Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1212/15.8T8CTB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO PAULIANA
LEGITIMIDADE ACTIVA
SOCIEDADE COMERCIAL
EMBARGOS DE EXECUTADO
CASO JULGADO MATERIAL
Data do Acordão: 05/28/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO - C.BRANCO - JC CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS 77, 246 CSC, 732 Nº5 CPC
Sumário: 1. Ao contrário do que dispõe o art. 77º CSC para a ação de responsabilização de gerentes a favor da sociedade, para a ação de impugnação pauliana apenas a sociedade credora tem legitimidade ativa.

2. Fora da execução a decisão proferida em sede de embargos de executado tem força de caso julgado material nos termos gerais, pressupondo a verificação da tríplice identidade – quanto aos sujeitos, à causa de pedir e ao pedido.

3. Julgados improcedentes os embargos deduzidos com fundamento na existência de um crédito a compensar, tal decisão tem força de caso julgado material, impedindo o executado/embargante de, na subsequente ação de impugnação pauliana, voltar a invocar tal compensação pela via reconvencional.

Decisão Texto Integral:









Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

I – RELATÓRIO

D (…), Lda., e R (…) intentam a presente ação declarativa de condenação – impugnação pauliana –, sob a forma de processo comum, contra:

1. J (…),  

2. M (…),

e outros,

alegando em síntese:

o 1º Réu J (…) foi, por sentença proferida no âmbito do Proc. nº 25/94 e por sentença proferida no Proc. nº 149/09.2TBCTB condenado, respetivamente, a pagar à 1ª autora o montante de 5.669.500$00 e ainda, em montante a fixar em liquidação de sentença e limitado aos prejuízos acumulados pela sociedade em causa desde 1995, em valor nunca inferior a 150.000 €;

tendo vindo este réu a proceder a atos de liquidação do seu património,  pedem que se decrete a ineficácia em relação às autoras dos atos de alienação do património referidos nos artigos 17º, 22º, 32º, 37º, 44º, 49º, 52º, devendo ser ordenada aos 3ºs. 5º, 6º e 7ª Rés a restituição dos bens de modo a que as autoras se possam pagar à custa dos mesmos.

Os réus contestam invocando a ilegitimidade de cada uma das autoras e a compensação com o crédito que lhe foi reconhecido no processo 1163/15.678CTB, alegando ainda encontrarem-se penhorados bens em valor mais do que suficiente para satisfazer o crédito da Sociedade autora.

Concluem pela improcedência da ação e pela sua absolvição do pedido.

Respondem as autoras negando a existência de qualquer crédito a compensar.

A convite do tribunal, os RR. vêm deduzir reconvenção através da qual peticionam o reconhecimento do seu crédito no montante de 135.615,15 €, a compensar com o crédito das autoras.

As Autoras apresentam articulado de Réplica, defendendo a sua absolvição do pedido reconvencional.

Posteriormente vêm as autoras invocar a existência de caso julgado face à decisão proferida no âmbito da ação executiva nº 672/14.9T8CTB-B, e que julgou improcedente a oposição deduzida à execução pelo aqui 1º Réu.

Foi proferido despacho saneador a julgar improcedentes as exceções de ilegitimidade das autoras e de caso julgado no que concerne ao pedido reconvencional, absolvendo os AA/Reconvindos da instância reconvencional.


*

Inconformados com tal decisão, os Réus dela interpõem recurso de apelação, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões:

(…)


*

A autora apresentou contra-alegações no sentido da improcedência do recurso.
Cumpridos que foram os vistos legais, nos termos previstos no artigo 657º, nº2, in fine, do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir seriam as seguintes:
1. Ilegitimidade das Autoras R (…) e da Sociedade.
2. Exceção de caso julgado.
3. Nulidade da decisão.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

1. Ilegitimidade das autoras

Defendem-se os Réus por exceção, invocando a ilegitimidade da autora R (…) pelo facto de a mesma não constar do título como credora, invocando igualmente a ilegitimidade da sociedade/autora D (…), Lda., pelo facto de inexistir prévia deliberação dos sócios para efeitos de proposição de ação contra o sócio aqui Réu.

Na tese dos Réus/Apelantes a sociedade a quem fora reconhecida a existência de um crédito contra o aqui Réu encontrar-se-ia impedida de impugnar os negócios levados a cabo pelo aqui Réu, alegadamente diminuidores da garantia patrimonial constituída pelo seu património.

A decisão recorrida considerou que, tendo a ação de responsabilidade civil sido interposta pela Sócia R (…)contra o sócio J (…), com vista à reparação do prejuízo causado por este à sociedade, nos termos do artigo 77º do CSC, “dúvidas não podem restar que a A. R (…) é parte legítima na medida em que exerce um direito, não como próprio, mas como da Sociedade também autora, sendo esta, pelas razões acabadas de esgrimir, igualmente parte legitima”.

Constituindo a faculdade atribuída ao sócio – de, em nome próprio, instaurar ação de responsabilidade civil a favor da sociedade contra os seus gerentes – pelo artigo 77º do Código das Sociedades Comerciais uma previsão excecional, não poderá ser invocada para atribuir legitimidade à autora R (…) para intervir na presente ação.

Encontramo-nos perante uma ação através da qual, invocando-se a existência de determinados créditos da Sociedade/autora sobre o 1º Réu e alegando-se que este tem vindo a proceder à dissipação do seu património como forma de diminuir as garantias de tais créditos, se pretende ver reconhecido o direito da Sociedade/autora a satisfazer os seus créditos pelos bens alienados pelo 1º Réu.

A primeira ação foi proposta pela R (…), em seu próprio nome, tendo sido na qualidade de sócia da sociedade D (…), Lda., que pediu a responsabilização do aqui 1º R., na qualidade de gerente daquela pelos prejuízos causados à sociedade.

E se a legitimidade da sócia R (…) para instaurar tal ação lhe é expressamente concedida pelo artigo 77º do Código das Sociedades Comerciais – que permite a um sócio propor ação de responsabilidade civil a favor da sociedade contra gerentes ou administradores –, a presente ação apresenta diferente configuração tratando-se de uma mera ação de impugnação pauliana por parte do credor – D (…) Lda. – contra o respetivo devedor, aqui 1º Réu, e contra os atuais proprietários dos bens transmitidos.

E, para esta ação, aplicar-se-ão as regras gerais, ou seja, apenas o credor terá legitimidade para a instaurar, afigurando-se a autora R (…) por si própria (seja na qualidade de sócia seja como gerente) parte ilegítima.

Passemos agora à 2ª questão levantada pelos RR., relativamente ao facto de a propositura da ação não ter sido precedida por deliberação dos sócios, formalidade que em seu entender se impunha por força do artigo 246º, nº1, al. g) do CSC, o que, ao contrário do alegado pelos Apelantes não contende com a legitimidade da Sociedade/autora, enquanto pressuposto processual, mas com o pressuposto processual inominado a que se reporta o artigo 29º do CPC.

Segundo a citada al. g) do artigo 246º do CSC, dependem da deliberação dos sócios a proposição de ações pela sociedade contra gerentes, sócios ou membros do órgão de fiscalização, e bem assim a desistência e transação nessas ações.

Como sustenta J. Coutinho de Abreu[1], esta norma pressupõe que os sujeitos contra quem estas ações são propostas aparecem em posição orgânica (gerentes e membros do órgão fiscalizador) ou de socialidade (sócios) – enquanto titulares de órgão de administração e representação do órgão fiscalizador ou de participação social. Se aparecerem noutra qualidade (v.g., contrapartes da sociedade em contratos de compra e venda por eles não cumpridos), a propositura de ação sobre a sociedade não depende de deliberação dos sócios.

A presente ação – ação de impugnação pauliana contra o devedor – não se enquadra dentro da competência exclusiva dos sócios, não dependendo a sua propositura de qualquer prévia deliberação dos mesmos.

Improcedem assim, nesta parte, as conclusões dos Réus/Apelantes.


*

2. Se a decisão proferida em sede de embargos de executado – que julgou improcedente a pretensão de extinção da instância com fundamento na compensação do crédito exequendo com um seu crédito por suprimentos – tem força de caso julgado

Defenderam-se ainda os Réus/Apelantes na sua contestação alegando nada dever à autora/Sociedade, porquanto, por sentença transitada em julgada proferida no proc. nº1163/15.6T8CTB foi fixado àquela sociedade um prazo de 30 dias para proceder ao reembolso integral dos suprimentos prestados pelo executado no montante de 135.615,15 €, crédito este superior ao crédito da A. no valor de 43.962 €, valor relativamente ao qual pretendem ver compensado o seu crédito, formulando o correspondente pedido reconvencional.

A tal pretensão se opõem as autoras com a alegação de que, no âmbito da ação executiva 672/14.9T8CTB-B, foi proferida sentença que julgou improcedente a oposição à execução ali apresentada pelo aqui Réu J (...) , considerando como não provado que o mesmo tenha prestado suprimentos à sociedade no montante de 135.615,15 €, invocando assim a exceção de caso julgado relativamente à peticionada compensação.

A decisão recorrida vem a julgar procedente a invocada exceção de caso julgado, absolvendo as autoras da instância reconvencional, com a seguinte argumentação: “concluindo pela identidade de sujeitos processuais – são exatamente as mesmas partes tanto do lado activo como do lado passivo –; e pela causa de pedir – contracrédito do 1º Réu contra a sociedade autora e que aqui, por via da reconvenção, pretende operar como compensação. Aliás basta cotejar ambos os articulados para facilmente se concluir que a reconvenção aqui deduzida foi, no essencial, decalcada da P.I. dos embargos deduzidos naquela execução nº 672/14.9T8CTB. De igualmente se conclui pela igualdade dos pedidos”.

Insurgem-se os apelantes contra o decidido, invocando que a decisão ocorrida em sede de embargos tem força obrigatória dentro processo e nos limites contidos no nº5 do artigo 732º do CPC, alegando que aqui não se discute a existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda, mas se aquela “poderá ser compensada por crédito ou contra crédito numa ação declarativa fora da discussão dos embargos”.

Vejamos, então, qual o exato sentido da citada norma e se a mesma impede a admissibilidade da invocação da compensação na presente ação, face à decisão anteriormente proferida em sede de embargos de executado.

Tendo as aqui autoras instaurado a ação executiva nº 672/14.9T8CTB contra o aqui 1º Réu J (...) , para cobrança da “quantia de 5.669.500$00, aplicada em certificados de aforro, com a respetiva valorização que teve”, a que fora condenado no Proc. nº 25/94, tal executado veio aí deduzir oposição à execução, invocando a compensação com o seu crédito reconhecido pro sentença no processo 1163/15.6T8CBR, no qual foi fixado o prazo de 30 dias para a exequente sociedade proceder ao reembolso integral dos suprimentos prestados pelo executado no montante de 135.615,15 €, na sequência da qual nada deveria às exequentes.

Tal oposição à execução foi julgada improcedente, desde logo, por o embargante não ter logrado provar a existência do crédito de que se arrogava, determinando-se o consequente prosseguimento da execução.

Com a presente ação de impugnação pauliana – pela qual se impugnam determinados atos de alienação do património do 1º Réu – as autoras visam acautelar precisamente a satisfação do tal crédito exequendo da titularidade da Sociedade/autora – no valor de 5.669.500$00 aplicado em certificados de aforro, com a respetiva desvalorização, crédito este que lhe foi reconhecido por sentença proferida no âmbito do Proc. nº 25/94[2] –, que se encontra a ser objeto de cobrança coerciva na ação executiva nº 672/14.9T8CTB.

A questão que se coloca passa, assim, por determinar se o 1º réu J (…) que, na identificada execução, em sede de embargos de executado, viu improceder a sua pretensão a ver reconhecida a extinção do crédito exequendo por compensação com um crédito por suprimentos que lhe fora alegadamente reconhecido num outro processo, pode agora, na ação pauliana pela – qual se visa acautelar a garantia patrimonial da Sociedade/Exequente relativamente a tal crédito –, renovar a sua pretensão à compensação pelo aludido crédito, mediante a formulação de tal pretensão por via de reconvenção.

Configurando os embargos de executado uma ação de simples apreciação negativa, quando nela se veicula uma oposição de mérito à ação executiva, o pedido nela deduzido é de verificação da inexistência total ou parcial, do direito exequendo.

Nos embargos de executado que veiculam uma oposição de mérito a causa de pedir é constituída pela inexistência do facto constitutivo que funda o pedido deduzido na ação executiva ou pela existência de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do efeito por ele produzido[3].

A doutrina foi-se dividindo entre aqueles que circunscrevem ao processo executivo os efeitos do caso julgado formado nos embargos de executado, por estruturalmente e funcionalmente ligado àquele, e outros atribuindo à decisão de mérito neles proferida eficácia de caso julgado material.

O novo Código de Processo Civil veio dispor, no seu artigo 732º, nº5, que “a decisão de mérito proferida nos embargos à execução constituiu, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda”.

Tratando-se de um preceito novo, introduzido pela Lei nº 41/2013, de 26 de junho, e remetendo-nos para os “termos gerais” do caso julgado, veio por termo à querela surgida a tal respeito no domínio anterior: a decisão proferida em sede de embargos de executado tem força de caso julgado material[4].

Face à decisão proferida em sede de embargos, ficou indiscutido naquela execução que o executado/1º Réu não pode compensar o invocado crédito relativo a suprimentos no valor de 135.615,15 € – cuja existência nem sequer foi reconhecida – com o crédito exequendo.

Quanto aos efeitos fora desse mesmo processo, aplicar-se-ão “as regras gerais”, ou seja, necessário se torna a repetição da causa, definida pela verificação simultânea da tríplice identidade – sujeitos, causa de pedir e pedido (artigo 581º, nº1, CPC).

Na situação em apreço, o thema decidendum da presente ação não é exatamente o mesmo que nos embargos de executado, que têm por efeito principal a extinção da instância executiva, nos termos do artigo 734º, nº4, e por efeito secundário a simples apreciação negativa da existência, validade e exigibilidade da obrigação.

Na presente ação que apresenta um âmbito mais alargado – pretendendo-se com a mesma o reconhecimento de que a Sociedade Autora se pode fazer pagar relativamente ao seu identificado crédito por determinados bens que se encontram atualmente na esfera da titularidade de terceiros, com fundamento em que o 1º Réu procedeu à transmissão dos mesmos para evitar que eles respondessem perante os créditos de que a Sociedade autora é titular –, o 1º Réu contesta, voltando a invocar, entre outros fundamentos de oposição, a existência de um crédito a compensar, compensação esta que havia já sido fundamento dos embargos de executado e que aí vira improceder.

Assim sendo, entre os embargos de executado e a presente ação há de facto uma questão que se repete – existência de um contra crédito da titularidade do réu sobre a Sociedade/Autora, relativamente ao qual pretende obter a compensação – questão essa que foi tratada nos embargos de executado, não como thema decidendum mas unicamente como questão fundamental (eadem quaestio inter easdem personas), ou como causa de pedir, fundamento de tais embargos, pretensão esta que volta a ser formulada na pretensão mediante a dedução de reconvenção.

E, relativamente a tal questão, os sujeitos são inteiramente coincidentes – a execução e os respetivos embargos de executado correram entre as aqui autoras e o aqui 1º Réu, na qualidade de devedor, e, embora a presente ação de impugnação paulina seja instaurada contra o devedor, enquanto participante no ato impugnado, e igualmente contra os terceiros adquirentes dos bens, sobre os quais recai o “dever de restituição”, a compensação só pelo devedor pode ser invocada só ele possuindo legitimidade para a formular a titulo reconvencional (ou em sede de exceção).

Por outro lado, se é igualmente certo que o âmbito da presente ação é mais alargado do que objeto dos embargos de executado há uma questão que se repete nos seus exatos termos, como é salientado no despacho recorrido – relativa à existência de um crédito por suprimentos por parte do réu sobre a Sociedade/Autora e a possibilidade da sua compensação com o crédito cuja cobrança se encontra em causa na identificada execução – existindo uma coincidência entre a pretensão deduzida nos embargos e a pretensão que aqui se deduz em sede reconvencional, de extinção do crédito da sociedade autora por compensação com um seu alegado crédito por suprimentos.

E se dúvidas não restarão que relativamente a esta concreta questão se verificará a tal tríplice identidade, a dúvida que se coloca é se tal será suficiente para que a decisão de improcedência proferida relativamente a tal questão nos embargos, impeça a formulação de igual pretensão nos presentes autos.

Poderia, de facto, levantar-se a questão de os embargos se sujeitarem à regra própria de um meio de oposição a uma pretensão de uma parte ativa: segundo o nº2 do artigo 92º do CPC as questões suscitadas como meio defesa não constituiriam caso julgado fora do processo respetivo[5].

Contudo, como salienta Rui Pinto[6], o legislador – ao consagrar expressamente no artigo 732º nº5 que a decisão de mérito proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda – veio dar valor de caso julgado aos fundamentos de defesa atinentes à causa de pedir, em exceção às regras dos arts. 91º, nº2 e 621º.

Ora, se se aceita que o facto de o réu ver improceder a invocação da compensação, ainda que através da formulação de um pedido reconvencional, não o impede de formular nova ação para cobrança de tal crédito – precisamente porque na invocação da compensação, ainda que em sede de reconvenção, a existência do contra crédito é mero fundamento do pedido e não objeto do pedido[7] –, aqui o crédito do réu volta a ser invocado exatamente para a obtenção do mesmo efeito, de conseguir obter desse modo a extinção do crédito exequendo por compensação.

Como sustenta Rui Pinto[8], embora a sentença de improcedência dos embargos (caso julgado negativo) não defina a situação jurídica controvertida de modo absoluto e excludente, se o executado vir julgados improcedentes os embargos fundados em extinção da dívida por pagamento, não se pode concluir, com força de caso julgado implícito que a divida existe; mas poder-se-á concluir que a dívida não está extinta por aquele fundamento.

A causa de pedir ganha um especial relevo em caso de improcedência dos embargos: enquanto em caso de procedência se constitui caso julgado absoluto – fica definitivamente assente que o crédito exequendo se extinguiu –, no caso de improcedência forma-se, tão só, caso julgado relativo, ficando definitivamente assente que o direito exequendo não se extinguiu pela compensação (ou pela concreta causa de pedir aí invocada).

A sentença de mérito proferida nos embargos forma caso julgado material que impede a propositura de uma nova ação, ação de repetição do individuo fundada em idêntica causa de pedir, impedimento que só não se mantém se for proposta ação de apreciação ou de condenação baseada em outra causa de pedir[9].

A questão da extinção do crédito da Sociedade/autora por efeito da compensação com um seu alegado crédito por suprimentos, que constituiu fundamento dos embargos de executado e que vieram a ser julgados improcedentes, desde logo, por falta de prova da existência de tal crédito, não poderá ser, de novo, objeto de um pedido reconvencional por parte do Réu na presente ação.

Conclui-se, assim que a decisão proferida nos embargos relativamente a tal questão constitui, sem dúvida, caso julgado em relação ao primeiro Réu, não podendo ser por si de novo suscitada nos presentes autos. 

 A apelação será de proceder parcialmente.

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação parcialmente procedente e, revogando-se parcialmente a decisão recorrida, julga-se a autora R (…) parte ilegítima, confirmando-se, no mais, a decisão recorrida.

Custas pelos Apelantes e pelos Apelados, na proporção a fixar afinal.              

                                                                Coimbra, 28 de maio de 2019


V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.
1. Ao contrário do que dispõe o art. 77º CSC para a ação de responsabilização de gerentes a favor da sociedade, para a ação de impugnação pauliana apenas a sociedade credora tem legitimidade ativa.
2. Fora da execução a decisão proferida em sede de embargos de executado tem força de caso julgado material nos termos gerais, pressupondo a verificação da tríplice identidade – quanto aos sujeitos, à causa de pedir e ao pedido.
3. Julgados improcedentes os embargos deduzidos com fundamento na existência de um crédito a compensar, tal decisão tem força de caso julgado material, impedindo o executado/embargante de, na subsequente ação de impugnação pauliana, voltar a invocar tal compensação pela via reconvencional.


Maria João Areias ( Relatora )
Alberto Ruço
Vítor Amaral


[1] “Código das Sociedades Comerciais em Comentário”, IDET, Coord. Jorge Coutinho de Abreu, Vol. IV, Almedina, p. 16.
[2] Embora no artigo 3º da P.I. se faça a alusão a um outro crédito ilíquido que lhe terá sido reconhecido no âmbito de uma outra ação – uma indemnização em montante a fixar em liquidação de sentença e limitada aos prejuízos acumulados pela sociedade em causa desde 1995, em valor nunca inferior a 150.000 € –, constata-se que as autoras acabam por não retirar qualquer consequência de tal alegação, acabando por reportar a impugnação dos actos em causa unicamente à satisfação da garantia patrimonial do crédito reconhecido no Proc. 25/94, em execução coerciva no Ação Executiva 672/14.
[3] José Lebre de Freitas, “Concentração da Defesa e Formação de Caso Julgado em Embargos de Executado”, artigo publicado in Estudos de Direito Civil e processo Civil”, Coimbra Editora, p.458.
[4] Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, “Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, Os Artigos da Reforma, 2014, Vol. II, Almedina, p. 253.
[5] Como refere Castro Mendes, a invocação de uma exceção proprio sensu não altera o thema decidendum, pelo que com a invocação do seu “contradireito” o reu pretenderia apenas atacar os efeitos do direito do autor, tal como se invocasse o pagamento ou negasse a verificação ou a eficácia da causa de pedir.
[6] A Ação Executiva, AAFDL Editora, p. 433.
[7] João de Castro Mendes, pp. 193-194.
[8] “A Ação Executiva”, p. 435, nota
[9] José Lebre de Freitas, “Concentração da Defesa (…)”, p. 459.