Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
738/13.2TBCNT-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: EXECUÇÃO
PENHORA BENS COMUNS
SEPARAÇÃO
PRAZO JUDICIAL
Data do Acordão: 02/24/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - INST. CENTRAL - SECÇÃO DE EXECUÇÃO - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 279, Nº2 E 740 DO CPC
Sumário: O disposto no art.279, nº2, do CPC não se aplica ao prazo judicial previsto no seu art.740 CPC.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

C (…), executado nos autos, recorre da decisão que indeferiu o pedido de suspensão da execução, no âmbito do art.740º do Código de Processo Civil, apresentando as seguintes conclusões:

(…) B) A mulher do ora recorrente, M (…)no exercício do direito de requerer a separação de meações, veio requerer por apenso aos presentes autos inventário para separação de meações, pois, nesse sentido fora notificada pelo agente de execução, tendo o respectivo requerimento sido apresentado perante o tribunal de Cantanhede em 18/12/2013, portanto ainda em tempo, como aliás reconhece o despacho recorrido.

C) Porém, entendeu o tribunal que o inventário já não podia ser requerido perante o tribunal, pois que, apesar de, em harmonia com o disposto no artigo 740.º n.º 1 do Código de Processo Civil, quando, em execução movida contra um só dos cônjuges, forem penhorados bens comuns do casal, por não se conhecerem bens suficientes próprios do executado, ser o cônjuge do executado citado para, no prazo de 20 dias, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de acção em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir sobre os bens comuns, com a entrada em vigor da Lei n.º 23/2013, de 5 de Março, o processamento dos actos e termos do processo de inventário passou a caber aos cartórios notariais, relegando-se a intervenção dos tribunais para questões remetidas para os meios judiciais comuns, homologação da partilha e recursos das decisões dos notários.

D) Acrescenta essa decisão que o artigo 81.º da Lei n.º 23/2013, de 5 de Março determina que requerendo-se a separação de bens nos casos de penhora de bens comuns do casal, nos termos do Código de Processo Civil (…) aplica-se o disposto no regime do processo de inventário em consequência de separação, divórcio, declaração de nulidade ou anulação do casamento, matéria igualmente prevista no artigo 79.º da citada lei., pelo que, em consequência, foi indeferido o pedido da mulher do executado e foi declarada extinta a instância por absolvição da mesma em consequência de incompetência absoluta deste tribunal e tendo tal decisão transitado em julgado em 25/2/2014.

E) Conforme o executado comprovou nos presentes autos, a mulher do aqui executado, requereu a separação de bens comuns através da plataforma INVENTARIOS.PT, em requerimento de inventário perante o notário competente foi apresentado em 7 de Março de 2014, portanto em tempo, no entender do ora requerente.

F) Como resulta do Cod. Proc. Civil podia a referida requerente propor nova acção até 27/3/2013, mantendo-se os efeitos civis derivados da apresentação do primeiro requerimento, nos termos do artº. 279º., nº. 2 do Cod Proc. Civil, tendo o ora requerente dado conhecimento desse facto juntando aos autos documento comprovativo desse requerimento e requerendo a suspensão da

presente execução até efectivação da partilha.

G) A decisão recorrida entende que não se aplica o disposto no artº. 279º., nº.2 por o prazo do artº. 740º. do Cod. Proc. Civil ser um prazo judicial, mas é por demais evidente que a decisão é ilegal, porque a norma do artº. 279º., nº. 2 não distingue as circunstâncias que deram origem à decisão de absolvição da instância, nem os seus efeitos, podendo ser ou não em situações com efeitos judiciais ou extrajudiciais, pois todos são efeitos civis.

H) Essa norma é aplicável, mesmo que esteja em causa apenas o exercício de direitos processuais, como concluiu o acórdão da Rel. Porto de 26/2/1996, publicado no BMJ 454, pág. 797, que permite o aproveitamento da apresentação anterior de petição de embargos de executado, no caso de absolvição da instância.

I) Além disso, com o requerimento de abertura de inventário, está em causa o exercício dos direitos civis da mulher do executado de não ver posta em causa os bens do casal que lhe cabem numa futura partilha, pois, ao requerer o inventário, a mulher do executado que não aceitou a dívida pela qual responde o executado, quer também isentar os bens que lhe couberem de uma penhora ou venda relativamente a créditos pelos quais não é responsável.

J) Mesmo que interpretemos o artº. 279º., nº. 2 como restrito a direitos civis, ou seja, não englobando os direitos processuais das partes, essa norma aplica-se à mulher do executado, que não é parte no processo de execução.

K) Os efeitos civis do requerimento de inventário em consequência da existência de execução contra o marido e subsequente penhora nos bens comuns do casal, visam obter a determinação dos bens a partilhar, como pertencentes aos executado, sem os efeitos nocivos para o património da mulher de uma penhora e subsequente venda de bens comuns do casal, situação que, mesmo que não tivesse havido um atraso substancial para o desenrolar do processo e se a mulher do executado tivesse logo requerido o inventário no prazo inicial, a execução ficaria suspensa e os efeitos práticos eram os mesmos.

L) Não é exacto que consta do despacho recorrido, quando nele se escreve que “não tendo M (…), mulher do Executado, utilizado em tempo o meio próprio para requerer a separação dos bens comuns, não pode vir agora, decorridos vários meses após a sua citação, pretender utilizar expediente próprio da acção declarativa”, pois o inventário foi requerido no lugar certo, cerca de 2 meses após a citação e no uso de uma faculdade legal, sendo certo que o atraso na decisão do incidente apenas é imputável ao tribunal.

M) Verifica-se assim que o despacho recorrido violou de forma flagrante, por erro de interpretação e aplicação o disposto nos artigos 740º. e 279º., nº. 2, ambos do Cod. Proc. Civil, pelo que deve ser revogado e substituído por outra decisão que, considerando verificados os respectivos pressupostos legais, decrete a suspensão dos presentes autos até à conclusão do inventário para separação de meações do executado e sua mulher.


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            Contra-alegou o exequente, defendendo a correção da decisão recorrida.

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            A questão a decidir passa por saber se, decorrido o prazo previsto no art.740º do Código de Processo Civil, por ter havido uma decisão a julgar que o pedido de inventário não foi feito no lugar próprio, não suspendendo a execução, é aplicável o art.279º, nº2, da mesma lei, permitindo que os efeitos derivados da proposição do primeiro pedido se mantenham ou aproveitem e que a suspensão da execução seja possível.

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            Factos a considerar, provados por documento:

            Na execução, o cônjuge do executado foi citado em 28.11.2013.

            No dia 18.12.2013, por apenso à execução, aquele requereu inventário para separação de meações.

            Por incompetência do tribunal, em 5.2.2014 foi indeferido liminarmente este pedido de inventário.

            Esta decisão transitou em julgado em 12.3.2014.

            Em 17.3.2014, o executado veio à execução documentar ter instaurado, em 7.3.2014, inventário em cartório notarial e pediu novamente a suspensão do processo executivo.

            A decisão recorrida, não admitindo novo prazo e recusando o pedido de suspensão da execução, é de 9.6.2014.


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Está em causa a aplicação do artigo 740.º do Código de Processo Civil, que determina:

(Penhora de bens comuns em execução movida contra um dos cônjuges)

1 — Quando, em execução movida contra um só dos cônjuges, forem penhorados bens comuns do casal, por não se conhecerem bens suficientes próprios do executado, é o cônjuge do executado citado para, no prazo de 20 dias, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de ação em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir sobre os bens comuns.

2 — Apensado o requerimento de separação ou junta a certidão, a execução fica suspensa até à partilha; se, por esta, os bens penhorados não couberem ao executado, podem ser penhorados outros que lhe tenham cabido, permanecendo a anterior penhora até à nova apreensão.

No caso, não se discute que a mulher do executado, citada para a execução, pediu a separação de bens por apenso a esta.

Fê-lo, porém, não cuidando da desjudicialização do processo de inventário. (Também o legislador, ao referir-se no nº 2, à apensação do requerimento para a separação de bens não terá atentado na desjudicialização do processo de inventário, mesmo para separação de meações, conforme resulta do artigo 81º do Regime Jurídico do Processo de Inventário, aprovado pela Lei nº 23/2013, de 05 de Março.)

Por causa disso, o tribunal, julgando-se incompetente, indeferiu liminarmente o pedido de inventário.

Esta decisão transitou em julgado e, entretanto, passou o referido prazo de 20 dias.

Em 7.3.2014, aquele cônjuge requereu novo inventário no cartório notarial e documentou a pendência dele na execução em 17.3.2014.

O executado pediu a suspensão da execução, o que foi indeferido em 9.6.2014.

O recorrente vem invocar a aplicação do art.279º, nº2, do Código de Processo Civil, defendendo que os efeitos derivados da proposição da primeira causa mantêm-se, porquanto a nova ação foi intentada dentro de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância.

O artigo em questão dispõe assim:

(Alcance e efeitos da absolvição da instância)

1 — A absolvição da instância não obsta a que se proponha outra ação sobre o mesmo objeto.

2 — Sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos, os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu mantêm-se, quando seja possível, se a nova ação for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância.

3 — Se o réu tiver sido absolvido por qualquer dos fundamentos compreendidos na alínea e) do n.º 1 do artigo anterior, na nova ação que corra entre as mesmas partes podem ser aproveitadas as provas produzidas no primeiro processo e têm valor as decisões aí proferidas.

A análise das duas normas leva-nos à consideração do que sejam prazos judiciais e substantivos.

O prazo judicial pressupõe um período de tempo fixado para a prática de um ato que produz um determinado efeito no processo. O prazo judicial tem por função regular o tempo dos diversos atos do processo.

O prazo judicial é marcado pela lei ou pelo juiz, neste último caso na ausência do prazo legal, podendo ser dilatório ou peremptório.

Em regra, o decurso do prazo judicial peremptório tem como efeito extinguir o direito de praticar um ato de natureza processual, salvo justo impedimento.

O prazo judicial pressupõe necessariamente que já está proposta a ação e que já existe um determinado processo.

Já o prazo dentro do qual há-de ser proposta uma ação e exercido um direito (material) tem natureza substantiva e não satisfaz as indicadas caraterísticas do prazo judicial.

O seu decurso determina a caducidade da ação e a consequente perda ou prescrição do invocado direito material.

Em face desta dogmática, o prazo do art.740º em estudo é um prazo judicial.

O cônjuge do executado é citado para uma execução já existente e tem o prazo de 20 dias para requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de ação em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir sobre os bens comuns.

Portanto, este prazo é ordenador de um processo.

A intenção da norma, prevenindo a eventual liquidação da relação conjugal patrimonial, é a de definir um prazo suficiente para o cônjuge não executado tomar uma atitude com efeitos na execução. A norma considera o estado da execução e os interesses do exequente no normal prosseguimento daquela.

Em regra, como vimos, a natureza deste prazo não se compadece com a concessão de novos prazos (iguais) e com a correção de erros essenciais na utilização dele.

Já a norma do referido art.279º dispõe, sem prejuízo do previsto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos (materiais), sobre o aproveitamento dos efeitos civis derivados da proposição da primeira causa (e da citação) que ficou sem efeito.

Os efeitos civis em questão são os ocorridos entre as partes na respetiva ação. Não são os efeitos processuais dessa ação numa outra, com partes diferentes.

A norma está a pensar no exercício de direitos, em regra, contra a mesma pessoa. (Ver L. Freitas, J. Redinha e R. Pinto, C.P.C. Anotado, vol.1º, 2ª edição, páginas 560 e 561.)

Assim, considerando o nosso caso, estaria em causa o próprio inventário e as suas partes. Tratar-se-ia de aproveitar os efeitos (civis) decorrentes do primeiro pedido de inventário, entre as partes deste, no 2º inventário.

Este artigo não se aplica quando as partes e o processo são diferentes. Note-se que não foi o exequente quem foi absolvido da instância criada pelo inventário.(O exemplo dado pelo recorrente, dos embargos de executado, é ainda um caso em que estão em causa as mesmas partes e o mesmo processo – a oposição à execução, entre executado e exequente.)

Na execução temos o exequente que não é parte no inventário (pelo menos originária) e é nela que está em causa o seu prosseguimento.

Não se trata, portanto, dos efeitos do inventário entre os cônjuges mas, sim, dos efeitos daquele sobre a execução e sobre os direitos do exequente.

A norma referida do art.740º parte do pressuposto da penhora válida de bens comuns (porque ao executado não se conhecem bens próprios suficientes) e concede um prazo (regulador da execução) para o cônjuge citado reagir e fazê-lo em termos formalmente corretos, sob pena da execução prosseguir e não ficar suspensa.

Ora, o cônjuge começou por pedir o inventário mas fê-lo de forma inválida. No prazo, no regime em vigor, o cônjuge teria de documentar na execução a instauração do inventário em Cartório Notarial, o que não fez.

O prazo de vinte dias foi ultrapassado. O decurso do prazo judicial peremptório tem como efeito extinguir o direito de praticar o ato em questão, devendo a execução prosseguir, como foi decidido.

(Nada disto significa prejudicar o direito do cônjuge à meação, aquele que já tinha, sendo certo que na comunhão o cônjuge não tem direito, à partida, a bens concretos e determinados.)


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Decisão.

Julga-se o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida.

            Custas pelo recorrente.

Coimbra, 2015-2-24


Fernando de Jesus Fonseca Monteiro ( Relator)

Luís Filipe Dias Cravo

 António Carvalho Martins