Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
165/08.3GAFZZ.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREDERICO CEBOLA
Descritores: PROCESSO SUMARÍSSIMO
REENVIO
Data do Acordão: 04/14/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE FERREIRA DO ZÊZERE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 396º, 398º DO CPP
Sumário: O reenvio do processo para outra forma processual implica que este volte ao Ministério Público para notificação da acusação não devendo tais actos ser praticados no tribunal onde se encontram depois de distribuídos como processo sumaríssimo.
Decisão Texto Integral: I – Relatório
Por decisão de 07/10/2009, o M.mo Juiz a quo determinou o reenvio do processo para outra forma processual nos termos e ao abrigo do disposto nos art.ºs 396.º e 398.º do Código de Processo Penal.

Por não se conformar com tal decisão, dela interpôs recurso o Ministério Público, formulando as seguintes conclusões:

«a) Por despacho datado de 20 de Abril de 2009, o Ministério Público requereu a aplicação de pena não privativa da liberdade em processo sumaríssimo, ao arguido F..., pela prática de factos susceptíveis de integrarem um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos art°s 292° n.° l e 69° do Código Penal.
b) Em virtude de não se ter conseguido proceder à notificação do arguido, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 396º do CPP, em 7 de Outubro de 2009 proferiu a meritíssima juiz a quo despacho ordenando a remessa dos autos ao Ministério Público.
c) Ora, a omissão de fundamentos de facto e de direito pela meritíssima juiz a quo no despacho decisório recorrido implica uma violação dos art.ºs 97.º n.º l e 5 do Código de Processo Penal e 205.º n.º l da Constituição da República Portuguesa.
d) Como é sabido, o processo sumaríssimo foi criado para dar resposta aos casos de pequena criminalidade, actualmente os crimes puníveis com pena de prisão não superior a cinco anos ou só com pena de multa, em que se deva aplicar uma pena ou medida de segurança não privativa da liberdade, regulando-se por razões e objectivos de celeridade, eficácia, simplicidade e consenso.
e) Assim, sempre que não seja possível proceder à notificação do arguido nos termos c para os efeitos do disposto no art.º 396º do CPP, o juiz titular do processo deve ordenar o reenvio para a forma de processo que lhe couber e, em seguida, ordenar a notificação ao arguido da acusação deduzida, devendo, após, mandar remeter o processo para a fase que lhe couber – a instrução ou julgamento –, conforme a reacção que vier a ser tomada pelo arguido
f) O arguido têm os seus direitos assegurados, nomeadamente, no tange ao princípio do contraditório, da igualdade de armas e do direito ao um processo equitativo, quando é o magistrado judicial, o actual titular do processo, a notificá-lo da acusação, no âmbito do processo comum e com vista ao exercício do direito de abertura de instrução.
g) Atenta a norma prevista no art.º 336º nº 3 do CPP, o art.º 398º deve ser interpretado no sentido em que, no seguimento da impossibilidade de notificação do arguido do requerimento do Ministério Público para aplicação de pena não privativa da liberdade, é o juiz titular do processo a entidade com competência para proceder à notificação da acusação (anterior requerimento do MP) ao arguido, bem como do direito que lhe assiste de requerer a abertura da instrução, se o processo for reenviado para a forma de processo comum – cfr. art 4.º do CPP.
h) Sendo a única finalidade da remessa dos autos ao Ministério Público proceder às legais notificações da acusação – para as quais o juiz também é competente por ser o titular do processo – o despacho recorrido interfere com a actuação autónoma (hierárquica e funcional) do Ministério Público.
i) Acresce que, se, após a verificação de impossibilidade de notificação do arguido, o juiz ordena o reenvio do processo para a forma abreviada, é ele o competente para ordenar as legais notificações da acusação ao arguido, pelo que, lançando mão do elemento sistemático de interpretação da lei, deve ser também o juiz, no âmbito do processo comum, a ordenar a notificação da acusação ao arguido, bem como do direito que lhe assiste ao abrigo do art.º 287º do CPP.
j) Em suma, a decisão recorrida violou, por falta de fundamentação de facto e de direito, o disposto no art.º 97º nºs l al. b) e 5, e por erro de interpretação, a regra constante do art.º 398º, todos do Código de Processo Penal.

Termos em que requer que o recurso seja julgado procedente e, consequentemente seja o despacho recorrido substituído por outro que reenviando, igualmente, os autos para a forma de processo comum (única admissível nos autos), ao abrigo do disposto no art.º 398º do CPP, ordene a notificação da acusação ao arguido e da possibilidade que lhe assiste de requerer a abertura de instrução, nos termos do art.º 287º do CPP.




Vossas Excelências, porém, melhor decidirão, com o habitual elevado saber, assim se fazendo Justiça.»

O recurso foi admitido por despacho de fls. 86.


Nesta Relação o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto apôs o seu visto.

Efectuado o exame preliminar determinou-se que, atento o disposto no art.º 419.º, n.º 3, al. b), do Código de Processo Penal, fosse o presente recurso julgado em conferência.

Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.


II – Fundamentação

Conforme jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19 de Outubro de 1995, publicado in D.R. Série I-A de 28 de Dezembro de 1995, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as previstas no art.º 410.º, n.ºs 1 a 3, do Código de Processo Penal.
A questão a decidir por este tribunal consiste em saber se o reenvio do processo para outra forma processual implica que este volte ao Ministério Público para notificação da acusação ou se tais actos devem ser praticados no tribunal onde se encontram depois de distribuídos como processo sumaríssimo.

A decisão recorrida, no que ora interessa, é do seguinte teor:
«Não tendo sido possível, apesar das diligências empreendidas, notificar pessoalmente o arguido do requerimento elaborado pelo Ministério Público, e ficando, desse modo, o mesmo impossibilitado de deduzir oposição, determino o reenvio do processo para outra forma processual, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 396.º e 398.º do Código de Processo Penal.
Remeta os autos ao Ministério Público.»


Analisando.

O art.º 398.º, n.º 1, do Código de Processo Penal dispõe que Se o arguido deduzir oposição, o juiz ordena o reenvio do processo para outra forma que lhe caiba, equivalendo à acusação, em todos os casos, o requerimento do Ministério Público formulado nos termos do artigo 394.º.

Não é por acaso que a expressão legal utilizada é o reenvio e não outra.

Com efeito, a palavra reenvio significa devolver.

Essa palavra é, aliás, utilizada noutras situações quando o processo sobe em recurso e deve ser devolvido à 1ª instância.

E se é esse o sentido da palavra, ela só pode querer dizer que o processo será devolvido ao local onde era tramitado antes da sua distribuição como processo sumaríssimo, ou seja, aos serviços do Ministério Público.

E, não é por acaso que tal ocorre.

Porque é ao Ministério Público que compete exercer a acção penal, e, portanto, não só acusar como também indicar a forma de processo que irá ser adoptada.

Diga-se, aliás, que a presente situação não tem paralelo com a invocada pelo recorrente em que o arguido é declarado contumaz e vem posteriormente a ser encontrado.

Efectivamente, nesses casos a lei determina a notificação da acusação e nesses casos não suscita qualquer dúvida sobre a competência para realizar tal notificação, porque a acção penal já se encontra plenamente exercida, o que no presente caso não ocorre.

Aliás, o facto de a lei referir que o requerimento do Ministério Público equivale neste caso à acusação não dispensa esse Magistrado de formular requerimento em que mencione que requer o julgamento do arguido em processo comum pelos factos constantes do mesmo requerimento.

Apenas o dispensa de efectuar novo relato dos factos e nova indicação de provas, apenas lhe cabendo remeter para tal requerimento.

Do exposto flui que o despacho recorrido ao não conter qualquer justificação para além da menção do disposto no art.º 398.º do Código de Processo Penal, não peca por falta de fundamentação, porque mais não lhe cabia referir senão a fundamentação legal para remessa dos autos ao Ministério Público, daí que não se tenha autonomizado tal questão que o recurso também suscita.

Do que se deixa dito resulta que o recurso improcede.


III – Decisão

Nos termos expostos, nega-se provimento ao recurso e mantém-se a decisão recorrida.
Sem custas.



Elaborado, revisto e rubricado pelo Relator.



Coimbra, de de 2010

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