Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1244/09.5TBTNV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JACINTO MECA
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
NOTIFICAÇÃO
DESISTÊNCIA
VENDA
Data do Acordão: 04/05/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TORRES NOVAS – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 416º DO CC
Sumário: I – A notificação dirigida aos preferentes nos termos do artº 416º do CC não configura uma proposta de contrato mas apenas e tão só a informação da existência de um projecto de contrato que se tem com um terceiro, dando-lhes, desse modo, a oportunidade de preferir no projectado negócio.

II – Os obrigados a dar a preferência são livres de desistir do projectado contrato de compra e venda.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes que constituem o Tribunal da Relação de Coimbra.

1. Relatório

A...e B..., ambos com residência na ..., vieram propor acção declarativa, sob a forma de processo sumário, contra C...e D..., ambos com residência no .... Alegaram os autores, em síntese, que são donos de um prédio misto, sito no ..., ..., ..., inscrito na matriz urbana sob o ...º e na matriz rústica sob o ...º, ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ..., de um prédio rústico sito na ..., ..., inscrito na matriz sob o artigo ...º, ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ..., e de um outro prédio rústico sito na ..., ..., inscrito na matriz sob o artigo ...º, ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número .... Os réus são donos de um prédio urbano vizinho, sito no ..., inscrito na matriz sob o artigo ...º, .... Por escrito, os réus deram conta aos autores da sua intenção de vender o prédio inscrito na matriz sob o artigo ...º, ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ..., concedendo-lhes a possibilidade de exercerem a preferência nesse negócio. O autor remeteu, por escrito, resposta à comunicação anterior, manifestando a sua vontade em celebrar esta compra e venda, nas condições propostas. O réu, não obstante ter oferecido preferência ao autor, passou a dizer que não vende a este último o prédio em causa.

Pedem os autores, nestes termos, ao abrigo do disposto no art. 830º, nº 1, do Código Civil, que seja proferida sentença que, em substituição da declaração negocial em falta por parte dos réus, e em execução específica, declare vendido aos autores o aludido prédio inscrito na matriz sob o artigo ...º, ..., descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número ....


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Citados, os réus apresentaram contestação, alegando, em síntese, que com a carta datada de 4 de Julho de 2009, desistiram da venda deste prédio, sendo livres do o fazer. O obrigado à preferência não fica sem a possibilidade de desistir do negócio, uma vez que a notificação que efectuou não corresponde a uma proposta contratual, nem a declaração de pretender preferir corresponde a uma aceitação dessa proposta. Tal notificação para preferir é apenas um convite a contratar, cuja amplitude é, apenas e só, o preferente ficar com a possibilidade de aceitar ou não a proposta. Para além do mais, mesmo a existir direito de preferência de algum dos proprietários confinantes, o mesmo teria de ser concedido a X..., atento o disposto no artigo 1380º, nº 1 e 2, alínea b), do Código Civil.

Pedem os réus, nestes termos, a improcedência da acção e a sua absolvição do pedido.


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            Por despacho de folhas 66 foi dispensada a audiência preliminar.

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            No despacho saneador julgou-se a instância válida e regular.

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            Consignaram-se os factos assentes e elaborou-se a base instrutória que não foram objecto de reclamação.

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             Procedeu-se a julgamento no qual as partes acordaram quanto à matéria vazada nos quesitos 1º a 4º da base instrutória.

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            Conclusos os autos foi proferida sentença que julgou a acção improcedente por não provada e consequentemente absolveu os réus do pedido.

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            Notificados da sentença, os autores manifestaram o seu inconformismo, interpondo o respectivo recurso que instruíram com as necessárias alegações que remataram formulando as seguintes conclusões:

[…]


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            Contra alegaram os réus pugnando pela manutenção do decidido.

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            Por despacho de folhas 116, o recurso foi admitido como apelação, com subida imediata e nos autos e efeito devolutivo.

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            2. Delimitação do objecto do recurso

            As questões objecto do recurso, delimitadas pelo teor das conclusões do recorrente, que recortam o seu âmbito de conhecimento – artigos 684º, nº3 e 690º, nºs 1 e 3, do Código de Processo Civil – são as seguintes

Ø Valor da preferência concedida a proprietário do prédio confinante. Aceitação dos termos do negócio. Desistência da venda do prédio – 414º a 416º; 1380º do CC 

Ø Execução específica – 421º e 830º do CC

Ø Boa fé – artigos 227º e 343º do CC


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3. Colhidos os vistos, aprecia-se e decide-se

            Conforme evidencia a acta de audiência de julgamento, as partes acordaram nas respostas a dar aos quatro quesitos que constituíam a base instrutória e daí que não haja qualquer inconformismo relativamente à matéria de facto dada como provada. Ao invés de remetermos para a decisão recorrida – nº 5 do artigo 713º do CPC – entendemos transcrevê-la no acórdão de modo a conferir-lhe a necessária unidade e compreensão.


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            3.1 – Matéria de facto provada  

[…]


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            3.2 – Erro de julgamento

            A questão objecto do recurso baliza-se por saber se a comunicação para preferir por determinado preço um prédio rústico tem ou não a natureza de proposta contratual, considerando que os autores aceitaram e os réus, cerca de um mês depois, desistiram de a cumprir.

            Trata-se de uma questão que tanto a doutrina como a jurisprudência, mas sobretudo esta, se encontra claramente dividida e daí que sem prejuízo de enriquecermos com outras decisões e outras tomadas de posição doutrinárias, seguiremos quanto a esta questão o inventariado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça[1], que pese o facto de não ter tido necessidade de abordar esta questão específica, não deixou de a enquadrar à luz da mais recente jurisprudência e doutrina. Deste modo e antes de entramos, propriamente, no conhecimento do objecto do recurso, entendemos ser de toda a utilidade traçarmos, ainda que de modo breve, quais os entendimentos doutrinais e jurisprudenciais de modo a ficarmos munidos das ferramentas necessárias para abordarmos e decidirmos o objecto do recurso.

            Voltando ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nele se dá conta que o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão datado de 11 de Março de 1996, publicado na CJ, Ano XXI, tomo II, pág. 188; no acórdão da Relação de Lisboa, datado de 26 de Novembro de 1998, publicado na CJ, Ano XXIII, tomo V, pág. 107 e Ac. STJ, proferido no recurso nº 419/01-7 a notificação para preferir nos termos do artigo 416º, nº 1 do Código Civil, não pode ser considerada proposta contratual para os termos do artigo 230º do mesmo Código, envolvendo antes um simples convite a contratar[2]. Em sentido oposto tomaram posição os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito dos acórdãos datados de 28 de Abril de 2005 e 15 de Junho de 1989, processos nºs 05B3984 e 077646 que concluíram que a notificação para a preferência envolve uma proposta contratual que uma vez aceite se torna vinculativa para o autor daquela comunicação[3].

            No plano da doutrina o Sr. Prof. Antunes Varela a propósito dos pactos de preferência ensina o seguinte: pactos de preferência são assim contratos pelos quais alguém assume a obrigação de, em igualdade de condições, escolher determinada pessoa (a outra parte ou terceiro) como seu contraente no caso de se decidir a celebrar determinado negócio. (…) Do pacto de preferência nasce uma obrigação típica: para uns, a de o devedor não contratar com terceiro – non facere – se o outro contraente se dispuser a contratar em iguais condições; para os outros, a de, querendo contratar, o obrigado escolher a contraparte, de preferência a qualquer outra pessoa. (…) Na promessa unilateral, o promitente compromete-se a contratar, enquanto no pacto de preferência, a obrigação é diferente: o vinculado não se obriga a contratar, promete apenas, se contratar, preferir certa pessoa (…) a qualquer outro interessado, havendo assim, quando muito, uma promessa unilateral condicional[4].

            O Sr. Prof. Pessoa Jorge[5] evidencia que aquele que concede preferência não se obriga propriamente à celebração do negócio, mas apenas a, querendo realizá-lo, fazê-lo com o preferente se este também o quiser e aceitar.

            O Sr. Prof. Luís Manuel Teles de Menezes Leitão[6] a propósito da qualificação jurídica do pacto de preferência entende que à semelhança do contrato promessa, o pacto de preferência constitui um contrato preliminar de outro contrato. Porém, ao contrário do que sucede no contrato promessa, o obrigado à preferência não se obriga a contratar, mas apenas a escolher alguém como contraente, no caso de decidir contratar (…). O pacto de preferência é assim a convenção pela qual alguém assume a obrigação de escolher outrem como contraente nas mesmas condições negociadas com terceiro, no caso de decidir contratar. O pacto de preferência é um contrato unilateral, uma vez que apenas uma das partes assume uma obrigação, ficando a outra parte – o titular da preferência – livre de exercer ou não esse direito.

            Também o Sr. Prof. Inocêncio Galvão Teles alinha pela posição do pacto de preferência se assumir como um contrato unilateral que só vincula o que se obriga a dar preferência e o beneficiário desta penas fica investido num direito que se traduz em comprar ou não caso o primeiro resolva vender. É um contrato condicional, na medida em que está sujeito à condição suspensiva de aquele que promete a preferência se decidir a vender. Pedro promete dar preferência a Paulo na venda de determinado prédio se resolver fazer essa venda. O compromisso de Pedro só se tornará efectivo na hipótese de ele tomar essa decisão[7]. Também no seu Direito das Obrigações[8], o Sr. Prof. Inocêncio Galvão Teles refere claramente que o pacto de preferência poderia apelidar-se de contrato de preferência porque se trata efectivamente de um contrato.

            Sobre este mesmo assunto se debruçou o Sr. Prof. Mário Júlio de Almeida Costa[9] ao escrever: figura diversa, embora um tanto próxima do contrato-promessa unilateral, é o chamado pacto de preferência que consiste num acordo pelo qual alguém se obriga a dar preferência a outrem, na eventual conclusão futura de um determinado contrato, caso o promitente venha de facto a celebrá-lo e o beneficiário queira contratar em condições iguais às que um terceiro aceita.

O Sr. Prof. Menezes Cordeiro defende que a natureza contratual e, normalmente, negocial não pode ser posta em dúvida[10].

            Desviando-se da maioria da doutrina, o Sr. Prof. João Calvão da Silva sustenta que «o pacto de preferência faz nascer a obrigação de escolher outrem como contraente, no caso de o obrigado à preferência se decidir livremente contratar, a pessoa não se obriga, portanto, a contratar, diferentemente do que sucede no contrato-promessa – apenas se obriga a dar preferência em condições de igualdade[11]  

Os autores/apelantes formula o pedido de substituição da declaração negocial em, falta dos réus, declarando-se vendido por estes aos autores, em execução específica nos termos do disposto no artigo 830º do CC o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ... – freguesia de ..., escorando tal pedido no facto de ter sido notificado pelos réus para se dignarem pronunciar-se acerca do vosso direito de preferência na aquisição do mencionado prédio uma vez serem confinantes do mesmo. Queiram pronunciar-se por escrito dentro do prazo de 8 dias. Logo que terminado o prazo legal de resposta, a escritura será realizada no Cartório Notarial da Dra. ..., sito na .... Se dentro do prazo não houver qualquer comunicação por escrito da vossa parte, tal silêncio será entendido como desinteresse no negócio.

            Note-se, por nos parecer expressivo, que na mesma missiva os réus deram conta que pretendiam vender ao Sr. X..., casado, sob o regime de comunhão de adquiridos com Y..., residentes na ..., na freguesia de ..., pelo valor de 15.000,00€ (quinze mil euros) o referido prédio rústico.

            Está comprovado que os autores gozam do direito de preferência por serem proprietários de prédio rústico que confina com o prédio que os réus pretendiam vender a terceiros, e daí que estejamos em presença de um direito legal de preferência sujeito ao regime de exercício de preferência vazado nos artigos 416º a 418º e 1380º do CC.

            Conforme emana do disposto no nº 1 do artigo 416º do CC querendo vender a coisa que é objecto do pacto, o obrigado deve comunicar ao titular do direito o projecto da venda e as cláusulas do respectivo contrato, o que foi feito pelos réus aos autores, não se traduzindo, tal notificação, numa proposta de contrato dirigida ao preferente, mas apenas e tão só a informação da existência de um projecto de contrato que tem com um terceiro dando, desse modo, a oportunidade de preferir no projectado negócio, ou na clarividência do Sr. Prof. Antunes Varela quando o dono da coisa, antes de ajustado qualquer projecto (concreto) de compra e venda com terceiro, comunica ao preferente a sua intenção de vender a coisa e indica as condições em que se propõe fazê-lo, o notificado não é, no bom rigor das coisas, chamado a preferir: é sim chamado a contratar, se quiser[12].

            É justamente esta a situação que emana dos factos provados – facto 11 – onde nem sequer os réus/apelados dizem ter vendido mas apenas que «pretendem vender» a pessoa que identificam, um determinado prédio, pelo valor de € 15.000,00 euros, ou seja, o que consta da carta que enviaram para os apelantes não é uma proposta de contrato dirigida ao preferente, mas apenas uma informação que lhe foi dirigida de um projecto de contrato que tem com um terceiro. Daí que discordemos dos apelantes quando no artigo 13º das suas doutas alegações classificam o teor da carta transcrita no ponto 11 dos factos provados como uma proposta de contrato. Tal como emana do artigo 232º do CC só há proposta de contrato se ela se apresentar como iniciativa contratual completa, isto é, como projecto acabado de contrato que o proponente tenciona celebrar[13], mas sendo a proposta uma declaração, então, o juízo da sua completude tem que ser analisado à luz do disposto no artigo 236º do CC. Ora, a carta enviada pelos réus aos autores – facto 11 – não só se não apresenta como uma iniciativa contratual completa, como até, em nossa modesta opinião, foge do carácter contratual que emana do artigo 232º do CC para ser vista, à luz do artigo 236º como uma declaração que potencia uma possibilidade de venda a um terceiro, chamando os autores a preferirem e caso aceitem os termos do negócio chamá-los a contratar.

O que ali se diz é que pretendem vender não se diz que prometeram vender ou venderam a X.... Só neste caso e à luz dos critérios dominantes na doutrina se poderia falar em contrato unilateral vinculativo para a parte a que se obrigou. Estamos longe de um contrato unilateral segundo o qual os réus prometeram vender aos autores e daí que há luz do artigo 236º do CC outro significado não se possa encontrar em tal missiva que não um convite a preferir, um convite a contratar, ficando o preferente com a possibilidade de aceitar a proposta. Aceite a proposta pelo preferente – facto 12 – perguntar-se-á se era ou não admissível em face do conteúdo factual e das normas que o regem – 414º a 416º e 1380º do CC – os proprietários do prédio rústico recuarem na sua venda e desistirem do negócio.

            Salvaguardando melhor opinião, partilhamos o entendimento vazado no acórdão do STJ, datado de 8 de Janeiro de 2009 e relatado pelo Exmo. Juiz Conselheiro Oliveira Rocha[14] que defende o seguinte: Ademais se a preferência é legal e não contratual, resultando por isso da lei e não de acordo anterior – pacto de preferência – é perfeitamente admissível e aceitável que quem está obrigado a dar preferência, aceitando vender o terreno a terceiro, tenhas razões ponderosas para não querer vender o terreno ao preferente. Em tal caso, ele comunica o projecto de negócio ao preferente, dando cumprimento ao disposto no artigo 416º do CC e, depois, se este declarar querer preferir desiste do negócio, já que não lhe interessa vender a quem tem a qualidade de preferente legal.

            Foi justamente isto que aconteceu. Em face da aceitação dos autores/preferentes, os réus/apelados remeteram-lhe as carta que se encontra transcrita no ponto 13 dos factos provados, dando conta da desistência «por se aperceberem de que esta pode gerar mau ambiente na vizinhança e também por motivos pessoais relacionados com o seu estado de saúde».

            Sustentam os apelantes que ao aceitarem a proposta que lhes foi feita, não podiam os réus desistir à luz do que consta do disposto nos artigos 228º a 230º do CC.

            Para quem defenda que o conteúdo da missiva enviada pelos réus aos autores não constituiu proposta de contrato, mas tão só uma informação de projecto de contrato que se tem com um terceiro, então, não podemos deixar de concluir pela inaplicabilidade dos artigos 228º a 230º do CC porque tais artigos estão intrinsecamente relacionados com uma proposta de contrato o       que, repete-se, não sucedeu no caso em apreço. Tal só seria assim se os réus tivessem dirigido uma proposta de venda aos autores na qual fizessem constar as cláusulas do respectivo contrato. Ora, voltamos a significar que a missiva enviada aos autores está longe de configurar uma proposta de contrato e por isso é-lhe inaplicável o disposto no artigo 230º do CC.

            Sobre a nulidade do contrato por inobservância de forma – artigo 220º – do CC – e a sua conversão nos termos do artigo 293º do CC, não podemos deixar de voltar a sublinhar que mesmo que estivéssemos em presença de um proposta de contrato a forma usada tinha respeitado o artigo 416º do CC e daí que nunca seria nula por vício de forma, sendo que a conversão do negócio parte de um princípio basilar que é o de estar-se em presença de negócio nulo ou anulável o que claramente não acontece na situação em análise.

            No que concerne à boa fé que deve presidir tanto nos preliminares como na formação do contrato – artigo 227º – não inviabiliza que qualquer dos contraentes, enquanto o contrato se não tornar vinculativo, desista de contratar, sublinhando a este propósito o Sr. Prof. Menezes Cordeiro que a revogação da proposta é um acto unilateral praticado pelo proponente que tem por conteúdo a extinção da proposta previamente emitida. Em qualquer caso, deve ter-se presente que a revogação em causa só é possível enquanto não houver contrato; passada tal marca haveria já não uma mera revogação da proposta, mas a revogação do próprio contrato, a qual só é possível, em princípio, através de um acordo[15].

            Se bem compreendemos estes ensinamentos a fase negociada não inviabiliza a desistência de qualquer dos contraentes pelo que até à fase decisória qualquer um deles pode desistir do negócio. Ainda que nos repitamos, a carta dirigida pelos réus/apelados aos autores/apelantes mais não representa do que uma informação que lhes foi dirigida e que se consubstanciava na «pretensão de venda a um terceiro» de um prédio rústico, cumprindo deste modo a exigência legal – artigo 416º do CC – ou seja a notificação para preferir que não encerra mais do que um convite a contratar e não uma proposta de contrato. Como as partes não chegaram à parte decisória por ter havido desistência dos réus – facto 13 – logo não se pode deixar de a considerar legal.

            No que respeita ao abuso de direito – artigo 334º do CC – e não se colocando, por razões óbvias, em causa os ensinamentos do Sr. Prof. Mota Pinto, como é que podemos converter um negócio nos termos requeridos pelos apelantes se não estamos em presença de um negócio nulo ou anulável a que fosse aplicável a disciplina do artigo 293º do CC. Com o respeito que é sempre devido, não podemos partilhar a posição dos apelantes na medida em que não existe contrato nem sequer proposta de contrato que seja convertível nos termos daquela norma.

            Finalmente os apelantes vêm com o argumento de lhes assistir a execução específica, fundamento de resto usado na acção e integrador do pedido e sobre o qual a sentença recorrida tomou posição afirmando que «não havendo qualquer declaração negocial em falta que possa ser preenchida mediante execução específica, nos termos do artigo 830º do CC».

            Não há dúvidas que o direito de preferência pode, por convenção das partes, gozar de eficácia real – artigo 421º do CC – como pode desde que a matéria de facto configure tal situação – artigo 830º do CC – que o tribunal produza a declaração negocial do faltoso, pedido este formulado pelos autores na acção. Também aqui voltamos a significar a inexistência de qualquer declaração negocial vinculativa para os réus e por eles incumprida, sendo por isso necessária a intervenção do tribunal que por via de acção se substituísse aos faltosos produzindo a necessária declaração.

            Nesta acção, tudo gira em retorno da interpretação a conferir à missiva que os réus dirigiram aos autores em 3 de Junho de 2009 cujo conteúdo está longe de poder ser confundido com «um contrato de preferência» mas apenas com uma notificação para preferir, cabendo ao preferente rejeitar ou aceitar. Se a aceitar, como foi o caso, nada impede que os réus desistam do negócio, por não lhes interessar vender a quem tem a qualidade de preferente legal


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            Concluindo: A notificação dirigida aos preferentes nos termos do artigo 416º do CC – facto 11 – não configura uma proposta de contrato, mas apenas e tão só a informação da existência de um projecto de contrato que tem com um terceiro, dando-lhes, desse modo, a oportunidade de preferir no projectado negócio.

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                Decisão

            Nos termos e com os fundamentos expostos, acorda-se em negar provimento ao recurso mantendo-se a sentença recorrida.


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            Custas pelos apelantes – artigo 446º do CPC.

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            Notifique.


Jacinto Meca (Relator)
Falcão de Magalhães
Regina Rosa


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[1] Ac. Datado de 7 de Dezembro de 2010, relatado pelo Exmo. Juiz Conselheiro João Camilo no âmbito do processo nº 1375/06.3 TBTVN.C1.SI, disponível do endereço electrónico www.dgsi.pt.
[2] Neste sentido Ac. RC, datado de 12.01.2010, proferido no âmbito do processo nº 102/1999.C1, relatado pelo Exmo. Juiz Desembargador Arlindo Oliveira e publicado no endereço electróni9co www.dgsi.pt refere embora a comunicação para a preferência não tipifique o clausulado de um verdadeiro contrato, deve, no entanto, conter todas as condições que influenciem a vontade de preferir (…) ´. Ac. STJ, datado de 26 de Novembro de 2009, relatado pelo Exmo. Juiz Conselheiro Pereira da Silva no âmbito do processo nº 6795/06.0TBMAI.S1, disponível no endereço electrónico www.dgsi.pt menciona que a notificação para preferir não constitui uma proposta de contrato. Ac. STJ, STJ, datado de 8 de Janeiro de 2009, relatado pelo Exmo. Juiz Conselheiro Oliveira Rocha e disponível no endereço electróni9co www.dgsi.pt, refere: o obrigado à preferência não fica sem possibilidades de desistir do projectado negócio, porquanto a notificação que efectuou não corresponde a uma proposta contratual, nem a declaração de pretender preferir corresponde a uma aceitação dessa proposta.
[3] Neste sentido acórdão do STJ, datado de 16 de Junho de 2005, relatado pelo Exmo. Juiz Conselheiro Araújo de Barros no âmbito do processo nº 05B1178, no qual está sumariado: pacto de preferência é o contrato pelo qual alguém assume a obrigação de, em igualdade de condições escolher a pessoa ou terceiro como seu contraente, no caso de se decidir a celebrar certo negócio. Este acórdão está disponível no endereço electróni9co www.dgsi.pt.
[4] Das Obrigações em Geral, volume I, 8ª edição, Almedina, págs. 373/375.
[5] Lições de Direito das Obrigações – Edição da Associação Académica da F.D. Lisboa, 1975/76, págs. 202 e 203.
[6] Direito das Obrigações, I, 3ª edição, Almedina, pág. 252.
[7] Manual dos Contratos em Geral, 4ª Edição, Coimbra Editora, págs. 231e 232.
[8] Páginas 161 e 162.
[9] Direito das Obrigações, 6ª edição, Almedina, pág. 366/367.
[10] Direito das Obrigações, 1º volume, 1986, pág. 504. Sobre esta mesma questão Sr. Prof. Vaz Serra RLJ, Ano 112º, pág. 316 e Sr. Prof. Henrique Mesquita, Obrigações e Direitos Reais, pág. 209 a 213.
[11] Sinal e Contrato-Promessa, 9ª Edição, Almedina, pág. 26. No mesmo sentido Sr. Prof. Pereira Coelho, citado no Ac. STJ, datado de 8 de Janeiro de 2009 e relatado pelo Exmo. Juiz Conselheiro Oliveira Rocha a que já aludimos neste acórdão.
[12] Revista de Legislação e Jurisprudência – Ano 121, nº 3777, pág. 363.
[13] Carlos Ferreira de Almeida, Contratos I, Almedina pág. 100.
[14] Processo nº 08B2772.
[15] Tratado de Direito Civil Português, I, parte geral, 2ª edição, 2000, Almedina, pág. 351/352.