no contrato.
42- A prova produzida não permitia dar como provados os factos que constam dos pontos 14 e 15, os quais em nosso entender devem ser eliminados.
43- O tribunal a quo considerou que a participação de sinistro junto da seguradora não foi corretamente instruída com os documentos exigidos nas condições das apólice de seguro só por culpa da embargante
44- Nos termos do ponto 13 da apolice junta aos autos, a documentação a entregar em caso de morte natural, é o assento de óbito.
45-Da prova resultou que a embargante participou o sinistro (morte natural) atempadamente e instrui-o com o assento de óbito - factos provados 5 e 11
46-Revela falta de cuidado, negligência e incompetência o envio de cartas, pelo embargado, endereçadas a uma pessoa que sabiam já ter falecido
47-O embargado, era o único conhecedor das condições da apólice pelo que lhe cabia diligenciar de forma séria e eficaz pela ativação do seguro.
48-O envio de carta pela seguradora A... aos familiares do falecido, sem identificar corretamente os familiares, para morada do falecido e solicitando o envio de documentação que atento o teor da clausula 13, não era necessária no caso concreto, não é diligenciar de forma séria e eficaz.
49-A testemunha EE referiu não saber se o banco, aquando da participação do falecimento, esclareceu da necessidade de entrega de outros documentos para além da certidão de óbito(depoimento de 26/10/2021 min. 5´18)
50-A prova produzida não permite afirmar qualquer culpa da embargante na instrução da participação de sinistro.
51-O tribunal a quo, considerou que só por culpa do destinatário as missivas não foram oportunamente recebidas (artigo 224, nº 2 do CC)
52-Entendemos que fez uma errada interpretação e aplicação do artigo 224 do CC.
53- As missivas de 19/04/2013 e 17/05/2013 tinham como destinátário BB
54-Ao tempo do seu envio BB já havia falecido, pelo que não lhe pode ser assacada qualquer culpa na não receção das cartas
55-A embargante também não tem culpa na não receção das cartas remetidas “aos familiares” pelo simples facto de que não lhe foram endereçadas e tinham aposta a morada do falecido e não a sua
56- A conjugação dos factos supra referidos com o facto de o falecido viver sozinho (depoimento do Sr. CC de 26710/2021 min 15´00 e de 30/11/2021 min 12´30) explica a devolução das referidas cartas.
57-A interpelação para o cumprimento e a declaração resolutiva de um contrato são declarações receptícias, pelo que são eficazes quando cheguem ao poder do destinatário, ou sejam dele conhecidas (n.º 1 do artigo 224.º do Código Civil) ou quando, sendo enviadas, só por culpa do destinatário não tenha sido oportunamente recebida (n.º 2 do mesmo artigo);
58- Se o destinatário dessa interpelação para o cumprimento e da declaração resolutiva era já falecido, terá de concluir-se que se frustrou a tentativa de interpelação necessária para desencadear o referido efeito de vencimento antecipado de todas as prestações, sentido que o tribunal a quo deveria, no entender da recorrente, ter interpretado o artigo 781 do CC.
59-O tribunal a quo entendeu que a embargante, podia e devia, em cumprimento da clausula 18 do contrato de mútuo e clausula 17.3 das condições gerais da apolice ter comunicado a alteração de morada,
60-As clausulas contratuais apenas obrigam os outorgantes do contrato, e a embargante não foi outorgante
61- A embargante não conhecia, nem podia conhecer, o teor dos contratos por se tratar de um documento que não estava na sua disponibilidade ou ao qual pudesse ter acesso.
62- O tribunal a quo entendeu ainda que a citação da executada no âmbito do processo executivo sempre consubstanciaria a interpelação conducente à exigibilidade da dívida.
63-Na redação do Código de Processo Civil conferida pelo Decreto-Lei nº 226/2008, de 20.11 desapareceu a possibilidade de a interpelação ser substituída pela citação
64- Assim, no quadro normativo aplicável aos autos, DL 226/2008 de 20.11, a citação da executada no processo executivo não permite suprir a falta de interpelação prévia.
65-Fez o tribunal a quo uma errada interpretação e aplicação do artigo 781º do CC
66-Resultou da prova produzida que o embargado teve conhecimento do óbito em data anterior à instauração da ação executiva, o que consubstancia uma situação de ilegitimidade passiva insuprível, exeção de conhecimento oficioso de que o tribunal a quo não conheceu.
67-A embargante alegou que o embargado agiu em abuso de direito mas o tribunal a quo entendeu que a atuação da exequente não era subsumível ou enquadrável na figura do abuso de direito
68-Entendemos que o tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação do artigo 334 do CC.
69- Há uma dependência funcional entre o contrato de mútuo e o contrato de seguro, este nasce e subsiste ao serviço daquele, tendo por fim assegurar o reembolso do capital mutuado no caso de se verificar um sinistro, no caso a morte do mutuário.
70- Resultou da prova produzida que o embargado teve conhecimento do óbito do executado antes de instaurar a execução, pelo que ao não acionar em primeiro lugar a seguradora, para satisfação integral do capital seguro, atuou, em claro abuso de direito
71-O abuso de direito constitui exceção de direito material cuja a procedência determina a inexigibilidade do crédito exequendo e a consequente extinção da execução fundada no contrato de mútuo.
Conclui pela procedência do recurso.

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1. Do objeto do recurso
Considerando que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas as questões a apreciar são:
- impugnação da matéria de facto
- ineficácia da interpelação e da resolução
- abuso de direito pelo Exequente.

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2. Os factos
A embargante manifesta o seu desacordo quanto ao julgamento dos factos 1 e 11 a 17 como provados e o não provado, pretendendo que, após reapreciação das provas que identifica seja o mesmo modificado no sentido que propõe.
Os factos em causa são:
1 - O Exequente deu entrada de requerimento executivo nos autos principais em 05.07.2013, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, com a finalidade de pagamento de quantia certa no valor de 17.339,48 € (Dezassete Mil Trezentos e Trinta e Nove Euros e Quarenta e Oito Cêntimos).
11- O Embargado comunicou/participou o óbito à Seguradora, por forma a que fosse iniciado o procedimento de indemnização, em 27.09.2012 após recepção do documento junto a fls.71 dos autos, assinado pela embargante e datado de 26.09.2012 e cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.
13 – Na Cláusula 18, Ponto 1 das Condições Gerais anexas ao descrito em 2) consta: “As comunicações referidas no contrato presumem-se válidas e eficazes se efectuadas para as moradas nele indicadas ou posteriormente comunicadas à outra parte, em papel ou outro suporte duradouro, ficando o Banco 1... desde já autorizado a comunicar com o(s) Mutuário(s) qualquer assunto relacionado com o contrato por via postal, telefone, email ou sms, bem como a proceder à gravação de chamadas”.
14 - Em 15.10.2012, a Seguradora A... enviou para a morada descrita em 12), carta aos familiares de BB – cfr. Doc.4 junto com a contestação aos embargos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos, a solicitar o envio de diversa documentação, nomeadamente: Assento de Óbito; Certificado de Óbito, relatório de autópsia, caso tenha sido efectuada, auto de ocorrência das Autoridades Policiais, em caso de acidente.
15 - Sem qualquer resposta por parte dos familiares do Mutuário, em 27.02.2013, foi enviada nova Carta para a morada descrita em 12) pela Seguradora aos familiares do Devedor a solicitar resposta à Carta enviada em 15.10.2012, no prazo de 30 dias, findo o qual, e sem resposta por parte dos herdeiros/familiares, dar-se-ia o processo de sinistro como encerrado (cfr. documento de fls.27 dos embargos cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os devidos e legais efeitos).
16 - Em 19/04/2013 o Exequente interpelou o(a)(s) Executado(a)(s) para pagamento do valor em atraso (incluindo juros de mora / penalizações) por missiva datada de 19.04.2013, dirigida à morada descrita em 12) - Cfr. Doc. 2 junto com o requerimento executivo e cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.
17 - Não obstante interpelado para o efeito o(a)(s) Executado(a)(s) não procedeu ao pagamento das prestações vencidas e demais acréscimos contratuais, tendo o Exequente em 17/05/2013 resolvido o respectivo contrato, exigindo antecipadamente o valor de € 16.748,88, à qual acrescem juros de mora vincendos, desde a data da propositura da presente acção até efectivo e integral pagamento, por carta registada com aviso de recepção, datada de 17.05.2013, remetida para a morada descrita em 12).
a) Na data descrita em 11) dos Factos provados e nas circunstâncias de lugar descritas em 21) dos Factos provados, a embargante e o seu filho CC foram informados que os valores em divida seriam pagos pela seguradora, junto da qual foi subscrita a apólice de seguro de vida.
O facto n.º 1 limita-se a reproduzir o que decorre da instauração pela Embargada da execução de que estes autos são apensos.
No que respeita à data em que o Embargado participou à seguradora o óbito do mutuário não foram produzidas provas que nos permitam ter a certeza da mesma, tanto mais que a própria seguradora em 15.12.21 informou o tribunal que essa participação só foi por si recebida em 10.2.2012, tendo em 15.2.22 dito que essa participação foi para si remetida por mail em 27.9 2012 apesar de não conseguir localizar os originais da mesma. Assim, efetivamente podemos julgar provado o facto n.º 11, pois tenha acontecido a participação numa das duas datas referidas as mesmas são sempre posteriores a 26.9.2012.
No entanto, deverá ser eliminada do mesmo a referência que faz corresponder essa data àquela em que a Embargante assinou a participação, pois a mesma não foi apurada. Da prova produzida só resulta que o óbito do mutuário foi participado ao Exequente pela testemunha CC no período compreendido entre 15.9 e 19.9.2012
Assim, o facto 11 passará a ter a seguinte redação:
11- O Embargado comunicou/participou o óbito à Seguradora, por forma a que fosse iniciado o procedimento de indemnização, em data não apurada.
O facto 13º, sendo uma reprodução do clausulado no contrato de mútuo celebrado, contrato esse que não é colocado em crise, mantém-se como provado.
Por sua vez os factos 14 e 15 referem-se a contactos que terão sido efetuados pela Seguradora. Ora, não foi produzida qualquer prova a este respeito a não ser a declaração da própria seguradora, o que se revela insuficiente para a sua prova. Assim, os factos 14 e 15 passam para os não provados, o mesmo acontecendo ao 19.
Quanto aos factos 16 e 17 os mesmos têm, necessariamente que ser alterados, porquanto não é suscetível de interpelação que está morto, como na data em que terão sido enviadas as aludidas cartas o Exequente tinha conhecimento. Assim, tais factos passam a ter a seguinte redação:
16 - Em 19/04/2013 o Exequente para pagamento do valor em atraso (incluindo juros de mora / penalizações) dirigiu ao mutuário a missiva datada de 19.04.2013, para a morada descrita em 12).
17 - O Exequente em 17/05/2013 resolveu o respetivo contrato, exigindo antecipadamente o valor de € 16.748,88, acrescido de juros de mora vincendos, desde a data da propositura da execução até efetivo e integral pagamento, enviando ao e mutuário, para a morada referido em 12, carta registada com aviso de receção, datada de 17.05.2013,
Quanto ao facto julgado não provado não foi produzida qualquer prova, pelo que se mantem inalterado.

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Os factos provados são:
1 - O Exequente deu entrada de requerimento executivo nos autos principais em 05.07.2013, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, com a finalidade de pagamento de quantia certa no valor de 17.339,48 € (Dezassete Mil Trezentos e Trinta e Nove Euros e Quarenta e Oito Cêntimos).
2 - Exequente e Executado BB celebraram em 06/10/2010 um documento, epigrafado de “Contrato Mútuo” destinado à aquisição do veiculo de marca ..., modelo ...20 d, de matricula ..-..-TF, que serve de título à presente Execução apresentado como documento n.º1 com o requerimento executivo (com cópia legível a fls.59 a 60 verso dos presentes embargos) e cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os devidos e legais efeitos.
3 - Tal contrato visou o financiamento da quantia mutuada de €16.500,00, acrescida dos demais encargos contratuais [taxa de juro fixa, TAEG de 15,03%, taxa anual nominal de 12.400%], a liquidar em 84 prestações, mensais, iguais e sucessivas, com início em 05.11.2010 e términus a 05.10.2017, no valor unitário de €305,01, o que perfaz um custo total do crédito de €8.455,68.
4 - No decurso do período contratual estabelecido, o Executado BB liquidou apenas a quantia de €6.405,21, correspondente a 21 prestações.
5 - BB faleceu em .../.../2012.
6 – Perante o descrito em 5), o Exequente deduziu Incidente de Habilitação de Herdeiros contra AA, mãe do Executado e ora Embargante.
7 - Em 16.05.2016, a Embargante juntou aos autos Habilitação de Herdeiros, onde esta consta como única herdeira do Executado Falecido.
8 - Em 15.03.2017, foi proferida Decisão já transitada em julgado, onde se julgou AA, aqui Embargante, habilitada como sucessora do Executado falecido, para com ela, na qualidade de herdeira e na posição do Executado, prosseguir a demanda.
9 - Aquando da celebração do Contrato Mútuo descrito em 2), foi também subscrito pelo Devedor um Seguro de Vida, Apólice ...0 da B..., celebrado nas seguintes condições:
- Prémios: Seguro de Vida €5,78 [cobrado mensalmente];
- Apólice nº ...0, cujo beneficiário é o ora Embargado Banco 1..., S.A.;
- Ter mais de 18 anos e menos de 65 anos de idade, desde que a duração em anos do contrato financeiro não ultrapasse este último limite e menos de 70 anos de idade para a cobertura de Morte, desde que a duração em anos do contrato financeiro não ultrapasse este último limite;
- Residir em Portugal;
- Estar de boa saúde à data de adesão à protecção ao crédito não se encontrando sob vigilância médica de qualquer natureza;
- Não ter estado, nos últimos 12 meses, parcial ou totalmente incapaz para o trabalho devido a doença ou acidente, por mais de 30 dias consecutivos ou não, ou hospitalizado por mais 7 dias consecutivos ou não;
- Possuir um contrato de trabalho sem termo com a mesma entidade há pelo menos 12 meses consecutivos, com um mínimo de 30 horas semanais, desconhecendo uma possível situação de desemprego, suspensão com ou sem perda de retribuição, licença ou situação de reforma ou pré-reforma;
- Caso seja trabalhador por conta própria, exercer uma actividade profissional remunerada;
- Os prémios do Seguro de Vida para um Titular são devidos mensalmente e determinados em percentagem do capital inicial financiado, sendo a referida percentagem  determinada no pressuposto da amortização do capital contratualmente acordada ao longo da vigência do contrato financeiro;
- A taxa global aplicável para cada Pessoa Segura é de 0,03% do capital seguro, abrangendo as seguintes taxas para cada cobertura:
- Morte: 97,53%
- Invalidez Absoluta e Definitiva: 2,47%
- O Prémio inicial global e mensal devido é de €5,78.
10 – Nos termos das Cláusulas 12 e 13.1 das “Condições da Apólice de Seguro relativa ao plano de protecção financeira do crédito automóvel do Banco 1...”:
12. Obrigações e pagamento de indemnização em caso de sinistro
Qualquer sinistro suscetível de integrar uma das coberturas da presente apólice deverá ser participado no prazo máximo de 30 dias após a sua ocorrência ao Banco 1..., pelo número ...59, que o encaminhará à B.... A participação posterior ao prazo indicado pode obrigar o responsável do atraso a responder por perdas e danos.
Será posteriormente enviado à Pessoa Segura o impresso de Participação Sinistro, bem como identificada toda a documentação da prova da situação ocorrida, a qual deverá ser remetida em conjunto com a primeira para a B....
Em caso de sinistro, a Pessoa Segura deve manter obrigatoriamente o pagamento dos seus prémios de seguro.
A indemnização será sempre efetuada através de reembolso ao Banco 1....
Para completar o processo de sinistro, a Pessoa Segura deverá contatar a B... por telefone através do n.º …, ou enviar uma cara dirigida à B...…
13. Documentação em caso de sinistro
Em todos os sinistros participados, dever ser enviados obrigatoriamente os seguintes documentos: 1) Participação do Sinistro preenchia (modelo fornecido pelo Banco 1... ou B...); 2) Cópia do documento de adesão (onde conste a assinatura da Pessoa Segura).
Adicionalmente, e para cada uma das garantias, deve ser também remetido para a B... a seguinte documentação de prova:
13.1 Em caso de  (M): assento de óbito e Certificado de óbito; Relatório de autópsia e Auto de ocorrência em caso de acidente.
11- O Embargado comunicou/participou o óbito à Seguradora, por forma a que fosse iniciado o procedimento de indemnização, em data não apurada.
12 – A morada do Mutuário constante do contrato aludido em 2) é Rua ..., ..., ..., ... ....
13 – Na Cláusula 18, Ponto 1 das Condições Gerais anexas ao descrito em 2) consta: “As comunicações referidas no contrato presumem-se válidas e eficazes se efectuadas para as moradas nele indicadas ou posteriormente comunicadas à outra parte, em papel ou outro suporte duradouro, ficando o Banco 1... desde já autorizado a comunicar com o(s) Mutuário(s) qualquer assunto relacionado com o contrato por via postal,
16 - Em 19/04/2013 o Exequente para pagamento do valor em atraso (incluindo juros de mora / penalizações) dirigiu ao mutuário a missiva datada de 19.04.2013, para a morada descrita em 12).
17 - O Exequente em 17/05/2013 resolveu o respetivo contrato, exigindo antecipadamente o valor de € 16.748,88, acrescido de juros de mora vincendos, desde a data da propositura da execução até efetivo e integral pagamento, enviando ao e mutuário, para a morada referido em 12, carta registada com aviso de receção, datada de 17.05.2013,
18 – Ambas as missivas descritas em 16) e 17) foram devolvidas.
20 - A Embargante Habilitada recusou receber a citação remetida pelo Agente de Execução no âmbito dos autos de execução: em 01.03.2018 (doc.6 junto com a Contestação e; em 29.05.2018 (Doc.7 junto com a Contestação).
21 - Nos dias após o falecimento, a embargante e o seu filho CC, verificaram a correspondência do falecido BB, tendo constato a existência de cartas remetidas pelo banco exequente que identificavam um contrato relativo à aquisição de um veículo automóvel, razão pela qual se deslocaram ao Banco 1..., e chegados aí, comunicaram o falecimento do seu filho e irmão, entregando cópia da certidão de óbito.

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3. O direito aplicável
3.1 Interpelação do devedor e resolução do contrato
No contrato de mútuo celebrado entre a Exequente e BB foi clausulado que, ocorrendo a falta de pagamento das prestações acordadas, a mutuante, poderia considerar vencida a obrigação de pagamento das restantes prestações.
Radicando a ratio da excecionalidade consagrada do art.º 781º do C. Civil, sobretudo, na quebra da relação de confiança que esteve na base da celebração do acordo de pagamento fracionado no tempo, provocada pelo incumprimento parcial do pagamento de algumas dessas prestações, justifica-se que o vencimento das demais prestações fique dependente da avaliação que o credor faz da capacidade económica do devedor e da sua vontade em satisfazer as restantes prestações, podendo, inclusive, optar por aguardar algum tempo, confiando em que a dificuldade de pagamento seja temporária e que o devedor tenha capacidade económica para retomar o pagamento regular das prestações acordadas.
Ora, tendo o artigo 781º do C. Civil natureza supletiva[1],  é o estipulado pelas partes que rege a perda do benefício do prazo pelo devedor, pelo que o vencimento das restantes prestações, tal como aliás sucede com a melhor interpretação do disposto naquele preceito legal[2], não resultou automaticamente do incumprimento da obrigação de pagamento das referidas prestações. Esse incumprimento apenas confere ao credor o direito potestativo de considerar vencidas todas as prestações acordadas, devendo o exercício desse direito ser efetuado através de uma comunicação do mutuante ao mutuário, manifestando a sua vontade de considerar vencidas todas as prestações acordadas, face ao incumprimento ocorrido.
O Exequente já depois de lhe ter sido comunicado o óbito do mutuário dirigiu ao mesmo, para a morada convencionada no contrato de mútuo que os unia, em 19.4.2013 – e para pagamento do valor em atraso (incluindo juros de mora / penalizações) a missiva datada de 19.04.2013.
Em 17.5.2013 o Exequente resolveu o contrato de mútuo, exigindo antecipadamente o valor de € 16.748,88, acrescido de juros de mora vincendos, desde a data da propositura da execução até efetivo e integral pagamento, enviando ao e mutuário e para a mesma morada, carta registada com aviso de receção, datada de 17.05.2013. As duas cartas foram devolvidas.
A resolução, como declaração recetícia ou recipienda, a que carece de ser dada a conhecer a um destinatário, como resulta do disposto no art.º 224º do C. Civil, é eficaz quando chegue ao poder do destinatário ou seja dele conhecida, ou quando seja enviada, mas só por culpa do destinatário não tenha sido oportunamente recebida.
Ora, tendo o devedor na data em que as cartas foram enviadas, ainda que para o domicílio convencionado com a Exequente, já falecido, as mesmas são ineficazes – n.º 3 do art.º 224º do C. Civil – não relevando qualquer argumentação derivada da convenção de domicílio.
Na sentença recorrida, para se concluir pela exigibilidade da dívida, argumenta-se:
 Mesmo que assim não se entendesse, a falta de interpelação prévia à instauração duma ação executiva não determina a inexigibilidade da obrigação exequenda, na medida em que no âmbito da execução instaurada teve lugar a citação da executada, o que sempre consubstancia a interpelação conducente à exigibilidade imediata da totalidade da dívida.
Daí que, caso não se tivesse provado tal interpelação os efeitos do artigo 781.º do CC
 só se aplicariam a partir da citação, data em que o devedor toma efetivamente conhecimento da opção do credor pelo vencimento antecipado de todas as prestações vincendas
A interpelação do devedor para pagamento pode ser feita extrajudicialmente, através de qualquer dos meios que a lei prevê para a emissão das declarações negociais, ou judicialmente, conforme admite o próprio art.º 805.º, n.º 1, do C. Civil, designadamente através do ato de citação para os termos da ação (art.º 610º, n.º 2, b), do C. P. Civil) ou da execução (art.º 551º, n.º 1, do C. P. Civil), onde se reclame o pagamento dessas prestações.
Na redação do Código de Processo Civil de 1961, conferida pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12.12, o então art.º 804º, nº 3, prevenia expressamente a possibilidade de que a interpelação que provocava o vencimento da totalidade da obrigação fosse substituída pela citação em processo executivo: “quando a inexigibilidade derive apenas da falta de interpelação (…), a obrigação considera-se vencida com a citação do executado”.
Mas essa previsão expressa desapareceu na redação introduzida ao referido art.º 804.º pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 08.03.
Comentando essa eliminação, Lopes do Rego, adiantou a seguinte explicação:
É evidente que, no essencial, tal regime se mantém, por força do estipulado no art.º 805º, nº 1, do Código Civil, que confere plena relevância à interpelação judicial – a qual, como é óbvio, se poderá naturalmente consubstanciar na citação para o processo executivo. Importa, porém, realçar um aspecto relevante, decorrente da nova estrutura do processo executivo, no que respeita ao diferimento possível do contraditório do executado, nos casos previstos, nomeadamente, nos art.ºs 812º-A, nº 1, alíneas c) e d) e 812º-B: não sendo obviamente legítimo lançar mão de diligências tipicamente executivas (realização da penhora) sem que o crédito exequendo esteja vencido, é evidente que – nos casos em que ocorre diferimento do contraditório do executado para momento posterior à efetivação da penhora – terá o credor de proceder à interpelação extra-judicial do devedor, antes de iniciada a instância executiva [3].
Com a entrada em vigor ao Código de Processo Civil de 2013, no âmbito do processo executivo comum para pagamento de quantia certa, retomou-se a distinção entre forma ordinária e forma sumária (art.º 550º), com as consequências que constam da Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 113/XII que esteve na origem do diploma que aprovou o novo Código de Processo Civil:
No que toca à tramitação do processo executivo comum para pagamento de quantia certo, retoma-se a distinção (abandonada, sem proveito, em 2003), entre forma ordinária e forma sumária. A forma sumária - caracterizada por penhora imediata, com dispensa da intervenção liminar do juiz e da citação prévia do executado, sendo o requerimento executivo remetido, sem autuação e por via electrónica, para o agente de execução - empregar-se-á quando o título executivo for uma decisão arbitral ou judicial (quando esta não deva ser executada no próprio processo), um requerimento de injunção ao qual tinha sido aposta fórmula executória, um título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida, garantida por hipoteca ou penhor, ou um título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida cujo valor não exceda o dobro da alçada do tribunal de 1.ª instância. Na forma ordinária, assegura-se a intervenção liminar do juiz e a citação do executado em momento anterior à penhora. Em face desta nova formulação, haverá um maior controlo judicial na fase introdutória da execução, pois execuções que até agora principiavam pela penhora passarão a ser submetidas a despacho liminar, o que reforçará as garantias do executado. Ainda assim, nas execuções que devam seguir a forma ordinária, é prevista a possibilidade de o exequente obter a dispensa de citação prévia do executado, com carácter de urgência, se demonstrar a verificação dos requisitos do justo receio da perda da garantia patrimonial, aplicando-se, de seguida, a tramitação do processo executivo sumário.
Tendo em consideração o desenhado quadro legislativo substantivo e processual, é possível dele extrair os termos da conjugação do disposto no art.º 781º do C. Civil com as regras do processo executivo, os quais se passam a expor.
Nos casos em que a interpelação é feita extrajudicialmente, seguida da propositura de ação executiva, deve o título executivo ser composto pelo título constitutivo da obrigação e pela declaração interpelativa.
Nas hipóteses em que a interpelação seja efetuada através do próprio ato de citação na ação executiva [4], deve o próprio requerimento executivo incluir o conteúdo da interpelação exigível, ou seja a alegação da falta de pagamento de uma ou mais prestações e a vontade do exequente em considerar vencida toda a dívida, sendo aplicável, por identidade de razão, a imposição da forma de processo executivo ordinária, nos termos do art.º 550º, n.º 3, a), do C. P. Civil [5], apenas podendo ser peticionados juros de mora desde a data da citação, momento em que ocorre a interpelação para o pagamento da totalidade da dívida.
Sendo a interpelação efetuada através de citação na ação executiva, o pagamento da dívida no prazo em que o executado dispõe para deduzir oposição à execução, provoca a extinção deste processo, sendo as custas da responsabilidade do exequente (art.º 535º, n.º 2, c), do C. P. Civil).
Tenha-se, contudo, ainda em atenção que a exceção de exigibilidade constante do art.º 781º do C. Civil é uma norma de natureza supletiva, que pode ser afastada por acordo nas partes [6], o que no caso do mútuo subjacente a esta execução não consta ter ocorrido.
Acontece que a execução de que os embargos de executada são apenso segue a forma sumária, ficando assim, face ao acima exposto, claro que o documento junto pela embargada revela-se insuficiente como título executivo da obrigação exequenda, a qual exigia ainda a junção de documento comprovativo da interpelação para o pagamento da dívida.

                                                 *
4. Conclusão
Não tendo o título apresentado pelo embargado força executiva relativamente ao crédito exequendo, fica prejudicada a apreciação das demais questões, devendo o recurso improceder, impondo-se assim, a revogação da decisão recorrida.

                                      *
Decisão
Pelo exposto, julgando-se o recurso procedente, revoga-se a decisão recorrida, julgando procedentes os embargos.

                                      *

Custas do recurso pelo Embargado.

                                      *

                                                                   12.4.2023





[1] ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 12.ª ed., Almedina, 2009, pág. 1018, nota 1, PEDRO ROMANO MARTINEZ, Código Civil Comentado, vol. II, Almedina, 2021, pág. 986, ANA AFONSO, Comentário ao Código Civil. Direito das Obrigações. Das Obrigações em Geral, Universidade Católica Editora, 2018, pág. 1071, e ANA PRATA, Código Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2017, pág. 980.

[2] [2] PESSOA JORGE, Direito das Obrigações, AAFDL, 1975-1976, pág. 316-318,  VASCO LOBO XAVIER, Venda a prestações: algumas notas sobre os artigos 934.º e 935.º do Código Civil, R.D.E.S., Ano XXI, n.º 1-2-3-4, pág. 201, nota 4, ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. II, 7.ª ed., Almedina, 2013, pág. 53-54, ALMEIDA COSTA, ob. cit., pág. 1017-1018, RIBEIRO DE FARIA, Direito das Obrigações, vol. II, Almedina, 1990, pág. 325, nota 1, BRANDÃO PROENÇA, Lições de Cumprimento e Não Cumprimento das Obrigações, Coimbra Editora, 2011, pág. 85, ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil, vol. IX,  3ª ed., Almedina, 2019, pág. 96-97, MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, 12.ª ed., vol. II, Almedina, 2019, pág. 166, NUNO PINTO OLIVEIRA, Princípios de Direito dos Contratos, Coimbra Editora, 2011, pág. 391-392, ANA AFONSO, ob. cit., pág. 1071, PEDRO ROMANO MARTINEZ, ob. cit., pág. 986, JANUÁRIO GOMES, Assunção fidejussória de dívida, Almedina, 2000, pág. 955, BRUNO FERREIRA, Contratos de Crédito Bancário e Exigibilidade Antecipada, Almedina, 2011, pág. 187-188, MIGUEL BRITO BASTOS, O Mútuo Bancário. Ensaio Sobre a Estrutura Sinalagmática do Contrato de Mútuo, Coimbra Editora, 2015, pág. 206-210, nota 432.

No mesmo sentido e, a título de exemplo, os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça:
de 15.05.2005, relatado por Moitinho de Almeida;
de 17.01.2006, relatado por Azevedo Ramos;
de 25.05.2017, relatado por Olindo Geraldes;
de 12.07.2018, relatado por Hélder Almeida,
de 11.07.2019, relatado por Ilídio Sacarrão Martins;
de 14.01.2021, relatado por Tibério Gomes.


[3] Requisitos da Obrigação Exequenda, Themis, Revista da Faculdade de Direito da UNL, Ano IV, n.º 7, 2003.

[4] Admitem essa possibilidade, Rui Pinto, Manual da Execução e Despejo, pág. 232-233, Almedina, 2013, Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, 4.ª ed., pág. 183, Almedina, 2020, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, pág. 41, Almedina, 2020, e os seguintes Acórdãos, todos acessíveis em www.dgsi.pt:
Do S. T. J. de 12.7.2018, relatado por. Hélder Almeida.
Do T. R. C. de 12.12.2017 relatado por Luís Cravo.
Do T. R. G. de 17.12.2019, relatado por Margarida Sousa; e de 30.4.2020, relatado por Margarida Almeida Fernandes.

[5] Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, ob. cit, pág. 45-46.

[6] Inocêncio Galvão Telles, ob. cit., pág. 270, Almeida Costa, ob. cit., pág. 1018, nota 1, Ana Prata, Código Civil Anotado, vol. I, pág. 980, Almedina, 2017, e os seguintes acórdãos, todos acessíveis em www.dgsi.pt:
Do T. R. P.  de 23.6.2015, relatado por Márcia Portela.
               Do T. R. L.  de 7.6.2018, relatado por Cristina Neves.
               Do T. R. G. de 15.12.2016, relatado por. Maria Amália Santos.