Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1014/08.8TMCBR-P.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
INCIDENTE DE INCUMPRIMENTO
REGIME DE VISITAS
Data do Acordão: 10/22/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:
TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JUÍZO FAM. MENORES - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART 41 RGPTC ( LEI Nº 41/2015 DE 8/9)
Sumário: 1. - O processo de incumprimento de regulação do exercício de responsabilidades parentais constitui uma instância incidental, relativamente ao processo principal (de regulação dessas responsabilidades), destinada à verificação quanto a uma situação de incumprimento culposo/censurável de obrigações decorrentes de regime parental estabelecido, bem como à realização de diligências tendentes, designadamente, ao cumprimento coercivo.
2. - Havendo recusa de menor em se sujeitar às visitas ao seu progenitor, haverão de ser apuradas as razões desse comportamento de rejeição da figura paterna, para o que é adequada prova técnica/psicológica que capte os aspetos psicológicos/emocionais da menor, bem como a sua dinâmica familiar e eventuais constrangimentos aí existentes.

3. - Apurado que a recusa da menor assenta numa visão da figura paterna como violenta, em consequência de diversas agressões à mãe da menor, presenciadas por esta, o que a levou a perder a confiança no pai e a ter medo dele, perceção que o acompanhamento especializado da menor não logrou alterar, não é exigível à mãe que obrigue a filha ao contacto que ela perentoriamente rejeita, não podendo a menor ser violentada na sua vontade, a tal se opondo o critério do superior interesse da criança ou do jovem.

4. - Nesse caso não encontra fundamento a conclusão de direito no sentido de o incumprimento do regime de visitas ser imputável à mãe, não se mostrando que esta tenha meios para poder persuadir a menor e vencer a sua resistência, pois que esta última, atenta a sua idade, tem a sua personalidade e vontade própria.

5. - Ainda que se conclua por uma situação de incumprimento imputável, numa ocasião, à mãe da menor, não deve esta, apurada aquela rejeição da filha face à figura paterna, ser condenada a assegurar o cumprimento do direito de visita do pai, o que só se conseguiria violentando o querer da menor, forçando-a ao arrepio do seu superior interesse, sendo este que cabe garantir.

Decisão Texto Integral:

















Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

***


I – RELATÓRIO

A (...) , com os sinais dos autos,

pai da menor B (...) ,

veio suscitar, quanto a esta sua filha, o incidente de incumprimento das responsabilidades parentais contra a mãe,

C (...) , também com os sinais dos autos,

pedindo a condenação da Requerida a assegurar o cumprimento do direito de visita ao Requerente, se necessário coercivamente, a facultar-lhe toda a informação mensal relativa à atividade de ginástica e a não marcar férias que possam implicar um período de um mês de ausência de convívio entre o Requerente e a menor.

Para tanto, invocou ([1]) que:

- nos dias 15/02/2014 (sábado) e 25/04 (sábado) se deslocou a casa da Requerida para ir buscar a filha B (...) , a fim de passar com ela o fim de semana, mas ninguém atendeu;

- em quartas-feiras em que a B (...) deveria estar com o pai também não esteve;

- os seus planos de fim de semana com a filha são gorados por a menor ter aulas ou torneios de ginástica, visto a Requerida não o informar de tais atividades;

- acresce que a Requerida, na marcação das suas férias com a menor B (...) , provoca, intencionalmente, que o Requerente não veja a filha durante mais de um mês.

Notificada, a Requerida, impugnando o alegado pela contraparte, invocou, por sua vez, que:

- na véspera do dia 25/04/2014 foi agredida pelo Requerente, encontrando-se então a Requerida em convalescença, na sequência de uma cirurgia a que havia sido submetida;

- as visitas às quartas-feiras têm sido um suplício para a menor, sendo que o Requerente só ocasionalmente exerce este seu direito, fazendo-o de forma perturbadora para a rotina e bem-estar da filha;

- no dia 06/05/2015 foi a direção da escola que determinou a não entrega da B (...) ao pai, depois de esta ter relatado uma agressão do progenitor à progenitora à sua frente;

- comunica via correio eletrónico as informações da ginástica da filha e que as mesmas estão disponíveis no sítio da internet do “A(…)”, pelo que o Requerente tem acesso à informação adequada.

Pugnou, assim, pela inexistência dos incumprimentos alegados.

Em conferência de pais, não se alcançou acordo, tendo as partes sido notificadas para alegarem.

A requerida alegou, defendendo a total improcedência do incidente de incumprimento.

O Requerente não apresentou alegação.

O Ministério Público (M.º P.º) pronunciou-se pela improcedência do incidente.

Não se alcançando acordo entre os pais, foi solicitada a avaliação da menor, com vista a apurar o seu real sentir quando verbaliza não pretender estar com o pai e, em especial, se tal vontade é genuína ou, pelo contrário, é influenciada pela progenitora.

Foi depois proferida sentença – datada de 30/05/2019 –, com o seguinte dispositivo:

«Pelo exposto, declarando o incumprimento do regime de convívio no dia 15/2/2014, absolvo a requerida C (...) pedido formulado por A (...) de condenação daquela a assegurar o cumprimento do direito de visita.».

Desta sentença veio o Requerente, inconformado, interpor o presente recurso, apresentando alegação e as seguintes

Conclusões

(…)

A Requerida não apresentou contra-alegação de recurso.

Também o M.º P.º não contra-alegou.


***

O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos incidentais e com efeito meramente devolutivo, tendo sido ordenada a extração da certidão requerida e a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido o regime e efeito assim fixados.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.


***

II – ÂMBITO DO RECURSO

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([2]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor e aqui aplicável (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 ([3]) –, importa saber ([4]):

a) Se a sentença padece nulidade por omissão de pronúncia (cfr. conclusões XXXII a XXXVI, reportadas à não apreciação de factos alegados);

b) Se ficou o Recorrente impedido de produzir prova, que fosse relevante para formação da convicção quanto a factos por si impugnados no recurso;

c) Se deve proceder a impugnação da decisão da matéria de facto;

d) Se ocorre incumprimento do regime de visitas imputável à Recorrida mãe, devendo proceder a pretensão incidental, com a inerente condenação daquela.


***

III – FUNDAMENTAÇÃO

          A) Nulidade da sentença por omissão de pronúncia

Sob as conclusões XXXII a XXXVI do Apelante, este argui a nulidade da sentença a que alude o art.º 615.º, n.º 1, al.ª d), do NCPCiv., isto é o vício de omissão de pronúncia, com reporte à não apreciação de factos alegados.

Resulta daquele art.º 615.º, n.º 1, al.ª d), que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou, inversamente, conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Vêm entendendo, de forma pacífica, a doutrina e a jurisprudência que somente as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o thema decidendum, ou que dele se afastam, constituem verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista nesse preceito legal.

De acordo com Amâncio Ferreira ([5]), “trata-se de nulidade mais invocada nos tribunais, originada na confusão que se estabelece com frequência entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos no decurso da demanda”.

E, segundo Alberto dos Reis ([6]), “são na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”.

Já Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes ([7]), por sua vez, referem que “a observação da realidade judiciária mostra que é vulgar a arguição da nulidade da decisão”, sendo que “por vezes se torna difícil distinguir o error in judicando – o erro na apreciação da matéria de facto ou na determinação e interpretação da norma jurídica aplicável – e o error in procedendo, como é aquele que está na origem da decisão”.

Por seu turno, Antunes Varela ([8]) esclarece,
em termos de delimitação do conceito de nulidade da sentença, face à previsão do art.º 668.º do CPCiv., que “não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário (…) e apenas se curou das causas de nulidade da sentença, deixando de lado os casos a que a doutrina tem chamado de inexistência da sentença”.

Na nulidade aludida está em causa o uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de se pretender conhecer de questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não se tratar de questões de que deveria conhecer-se (omissão de pronúncia). São, sempre, vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afetada.

Como já se mencionou, para apuramento quanto ao vício de omissão (ou excesso) de pronúncia cabe perspetivar as questões em sentido técnico, só o sendo os assuntos que integram o thema decidendum, ou que dele se afastam, só esses constituindo verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer.

Assim, não são, obviamente, questões para este efeito os factos (alegados ou provados), nem os argumentos apresentados pelas partes, nem as razões em que sustentam a sua pretensão ou defesa, nem as provas produzidas, nem a apreciação que delas se faça em termos de formação da convicção do Tribunal.

Ora, dito isto, o Apelante retira – se bem se interpreta o seu acervo conclusivo, sendo que a sua alegação nada mais clarifica – a nulidade que invoca da circunstância de a decisão recorrida não ter emitido pronúncia (de “provado” ou de “não provado”) sobre determinados factos por si alegados.

Assim, o vício assacado é o de se ter desconsiderado, no plano probatório, o dito material fáctico alegado, entendido como relevante para demonstração de situações de incumprimento.

Porém, como já referido – e se reitera –, não são questões para este efeito os factos alegados, nem os argumentos apresentados pelas partes, nem as razões em que sustentam a sua pretensão ou defesa, nem as provas produzidas.

A omissão de factos, em vez de configurar causa de nulidade da sentença (vício formal desta), poderá, caso se trate de factualidade relevante, desencadear – isso, sim – o mecanismo processual previsto no art.º 662.º, n.º 2, al.ª a), do NCPCiv., traduzido na ampliação da matéria de facto, com anulação da decisão, no âmbito da modificabilidade da decisão de facto.

Em suma, improcede a invocada causa de nulidade da sentença.

B) Matéria de facto

1. - Da impugnação da decisão da matéria de facto

Da leitura das conclusões do Apelante verifica-se que este pretende impugnar a decisão da matéria de facto, por via de erro de julgamento de facto, convocando, para tanto, prova documental.

Começa por invocar que, contrariamente ao decidido, deveria ter sido dado como provado “o incumprimento datado de 25/04/2015, pois o mesmo encontra-se devidamente documentado nos autos”, com reporte ao “auto de notícia” do “Apenso N- datado de 11.05.2015” (conclusões VIII e IX), pedindo, a final, a emissão de certidão desse documento.

E, efetivamente, da certidão junta ao processo eletrónico (certidão datada de 27/09/2019 e incorporada nessa mesma data), consta “auto de notícia” da PSP “(NPP180853/2015) constante do apenso N, sob Ref.ª 1033760, de 11-05-2015”, o qual se refere a factos ocorridos em “2015-04-25”, no período entre as “10:00h” e as “10:24h”, tendo, no local ali identificado ((…) a residência da Requerida mãe), sido prestada informação pelo Requerente pai – àquela entidade policial – que deveria ter recebido a menor B (...) pelas 10,00 horas, não tendo, porém, obtido qualquer tipo de resposta.

Assim, ante tal prova documental, o facto da al.ª a) do factualismo não provado, deve ser suprimido e transposto para a factualidade provada, com o seguinte teor:

«27. Em 25/04/2015, pelas 10 horas, o Requerente dirigiu-se a casa da requerida para ir buscar a filha, mas não o conseguiu.».

Obviamente, não poderá dar-se como provado “o incumprimento” alegado (cfr. conclusão IX), pois este traduz matéria conclusiva/valorativa, que não pode ter assento na parte fáctica da sentença (vide art.º 607.º, n.ºs 3 a 5, do NCPCiv.), apenas podendo ser indagado em sede de fundamentação de direito.

Procede, pois, parcialmente esta parcela impugnatória do Apelante.

Este pretende ainda que deveria a 1.ª instância ter-se pronunciado sobre os factos referentes ao “incumprimento” ocorridos em 27/08/2014 e 10/09/2014, convocando, como prova, autos policiais “que se encontram no Apenso L” (cfr. conclusões X a XII), afirmando o Recorrente que se trata de “factos alegados em sede de petição de incumprimento”, clarificando que se encontram “referidos na petição sob o n.º 10” (cfr. conclusão X).

Ora, no convocado art.º 10.º da petição do Requerente (a petição destes autos) não são, salvo o devido respeito, alegados quaisquer factos, e muito menos factos ocorridos em 27/08/2014 e 10/09/2014, posto ali apenas vir alegado, na sequência do exposto no antecedente art.º 9.º (onde se alude ao clausulado sob a “cláusula n.º 2.2, da Regulação das Responsabilidades Parentais”, quanto ao “Direito de convívio regular / organização dos tempos da criança”, podendo o pai, “de forma quinzenal”, “ir buscar a filha – a partir das 17 horas – às 4.ªs feiras ao estabelecimento de ensino que ela frequenta”), o seguinte:

«Nestes sentido, veja-se os NPP da PSP n.º 375864/2014 e 397455/2014, fls 183, 184, 186, Apenso M, fls 183, 184, 186.».

Assim, não alegada a factualidade que o Recorrente agora invoca ([9]), tem de improceder, nesta parte, a empreendida impugnação da decisão da matéria de facto.

Pugna também o Recorrente pela inversão do juízo de “não provado” para “provado” quanto à al.ª c) do factualismo dado como não provado.

É o seguinte o teor dessa al.ª, que obteve resposta negativa:

«c- que a requerida marque 16 dias de férias com a filha no verão, privando o requerente de estar com ela durante mais de um mês.».

Como refere o impugnante, está provado, sem controvérsia, que:

«12. Por despacho de 11/7/2014 foi determinado que o período de férias da B (...) com o pai decorreria até 22/7/2014 inclusive e que o período de férias com a mãe decorreria de 2 a 17/8/2014 inclusive.».

Assim, é inequívoco que, em 2014, o período de férias com a mãe decorreria de 2 a 17/8/2014 inclusive.

Neste plano, refere o impugnante que no dia 27/08/2014 “foi a casa da mãe para ir buscar a menor, Quarta Feira, e não teve sucesso” (cfr. conclusão XXIII), período que extravasa o aludido clausulado quanto a férias.

E é com base no ocorrido nesse dia (27/08/2014) que, se bem se entende, pretende a dita alteração do juízo probatório.

Ora, na petição o Requerente referiu que “a Requerida marcou as suas férias desde o dia 2 ao dia 17 de Agosto” (cfr. art.º 46.º), o que está em sintonia com o clausulado mencionado, não fazendo, porém, qualquer menção a um eventual incumprimento no dia 27/08/2014 (cfr. art.ºs 47.º a 60.º), que está fora do período de férias estipulado.

Defendendo, neste horizonte, que ocorre “incumprimento por parte da Requerida no que toca à marcação do direito de férias, procedendo à marcação de 16 dias e não de 15 conforme o acordado” (art.º 59.º), acarretando “um lapso de 1 mês e 6 dias que este Pai está sem ver a sua filha” (art.º 60.º), não se vê onde esteja o abuso (incumprimento) no que tange ao direito a férias da Requerida, se o próprio Requerente defende que aquela, como determinado, tinha o período de férias com a filha de 2 a 17/8/2014, o que aquela observou (dito art.º 46.º da petição), sendo que, por outro lado, o aludido dia 27/08/2014, que não é mencionado na petição, se situa fora do período de férias.

Em suma, não se vê como tenha ocorrido, quanto ao ano de 2014,  erro do Tribunal a quo ao dar como não provado que a Requerida, marcando 16 dias de férias com a filha no verão, tenha privado o Requerente de estar com ela durante mais de um mês.

Donde que, não podendo alterar-se o juízo probatório, haja a impugnação de improceder também nesta parte.

Resta a “censura” a que se reportam as conclusões XXV a XXVII, com relação ao ocorrido em 06/05/2015, que “na óptica do Tribunal não pode ser imputado à recorrida porque foi uma decisão do estabelecimento de ensino” (conclusão XXV), mas que, para o Apelante, só pode dever-se “a uma orientação manifestada pela mãe da menor” (conclusão XXVI).

Nesta parte, vem provado que:

«17. No dia 6/5/2015 o requerente dirigiu-se à escola frequentada pela filha para a ir buscar, o que lhe foi negado por ordens da Direcção da escola.».

O Apelante não esclarece qual a alteração pretendida a este concreto ponto fáctico, antes parecendo insurgir-se já contra a fundamentação de direito, onde o Tribunal a quo refere:

«Neste quadro, não correspondia minimamente ao interesse da B (...) o restabelecimento do convívio com o requerente, o qual lhe seria absolutamente imposto, pelo que importa retirar o juízo de censura, de culpa, em relação à requerida, que o requerente pretende ver declarado no que troca aos dias 6/5/2015, 3/6/2015 e 6/6/2015.

Mais, a ausência de convívio no dia 6/5/2015 até terá sido uma decisão de terceiros – a Direcção da escola -, que não da requerida !».

Assim, parece, salvo o devido respeito, que, nesta parte, o Recorrente entra já na sua censura à decisão de direito, matéria que oportunamente se apreciará.

De qualquer modo, não esclarece qual a concreta alteração que pretendesse ao dito ponto 17 dos factos provados, não apresentando redação alternativa e não observando, assim, o ónus legal a que alude o art.º 640.º, n.º 1, al.ª c), do NCPCiv., o que determina a improcedência desta parcela impugnatória ([10]).

2. - Quadro fáctico da causa 

2.1. - Factos provados

Decidida a impugnação da decisão da matéria de facto, com a decorrente alteração operada pela Relação, é a seguinte a factualidade provada:

1. B (...) nasceu em 16/9/2003, em (...) , (...) , e é filha da requerente e do requerido.

2. Os pais da B (...) casaram um com o outro em 27/1/2001, tendo sido decretado o divórcio por sentença de 15/10/2009.

3. Por decisão de 14/7/2009 foi regulado o exercício do poder paternal relativamente à B (...) nos seguintes termos:

- As responsabilidades parentais serão exercidas pela mãe da menor, a ela se entregando a guarda da filha.

- O pai terá consigo a menor, quinzenalmente, aos fins-de-semana (desde Sábado a 2ª feira), indo buscar e levar a menor, respectivamente, ao sábado e segunda-feira, a casa da mãe (pelas 10 horas de sábado) e ao estabelecimento de ensino frequentado pela criança (até às 9h30m de 2ª feira);

- Também de forma quinzenal, o pai poderá ir buscar a filha - a partir das 17 horas - às 4ªs feiras ao estabelecimento de ensino que ela frequenta, fazendo-a regressar a casa da mãe até às 21 horas e 30 minutos, em época de férias, e até às 20h45m, na época escolar.

- No Natal, a menor passará a véspera de Natal (entendendo-se como tal o período que medeia entre as 12.00 horas do dia 24 de Dezembro e as 12.00 horas do dia 25 de Dezembro), e o dia de Natal (entendendo-se como tal o período que medeia entre as 12.00 horas do dia 25 de Dezembro e as 12.00 horas do dia 26 de Dezembro), alternadamente com a mãe e com o pai.

- No Fim de Ano, a menor passará o dia da passagem de ano (entendendo-se como tal o período que medeia desde as 12.00 horas do dia 31 de Dezembro até às 12.00 horas de dia 1 de Janeiro), e o dia de Ano Novo (entendendo-se como tal desde as 12.00 horas de dia 1 de Janeiro até às 12.00horas do dia 2 de Janeiro), alternadamente com a mãe e com o pai.

- Quanto à Páscoa, a menor passará a Sexta Feira Santa (entendendo-se como tal o período que medeia entre as 12.00 horas da referida sexta feira e as 12.00 horas de sábado), e o dia de Páscoa (entendendo-se como tal o período que medeia entre as 12.00 horas de sábado e as 12.00 horas de Domingo de Páscoa), alternadamente com a mãe e com o pai, sendo que no ano de 2010, a Sexta Feira Santa será passada com o pai e consequentemente o dia de Páscoa com a mãe.

- No período de férias de Verão, a menor passará15 dias com cada progenitor, em período a ajustar entre ambos até ao dia 15 de Abril de cada ano civil, data até à qual a mãe comunicará ao pai o seu período pretendido.

- A menor passará o respectivo dia de aniversário (16/9) com ambos os progenitores, partilhando cada uma das refeições principais (almoço e jantar) com cada um deles, começando este ano a almoçar com a mãe e a jantar com o pai, alternando nos anos seguintes.

- A menor jantará no dia de aniversário de cada um dos progenitores como respectivo aniversariante.

- Nos períodos de épocas festivas, de férias escolares e outros períodos festivos compete ao progenitor que goze da companhia da menor ir buscá-la elevá-la à residência do outro progenitor, devendo, sempre que possível, ser o irmão D (...) o intermediário da entrega da menina ao pai (em início de espaço de convívio) e à mãe (em regresso de espaço de convívio).

- O pai pagará, a título de pensão de alimentos, a quantia mensal de €200 (duzentos euros), sujeita a actualização anual resultante da aplicação da taxa de inflação publicada pelo INE e referente ao ano civil anterior.

- O pagamento será efectuado por transferência bancária, para a conta bancária da Mãe (NIB (…)), até ao dia 20 do mês a que disser respeito.

- As despesas escolares, as despesas extraordinárias de saúde e as despesas relacionadas com as actividades extracurriculares que a menor frequente ou venha a frequentar serão suportadas em partes iguais por ambos os progenitores, pagando o pai a sua comparticipação, por transferência bancária, dez dias após a apresentação pela mãe dos respectivos comprovativos de despesas.

4. Na altura ficou determinado que o regime de convívio estipulado fosse reavaliado de dois em dois meses, devendo a EMAT- (...) supervisionar este convívio, remetendo a este foro relatórios bimestrais para efeitos dessa avaliação contínua e superveniente. Para esse fim, devia a EMAT- (...) escolher dois técnicos com formação em Psicologia.

5. A fundar o decidido foram apurados os seguintes factos (além de outros, sem relevo para o que ora se decide):

- Os pais da B (...) encontram-se separados de facto desde 16 de Setembro de 2006, altura em que a requerente saiu de casa acompanhada de sua filha, tendo logo intentado a presente acção, a qual dá entrada em juízo, no dia 18/9/2006.

- Antes da separação de facto entre requerente e requerido, foram muitas as discussões e agressões deste à primeira presenciadas pela B (...) .

- Na altura da separação, a B (...) frequentava o Colégio de (...) .

- Receando que o marido raptasse a filha, a requerente, nessa altura, suspendeu temporariamente a frequência da filha no Colégio referido, deixando a filha ao cuidado da avó materna, ficando ambas fechadas em casa durante quase 3 meses.

- No dia da 1ª conferência marcada nos autos (29/11/2006), a menor foi confiada à guarda e cuidados de sua mãe, a quem foi provisoriamente atribuído o exercício do poder paternal.

- Nova conferência veio a realizar-se em 9/3/2007, tendo aí sido fixado o seguinte regime provisório, assente a inexistência de acordo entre as partes quanto ao fundo da causa:

a. a menor fica confiada à guarda e cuidados da mãe, que sobre ela exercerá o poder paternal;

b. o pai poderá estar com a menor todos os domingos, das 11horas às 19 horas, indo buscá-la a casa da mãe, sendo que a menor será entregue ao irmão D (...)

c. o pai contribuirá com a quantia de € 200 mensais, a título de pensão de alimentos.

- Ao longo do processo, foram ensaiadas formas de reaproximação da B (...) a seu pai, estando hoje a menor a pernoitar em casa deste de domingo para segunda-feira.

- O requerido foi condenado, por decisão agora transitada em julgado, porque confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, na pena de um ano e cinco meses de prisão, suspensa na sua execução por 3 anos, pela prática, na pessoa de sua mulher C (...) , de um crime de maus tratos a cônjuge.

- Existe um péssimo relacionamento entre o requerido e a requerente, alargada às respectivas famílias.

- A requerente tem uma ligação afectiva muito forte à filha, em função de quem vive, tendo sido sempre ela que exerceu os cuidados básicos para com a menor, comparecendo sozinha às consultas médicas, organizando as festas de aniversário da mesma e indo sozinha às festas do Colégio da menina.

- Ainda hoje a menor dorme na cama da mãe, embora adormeça em regra na sua cama, dormindo hoje também muitas vezes na cama do pai, adormecida pelo irmão D (...)

- A requerente tem sido sempre muito apoiada pela sua mãe na tarefa de cuidar da filha.

- O requerido é uma pessoa instável e conflituosa e que bebe em demasia em algumas ocasiões.

- O requerido fala por vezes de forma muita agressiva para com o filho D (...)

- Durante muito tempo, a B (...) mostrou renitência em conviver como pai, sobretudo, na fase da entrega ao progenitor, dizendo que não queria ir com ele, o que se foi esbatendo com o tempo, sobretudo a partir da altura em que houve a mediação da EMAT- (...) na entrega da menina ao pai (mediação essa que durou de Maio a Novembro de 2008), acabando a menina por ir com o pai de forma alegre e descontraída.

- Consta o relatório da avaliação psicológica feita pelo INML aos progenitores da B (...) , nele se tendo escrito que:

a. Os dados da avaliação não revelam nos examinados a presença de psicopatologia relevante nem padrões de comportamento indicadores de disfuncionalidade a nível psicológico;

b. Estivemos perante um casal em que cada um dos elementos possui características pessoais que lhes permitem assegurar o exercício da parentalidade, pelo que o que estará em causa neste processo será apenas a capacidade de comunicação interpessoal e na gestão de conflitos (…).

- O Departamento de Pedopsiquiatria e Saúde Mental Infantil e Juvenil de (...) acompanhou a progenitora da B (...) , continuando a requerente a manter o acompanhamento por tal instituição.

- A EMAT- (...) , em 19 de Julho de 2008, opinou que nada obstava a que a B (...) pudesse ser autorizada a pernoitar em casa do pai.

- A EMAT- (...) ouviu em declarações a Directora do Colégio da B (...) no dia 17/7/2008, a qual referiu que “tinha muita pena da B (...) , pois é uma menor de muito difícil comunicação, pouco acessível, mas que a B (...) desde que voltou a estar com o pai, tem estado muito mais comunicativa, aberta e extrovertida”.

- A EMAT- (...) opina em 24/7/2008 que “apesar de uma manifesta rejeição inicial às visitas, que se prolongou por algum tempo, a B (...) tem, no curto espaço que nos é percebido nas entregas às quartas-feiras, evidenciado uma crescente proximidade afectiva ao pai e ao irmão”.

- Em 21/10/2008, foi fixado pelo tribunal um período experimental relativamente ao convívio da menor com o pai, a decorrer até 31/12/2008, a saber:

a. A menor B (...) passará a pernoitar em casa do pai aos domingos, iniciando-se tal período em 2/11/2008. Para tanto, o pai irá buscá-la às 11 horas da manhã a casa da mãe, levando-a na segunda-feira de manhã ao colégio;

b. às quartas-feiras à tarde, o pai passará a ir buscar a menor ao colégio, respeitando os horários das actividades curriculares da menor, devendo entregá-la em casa da mãe nos horários já estabelecidos.

- O Serviços de Violência Familiar do CHP de (...) acompanhou a requerente, tendo concluído que “a C (...) tem dificuldade em separar a relação conjugal da relação parental e dificuldade em descentrar-se do processo de regulação do poder paternal, opinando-se que ela “beneficiaria de um acompanhamento individual/grupal, de modo a ter um espaço onde possa reflectir sobre toda a sua história de vida e acerca de todos os aspectos com os quais ainda tem dificuldade em lidar e lhe causam sofrimento”.

- O Serviços de Violência Familiar do CHP de (...) acompanhou o requerido, tendo concluído que o A (...) :

a. “tem uma enorme necessidade de controlo, dos outros e das situações, sendo muito inflexível na leitura que faz do mundo e das pessoas que o rodeiam;

b. sente-se mais confortável quando as coisas são como ele as lê e as vê”, apresentando dificuldades em admitir leituras e opiniões diferentes da sua;

c. apresenta dificuldades em colocar-se no lugar do outro e em perceber outras perspectivas que não as dele;

d. demonstra arrogância e atitudes altivas;

e. pontua, em situações de crise, a incompetência do outro;

f. é impulsivo, embora por vezes aparente alguma teatralidade e exagero na expressão emocional;

g. assume, por vezes, uma imagem social de “l’enfant terrible” que gosta de manter associada a uma crença de que é único e especial;

h. revela ter relações interpessoais intensas e instáveis”.

- Nesse relatório, tal Serviço propõe a participação do requerido em “intervenção individual? Grupal? (psicoeducativa?; psicoterapêutica?”), devendo adquirir uma maior flexibilidade no relacionamento com o outro.

- No relatório, o Serviço referido deixa escrito o seguinte: “parece que ambos se alimentam deste processo e usam os serviços para perpetuar esta dinâmica entre ambos (metáfora dos matraquilhos)”.

- A B (...) ultimamente, tem sido vista em casa do pai contente e sem sinais de tristeza.

- A requerente tem um apego considerado exagerado à B (...) , estando a ser acompanhada no sentido da libertação emocional entre ambas.

6. Em Setembro de 2009 a EMAT informa que o regime de convívio era cumprido pelos progenitores, embora ambos lhe apontassem diferentes desvantagens para a filha; em Novembro de 2009 a EMAT informa que o regime de convívio entre pai e filha era cumprido por ambos os progenitores; e em Março de 2010 informa que a B (...) havia normalizado os convívios com o pai no regime fixado, que era cumprido.

7. A condenação do requerido pelo crime de maus tratos a cônjuge, referida no ponto 5, fundou-se nos seguintes factos provados (entre outros):

- No dia 11/3/99 foi a ora requerente assistida no serviço de urgência dos HUC em consequência de uma agressão física a nível da cervical de que foi vítima por parte do ora requerido, ocorrida havia 2 meses ;

- Em 5/2/2000 foi a ora requerente assistida no serviço de urgência dos HUC em consequência de agressões do ora requerido, praticadas nesse dia e havia uma semana, tendo apresentado escoriação na região geniana esquerda, equimoses nas vertentes esquerda e direita da pirâmide nasal, dificuldades em deglutir, dor à palpação no pescoço, e lesões de arranhadela, cotovelo direito com cicatriz de lesão com crosta, equimoses em ambos os antebraços e escoriação ligeira no antebraço esquerdo, pequenas escoriações nos pulsos e mãos, algumas em fase de cicatrização, escoriação no joelho direito e equimose no joelho esquerdo, cabelos sobre a roupa (aparentando terem sido arrancados à própria) e marcas sugestivas de contacto com o solo, no tórax dor à palpação na grelha costal esquerda;

- em 28/12/2004, o ora requerido, na residência do casal, situada no 6º andar, tentou atirá-la pela janela da sala, tendo a ora requerente conseguido segurar-se, pelas mão e pelos pés, e evitando a consumação daquele propósito, sendo assistida nos HUC, apresentando escoriações nos membros inferiores, hematoma craniano e escoriações na face;

- No dia 29/7/2006 cerca das 2 horas, o ora requerido, na residência de ambos, na sequência de mais uma discussão, agrediu a ora requerente atirando-a contra uma parede, desferindo-lhe bofetadas e apertando-lhe o pescoço, num cenário de enorme violência, estando presentes e envolvidos ambos os filhos do requerido – o requerido tirou à força a B (...) dos braços da ora requerente quando esta disse que se ia embora;

- na sequência desta agressão foi a ora requerente assistida nos HUC;

- No dia 15/9/2006, cerca das 17:30 hora, depois de a ora requerente ter comparecido na esquadra da PSP para prestar declarações, na residência de ambos, o ora requerido, aparentando encontrar-se já embriagado e quando a ora requerente tinha a filha B (...) ao colo, desferiu-lhe duas bofetadas ao mesmo tempo que dizia «estás fodida, nem sabes no que te meteste, mato-te a ti e à puta da tua filha»;

- porque no dia seguinte voltou a ser ameaçada, decidiu sair de casa com a filha B (...) para a de seus pais, que a acolheram;

- por diversas vezes se viu a ora requerente obrigada a fugir de casa com a sua filha, durante a noite, para a de seus pais, para se pôr a salvo da fúria do ora requerido, da sua violência e dos destemperos verbais;

- no dia 24/12/2006, o ora requerido, quando a ora requerente se dirigia de carro a (...) , na companhia da sua mãe e da filha B (...) , para passarem a consoada, foi abordada pelo ora requerido que lhe barrou o carro, tendo de imediato começado a proferir ameaças e insultos, vociferando «puta de merda , eu mato-te a ti e à puta da tua filha, pego nela e levo-a para o estrangeiro», ao mesmo tempo que dava murros no carro cujas portas a ora requerente trancara ao vê-lo e onde se encontrava a menor que gritava e chorava, apavorada.

8. Em 17/12/2007 foi homologado o acordo dos pais da B (...) no sentido de o pai, juntamente com o irmão, poder ir buscar a menor ao infantário, todas as quartas-feiras, pelas 17 horas, entregando-a à mãe antes do jantar, pelas 19.30 horas.

9. No dia 6/1/2011 foi homologado o seguinte acordo dos progenitores da B (...) :

- Alteraram uma cláusula do regime de regulação das responsabilidades parentais da filha, acrescentando o seguinte:

No dia de aniversário do pai, este irá buscar a menor à escola às 17,30horas, entregando-a em cada da mãe pelas 21,00 horas, caso a menor tenha aulas no dia seguinte, ou as 21,30 horas, caso não tenha aulas no dia seguinte.

Caso a menor não tenha aulas no dia do aniversário do pai, este irá buscá-la a casa da mãe nos mesmos horários.

- Acrescentaram um ponto a outra cláusula com o seguinte teor:

A menor passará o dia de aniversário do menor D (...) na companhia deste nos seguintes moldes:

- caso se trate de um dia de aulas, entre as 17,30, altura em que o pai a irá buscar ao estabelecimento de ensino, até às 21,00 horas(caso haja aulas no dia seguinte), ou até as 21,30 horas (caso não haja aulas no dia seguinte),entregando-a em casa da mãe;

- caso se trate de um dia sem actividades lectivas, entre as 12 ,00 e as19,00 horas, sendo recolhida e entregue em casa da mãe.

- Acrescentaram a uma Cláusula o seguinte:

O irmão D (...) poderá participar na festa de aniversário da B (...) geralmente organizada no fim se semana subsequente.

- Alteraram outra cláusula no seguinte sentido:

Quando o progenitor for buscar ou entregar a menor, terá que respeitar os horários das actividades lectivas, nestas incluindo as actividades de enriquecimento curricular.

- Acrescentaram a outra cláusula o seguinte:

Nos períodos de férias escolares em que a menor se encontra a frequentar o ATL na escola, caso estas actividades, nas quartas-feiras em que deva estar com o pai, a impeçam de o fazer a partir das 17, 00 horas, tal convívio ocorrerá, não à quarta-feira, mas à terça ou quinta-feira, sendo esse dia escolhido pelo progenitor, avisando a mãe do mencionado impedimento.

- Acrescentaram o seguinte a outra cláusula:

Quando a segunda-feira seguinte ao fim de semana do pai coincidir comum feriado, o pai entregará a menor em casa da mãe até às 12,00 horas.

10. Em 10/9/2012 foi homologado o acordo dos pais da B (...) relativamente à seguinte cláusula : As recolhas e entregas da criança junto da mãe poderão ser efectuadas pelo irmão D (...) , já maior de idade, quer na escola quer em casa da mãe.

11. No dia 15/2/2014, pelas 10.15 horas, o requerente dirigiu-se a casa da requerida para ir buscar a filha, mas não o conseguiu.

12. Por despacho de 11/7/2014 foi determinado que o período de férias da B (...) com o pai decorreria até 22/7/2014 inclusive e que o período de férias com a mãe decorreria de 2 a 17/8/2014 inclusive.

13. No dia 22/4/2015, pelas 10:150 horas, o ora requerido deslocou-se à residência da ora requerente, sita na (…) (...) , a fim de ali entregar a filha menor de ambos, depois de a ter ido buscar à Escola (...) e de a ter levado para sua casa, local onde a filha B (...) lhe disse que não queria mais sair com ele.

14. Após o ora requerido ter tocado à campainha, a ora requerente desceu até à entrada do prédio, tendo então aberto a porta para a filha entrar. Nesse momento, o ora requerido entrou também para o hall do prédio e, de seguida, desferiu várias bofetadas na face da ora requerente e apertou-lhe o pescoço, tendo-lhe, depois, dado vários empurrões, fazendo-a embater nas paredes e cair ao chão. Ao mesmo tempo, o ora requerido dizia para a ex-mulher “posso não ficar com a tua filha, mas tu também não vais ficar!”

15. Em seguida, o ora requerido dirigiu-se à filha B (...) e, segurando-lhe no queixo, disse-lhe “tens a certeza do que me disseste? pensa bem, que nunca mais te venho buscar, nunca mais me vês e ao teu irmão!...”

16. Em consequência da conduta descrita do ora requerido, a ora requerente sentiu dores e sofreu:

- No pescoço: na face anterior, à esquerda da linha média, equimose avermelhada, medindo 1,5 cm x 1 cm;

- No membro superior direito: no terço médio da face posterior do braço, equimose arroxeada, medindo 1,5 cm de diâmetro;

- No membro inferior direito: na face dorsal do pé, equimose arroxeada, medindo 5 cm x 4 cm, sobre o qual assentou uma escoriação, medindo 1 cm x 0,5 cm,

lesões que lhe determinaram 5 dias de doença, todos com afectação da capacidade de trabalho geral e profissional e sem quaisquer consequências permanentes.

17. No dia 6/5/2015 o requerente dirigiu-se à escola frequentada pela filha para a ir buscar, o que lhe foi negado por ordens da Direcção da escola.

18. No dia 3/6/2015, pelas 17 horas, o requerente dirigiu-se a casa da requerida para ir buscar a filha, mas não o conseguiu.

19. No dia 6/6/2015, pelas 11 horas, o requerente dirigiu-se a casa da requerida para ir buscar a filha, mas não o conseguiu.

20. Em 17/6/2015 a B (...) foi ouvida em declarações, tendo afirmado (além do mais):

« (…) Sabia que vinha tribunal para contar o que aconteceu quando disse ao pai que já não queria ir mais com ele. Foi numa quarta-feira em Maio.

O pai foi buscá-la à escola e foram ao supermercado (...) , mas não estava muito bem e o pai perguntou várias vezes se queria ficar com ele, ou se queria que a levasse a casa, pelo que acabou por dizer que sim e ele foi levá-la a casa da mãe. A mãe veio à porta do prédio e o pai bateu na mãe no hall de entrada do prédio.

A mãe mora no 2º andar e vai buscá-la à entrada, mas nesse dia o pai entrou no átrio do prédio e bateu à mãe, ou seja, empurrou-a e começou a apertar o pescoço e dizia que ele não ficava com ela, mas a mãe também não.

O pai perguntou se não queria ir mais com ele e ela disse que não.

(…)

O pai é sempre muito bruto e tem um bocado de medo dele e está sempre a dizer asneiras, quando fica muito irritado, mas não as pode dizer, só se as escrever (nesta altura foi-lhe dado uma folha e a B (..), no cimo da folha, escreveu os nomes que o pai lhe chama).

Entre o supermercado (...) e a casa da mãe ainda foram a casa do pai para ela dizer ao D (...) que não queria ver e estar com o pai.

Desde essa altura, não voltou a ver o D (..) só tem visto o F (...) , o outro filho do pai.

O pai e o D (...) vivem em frete à (...) . Vivem sozinhos. O pai tem uma namorada mas não vive com ele.

Quando estava com o pai passava algum tempo com a E (...) , que é a namorada do pai, em casa dela, onde às vezes dormia. Não sabe onde é a casa, só sabe que é perto de uma Igreja. Dá-se bem com a E (...) , ela é simpática.

Já se lembrou de falar com o D (...) pelo Facebook, mas ele pode contar ao pai.

O pai também se zanga com o D (...) , sem razão nas maioria das vezes, por ele cozinhar mal. Também chama nomes feios ao D (...) (escreveu-os na parte de baixo da mesma folha) e também lhe diz outras coisas, gritando

. Uma vez, porque pensava que o irmão tinha levado o carro, o pai empurrou-o e disse para o irmão ir viver com os cães e que andava a fumar droga, mas não é verdade, é só tabaco. O pai tem vários carros, não sabe qual era.

(…)

Não gosta de estar com o pai porque acha que ele é muito bruto.

(…)

O pai não tem ligado desde que disse que não queria ir com ele e não fala com ele pelo telefone.

O pai foi à escola, mas não estava lá porque o tio G (...) foi buscá-la para não ir com o pai e era quarta-feira, não tinha aulas.

O pai já foi várias vezes à escola e vai a casa da mãe várias vezes para a ir buscar, toca à campainha da mãe e depois chama a polícia.

Foi à Policia na quarta-feira que referiu atrás, onde estavam umas amigas da mãe enquanto ela foi ouvida. Depois foram para o centro comercial (...) comer, onde estava o tio G (...) e o avô.

O pai também a obriga a escrever cartas para a Sr.º Juiz a dizer que gosta de estar com ele. Um dia estava tentar adormecer e ele obrigou-a e escrever uma carta. Terá escrito umas três cartas que o pai ditava…».

21. Pela prática dos factos descritos nos pontos 13 a 16, o ora requerido foi condenado, em 16/2/2017, pela prática de um crime de violência doméstica agravada, na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período com regime de prova, que incluiu obrigação de frequência de programa específico de prevenção da violência doméstica e prestação de 200 horas de serviço a favor de entidade pública ou privada e solidariedade social.

22. Na sequência dos factos descritos nos pontos 13 a 16 foi instaurado processo de promoção e protecção a favor da B (...) , no âmbito do qual, em 6/7/2015, foi proferido o seguinte despacho:

«Sendo inviável a celebração de acordo de promoção e protecção impõe-se então aplicar uma medida, a título provisório, nos termos do artigo 37º da LPCJP . Na verdade, verifica-se a situação de perigo prevista no artº 3º, nº 2, alínea e) da LPCJP pois, sem prejuízo do apuramento dos factos levado a cabo em sede criminal, a entrega da B (…) pelo pai à mãe no passado dia 22-4-2015 foi de tal modo traumatizante para a criança, que ela mantém a recusa em estar com o pai.-

A medida que se impõe aplicar no caso concreto é a prevista na alínea a) do nº 1 do artº 35º daquele diploma legal, ou seja, a medida de apoio junto da mãe, dado que esta é uma figura securizante para a filha.

De forma a reforçar a protecção da B (...) , tendo em vista o seu desenvolvimento emocional – cfr. a alínea b) do artº 34º da LPCJP - determino que a B (...) tenha apoio psicoterapêutico no Hospital Pediátrico desta cidade e, tendo em vista afastar a causa de perigo concreta, determino que, doravante, o pai não insista em ir buscar a filha para com ele conviver, nomeadamente nos dias e locais fixados no apenso A e K.----

Assim, nos termos dos artigos 37º, 35º, nº 1, al. a) e 3º, nº 2, al. e) da LPCJP, aplico à B (...) a título provisório, a medida de promoção e protecção de apoio junto da mãe .

A mãe deve assegurar a comparência da filha nas consultas de psicologia que lhe sejam marcadas e seguir as prescrições dadas.

O pai deve abster-se de insistir em ir buscar a filha para conviver, nomeadamente nos dias e locais fixados nos apensos A e K.»

23. Em Fevereiro de 2017 o serviço de psiquiatria da infância e da adolescência informa o seguinte:

24. Em 25/5/2017 a B (...) foi ouvida em declarações, tendo afirmado (além do mais):

«Veio a Tribunal por causa do pai, quem lhe disse foi a mãe.---

Já tinha vindo a este tribunal falar com uma senhora e há uns meses atrás foi a outro tribunal, na (...) .---

Reencontrou o irmão (…) no dia de julgamento e foi bom.---

Nos aniversários costuma mandar mensagem ao irmão no Messenger.---

Gostava de estar mais vezes com o irmão (…).----

O irmão (…) vai lá a casa.---

Não estava com o (…) há dois anos, o mesmo tempo que não está com o pai.---

Se pudesse estava com o (…) mas sem o pai.---

Não sabe se o (…) acabou o curso, sabe que ele esteve em Lisboa.---

Agora está bem, melhor do que antes, está com a mãe.---

Em relação ao pai não sente saudades.---

Não viu o pai na altura do julgamento.---

Nestes dois anos não houve entre o pai e ela uma carta ou uma conversa.-

Não tem curiosidade em saber como está o pai.---

Não quer rever o pai, está bem assim, não quer ver o pai mesmo na presença de outra pessoa, porque o pai é bruto.---

Se não está com o pai em outros sítios também não vai estar aqui.-

Quanto às saudades sentidas pelo pai, não pode fazer nada quanto a isso.-

Acha que o pai é bruto e não acredita que tenha mudado.---

Já falou da situação do pai com a psicóloga, mas não falou muito.-

Tem consultas no hospital – pedopsiquiatria, com a dra (…), tendo em 2017 ido a uma consulta, mas não sabe quando é a próxima, é a mãe que lhe diz as datas das consultas.---

Não tem saudades do pai.---

Tem receio que a obriguem a ir para o pai, não quer que a obriguem, fica nervosa só de pensar nisso.---»

25. Em Abril de 2018 a B (...) foi avaliada, tendo em vista apurar o seu real sentir quando verbaliza não pretender estar com o pai e, em especial, se tal vontade é genuína ou, pelo contrário, é influenciada pela progenitora. Em tal avaliação não foram encontrados indícios de utilização da mentira, e a B (...) não revelou propensão para confabular, não se mostrou demasiado imaginativa, não recorreu a fantasias e não se mostrou sugestionável, pelo que se concluiu que o seu real sentir quando verbaliza não pretender estar com o pai é, efectivamente, a sua intenção.

26. De forma a averiguar se tal intenção é genuína ou se é influência da mãe, foram pai e filha remetidos para o Gabinete de Intervenção Sistémica do Instituto Superior (...) , a fim de ser observada a interacção do pai com a B (...) . Porém, não foi possível levar a cabo uma intervenção familiar sistémica, pelo facto de nenhum dos dois estar motivado para a mudança, sendo que a B (...) verbalizou «é a décima vez que falo no mesmo assunto, quantas vezes vou ter de repetir o mesmo para que me ouçam ?»..

27. Em 25/04/2015, pelas 10 horas, o Requerente dirigiu-se a casa da requerida para ir buscar a filha, mas não o conseguiu [ADITADO].

2.2. - Factos não provados:

a- [SUPRIMIDO]

b- que a requerida não comunique ao requerente as actividades da ginástica da filha;

c- que a requerida marque 16 dias de férias com a filha no verão, privando o requerente de estar com ela durante mais de um mês.”.

C) Matéria de direito

Dos pressupostos de procedência da pretensão incidental

A questão essencial a decidir em substância é a de saber se estamos in casu perante situações de incumprimento do regime de convívio/visitas imputável à Recorrida mãe ou se, diversamente, sobre esta não pode recair um juízo de censura.

Vejamos.

Vem provado que:

- no dia 15/2/2014, pelas 10.15 horas, o Requerente dirigiu-se a casa da Requerida para ir buscar a filha, mas não o conseguiu (facto 11);

- no dia 6/5/2015 o requerente dirigiu-se à escola frequentada pela filha para a ir buscar, o que lhe foi negado por ordens da Direção da escola (facto 17);

- no dia 3/6/2015, pelas 17 horas, o requerente dirigiu-se a casa da requerida para ir buscar a filha, mas não o conseguiu (facto 18);

- no dia 6/6/2015, pelas 11 horas, o requerente dirigiu-se a casa da requerida para ir buscar a filha, mas não o conseguiu (facto 19);

- em 25/04/2015, pelas 10 horas, o Requerente dirigiu-se a casa da requerida para ir buscar a filha, mas não o conseguiu (facto 27).

Ora, à exceção do ocorrido no dia 15/2/2014, todos os factos que acabam de ser enunciados, tiveram lugar após o dia 22/04/2015, dia este em que o Requerente pai, deslocando-se junto da residência da Requerida mãe, para entregar a menor B (...) , aproveitou a abertura da porta pela Requerida para também entrar para o hall do prédio, local onde espancou a mãe da menor, à vista da filha, como vem descrito em 13 a 16 dos factos provados.

Sobre este âmbito fáctico cabe, desde logo, reiterar o que se disse já no acórdão proferido, nesta mesma data, no apenso S (Apelação 1014/08.8TMCBR-S.C1), onde pode ler-se:

«A menor, nascida em 16/09/2003, tem agora 16 anos de idade.

Ao tempo da agressão aludida em 11 a 14 ([11]) dos factos provados (22/04/2015), a menor B (...) tinha 11 anos de idade, tendo vivenciado essa situação de violência do seu pai sobre a sua mãe.

Se por esses factos o pai veio a ser condenado (em 16/02/2017), como autor material de um crime de violência doméstica agravada, numa pena de três anos de prisão, cuja execução ficou suspensa com regime de prova (facto 16), também é certo que foram muitas as agressões e/ou ameaças anteriores do Requerente/Apelante sobre a mãe da menor, como retratado nos factos provados dos pontos 5 e 7, com as agressões a ocorrerem, mesmo antes do nascimento da filha e a continuarem depois, contando-se já nos anos de 1999, 2000, 2004 (altura em que o Requerente/Apelante, na residência do casal, situada num 6.º andar, tentou atirar a mãe da menor, esta então já nascida, pela janela da sala), em julho e setembro de 2006 (na presença da menor), em 24/12/2006 (na presença da menor), o que motivou uma anterior condenação, por crime de maus tratos a cônjuge, na pena um ano e cinco meses de prisão, suspensa na sua execução.

Quer dizer, os factos provados patenteiam um historial de violência, com agressões e ameaças do pai da menor sobre a mãe dela, com situações muito graves presenciadas pela menor B (...) .

É certo que houve, a certa altura, um trabalho técnico junto da menor, com acompanhamento especializado, que permitiu o convívio, obviamente desejável entre pai e filha – sobretudo, na perspetiva do desenvolvimento sadio e integral da criança, carecida de uma figura paterna que lhe transmitisse, por palavras e atos, um exemplo positivo de vida, assumindo-se como referência e modelo –, mas todo esse trabalho veio a ruir, ao que não será, obviamente, estranho o episódio de violência por último ocorrido, com a menor a tudo presenciar, ela que esteve, involuntariamente, no centro da contenda (...).

Bem se compreende, assim, que, em 17/06/2015, a menor, já com consciência e espírito crítico, ouvida em declarações, tenha transmitido o seu “medo” perante o pai (“sempre muito bruto” e “a dizer asneiras, quando fica muito irritado”), não gostando ela “de estar com o pai porque acha que ele é muito bruto” (facto 15).

Em fevereiro de 2017, no âmbito de consulta em serviço de psiquiatria da infância e da adolescência, a menor continuava a “afirma[r] repetidamente que não quer estar com o pai” (…).

Posição que manteve em 25/05/2017 quando voltou a ser ouvida em declarações, altura em que sinalizou que, “se pudesse estava com o D (...) [irmão], mas sem o pai”, “em relação ao pai não sente saudades”, “não tem curiosidade em saber como está o pai”, “não quer rever o pai (…), não quer ver o pai mesmo na presença de outra pessoa, porque o pai é bruto”, “não acredita que [ele] tenha mudado”. E, novamente, manifestou o seu receio: “Tem receio que a obriguem a ir para o pai, não quer que a obriguem, fica nervosa só de pensar nisso.” (…).

Mais tarde, já em 2018, a menor, possivelmente desgastada, deixou a pergunta já mencionada: «é a décima vez que falo no mesmo assunto, quantas vezes vou ter de repetir o mesmo para que me ouçam?» (…).

Assim, não nos restam dúvidas – salvo sempre o devido respeito por diverso entendimento – de ser de sufragar a conclusão da avaliação à menor levada a efeito em abril de 2018, quando se concluiu pela autenticidade/genuinidade da sua reiterada afirmação de não querer estar com o seu pai.

É que esta vontade e intenção da menor, para além de sistemática/reiterada/coerente, assenta em fundamento bem compreensível, ante o dito historial de violência (da figura paterna sobre a figura materna), por aquela presenciado, o que a leva a ver o seu pai como uma pessoa que recorre à violência, gerando-lhe medo e não acreditando na sua mudança.

Em suma, a vontade da menor afigura-se consistente e perentória, encontrando justificação na violência reiterada que imputa à figura paterna.

Posto isto, cabe perguntar: deve a menor ser obrigada a submeter-se ao regime de visitas com o seu progenitor? Deve a mãe, num tal contexto, obrigar a filha, sob pena de incorrer em incumprimento e ser sancionada?

Mais uma vez, com todo o respeito, parece-nos que não.

Transparece, de forma suficientemente elucidativa, que a menor não pretende tais convívios – recusando a presença do progenitor, de nada parecendo servir a atual boa vontade e os esforços deste –, sendo que é uma pessoa já com 16 anos de idade, com inevitável vontade e personalidade próprias, o que levou mesmo o M.º P.º, em parecer anterior à sentença recorrida, a tomar posição no sentido de, perante a recusa perentório da filha quanto à reaproximação ao pai, não ser viável a execução do regime de visitas fixado, considerando apenas dever improceder o incidente de incumprimento (…).

A questão que perpassa ao longo dos autos é, pois, a de saber se poderá impor-se, à força, a uma menor agora com 16 anos de idade, que recusa os contactos com o progenitor, a sua comparência às visitas/convívios com o seu pai, obrigando-se a mãe, por seu lado, a obrigar a filha a observar o regime de visitas que a menor recusa.

É claro que o Apelante imputa o incumprimento à mãe e não à filha, que é menor, não devendo esquecer-se, todavia, que aos 16 anos de idade já se tem maturidade para efeitos de responsabilidade penal (art.º 19.º do CPen.) e, em certas condições, para contrair casamento (cfr. art.ºs 1601.º, al.ª a), e 1604.º, al.ª a), ambos do CCiv.).

Para tanto, poderia desvalorizar-se a recusa da menor, concluindo-se estar esta a ser manipulada pela mãe ou não ser tal recusa genuína ou ter sido ultrapassada através de estratégias para aproximação de pai e filha.

Porém, não é essa, como visto, a conclusão que pode retirar-se dos factos provados, os únicos a que se pode atender para decisão da causa.

É bem sabido que as separações ou divórcios dos progenitores deixam muitas vezes marcas psicológicas/afetivas/emocionais profundas nos filhos, mormente se acompanhados de situações de violência conjugal/familiar, como as presenciadas pela jovem B (...) .

Perante isto, salvo o devido respeito, não se vê como concluir, sem sombra de erro, que a responsabilidade pelo incumprimento é (exclusiva) da mãe, com consequente juízo de censura ([12]), ao ponto de a sancionar, parecendo que esta teria de obrigar/violentar a menor para se eximir às possíveis sanções.

Assim, parece de subscrever a conclusão da 1.ª instância, visto o desenvolvimento dos autos, quanto à não responsabilidade da Requerida mãe pelo inadimplemento.

Sendo genuína/autêntica – e não induzida/sugestionada/provocada – a vontade/intenção da jovem B (...) , não seria exigível à sua mãe obrigá-la ([13]), à força, a submeter-se ao contacto com o seu pai.

Note-se que o apoio especializado não conseguiu obter a adesão da menor à aceitação dos contactos com a figura paterna.

E, não o tendo conseguido, com que custos para a filha iria a mãe obrigá-la a tais contactos?

Neste contexto, não seria exigível, nem proporcional, nem sequer adequado para o desenvolvimento da menor, obrigar a mãe a forçar a filha aos contactos que esta fundada e perentoriamente recusa.

Assim, afigura-se-nos que o critério do superior interesse da ainda menor (…) milita no sentido de a não expor a uma situação em que a sua vontade seja violentada.

Em suma, não é possível formular um juízo de censura à mãe, sem o que não podemos concluir pela culpa desta – e decorrente incumprimento sancionável – na inobservância ocorrida do regime de visitas.».

O que fica exposto vale de pleno para as situações ocorridas em 25/04/2015, pelas 10 horas, quando o Requerente se dirigiu a casa da requerida para ir buscar a filha, não o conseguindo – note-se que apenas tinham passado três dias sobre os violentos acontecimentos ocorridos no mesmo local e à vista da menor –, 06/05/2015, quando o Requerente se dirigiu à escola frequentada pela filha para a ir buscar, o que lhe foi negado por ordens da Direção da escola – certamente, os responsáveis da escola já tinham também conhecimento dos acontecimentos de 22 do mês anterior e queriam, como seria normal, proteger a criança da exposição a outras eventuais situações de violência do seu pai contra a sua mãe –, 03/06/2015 e 06/06/2015, quando o Requerente se voltou a dirigir a casa da Requerida para ir buscar a filha, sem o conseguir.

Fica-nos até a seguinte perplexidade (com todo o devido respeito): será que o Requerente pai esperava, três dias volvidos, apenas, sobre os violentos acontecimentos ocorridos à vista da filha, que esta tivesse condições psicológicas para o acompanhar, como se fosse possível passar uma esponja sobre a memória, que apagasse a situação traumática vivida pela criança? E que a Requerida mãe, ainda dentro dos cinco dias de doença que as lesões sofridas lhe causaram (com afetação de capacidade), tivesse condições psicológicas para lhe entregar a filha menor?

Ora, independentemente da expetativa (subjetiva) do Requerente, depois da violenta agressão à Requerida mãe, na presença da filha, qualquer pai medianamente cuidadoso e previdente, em termos objetivos (os do pai normal ou comum), compreenderia que não era o tempo adequado para se dirigir a casa da requerida para ir buscar a menor, como se a situação fosse de normalidade de relacionamento ([14]).

Ao invés, qualquer pai prudente teria de colocar a hipótese – logicamente, muito provável – de a filha estar com medo de novos atos violentos por parte da figura paterna e de não querer acompanhar o progenitor, pois que tinha motivo forte para isso.

Ou será que o Apelante achava que a sua violência contra a mãe da menor, à frente desta, não teria nenhum efeito sobre a criança?

Em suma, quanto às invocadas ocorrências posteriores à agressão de 22/04/2015, em clima de medo da menor – e de rejeição – face à figura paterna, não era exigível à mãe que a obrigasse a ir com o pai, o que não concorreria para o seu bem-estar emocional e psicológico.

Ao invés, o interesse da menor concorria no sentido de, naquela altura, ela não ser forçada a acompanhar o seu pai, de quem tinha receio, não estando reunidas as condições de confiança que permitissem à criança um contacto gratificante com o progenitor.

Termos em que não era exigível à Requerida que adotasse conduta diversa, não se lhe podendo assacar, neste contexto, um desvalor de conduta, uma atuação culposa, que pudesse fundar o juízo de censura que é pressuposto do incumprimento ([15]).

Resta a situação – anterior – do dia 15/2/2014, quando o Requerente se dirigiu a casa da Requerida para ir buscar a filha, mas não o conseguiu.

Nesta parte, na decisão recorrida considerou-se haver incumprimento imputável à Requerida mãe, todavia sem condenação desta a assegurar o cumprimento do direito de visita.

O Requerente havia pedido que, reconhecendo-se o incumprimento, fosse a mãe da menor condenada a assegurar o cumprimento desse direito, se necessário coercivamente.

Assim sendo, o que está agora em causa é a dita condenação da Requerida a assegurar o cumprimento daquele direito, se necessário coercivamente.

Ora, é manifesto que, depois dos descritos factos ocorridos em 22/04/2015, a menor passou a sentir receio do pai, recusando, de forma perentória, reiterada, motivada e compreensível, o contacto com este, atitude que, por genuína, se tem por justificada, não havendo condições, nem o seu superior interesse o permitindo, para a obrigar, à força, e sem mais, ao contacto com a figura paterna, o que seria contraproducente para o seu desenvolvimento integral e sendo este que cabe, antes de tudo, proteger e garantir.

Por isso, não faria sentido, neste estado de coisas, a pretendida condenação da mãe, a qual teria de violentar o sentir e a vontade da filha, por forma forçá-la ao contacto, que a menor rejeita – e ao arrepio do superior interesse desta (que, por ora, demanda contenção e proteção) –, com o Requerente pai.

Em suma, improcedendo as conclusões do Recorrente em contrário, deve manter-se a sentença recorrida, não sendo caso de condenação da mãe da menor nos moldes pretendidos.

***

IV – SUMÁRIO (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):
1. - O processo de incumprimento de regulação do exercício de responsabilidades parentais constitui uma instância incidental, relativamente ao processo principal (de regulação dessas responsabilidades), destinada à verificação quanto a uma situação de incumprimento culposo/censurável de obrigações decorrentes de regime parental estabelecido, bem como à realização de diligências tendentes, designadamente, ao cumprimento coercivo.
2. - Havendo recusa de menor em se sujeitar às visitas ao seu progenitor, haverão de ser apuradas as razões desse comportamento de rejeição da figura paterna, para o que é adequada prova técnica/psicológica que capte os aspetos psicológicos/emocionais da menor, bem como a sua dinâmica familiar e eventuais constrangimentos aí existentes.
3. - Apurado que a recusa da menor assenta numa visão da figura paterna como violenta, em consequência de diversas agressões à mãe da menor, presenciadas por esta, o que a levou a perder a confiança no pai e a ter medo dele, perceção que o acompanhamento especializado da menor não logrou alterar, não é exigível à mãe que obrigue a filha ao contacto que ela perentoriamente rejeita, não podendo a menor ser violentada na sua vontade, a tal se opondo o critério do superior interesse da criança ou do jovem.
4. - Nesse caso não encontra fundamento a conclusão de direito no sentido de o incumprimento do regime de visitas ser imputável à mãe, não se mostrando que esta tenha meios para poder persuadir a menor e vencer a sua resistência, pois que esta última, atenta a sua idade, tem a sua personalidade e vontade própria.
5. - Ainda que se conclua por uma situação de incumprimento imputável, numa ocasião, à mãe da menor, não deve esta, apurada aquela rejeição da filha face à figura paterna, ser condenada a assegurar o cumprimento do direito de visita do pai, o que só se conseguiria violentando o querer da menor, forçando-a ao arrepio do seu superior interesse, sendo este que cabe garantir.
***
V – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação, na improcedência do recurso, em manter a decisão apelada.

Custas da apelação pelo Recorrente.

Coimbra, 22/10/2019

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).
Assinaturas eletrónicas.

Vítor Amaral (Relator)

          Luís Cravo

Fernando Monteiro


([1]) Segue-se, por economia de meios, o relatório da decisão recorrida.
([2]) Excetuando, logicamente, questões de conhecimento oficioso, não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([3]) Processo base – aquele de que decorrem os presentes autos incidentais – instaurado antes de 01/09/2013 e decisão recorrida posterior a esta data (cfr. sentença de fls. 123 a 142 dos autos em suporte de papel, datada de 30/05/2019, bem como art.ºs 5.º, n.º 1, 7.º, n.º 1, e 8.º, todos da Lei n.º 41/2013, de 26-06, e Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 15,). De notar, neste âmbito, que a jurisprudência vem distinguindo entre o processo incidental de incumprimento (antes previsto no art.º 181.º da OTM) e processo de alteração de regime da responsabilidade parental (anteriormente previsto no art.º 182.º da OTM), por este último, ao contrário daqueloutro, traduzir um processo autónomo (novo) – assim o Ac. Rel. Coimbra, de 23-04-2013, Proc. 1211/08.6TBAND-A.C1 (Rel. Teles Pereira), disponível em www.dgsi.pt. É certo que, entretanto, entrou em vigor o Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), aprovado pela Lei 141/2015, de 08-09, com o art.º 5.º desta Lei (sob a epígrafe “Aplicação no tempo”) a dispor que o RGPTC se aplica aos processos em curso à data da sua entrada em vigor, sem prejuízo da validade dos atos praticados na vigência da lei anterior, sendo inquestionável a sua aplicação aos presentes autos, iniciados em 14/09/2017 (cfr. fls. 10), e sendo certo, por outro lado, que tal novo regime jurídico não comporta alteração àquela perspetiva da presente instância de incumprimento como incidental (cfr. art.ºs 41.º e 42.º do RGPTC). E o art.º 32.º do dito RGPTC dispõe, no seu n.º 3, que os recursos são processados e julgados como em matéria cível, sendo o prazo de alegações e de resposta de 15 dias.
([4]) Caso nenhuma das questões resulte prejudicada pela decisão das precedentes.
([5]) Cfr. “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 9.ª ed., p. 57.
([6]) Vide “Código de Processo Civil, Anotado”, vol. V, p. 143.
([7]) In “Dos Recursos”, Quid Júris, p. 117.

([8]) Cfr. “Manual de Processo Civil”, p. 686.
([9]) Aquele art.º 10.º da petição contém uma mera remissão para documentos de outro apenso, sem ser portador, pois, de quaisquer factos alegados, em nada se reportando ao que possa ter acontecido em 27/08/2014 e 10/09/2014, simplesmente se ligando, como dito, ao antecedente art.º 9.º, o qual, por sua vez, alude a uma cláusula da mencionada “Regulação das Responsabilidades Parentais”.
([10]) O Recorrente alude ainda à não realização da audiência final (e não produção de prova testemunhal), fazendo-o, porém, de forma inconsequente, ao não extrair daí consequências relevantes, seja em sede de impugnação da decisão de facto, seja de vícios na tramitação processual, posto não invocar qualquer nulidade do processado (que não se confunde com as nulidades da sentença), mormente do anterior à decisão impugnada, não se tratando, por outro lado, de matéria de conhecimento oficioso do Tribunal de recurso (cfr. art.ºs 195.º, n.º 1, e 196.º, ambos do NCPCiv.).
([11]) Aqui 13 a 16 do factualismo provado.
([12]) O art.º 41.º, n.º 1, do RGPTC, que o Recorrente invoca, exige a verificação de uma situação de incumprimento, com o inerente juízo de censura, por os factos denotarem a existência de culpa do agente/inadimplente.
([13]) Poderia até perguntar-se: por que forma e com que meios?
([14]) Com todo o devido respeito, fica até a dúvida sobre se era o interesse da filha – ou, ao invés, a lógica do conflito – que por então movia o Requerente/Apelante.
([15]) É sabido que o art.º 41.º, n.º 1, do RGPTC, que o Recorrente invoca, exige a verificação de uma situação de incumprimento, com o inerente juízo de censura, por os factos denotarem a existência de culpa do agente/inadimplente.