Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4500/11.9TJCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: USUCAPIÃO
PRESSUPOSTOS
REGISTO PREDIAL
PRESUNÇÃO LEGAL
Data do Acordão: 06/27/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA, GUARDA, JUÍZO LOCAL CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 1287.º CC E ARTIGO 7.º DO CÓD. DE REGISTO PREDIAL
Sumário: 1. A usucapião traduz-se numa forma originária de aquisição do direito, ou seja, em que o titular recebe o seu direito independentemente do direito do anterior titular, pelo que para a mesma poder ser eficaz necessário se torna avaliar se existem actos de posse e se os mesmos foram exercidos em moldes conducentes à aquisição do direito, isto é com a intenção de corresponder ao direito real invocado, in casu, o direito de propriedade, durante um certo lapso de tempo e com determinadas características.

2. Em face da factualidade tida como provada e não provada, não se encontram verificados os requisitos necessários para a verificação da aquisição do almejado direito de propriedade sobre o imóvel em causa, através da usucapião

3. Impugnada judicialmente a escritura de justificação notarial, impende sobre o justificante, na qualidade de réu, o ónus da prova da aquisição do direito de propriedade e da validade desse direito, nos termos do disposto no artigo 343.º, n.º 1, do Código Civil, sem que possa beneficiar da presunção registral emergente do artigo 7.º do Cód. de Registo Predial.

Decisão Texto Integral:

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

Em Dezembro de 2011, A..., casado no regime da comunhão de adquiridos com B..., residente em (...) , Coimbra e C...., casado no regime da comunhão de adquiridos com D...., residente na Rua (...) , em Coimbra

Intentaram no Tribunal de Coimbra a presente ação comum contra

E... , e marido F... , residentes na Rua (...) em Lisboa

Peticionando em suma (já após a rectificação do pedido, deferida em julgamento), que se reconheça que o prédio urbano identificado na p.i era pertença dos seus avós G... e mulher H... , também avós da Ré mulher e que por óbito passou para os herdeiros, nunca tendo havido partilhas, pelo que a quota de cada herdeiro é de 1/6 e, consequentemente, que se declare a nulidade total ou parcial da escritura de justificação e doação celebrada por I... de 29/06/2006.

Mais peticionam o cancelamento de qualquer registo que haja do prédio urbano referido no artº 8º desta p.i., que não seja nos termos em que aqui se alega, e que sejam provenientes da escritura que se impugna, bem como todos os registos posteriores.

Alegam, resumidamente, que o dito prédio urbano, sito em Manteigas, Penhas Douradas, conhecido como a “casa da serra” pertenceu aos avós dos AA e da Ré mulher, G... e H... .

Por morte deles, a casa foi relacionada no processo de imposto sucessório nas Finanças, ficando a pertencer em comum e sem determinação de parte ou direito aos 7 filhos, onde se incluía a justificante I... , e os pais dos aqui AA, uma vez que não houve partilhas por óbito dos mesmos.

Ao justificar e doar o prédio na totalidade à Ré, I... prestou declarações falsas e praticou um ato ilícito e abusivo, já que o seu quinhão era de 1/6 do prédio (vide retificação em sede de audiência), sendo os restantes 5/6 pertencentes aos seus irmãos vivos ou aos herdeiros deles, por direito de representação.

Trata-se de doação de bens alheios e, portanto, nula.

*

Pedem ainda os AA, na p.i. a intervenção principal provocada dos herdeiros de I... , constantes da escritura de habilitação junta.

*

A fls 68 e segs contestam os RR, aceitando os factos 1º a 7º da p.i e dizendo, em suma o seguinte:

A justificante doadora I... também usava o nome e era conhecida por II... (Tia II... , como era chamada na família).

O prédio em causa, pertenceu de facto à herança dos pais da justificante. Porém os restantes herdeiros abandonaram-no e, nos inícios da década de 60, estava em estado de degradação.

Para fazerem obras na casa, muitos dos irmãos opuseram-se, alegando uns não terem dinheiro para tal e outro interesse, razão pela qual decidiram vender a casa.

A falecida I... , doravante aqui chamada de “Tia II... ” recusou-se a vendê-la por lhe ter estima.

Assim, por sugestão dos irmãos Fausto e O... a casa foi-lhe dada a ela por todos os irmãos, para que esta a recuperasse, propondo os irmãos ajudá-la monetariamente na recuperação da casa.

Desde 61/62 que a referida II... iniciou a recuperação da casa, colocando electricidade, contratando um caseiro para tratar da mesma, pagando luz, arrendando e recebendo rendas, pagando a contribuição predial, fazendo obras e custeando-as, sempre agindo, a partir dessa data (invertendo o título de posse) com a consciência de ser dona da casa em exclusivo, como era reconhecida por todos.

A partir da doação, foram sempre os RR quem continuou a exercer os mais diversos atos de posse na casa, sempre na convicção de serem donos.

*

Deduzem reconvenção peticionando que se declarem os RR como donos e legítimos possuidores do dito prédio, por o terem adquirido por usucapião, por se verificarem todos os requisitos legais, propriedade essa que se presume por terem registado a casa a seu favor com base na escritura de doação.

*

A fls 100 R... e mulher contestam a ação, impugnando a generalidade dos factos e aceitando apenas o descrito nos factos 1º a 7º.

*

A ação foi suspensa em virtude do falecimento de partes no processo, encontrado-se habilitados no apenso A os herdeiros de J... e no apenso B os herdeiros da Ré E... .

*

Por despacho de fls 136 e segs, foi decidida a incompetência territorial do tribunal de Coimbra e remetidos os autos para este Tribunal.

*

Os AA responderam à reconvenção deduzida, a fls 149 e segs, impugnando os factos alegados.

Referem que a “Tia II... ” apenas geria a conservação da casa e recebia dos irmãos a comparticipação, nunca agindo como dona, sendo que todos os irmãos possuíam a chave da casa e a usavam, com os familiares, nunca tendo dado a casa à irmã.

A casa em causa era conhecida como a “Casa dos P... ” e não a “Casa da Tia II... ”.

*

Realizou-se audiência prévia – vide ata de fls 278 e segs –na qual foi admitida a reconvenção, foi proferido despacho saneador, ordenado o registo da ação, fixado o objeto do litígio e temas da prova.

Teve lugar a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, finda a qual foi proferida a sentença de fl.s 447 a 472 (existe erro de paginação, passando-se de fl.s 342 para 443), na qual se fixou a matéria de facto considerada como provada e não provada e respectiva fundamentação e, a final, se decidiu o seguinte:

“Pelo exposto, o tribunal decide:

1) Julgar a ação parcialmente provada e procedente e em consequência:

a) Declara que o prédio urbano identificado no art.º 8º da p.i. e nos pontos 2) e 10) dos factos provados desta sentença pertencem às heranças indivisas, não partilhadas, por óbito de H... e seu pai G... , da qual os AA e RR são herdeiros.

b) Declara a ineficácia da justificação notarial e a nulidade da doação constantes da escritura lavrada em 29 de junho de 2016, no Cartório sito na (...) do Sr Notário (...) , livro 39-A, fls 65 e segs, outorgada por I... e por E... (esta como donatária).

c) Determina o cancelamento de quaisquer inscrições registrais levados a cabo com base no título supra referido sobre o prédio descrito na CRP com o nº 1621 da freguesia de Santa Maria de Manteigas, nomeadamente a aquisição a favor da Ré E... , através da Ap 1 de 2007/10/24.

d) Absolve os RR do demais peticionado.

2) Decide julgar a reconvenção totalmente não provada e improcedente, absolvendo os AA do pedido reconvencional.

3) Condena os RR em custas da ação, por terem tido vencimento – at.º 527º do CPC e 6º do RCP”.

Inconformados com a mesma, interpuseram recurso os réus F... ; S... ; T... ; U... e V... , recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo – (cf. despacho de fl.s 504), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

A) No presente pedido de ampliação da decisão da matéria de facto, deve ter-se presente o disposto no artº. 5º., nº. 2 do NCPC, que determina que “2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:

a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;

b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;

c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.

B) Não está assim a sentença final limitada pelos factos alegados pelas partes, muito embora, algumas das explicitações que a seguir se pretendem já eram admitidas pela legislação anterior.

C) Assim, quanto ao facto 18, ou seja, de que “E tinham uma chave da casa, que lhes havia sido dada pelo pai A... ”, deve acrescentar-se que essa chave tinha sido facultada ao referido A... , pela falecida I... conhecida pela “Tia II... ”.

D) Deve acrescentar-se o facto 18 de modo que o mesmo tenha seguinte redacção “E tinham uma chave da casa, que lhes havia sido dada pelo pai A... , a qual lhe tinha sido facultada pela irmã I... ”.

E) Para fundamentar este aditamento, invocam-se, nos termos do artº. 640º., nº.1, al. b) do Cod. Proc. Civil, o depoimento da testemunha dos AA., L... , filho do aqui A, A... , que se encontra gravado no sistema integrado de gravações em vigor no Tribunal da Guarda e foi prestado na 1ª. sessão do julgamento e as declarações de parte do A. A... , as quais se encontram gravadas no sistema integrado de gravações em vigor neste Tribunal - (nos termos do art.º 155 n.º 1 e 2 do C.P.C.) - estas declarações ficaram gravadas no sistema H@bilus Media Studio, entre as 14:13:22 e as 14:56:59, prestadas na 2ª. sessão do julgamento.

F) Deve ainda acrescentar-se um facto, referido e confessado pelo A. A... , quando prestou declarações, as quais se encontram gravadas no sistema integrado de gravações em vigor neste Tribunal - (nos termos do art.º 155 n.º 1 e 2 do C.P.C.) - estas declarações ficaram gravadas no sistema H@bilus Media Studio, entre as 14:13:22 e as 14:56:59, segundo o qual “foram mudadas as fechaduras da casa e o A. A... a sua família não mais ali puderam ir”.

G) Para fundamentar este aditamento, invocam-se, nos termos do artº. 640º., nº.1, al. b) do Cod. Proc. Civil, as declarações de parte do A. A... , as quais se encontram gravadas no sistema integrado de gravações em vigor neste Tribunal - (nos termos do art.º 155 n.º 1 e 2 do C.P.C.) - estas declarações ficaram gravadas no sistema H@bilus Media Studio, entre as 14:13:22 e as 14:56:59, prestadas na 2ª. sessão do julgamento.

H) Por fim, a falecida I... afirmava-se como dona e proprietária da casa objecto dos presentes autos, alegando que a mesma lhe fora dada a ela e a uma irmã que com ela vivia, que faleceu entretanto e passou a considerar-se dona exclusiva e era como tal reconhecida pelas pessoas de Manteigas.

I) Deve aditar-se também um facto que está provado, pois ninguém apareceu a dizer o contrário, que “a falecida I... afirmava-se como dona e proprietária da casa objecto dos presentes autos, alegando que a mesma lhe fora dada a ela e a uma irmã que com ela vivia, que faleceu entretanto e passou a considerar-se dona exclusiva, sendo como tal reconhecida pelas pessoas de Manteigas.

J) Para fundamentar este aditamento, invoca-se, nos termos do artº. 640º., nº.1, al. b) do Cod. Proc. Civil, pelo depoimento da testemunha W...., cujo depoimento ficou gravado através de gravação digital, no sistema H@bilus Media Studio, entre as 14:57:48 e as 15:19:38, prestado na 2ª. sessão do julgamento.

K) Em sede de direito, da matéria de facto dada como provada pela sentença recorrida e da que ora se adita, resulta inequivocamente que existe um poder de facto da falecida, pois que está assente que os pais da falecida I... também conhecida por II... falecerem em 1948 e 1952. – Facto 1 e que, na escritura de 29 de Junho de 2006, a referida I... declarou que: 10) Nesse ato declarou que “ … Com exclusão de outrem, é dona e legitima possuidora do seguinte prédio a seguir identificado, não descrito na Conservatória do Registo Predial de Manteigas: urbano, composto de casa de rés do chão, primeiro e segundo andar, com a superfície coberta de cento e nove metros quadrados e logradouro com a área de três mil novecentos e cinco metros quadrados, sito em Penhas Douradas-Sanatório, Manteigas (…) inscrito na matriz sobre o art. ° 2.(…)

L) Mais declarou que “o prédio veio à sua posse por lhe haver sido doado, no ano de mil novecentos e quarenta e cinco, pelo titular da inscrição e sua mulher, H... , pais da justificante(…)possui-o, como se vê, há mais de vinte anos e tal posse sempre foi exercida de forma pública, pacífica e sem interrupção tal como se correspondesse ao exercício do direito de propriedade, por isso o habitando e cuidando do seu arranjo e manutenção (…)

M) Mais está provado que 12) Os recibos da água e electricidade da casa erem emitidos, pelo menos desde 1975, em nome de II... , sendo ela que pagava essas despesas – docs de fls 78 a 82, 13) Em 1992 continuava a ser ela a ser a titular do contrato com a EDP – doc de fls 88, 14) Pelo menos em 1974 arrendou a casa e recebeu as respectivas rendas – docs de fls 83 a 88; 15) Nos anos de 1978/1979, mandou fazer e pagou obras na casa, colocando um vidro, uma torneira, válvula e anilhas e serviços de electricidade e canalização. – fls 86 e 87.

N) Além disso, globalmente, ficou dado como provado que 19) Era a “Tia II... ” quem geria a conservação e ocupação da casa, sendo a ela que os irmãos e os sobrinhos se dirigiam quando pretendiam ir à Serra e ocupar a casa, de modo a evitar sobreposição de famílias.

O) Por fim, releva, o facto que se pretende ver aditado de que “a falecida I... afirmava-se como dona e proprietária da casa objecto dos presentes autos, alegando que a mesma lhe fora dada a ela e a uma irmã que com ela vivia, que faleceu entretanto e passou a considerar-se dona exclusiva, sendo como tal reconhecida pelas pessoas de Manteigas.

P) Face a estes factos dados como provados, não restam dúvidas de que existe a materialidade da posse da falecida I... , pelo menos desde 1974, ou seja, há mais de 40 anos, pois ficou demonstrado que arrendou o prédio e recebeu rendas, fez as obras e pagou-as, não se tendo demonstrado que mais alguém tivesse feito outras obras, salvo as que resultavam das necessidades de ocupação momentânea.

Q) Detinha as chaves da casa que entregava a quem ia para a casa, o que sucedeu também com o A. A... que tinha as chaves, porque as mesmas lhe tinham sido deixadas pelo seu pai, a quem a falecida I... as facultara.

R) Ficou assim exuberantemente demonstrada a detenção de facto por parte da falecida I... da referida casa, objecto dos presentes autos, que cedia a quem lha pedia, fazendo nela obras e melhoramentos, que custeava de forma exclusiva, arrendando-a e recebendo as rendas, de que se apropriava.

S) Em declaração da própria feita perante o notário, ela afirmou esse animus e afirmou-o perante o notário, invocando uma causa para o mesmo que era o facto de que “o prédio veio à sua posse por lhe haver sido doado, no ano de mil novecentos e quarenta e cinco, pelo titular da inscrição e sua mulher, H... , pais da justificante”, sendo certo que esta declaração correspondia ao seu estado de espírito resulta do facto de ela o afirmar mesmo perante o seu representante, pelo que se provou por isso a existência de uma posse que conduz à usucapião.

T) Mesmo que tal não tivesse acontecido, esse animus presume-se – o que não foi ilidido – nos termos do art. 1252º, n.º 2 do Cod. Civil, onde se determina que, “em caso de dúvida,

presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto”, doutrina que foi reafirmada pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 14.05.96, publicado no DR II série, de 24.06.96, aplicou esta doutrina, ao extrair a seguinte conclusão: “Podem adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre uma coisa”.

U) Há que concluir que a falecida I... teve a posse (corpus e o animus) do prédio referido no ponto 10 dos factos provados e, por força da escritura de doação, essa posse transmitiu-se aos ora RR., nos termos do artº. 1256º., ou seja, por acessão na posse.

1. Como nota introdutória, deve no presente pedido de ampliação da decisão da matéria defacto, ter-se presente o disposto no artº. 5º., nº. 2 do NCPC, que determina o seguinte:

2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:

a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;

b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;

c) Os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.

Por isso,

Não está a sentença final limitada pelos factos alegados pelas partes, muito embora, algumas das explicitações que a seguir se pretendem já eram admitidas pela legislação anterior.

2. Assim, quanto ao facto 18, ou seja, de que “E tinham uma chave da casa, que lhes havia sido dada pelo pai A... ”, deve acrescentar-se que essa chave tinha sido facultada ao referido A... , pela falecida I... conhecida pela “Tia II... ”.

Esse facto está provado pelo depoimento da testemunha dos AA., L... , filho do aqui A, A... , cujo depoimento se encontra gravado no sistema integrado de gravações em vigor no Tribunal da Guarda, as quais tiveram inicio às 11:10 horas e terminaram, às 11:27 horas, o qual a certa altura declarou:

(…)

Também o A. A... prestou declarações, as quais se encontram gravadas no sistema integrado de gravações em vigor neste Tribunal - (nos termos do art.º 155 n.º 1 e 2 do C.P.C.) - estas declarações ficaram gravadas no sistema H@bilus Media Studio, entre as 14:13:22 e as 14:56:59 e nelas afirmou que:

(…)

Por isso,

Deve acrescentar-se o facto 18 de modo que o mesmo tenha seguinte redacção “E tinham uma chave da casa, que lhes havia sido dada pelo pai A... , a qual lhe tinha sido facultada pela irmã I... ”.

Para fundamentar este aditamento, invocam-se, nos termos do artº. 640º., nº.1, al. b) do Cod. Proc. Civil, o depoimento da testemunha dos AA., L... , filho do aqui A, A... , que se encontra gravado no sistema integrado de gravações em vigor no Tribunal da Guarda e foi prestado na 1ª. sessão do julgamento e as declarações de parte do A. A... , as quais se encontram gravadas no sistema integrado de gravações em vigor neste Tribunal - (nos termos do art.º 155 n.º 1 e 2 do C.P.C.) - estas declarações ficaram gravadas no sistema H@bilus Media Studio, entre as 14:13:22 e as 14:56:59, prestadas na 2ª. sessão do julgamento.

3. Deve ainda acrescentar-se um facto, referido e confessado pelo A. A... , quando prestou declarações, as quais se encontram gravadas no sistema integrado de gravações em vigor neste Tribunal - (nos termos do art.º 155 n.º 1 e 2 do C.P.C.) - estas declarações ficaram gravadas no sistema H@bilus Media Studio, entre as 14:13:22 e as 14:56:59, segundo o qual as fechaduras da casa foram mudadas:

(…)

Deve aditar- se um facto novo, segundo o qual “foram mudadas as fechaduras da casa e o A. A... a sua família não mais ali puderam ir”.

Para fundamentar este aditamento, invocam-se, nos termos do artº. 640º., nº.1, al. b) do Cod. Proc. Civil, as declarações de parte do A. A... , as quais se encontram gravadas no sistema integrado de gravações em vigor neste Tribunal - (nos termos do art.º 155 n.º 1 e 2 do C.P.C.) - estas declarações ficaram gravadas no sistema H@bilus Media Studio, entre as 14:13:22 e as 14:56:59, prestadas na 2ª. sessão do julgamento.

4. Por fim, a falecida I... afirmava-se como dona e proprietária da casa objecto dos presentes autos, alegando que a mesma lhe fora dada a ela e a uma irmã que com ela vivia, que faleceu entretanto e passou a considerar-se dona exclusiva.

Além disso,

Era como tal reconhecida pelas pessoas de Manteigas.

Com efeito,

Tal facto está provado pelo depoimento da testemunha W... , cujo depoimento ficou gravado através de gravação digital, no sistema H@bilus Media Studio, entre as 14:57:48 e as 15:19:38, tendo dito a certa altura:

(…)

Deste modo,

Deve aditar-se também um facto que está provado, pois ninguém apareceu a dizer o contrário, que “a falecida I... afirmava-se como dona e proprietária da casa objecto dos presentes autos, alegando que a mesma lhe fora dada a ela e a uma irmã que com ela vivia, que faleceu entretanto e passou a considerar-se dona exclusiva, sendo como tal reconhecida pelas pessoas de Manteigas.

Para fundamentar este aditamento, invoca-se, nos termos do artº. 640º., nº.1, al. b) do Cod. Proc. Civil, pelo depoimento da testemunha W... , cujo depoimento ficou gravado através de gravação digital, no sistema H@bilus Media Studio, entre as 14:57:48 e as 15:19:38, prestado na 2ª. sessão do julgamento.

DA DECISÃO DE DIREITO:

1. Da matéria de facto dada como provada pela sentença recorrida e da que ora se adita, resulta inequivocamente que existe um poder de facto da falecida

Assim,

Está assente que os pais da falecida I... também conhecida por II... falecerem em 1948 e 1952. – Facto 1.

Mais está provado que:

Que, na escritura de 29 de Junho de 2006, a referida I... declarou que:

10) Nesse ato declarou que “ … Com exclusão de outrem, é dona e legitima possuidora do seguinte prédio a seguir identificado, não descrito na Conservatória do Registo Predial de Manteigas: urbano, composto de casa de rés do chão, primeiro e segundo andar, com a superfície coberta de cento e nove metros quadrados e logradouro com a área de três mil novecentos e cinco metros quadrados, sito em Penhas Douradas-Sanatório, Manteigas (…) inscrito na matriz sobre o art. ° 2.(…)

Mais declarou que “o prédio veio à sua posse por lhe haver sido doado, no ano de mil novecentos e quarenta e cinco, pelo titular da inscrição e sua mulher, H... , pais da justificante(…)possui-o, como se vê, há mais de vinte anos e tal posse sempre foi exercida de forma pública, pacífica e sem interrupção tal como se correspondesse ao exercício do direito de propriedade, por isso o habitando e cuidando do seu arranjo e manutenção (…)

Mais está provado que:

12) Os recibos da água e electricidade da casa erem emitidos, pelo menos desde 1975, em nome de II... , sendo ela que pagava essas despesas – does de fls 78 a 82.

13) Em 1992 continuava a ser ela a ser a titular do contrato com a EDP – doe de fls 88.

14) Pelo menos em 1974 arrendou a casa e recebeu as respectivas rendas – does de fls 83 a 88.

15) Nos anos de 1978/1979, mandou fazer e pagou obras na casa, colocando um vidro, uma torneira, válvula e anilhas e serviços de electricidade e canalização. – fls 86 e 87.

Além disso,

Globalmente, ficou dado como provado que:

19) Era a “Tia II... ” quem geria a conservação e ocupação da casa, sendo a ela que os irmãos e os sobrinhos se dirigiam quando pretendiam ir à Serra e ocupar a casa, de modo a evitar sobreposição de famílias.

Por fim,

Releva, o facto que se pretende ver aditado de que “a falecida I... afirmava-se como dona e proprietária da casa objecto dos presentes autos, alegando que a mesma lhe fora dada a ela e a uma irmã que com ela vivia, que faleceu entretanto e passou a considerar-se dona exclusiva, sendo como tal reconhecida pelas pessoas de Manteigas.

2. Face a estes factos dados como provados, não restam dúvidas de que existe a materialidade da posse da falecida I... , pelo menos desde 1974, ou seja, há mais de 40 anos.

Na verdade,

Ficou demonstrado que arrendou o prédio e recebeu rendas, fez as obras e pagou-as, não se tendo demonstrado que mais alguém tivesse feito outras obras, salvo as que resultavam das necessidades de ocupação momentânea.

Acresce que

Detinha as chaves da casa que entregava a quem ia para a casa, o que sucedeu também com o A. A... que tinha as chaves, porque as mesmas lhe tinham sido deixadas pelo seu pai, a quem a falecida I... as facultara.

Ou seja,

Ficou assim exuberantemente demonstrada a detenção de facto por parte da falecida I... da referida casa, objecto dos presentes autos, que cedia a quem lha pedia, fazendo nela obras e melhoramentos, que custeava de forma exclusiva, arrendando-a e recebendo as rendas, de que se apropriava.

3. Porém, para que se possa falar de posse, é necessário que esse poder de facto, seja exercido com o animus de proprietário.

Ora,

Não resulta directamente provado dos autos o animus, ou seja, que a falecida I... tenha ao longo desses anos agido “na convicção de que exercem um direito seu e em nome próprio como se exercessem um direito de propriedade

Porém,

Em declaração da própria feita perante o notário, ela afirmou esse animus.

E afirmou-o

Invocando uma causa para o mesmo que era o facto de que “o prédio veio à sua posse por lhe haver sido doado, no ano de mil novecentos e quarenta e cinco, pelo titular da inscrição e sua mulher, H... , pais da justificante”.

Aliás,

Que esta declaração correspondia ao seu estado de espírito resulta do facto de ela o afirmar mesmo perante o seu representante.

Ou seja,

Provou-se por isso a existência de uma posse que conduz à usucapião.

4. Porém,

Mesmo que tal não tivesse acontecido, esse animus presume-se – o que não foi ilidido – nos termos do art. 1252º, n.º 2 do CC.

Com efeito,

Nos termos do citado normativo legal, “em caso de dúvida, presume-se a posse naquele que exerce o poder de facto”, doutrina que foi reafirmada pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 14.05.96, publicado no DR II série, de 24.06.96, aplicou esta doutrina, ao extrair a seguinte conclusão: “Podem adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre uma coisa”.

Por isso,

Há que concluir que a falecida I... teve a posse (corpus e o animus) do prédio referido no ponto 10 dos factos provados.

E, por força da escritura de doação,

Essa posse transmitiu-se aos ora RR., nos termos do artº. 1256º., ou seja, por acessão na posse.

5. Aliás, neste sentido é o Ac. da Relação de Coimbra 25/2/2014, proferido no processo 1350/11.6TBGRD.C1 e divulgado em http://www.dgsi.pt/jtrc, no qual se decidiu:

(…)

É a doutrina aplicável no caso dos presentes autos.

No mesmo sentido,

É ainda o ac. da mesma Relação de Coimbra de 3/12/2013, proferido no processo 194/09.0TBPBL.C1, publicitado em http://www.dgsi.pt/jtrc.

6. Acresce que,

Porque a presente acção não é uma acção proposta nos termos do artº. 117º. do Cod. Registo Predial, em que se impugne no prazo aí definido o acto do registo baseado na justificação notarial.

É que

Até esse momento, não existe qualquer registo efectuado definitivamente, pelo que não se verifica, nem pode ser invocada a presunção de propriedade contida no artº. 7º. do Cod. Registo Predial.

Porém,

Uma vez efectuado definitivamente o registo quer a favor da falecida I... , quer posteriormente dos donatários e réus iniciais na presente acção, essa presunção actua plenamente.

Nesse sentido,

Já decidiu o acórdão do STJ de 19/2/2013, proferido no processo 367/2002.P1.S, publicitado em http://www.dgsi.pt/jstj, onde se decidiu que:

(…)

Ou seja,

Dado que existe registo definitivo a favor dos RR. iniciais, gozam estes da presunção derivada do registo predial a seu favor.

7. Verifica-se assim que os ora recorrentes têm a seu favor duas presunções legais, a

saber:

- a presunção de a sua antecessora e eles por acessão serem possuidores em nome próprio do prédio descrito e confrontado no artº. 31º. da contestação, face à presunção de animus possidendi resultante do provado poder de facto sobre o bem em causa;

- a presunção de registo a seu favor da aquisição desse prédio, demonstrada pelo registo definitivo a seu favor desse prédio, como resulta do documento 18 junto com a contestação.

Ora,

Nos termos do artº. 350º., nº. 1 do Cod. Civil, “quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz”, estabelecendo o nº. 2 que as presunções legais podem, todavia, ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos em que a lei o proibir”.

No caso concreto,

Existindo a presunção e sendo a mesma ilidível, não se demonstra que a mesma tenha sido elidida.

É que

Os factos 3 e 4 nada demonstram, pois que ocorreram há mais de 60 anos e não se demonstra que tenha sido a falecida I... a proceder à apresentação das referidas relações de bens nas Finanças.

Consequentemente,

Não se mostram elididas as presunções legais invocadas.

8. Assim sendo, como é, tem a presente acção de improceder e tem de julgar-se procedente e provada a reconvenção formulada, devendo os ora recorrentes ser declarados como legítimos e exclusivos proprietários do prédio justificado, descrito e confrontado nos pontos 2 e 11 dos factos assentes

É que

Ao decidir como decidiu, a sentença recorrida é ilegal, por violar o disposto nos artigos 1252º., nº 2 e 350º., ambos do Cód. Civil, bem como o artº. 7º. do Cod. Registo Predial e ainda a doutrina consagrada no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 14.05.96, publicado no DR II série, de 24.06.96, pelo que tem de ser revogada.

V) Assim, vem o Supremo Tribunal de Justiça decidindo, de forma pacífica, no sentido de que o detentor da coisa, ou seja o que tem o poder de facto, ou o “corpus”, está dispensado de provar que possui com intenção de agir como titular do direito real correspondente - em Acórdão de uniformização de jurisprudência de 14.05.96, publicado no DR II série, de 24.06.96, aplicou esta doutrina, ao extrair a seguinte conclusão:

“Podem adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre uma coisa”, acrescentando-se que “O animus exprime-se pelo poder de facto, logo a intenção de domínio não tem de explicitar-se e muito menos por palavras. O que importa é que se infira do próprio modo de actuação ou de utilização.”

X) Acresce que, porque a presente acção não é uma acção proposta nos termos do artº. 117º. do Cod. Registo Predial, em que se impugne no prazo aí definido o acto do registo baseado na justificação notarial, uma vez efectuado definitivamente o registo quer a favor da falecida I... , quer posteriormente dos donatários e réus iniciais na presente acção, essa presunção actua plenamente, como já decidiu o acórdão do STJ de 19/2/2013, proferido no processo 367/2002.P1.S, publicitado em http://www.dgsi.pt/jstj, pelo que dado que existe registo definitivo a favor dos RR. iniciais, gozam estes da presunção derivada do registo predial a seu favor.

Y) Verifica-se assim que os ora recorrentes têm a seu favor duas presunções legais, a saber: - a presunção de a sua antecessora e eles por acessão serem possuidores em nome próprio do prédio descrito e confrontado no artº. 31º. da contestação, face à presunção de animus possidendi resultante do provado poder de facto sobre o bem em causa; - a presunção de registo a seu favor da aquisição desse prédio, demonstrada pelo registo definitivo a seu favor desse prédio, como resulta do documento 18 junto com a contestação.

Z) Existindo a presunção e sendo a mesma ilidível, não se demonstra que a mesma tenha sido elidida, pois os factos 3 e 4 nada demonstram, pois que ocorreram há mais de 60 anos e não se demonstra que tenha sido a falecida I... a proceder à apresentação das referidas relações de bens nas Finanças, pelo que não se mostram elididas as presunções legais invocadas.

AA) Ao decidir como decidiu, a sentença recorrida é ilegal, por violar o disposto nos artigos 1252º., nº 2 e 350º., ambos do Cod. Civil, bem como o artº. 7º. do Cod. Registo Predial e ainda a doutrina consagrada no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência de 14.05.96, publicado no DR II série, de 24.06.96, pelo que tem de ser revogada.

BB) Assim sendo, como é, em provimento do presente recurso, deve ser revogada a sentença recorrida e, em consequência, tem a presente acção de improceder e tem de julgar-se procedente e provada a reconvenção formulada, devendo os ora recorrentes ser declarados como legítimos e exclusivos proprietários do prédio justificado, descrito e confrontado nos pontos 2 e 11 dos factos assentes, como é de lei e de Justiça

Não foram apresentadas contra-alegações.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.          

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do NCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

A. Se devem ser aditados aos factos considerados como provados, os descritos nas conclusões D), F) e I) e;

B. Se a presente acção deve ser julgada improcedente, com o fundamento em a falecida I... , ter exercido actos de posse, como proprietária do imóvel referido nos autos, pelo menos desde 1974, há mais de 40 anos; para além de ter a seu favor a presunção do registo, nos termos do artigo 7.º do Código do Registo Predial.

É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

1) Os avós dos AA. e da Ré mulher eram G... , falecido a 9/08/1952 e H... , falecida a 16/10/1948. – admitido por acordo e certidão de fls 27 e 28

2) G... e mulher foram os donos e legítimos possuidores de um prédio urbano destinado a habitação, sito nas Penhas Douradas, Manteigas, inscrito na matriz predial

urbana de Manteigas sob o art.º nº 2. – admitido por acordo e resultante de toda a prova produzida.

3) Por óbito dos mesmos foram instaurados os competentes processos de imposto sucessório junto da Repartição de Finanças de Coimbra, tendo tal bem sido relacionado, sendo no processo por óbito da cônjuge mulher, primeiramente falecida, apenas a metade do prédio – certidão de fls 27.

4) Tal bem não foi objeto de escritura ou de partilha judicial por óbito dos mesmos, nem incluído na partilha por óbito de II... ou I... . – admitido por acordo e resultante da demais prova.

5) G... e mulher tiveram sete filhos, que lhes sucederam, a saber: K.... (pai do A. A... ), M... (pai do A. C... ), I... , também conhecida por II... , N... , O... e Q... . – admitido por acordo.

6) II... e N... faleceram no estado de solteiras e sem filhos.

7) Pelo que os herdeiros das mesmas foram os irmãos, ou os sobrinhos, em representação dos pais, identificados na escritura de habilitação de herdeiros de fls 21 e segs.

8) I... ou II... faleceu no dia 3 de Janeiro de 2008, no estado de solteira e não deixou irmãos, descendentes e ascendentes, tendo apenas deixado como seus herdeiros sobrinhos, nomeadamente os ora AA., a Ré mulher e os requeridos intervenientes conforme consta da escritura de Habilitação Notarial realizada em 15/2/2008 no Cartório Notarial de Maria de Fátima Pereira Pessoa – fls 21 a 25.

9) Ainda em vida, II... dirigiu-se a um Cartório Notarial em Coimbra, acompanhada de três testemunhas, e aí, no dia 29 de julho de 2006 outorgou uma escritura de justificação e doação a favor da Ré mulher, sua sobrinha, do prédio referido em 2) e de seguida melhor identificado. – escritura de fls 29 a 32.

10) Nesse ato declarou que “ com exclusão de outrem, é dona e legitima possuidora do seguinte prédio a seguir identificado, não descrito na Conservatória do Registo Predial de Manteigas: urbano, composto de casa de rés do chão, primeiro e segundo andar, com a superfície coberta de cento e nove metros quadrados e logradouro com a área de de três mil novecentos e cinco metros quadrados, sito em Penhas Douradas-Sanatório, Manteigas (…) inscrito na matriz sobre o art.º 2.(…)

Mais declarou que “o prédio veio à sua posse por lhe haver sido doado, no ano de mil novecentos e quarenta e cinco, pelo titular da inscrição e sua mulher, H... , pais da justificante(…)possui-o, como se vê, há mais de vinte anos e tal posse sempre foi exercida de forma pública, pacífica e sem interrupção tal como se correspondesse ao exercício do direito de propriedade, por isso o habitando e cuidando do seu arranjo e manutenção (…)”

Nessa mesma escritura declarou que “doa à terceira outorgante E... , sua sobrinha, o identificado prédio.”. – escritura de fls 29 e segs.

11) O prédio identificado em 2) e 10) está registado na CRPredial de Santa Maria de Manteigas com o nº 1621/20071024 e mostra-se inscrito a favor de E... através da AP 1 de 2007/10/24 tendo como causa aquisitiva a doação supra referida. – documento de fls 91 e 92

12) Os recibos da água e electricidade da casa erem emitidos, pelo menos desde 1975, em nome de II... , sendo ela que pagava essas despesas – docs de fls 78 a 82.

13) Em 1992 continuava a ser ela a ser a titular do contrato com a EDP – doc de fls 88.

14) Pelo menos em 1974 arrendou a casa e recebeu as respectivas rendas – docs de fls 83 a 88.

15) Nos anos de 1978/1979, mandou fazer e pagou obras na casa, colocando um vidro, uma torneira, válvula e anilhas e serviços de electricidade e canalização. – fls 86 e 87.

16) Desde o falecimento de I... Nascimento e de G... que a casa foi sendo usada pelos seus filhos, quer por II... , quer pelos restantes irmãos e seus descendentes e familiares, incluindo os RR habilitados com a sua mãe E... , em especial durante fins-de-semana e férias da Páscoa e de Verão.

17) O A. A... e sua família passaram férias e fins-de-semana nessa casa, até ao ano de 1991.

18) E tinham uma chave da casa, que lhes havia sido dada pelo pai A... .

19) Era a “Tia II... ” quem geria a conservação e ocupação da casa, sendo a ela que os irmãos e os sobrinhos se dirigiam quando pretendiam ir à Serra e ocupar a casa, de modo a evitar sobreposição de famílias.

20) Os demais familiares, irmãos da Tia II... e seus descendentes, também procediam a pequenas reparações na casa, quando a ocupavam.

21)A partir da doação, os RR., e depois os herdeiros habilitados, continuaram a usar e vigiar a casa, a pagar as despesas da casa, a fazerem obras de restauro, contactando empreiteiro para o efeito e suportando as despesas, accionando judicialmente o mesmo para a eliminação de defeitos, pagando IMIs

22) Sendo que o fizerem continuadamente, perante toda a população e convictos de serem donos exclusivos da mesma, sem a consciência de lesarem os direitos dos demais herdeiros dos avós e de II... .

*

4.2) Factos não provados

a) G... e H... doaram a casa identificada em 2) e 10) dos factos provados à filha I... ou II... (no ano de 1945 ou em qualquer outro).

b) Os demais herdeiros de G... e H... , ou seja, os irmãos de I... , abandonaram a casa identificada em 2) e 10)

c) E que, por isso mesmo, estava no início da década de 60 do século XX em adiantado estado de degradação.

d) Uma vez que apenas II... queria recuperar a casa, já que os demais não tinham dinheiro ou não tinham interesse nisso, por sugestão dos irmãos Fausto e O... a casa foi dada à Tia II... por todos os irmãos, a fim de esta a recuperar para si, propondo-se os referidos irmãos a ajudar monetariamente a irmã II... nessa recuperação.

e) A partir desse acordo com os irmãos, II... passou a considerar-se como dona e senhora da casa da serra como era conhecida, pondo e dispondo dela como se coisa sua fosse e com tal convicção.

f) Sendo como tal reconhecida, quer pelas pessoas de Manteigas, quer pelos seus próprios irmãos.

g) As despesas com a recuperação da casa tidas por II... foram comparticipadas pelos irmãos.

h) Nos anos de 78/79 foi recuperado o soalho da casa e colocadas portas novas e reformulado o sistema de electricidade.

A. Se devem ser aditados aos factos considerados como provados, os descritos nas conclusões D), F) e I).

No que a esta questão concerne, alegam os recorrentes que, com base no depoimento das testemunhas L... e W... e declarações de parte do autor A... , se devem dar como demonstrados os factos que descrevem nas referidas conclusões, pretendendo que os mesmos sejam “acrescentados/aditados”, aos demais tidos como provados.

Trata-se de factos instrumentais (os dois primeiros) e essenciais (o último), dado que neste se referem factos, sem os quais, não se poderá considerar que a justificante adquiriu o direito de propriedade sobre o imóvel em causa, através da usucapião.

O problema é que estes factos nunca foram alegados pelas partes, designadamente, pelos réus, a quem os mesmos interessam, ao longo dos autos, pelo que, nesta sede, já não poderão ser atendidos/considerados, no que passamos a seguir o que este Colectivo já decidiu, entre outras, nas Apelações n.º 60/14.7TBSAT e n.º 12/14.7TBAGN, ambos disponíveis no sítio do itij, deste Tribunal da Relação.

Por contraponto aos factos essenciais, os factos instrumentais destinam-se a realizar a prova indiciária dos factos essenciais, já que através deles se poderá chegar, mediante presunção judicial, à demonstração dos factos essenciais correspondentes – assumindo, pois, em exclusivo uma função probatória e não uma função de preenchimento e substanciação jurídico-material das pretensões e da defesa, no que, ora, se seguiu o pensamento expresso por Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. I, 2.ª edição, Almedina, 2004, a pág.s 252 e 253.

Ora, nos termos do disposto no artigo 5.º do NCPC (anterior 264.º do CPC):

“n.º 1 – Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções.

n.º 2 – Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelos juiz:

a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;

b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução e discussão da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar.”.

Daqui que, (por referência ao artigo 264.º do CPC) como se salienta no Acórdão do STJ, de 31/03/2011, Processo n.º 281/07.9TBSVV.C1.S1, disponível in http://www.dgsi.pt/jstj, “não obstante a reforma do processo civil de 95/96 (…) que visou também garantir a prevalência do fundo sobre a forma, através da previsão de um poder mais interventor do juiz, tendo nela saído revigorado o princípio do inquisitório ou da oficiosidade, imbuído de uma lógica de cooperação, a verdade é que o Juiz só pode, em princípio, fundamentar a sua decisão nos factos alegados pelas partes, sem prejuízo de poder sempre atender àqueles que não carecem de alegação ou de prova (art. 514.º do CPC) de obstar ao uso anormal do processo (art. 665 do mesmo diploma legal) e de considerar, mesmo oficiosamente, os factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa e os factos essenciais que sejam complemento ou concretização de outros que as partes hajam oportunamente alegado e resultem da instrução e da discussão da causa (art. 264.º, n.os 2 e 3, ainda do CPC)”.

Como refere Lopes do Rego, ob. cit., a pág. 253 “o tribunal tem um amplo poder inquisitório relativamente aos factos instrumentais, podendo investigá-los no decurso da audiência, quer por sugestão da parte interessada, quer mesmo por iniciativa própria”.

Mas o mesmo já não se passa relativamente aos factos essenciais, os que integram e constituem a causa de pedir, uma vez que quanto a estes se nega a inquisitoriedade que se admite relativamente aos instrumentais – neste sentido, veja-se M. Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Março/Julho de 1996, pág.s 70 a 72.

Assim, nos termos do n.º 2 do artigo 5.º do CPC, permite-se que o juiz tenha em consideração os factos instrumentais que resultem da instrução da causa ou os que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles as partes hajam tido a possibilidade de se pronunciar, mas tal já não acontecendo, pelas ordens de razões acima expostas, com os essenciais.

Posto isto e atento a que, como já referido, os factos em apreço nesta questão do presente recurso são, uns complementares, mas sem que a M.ma Juiz a quo, relativamente aos mesmos, tenha usado da prerrogativa prevista no n.º 2 do artigo 5.º do CPC e o último é um facto essencial para a decisão da pretensão jurídica solicitada e que não foi alegado pela partes, não podem os mesmos, por isso, ser tidos, agora, apenas em sede de recurso, em conta – cf. artigo 5.º, n.os 1 e 2, do CPC.

Sendo, um deles, essencial, também, nem sequer o mesmo se pode considerar como complemento ou concretização de outros que hajam sido alegados e resulte da instrução e discussão da causa (caso em que, mesmo assim, ficaria dependente de manifestação de vontade da parte em dele se aproveitar e depois de cumprido o contraditório, sendo que nada disto se verificou), nos termos do disposto no n.º 2 deste artigo, no qual, reitera-se, mesmo relativamente aos complementares ou concretizadores do alegado pelas partes, não podem ser atendidos, sem que tenha sido dada às partes a possibilidade de sobre eles se pronunciarem.

Efectivamente, salvo o devido respeito, o que se acha previsto no art. 5.º/2 do NCPC não tem o significado que os recorrentes lhe querem dar, isto é que, por derivar do depoimento de uma testemunha ou parte, não obstante não ter sido alegado, tem, agora, de ser levado em consideração.

Como refere o Prof. Lebre de Freitas[1], “quanto à consideração dos factos complementares ou concretizadores que ressaltem da instrução da causa, o regime mantém-se, exigindo a lógica do esquema processual derivado do princípio do dispositivo que a parte a quem os factos aproveitem os introduza como matéria da causa, mediante a manifestação, equivalente a uma alegação, da vontade de deles se aproveitar.

Não é pois correcta, a nosso ver e com o devido respeito, a ideia, porventura retirada duma leitura apressada da recente Reforma do regime do processo civil, desta Reforma dispensar as partes de dizer/alegar, nos articulados, a sua versão factual, na medida em que – dir-se-á em tal ideia, a nosso ver, “errada” – no julgamento, se pode discutir tudo e mais alguma coisa, tendo, depois, o juiz que efectuar uma redacção dos factos que inclua o “tudo e mais alguma coisa” – aqui se incluindo o que foi meramente aflorado no julgamento (e que antes nunca se disse/alegou) e o que possa extrair-se de todo o tipo de documentos que foram sendo juntos (e que antes nunca se disse/alegou) – no elenco factual da sentença; mais, tendo depois a Relação, caso a 1.ª Instância o não tenha feito, que efectuar tal redacção do “tudo e mais alguma coisa” que nunca foi alegado e que, entretanto, a parte se lembrou que pode ter interesse e pode “dar jeito”.

Nada há na lei processual actual, salvo melhor opinião, que permita dizer ou pensar que o NCPC escancara a porta à desordem e surpresa processuais.

Permite (como já antes o art. 264.º/3) que factos que complementam ou concretizam os factos alegados pelas partes sejam tomados em conta, mas, evidentemente, após uma parte dizer que se quer aproveitar deles; o que, verdadeiramente e em bom rigor, só acontece após a exacta concretização dos factos de que se quer aproveitar.

Até tal momento – até a parte concretizar o facto, como entende que ele ocorreu, e manifestar a vontade de dele se aproveitar, o que naturalmente tem que acontecer na 1.ª Instância – nem sequer a outra parte está devidamente avisada da possibilidade de tal facto ser utilizado e, por isso, compreensivelmente, poderá não fazer incidir o seu labor probatório sobre ele (ou sobre a contraprova do mesmo).

Tudo isto para, encurtando razões, dizer e concluir que não assiste qualquer razão aos réus apelantes nas conclusões supra transcritas, no que a esta questão respeita, uma vez que, sem terem feito a respectiva e oportuna alegação e sem terem manifestado uma explícita vontade de se aproveitar de tais concretos factos, pedem que os mesmos sejam dados como provados; ou seja, pedem que seja dado como provado algo que não foi antes idoneamente introduzido/alegado no processo.

Tudo, sem olvidar que, neste caso, para mais, relativamente ao da conclusão I), se trata de um facto essencial e que, por isso, teria de ser, necessariamente alegado.

Pelo que, que não pode esta factualidade ser dada como provada (por a mesma não ter sido oportunamente alegada), termos em que nada mais importa averiguar em sede do recurso da matéria de facto.

Consequentemente, nesta parte, tem de improceder o recurso em apreço, mantendo-se inalterada a matéria de facto dada como provada e não provada em 1.ª instância.

B. Se a presente acção deve ser julgada improcedente, com o fundamento em a falecida I... , ter exercido actos de posse, como proprietária do imóvel referido nos autos, pelo menos desde 1974, há mais de 40 anos; para além de ter a seu favor a presunção do registo, nos termos do artigo 7.º do Código do Registo Predial.

No que a esta questão concerne, defendem os réus, ora recorrentes, que a presente acção deve improceder, por se dever considerar terem provado que, por si e antepossuidores, adquiriram a propriedade do imóvel em causa, através da usucapião; para além do que, gozam da presunção derivada do registo, que sobre o referido imóvel, têm a seu favor, nos termos do disposto no artigo 7.º do Cód. de Registo Predial.

No entanto, em face da factualidade tida como provada e não provada, não podem ver satisfeita a sua pretensão, uma vez que não se provaram factos bastantes para que se dêem como verificados os requisitos necessários para a verificação da aquisição do almejado direito de propriedade sobre o imóvel em causa, através da usucapião; bem como porque os réus não beneficiam da alegada presunção derivada do registo, nos termos que se passa a expor.

Efectivamente, a usucapião mais não é do que a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, desde que se revista de determinadas características e durante certo período temporal – cf. artigo 1287.º CC.

Por seu turno, a posse, nos termos do artigo 1251.º do mesmo Código é o poder que se manifesta (exercício de poderes de facto) sobre uma coisa, em termos equivalentes ao direito de propriedade ou de outro direito real, traduzindo-se no corpus: elemento material, que mais não é do que a assunção de poderes de facto sobre a coisa e no animus: o exercício de tais poderes de facto como titular do respectivo direito de propriedade ou de outro direito real.

Como é sabido, o nosso Código Civil, consagrou uma concepção subjectiva da posse, no sentido de que não basta o exercício de poderes de facto, de dominialidade sobre a coisa, exige-se, também, a intenção de os exercer pela forma correspondente à do direito real invocado.

A usucapião traduz-se numa forma originária de aquisição do direito, ou seja, em que o titular recebe o seu direito independentemente do direito do anterior titular, pelo que para a mesma poder ser eficaz necessário se torna avaliar se existem actos de posse e se os mesmos foram exercidos em moldes conducentes à aquisição do direito, isto é com a intenção de corresponder ao direito real invocado, in casu, o direito de propriedade, durante um certo lapso de tempo e com determinadas características.

No que às características da posse tange, de acordo com o disposto nos artigos 1258.º a 1262.º, do CC, pode a mesma ser titulada/não titulada, de boa ou má fé, pacífica ou violenta, pública ou oculta, o que tem relevância para a quantificação do prazo reputado de suficiente para que se verifique a usucapião – cf. artigos 1294.º a 1296.º, CC, sendo que o prazo para que a usucapião se possa iniciar não se conta enquanto permanecer uma situação de posse violenta ou tomada ocultamente – cf. dispõe o artigo 1297.º CC.

Traçado este quadro teórico, vejamos, então, se em face dos factos alegados e demonstrados se pode concluir que os réus adquiriram o invocado direito de propriedade sobre o identificado prédio, através da usucapião.

Ora, compulsados estes, é manifesto que assim não sucede.

Isto, porque, de acordo com a factualidade provada e constante dos itens 16.º a 22.º, demonstrou-se que todos os herdeiros usavam a casa em questão, dela tendo uma chave, sendo a justificante que geria a conservação e ocupação da casa, mas na qualidade de herdeira, como os demais e só a partir de 2006, mercê da doação que lhes foi feita é que os réus passaram a exercer actos de posse, com virtualidades suficientes para a aquisição do respectivo direito de propriedade, através da usucapião, como resulta dos itens 21.º e 22.º, o que não sucedeu relativamente à Tia II... , como resulta do teor das alíneas e) e f), dos factos não provados.

Como escreveu Orlando de Carvalho, in RLJ, n.º 3780, a pág. 66, para que se verifique o exercício de poderes de facto sobre uma coisa não existe a necessidade de um contacto físico com a coisa, para tal bastando que “… a coisa entre na nossa órbita de disponibilidade fáctica, que sobre ela podemos exercer (querendo), poderes empíricos; basta a entrada factual de uma coisa em certa órbita de senhorio ou de interesses.”.

Ou, como escreve Durval Ferreira, in Posse e Usucapião, 3.ª edição, Almedina, 2008, a pág.s 152 e 155, são elementos do corpus, todos os elementos materiais quer da coisa, quer da sua relação estancial com um sujeito ou de espaço que, á luz do consenso público permitam, relevantemente, a valoração, o entendimento, de entre o sujeito e a coisa existir uma relação de senhorio de facto, à imagem de uma relação empírica de domínio e para que a coisa entre na disponibilidade fáctica de um sujeito, deve atender-se à energia do acto de apreensão, á sua perdurabilidade e á natureza do direito que se pretende adquirir.

Para o que basta se o acto ou série de actos têm, segundo o consenso público, a energia suficiente para significar que, entre uma coisa e determinado indivíduo, se estabeleceu uma relação duradoura.

Idêntica opinião é expressada por M. Henrique Mesquita, in Direitos Reais, Sumários das Lições ao Curso de 1966-1967, edição policopiada, Coimbra, 1967, pág.s 96 e 97.

Na mesma esteira, o Acórdão do STJ, de 11/12/2008, Processo 08B3743, disponível in http://www.dgsi.pt/jstj, segundo o qual “… a relação da pessoa com a coisa legalmente exigida para o efeito não implica necessariamente que ela se traduza em actos materiais, pelo que há corpus da posse enquanto a coisa estiver submetida à vontade do sujeito em termos de ele poder, querendo, renovar a actuação material sobre ele.”.

No entanto, para que a posse possa conduzir à usucapião, tem de revestir determinadas características (as descritas no artigo 1258.º do CC), em que se inclui a exigência de ser uma posse pacífica e que tem de ser complementada com a prática reiterada dos actos de posse, de acordo com o estatuído no artigo 1263.º, alínea a), do Código Civil.

Para além de que, como referem P. de Lima e A. Varela, in Código Civil Anotado, Vol. III, 2.ª Edição Revista E Actualizada (Reimpressão), Coimbra Editora, 1987, a pág.s 25 e 26, sem a prática reiterada e pública dos actos de posse, nos termos do artigo 1263.º, al. a), do CC, a posse não existe, nem se constitui, valendo esta alínea como um complemento ou uma confirmação do conceito de posse expresso no artigo 1251.º (do Código Civil).

Faltando, desde logo, o requisito de a posse ser pacífica, não pode esta conduzir à usucapião, “não é boa para usucapião”, nos termos do disposto no artigo 1297.º do CC, dado que como neste se determina a posse só começará a contar para efeitos de usucapião quando revestir a natureza/característica de pacífica – veja-se, Durval Ferreira, ob. cit., a pág.s 319 e 507.

A usucapião tem em vista a resolução do conflito de interesses que surge entre o titular inerte do direito de propriedade, que dispõe apenas de um poder jurídico simples (ou tão só formal-jurídico), porque desprovido da correspondente posse (causal) – e o sujeito activo – ou seja, o possuidor formal ou autónomo e acima de tudo, satisfazer a exigência de que, após um certo lapso de tempo, a situação de direito se adeqúe à situação de facto, que a posse é de harmonia com o «ordo ordinatus querido pela lei», assim se visando almejar a «ordenação dominial definitiva», ou seja que se conjuguem na mesma pessoa a titularidade do direito (maxime de propriedade) e a correlativa posse causal, com a disponibilidade fáctica ou empírica que a caracteriza como «faculdade jurídica secundária» englobada no conteúdo desse direito, consagrando-se a posse como um caminho para a autêntica dominialidade, assim acabando com a indesejada discrepância entre o direito real, v.g. de propriedade e o poder de facto a que o mesmo tende, que por vezes pode ser conflituosa – neste sentido, veja-se A. Vassalo de Abreu, Titularidade Registral Do Direito De Propriedade Imobiliária Versus Usucapião (“Adverse Possession”), Coimbra Editora, Março de 2013, pág.s 145 a 147.

Como acima referido, a posse exercida durante certo lapso de tempo conduz à aquisição do direito correspondente, nos termos consignados, quanto aos imóveis, nos artigos 1293.º e seg.s do Código Civil, prazos esses que, como explicitado na decisão recorrida, relativamente aos réus ainda não decorreram e a Tia II... , em face da não demonstração dos factos referidos nas alíneas e) e f), dos factos não provados, não pode ser considerada como possuidora, em função do que, igualmente, não se mostra violado o firmado no invocado AUJ, de 14 de Maio de 1996, pela simples razão de que inexiste a invocada posse e, consequentemente, a alegada presunção decorrente da prática de actos de posse, que não existiram.

Pelo que, com base nesta fundamentação é de manter a decisão recorrida.

E, igualmente, improcede a pretensão dos ora recorrentes, na vertente da invocada presunção derivada do registo, porque a mesma não se verifica.

Conforme AUJ, n.º 1/2008, in DR, I.ª Série, de 31 de Março de 2008:

“Na acção de impugnação de escritura de justificação notarial prevista nos artigos 116.º, n.º 1, do Cód. de Registo Predial e 89.º e 101.º do Cód. do Notariado, tendo sido os réus que nela firmaram a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre um imóvel, inscrito definitivamente no registo, a seu favor, com base nessa escritura, incumbe-lhes a prova dos factos constitutivos do seu direito, sem poderem beneficiar da presunção do registo decorrente do artigo 7.º do Cód. de Registo Predial.”.

Na sequência do que constitui jurisprudência uniformizada do STJ, que impugnada judicialmente a escritura de justificação notarial, impende sobre o justificante, na qualidade de réu, o ónus da prova da aquisição do direito de propriedade e da validade desse direito, nos termos do disposto no artigo 343.º, n.º 1, do Código Civil, sem que possa beneficiar da presunção registral emergente do artigo 7.º do Cód. de Registo Predial – cf. Acórdão do STJ, de 09/07/2015, Processo n.º 448/09.5TCFUN.L1.S1, disponível no respectivo sítio do itij.

E no mesmo sentido, o Acórdão do mesmo Tribunal, de 01/03/2012, Processo n.º 180/2000.E1.S1, disponível no mesmo sítio do anterior, no qual se refere que “demonstrada a não existência do direito da ré, é falso o respectivo registo, o que implica a sua nulidade, deixando, consequentemente, de gozar da presunção prevista no artigo 7.º do C R Predial”.

Ainda, no mesmo sentido, o Acórdão de 07/04/2001, disponível no referido sítio, Processo n.º 569/04.0TCSNT.L1.S1, no qual se decidiu que “incumbe aos justificantes a prova dos factos constitutivos do direito a que se arrogam, sem poderem, para tal, gozar da presunção derivada do registo, que, em regra, lhes seria concedida pelo artigo 7.º do CR Predial”.

Cumpre acrescentar que o Acórdão do STJ, de 19/02/2013, Processo n.º 367/2002.P1.S1, disponível no mesmo sítio dos anteriores, que os recorrentes invocam a seu favor, no sentido de que gozam da referida presunção, não se aplica ao caso sub judice.

Efectivamente, refere-se no mesmo que uma vez efectuado o registo definitivo, com base na escritura de justificação notarial, surge então a presunção legal estabelecida no artigo 7.º do CR Predial, nos termos gerais.

No entanto, assim se concluiu porque no caso nele em apreço a escritura de justificação notarial não foi objecto de impugnação judicial (sublinhado nosso). O que não se verifica na situação de que ora nos ocupamos.

O que naquele Aresto se discute é o valor probatório da escritura de justificação notarial não impugnada, bem como o valor probatório do registo efectuado com base nela, concluindo-se que não sendo impugnada a escritura de justificação, a mesma terá o valor previsto no artigo 371.º do Código Civil, nos termos gerais – ou seja, que os justificantes declararam perante o Notário o que dela consta, sem que se prove que tais declarações sejam verdadeiras.

E, como, reitera-se, naquele caso, a escritura de justificação não foi impugnada e com base nela se procedeu ao registo definitivo da aquisição do prédio, concluiu-se que o respectivo titular passou a beneficiar da presunção prevista no referido artigo 7.º.

Realçando-se, no entanto, que “a presunção emerge do registo definitivo e não de escritura de justificação que tenha estado na sua base”.

Ora, como acima referido, in casu, estamos no âmbito de acção de impugnação de escritura de justificação notarial, pelo que aqui não se aplica o Aresto ora, por último citado, e, ao contrário, como já mencionado, pelos motivos acima referidos, não gozam os réus, ora recorrentes da invocada presunção, prevista no artigo 7.º do Código do Registo Predial.

Assim, também, nesta vertente argumentativa é de manter a decisão recorrida no que a esta matéria/questão respeita.

Consequentemente, nesta parte, igualmente, improcede o presente recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente o presente recurso de apelação, em função do que se mantém a decisão recorrida.

Custas pelos apelantes.

Coimbra, 27 de Junho de 2017.

           


[1] “A Acção Declarativa Comum à luz do CPC de 2013”, 3.º ed., pág. 307 a 309.