Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1418/06.0TBCVL-E.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: EMENDA DA PARTILHA
TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA
MEIOS PROCESSUAIS ADEQUADOS
Data do Acordão: 11/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO – JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DA COVILHÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 1386º E 1387º DO CPC.
Sumário: I - De acordo com o disposto no artº 1386.º, nº 1, do pretérito CPC, “a partilha ainda depois de passar em julgado a sentença, pode ser emendada no mesmo inventário por acordo de todos os interessados ou dos seus representantes, se tiver havido erro de facto na descrição ou qualificação dos bens ou qualquer outro erro susceptível de viciar a vontade das partes.”.

II - Prevendo a verificação de algum dos casos previstos no artº 1386.º, nº 1, do CPC, sem que, contudo, haja o mencionado acordo, dispõe o nº 1 do artº 1387º do CPC que a emenda pode “... ser pedida em ação proposta dentro de um ano, a contar do conhecimento do erro, contanto que este conhecimento seja posterior à sentença.”.

III - A emenda da partilha, na falta de acordo dos interessados, tem, assim, de radicar num erro de facto na descrição ou qualificação dos bens, ou qualquer outro erro susceptível de viciar a vontade das partes, sendo que, neste último caso haverá que exigir, como se diz no acórdão da Relação de Lisboa de 03 de Outubro de 2013 (Apelação nº 136-B/1992.L2-2), que o erro que fundamenta o pedido apresente as «[…] características que o tomariam relevante como erro-vício da vontade: essencialidade ou causalidade, propriedade e escusabilidade ou desculpabilidade […]», para o que cumpre ao Autor a alegação da respectiva matéria de facto. Importa lembrar, também, que, com a emenda da partilha, não se confunde a anulação da partilha (artº 1388º), nem a “nova partilha”, prevista no artº 1385º do CPC.

IV - No nosso processo civil, transitada em julgado a sentença que homologou a partilha, não têm relevância, senão na medida em que sejam idóneas a provocar o erro habilitante da emenda, as declarações da cabeça de casal que, por exemplo, incluam um bem a partilhar que seja pertença de um terceiro, ou que seja bem próprio de um dos interessados.

V - Nesta situação, verificar-se-á um erro que, pela sua natureza, não necessita de prova das características do erro-vício, mas que, em nosso entender, só habilita a atacar a sentença da partilha transitada em julgado – ou, possibilitando-o, interpor recurso de revisão -, mediante a emenda da partilha, prevista nas citadas disposições legais, meio único de obviar à autoridade do caso julgado formado relativamente àquela decisão.

VI - O interessado pode, neste caso, requerer a emenda da partilha, desde que obtido o acordo de todos os demais - art.º 1386º, n.º 1, do CPC - ou, não obtido este acordo, propor ação comum dentro de um ano, nos termos do art.º 1387º do mesmo código.

Decisão Texto Integral:








Acordam  no Tribunal da Relação de Coimbra
I - A) – 2«[…] A A., P..., divorciada, residente na ..., veio intentar acção declarativa comum, contra o R., J..., divorciado, residente na Rua ...
Alega que correu termos pelo 2º Juízo da extinta comarca da Covilhã, sob o processo nº ..., inventário para separação de meações, no qual foram partes os aqui Autora e Réu, processo instaurado na sequência que decretou o divórcio entre ambos e destinou-se a partilhar o património conjugal.
O Réu desempenhou no processo de inventário as funções de cabeça-de-casal e nessa qualidade prestou compromisso de honra de bem desempenhar as funções de cabeça de casal e nas declarações que prestou referiu que contraiu casamento com a aqui Autora em 16/8/2003, em primeiras núpcias de ambos, no regime de comunhão de adquiridos.
Todo o processo de inventário correu os seus trâmites no pressuposto de que Autora e Réu foram casados um com o outro no regime de comunhão de adquiridos.
A partilha efectuada em tal processo e as decisões nele tomadas pelas partes (ou, pelo menos, pela Autora), assentaram no pressuposto de que Autora e Réu foram casados um com o outro sob o regime de comunhão de adquiridos.
Sucede que os aqui Autora e Réu foram casados um com o outro sob o regime de separação de bens.
O mandatário signatário desta petição só interveio no processo de inventário já após a fase de reclamação contra a relação de bens, pelo que pressupôs que o anteriormente processo se mostrava conforme, não se lhe representando sequer como possível que o cabeça-de-casal tivesse prestado falsas declarações quanto ao regime de casamento.
A Autora, por seu turno, confiava nos ilustres mandatários que até então a patrocinaram, pelo que estava absolutamente convencida de que o inventário estava a ser processado correctamente, não tem formação jurídica e estava convicta de que o seu regime de casamento era o de comunhão de bens adquiridos.
Só tomou consciência que foi casada com o Réu no regime de separação de bens posteriormente à citação para os termos da acção de divisão de coisa comum instaurada pelo Réu, com vista à divisão do imóvel que tinha sido objecto do aludido processo de inventário, quando lhe foi explicado pelo mandatário signatário que, afinal, não havia casado com o Réu no regime de comunhão de adquiridos, mas, sim, no regime de separação de bens.
No inventário para separação de meações a que se vem aludindo foram objecto da partilha aí formalizada diversos bens móveis, um veículo automóvel, um prédio urbano e passivo.
Os bens móveis, o veículo e o imóvel foram objecto de licitação, na sequência e por efeito da  qual foram adjudicados ao Réu. No que concerne ao passivo, parte foi aprovado por Autora e Réu e parte não foi aprovado pela Autora.
Foi ulteriormente elaborado o mapa de partilha, em observância do decidido na conferência de interessados e proferida sentença homologatória da partilha.
O Réu intentou, entretanto, contra a qui Autora acção de divisão de coisa comum, que corre termos pelo Juízo Local Cível da Covilhã – Juiz 1, sob o processo nº ..., que tem, precisamente, por objecto o prédio urbano relacionado e partilhado nos autos de inventário para separação de meações a que se vem aludindo.
Nessa acção o “Banco S..., S.A.”, na qualidade de credor hipotecário, veio reclamar o seu crédito sobre Autora e Ré, emergente do financiamento que lhes concedeu para compra do prédio urbano objecto da acção de divisão de coisa comum. Tal crédito também foi objecto do inventário para separação de meações, tendo sido aí aprovado por Autora e Réu.
A partilha efectuada no referido inventário para separação de meações incidiu, assim, sobre bens que não eram património comum do ex-casal formado por Autora e Réu e sobre passivo que só podia ser objecto daquele processo se estes tivessem sido casados um com o outro em regime que não o de separação de bens. Mais: os negócios jurídicos em que se traduziu a conferência de interessados tiveram, assim, um objecto legalmente impossível e contrário à lei. Dispõe o artigo 2123º do Código Civil, aplicável, por analogia, à partilha para separação de meações, que “se tiver recaído sobre bens não pertencentes à herança, a partilha é nula nessa parte (…)”. Por seu turno, prescreve o nº 1 do artigo 280º do mesmo código que “é nulo o negócio jurídico cujo objecto seja física ou legalmente impossível, contrario à lei ou indeterminável”.
A este respeito refere o Acórdão da Relação de Coimbra de 8/3/2016 (proferido no processo nº 1419/15.8T8FIG.C1, pesquisado em www.dgsi.pt), que “incidindo na sentença homologatória (da partilha) sobre um encontro de vontades decorrente da conferência de interessados, será de fazer relevar e prevalecer este acordo e não a autoridade do caso julgado, sendo assim  defensível a aplicação das regras de ineficácia e de invalidade próprias dos negócios jurídicos (…)”, aplicando- se, assim, em matéria de declaração da ineficácia da partilha as regras gerais dos negócios jurídicos (artigos 286º e seguintes do CC), “(…) sendo que a declaração de ineficácia global tem como consequência fazer extinguir, retroactivamente (…) os efeitos próprios da partilha, repondo a situação de indivisão (…)”.
Mais: as falsas declarações prestadas pelo cabeça-de-casal no aludido processo de inventário no que concerne ao regime de casamento consubstanciam a prática de crime, previsto e punível nos termos do preceituado no artigo 348º-A do Código Penal.
As declarações prestadas pelo cabeça-de-casal, aqui Réu, na medida em que consubstanciam à prática de ilícito criminal, são nulas, pelo que, consequentemente, são nulos todos os actos processuais subsequentemente praticados no processo de inventário.
A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal – artigo 286º do Código Civil, e tem efeito retroactivo – artigo 289º, nº 1, do Código Civil.
Formula o seguinte pedido: julgar-se a presente acção procedente, por provada, declarando-se nulas    as    declarações   de    cabeça-de-casal    prestadas    no    processo    de    inventário supra identificado, e todos os subsequentes actos processuais praticados nesse processo e, assim, a partilha aí efectuada, com todas as legais consequências.
*
Regularmente citado, contestou o réu, referindo, desde logo, que a verdade dos factos é distinta da versão apresentada pela autora.
Invoca a prescrição do direito da autora.
Quando o Réu pretendeu fazer o registo em seu nome, da fracção que licitou e lhe foi adjudicada nos termos do processo em causa e após ter liquidado junto da Repartição de Finanças da Covilhã o adequado imposto, tomou conhecimento que não podia efectuar o registo em virtude de constar na inscrição predial que estava casado no regime da separação de bens.
Situação esta que muito o surpreendeu, já que o Réu sempre pensou que estava casado no regime da comunhão de adquiridos, ao longo do processo de divórcio e do inventário, ninguém, mas ninguém, suscitou a questão do regime de bens, pelo que o Réu mais reforço a ideio de que o regime de casamento era o do regime da comunhão adquiridos.
Face a tal situação, o Réu intentou a adequada acção de divisão de coisa comum, a correr seus termos sob o nº ..., no 1º juízo Local Cível da Covilhã, tendo a Autora sido citada para a referida acção em 30/11/2016, tomando assim conhecimento em tal data do teor da referida acção e consequentemente da questão relacionada com o regime do casamento.
Por outro lado, quer no âmbito do processo de divórcio, quer no âmbito do processo de inventário, a Autora praticou vários actos e nunca colocou a questão do regime de bens, para além de terem sido tomadas várias decisões, inclusive do Tribunal da Relação de Coimbra, não tendo sido suscitada a questão do regime de bens.
Ou seja, todos os intervenientes e por lapso, consideravam e estavam convictos que o regime de bens do ex-casal era o regime da comunhão de adquiridos. Ora, pretende a Autora dar sem efeito a partilha realizada alegando para o efeito a sua nulidade e as falsas declarações.
Tal conforme a Autora muito bem sabe o meio por si utilizado não é o adequado e admitido em termos processuais para a resolução da questão.
Conforme resulta do C.P.C. em vigor á prática dos factos, a Autora só tinha ao seu dispor dois meios processuais para resolver a questão: recurso extraordinário de revisão e a emenda á
partilha. No caso em apreço e não se verificando os requisitos que permitiam o recurso extraordinário de revisão e sendo claro que estamos na presença de um claro erro que determina inclusive a qualificação dos bens, deveria a Autora recorrer a emenda à partilha P e P no artigo 1387 do C.PC em vigor à data dos factos.
Tal conforme refere R. Capelo de Sousa “…vamos no sentido de defender que os erros de descrição ou de qualificação dos bens partilhados dão lugar a emenda á partilha por  si  mesmos, mesmo na falta de acordo de todos os partilhantes, desde que os vícios não sejam corrigidos nos termos do nº 2 do artigo 1386 do Código Processo Civil “ (in Lições de Direito das Sucessões – 2º, 372)
Tal conforme é também mencionado no Ac. Relação de Coimbra de 15/06/94 “a emenda e a anulação da partilha são operações de cirurgia jurídica apenas utilizáveis por co-herdeiros intervenientes no inventário, no caso da emenda, ou preteridos com dolo, no caso da anulação” (In BMJ 438º - 566)
Assim sendo e estando a Autora adstrita a recorrer á emenda da partilha para fazer valer a  sua pretensão e tal conforme resulta do artigo 1387 do C.P.C em vigor á prática dos factos a referida emenda devia ser pedida “em acção proposta dentro de um ano, a contar do conhecimento  do  erro,  contanto  que  este  conhecimento seja posterior à sentença”
Ora a Autora pelo menos desde o passado dia 30/11/2016, data em que foi citada para a acção da divisão de coisa comum, tomou conhecimento da existência do erro relativamente à questão do seu regime de bens. A Autora intentou a presente acção em 16 de Fevereiro de 2018.
Assim sendo, resulta à saciedade que a presente acção é extemporânea encontrando-se  prescrito o direito da Autora pelo decurso do prazo.
Tal conforme e referido do Ac. da Relação do Porto de 17/12/1985 “II – quando a lei fixa prazo para o exercício de um direito, não o quer tornar dependente da observância desse prazo, mas fazê-lo extinguir se tal prazo não for observado”. (Col. Jur. 1985, 5º 191)
Assim sendo e encontrando-se precludido o direito da Autora pelo decurso do prazo, considera-se extinto o direito da Autora exercitado no petitório, pelo que deve o Réu ser absolvido do pedido formulado nos autos.
Invoca ainda o R. o abuso de direito por parte da A. que, entende, ultrapassa de forma  evidente e inequívoca os limites da boa-fé e dos costumes, quebrando de forma inqualificável a relação  de confiança que deve presidir ao relacionamento entre as pessoas em geral.
O Réu sempre agiu com o conhecimento por parte da Autora, na convicção que estava casado no regime da comunhão de adquiridos. Por outro lado a Autora também interveio no referido processo de inventário e jamais em qualquer momento e apesar dos inúmeros incidentes que o processo teve, colocou em causa, que o regime de bens estava errado.
Por outro lado, tal erro sempre foi admitido pelos mandatários e por todos os demais intervenientes do processo.
A Autora com a presente acção está a exercer um direito em contradição com a sua conduta anterior.
Conclui: resulta à saciedade que a Autora excedeu manifestamente com a pretensão deduzida nos autos, os limites que lhe cumpre observar, em função dos interesses que legitima a concessão do poder que a lei lhe confere, exercitando o seu direitos em termos clamorosamente ofensivos da justiça.
(entre outros A. Varela ”Das obrigações em Geral” Vol. I,9ª Ed. Págs. 564/565 e Manuel Andrade in “Teoria Geral das Obrigações” 2ª Ed. Coimbra, 1963, pg. 63).
Pelo que tal abuso de direito, (Vide artigo 334 C.C) constitui uma excepção peremptória, razão pela qual deve o Réu ser absolvido do pedido formulados os autos.
Por corresponder à verdade o Réu aceita os factos alegados pela Autora nos artigos 1º (parte), 2º, 3º, 4º, 5º, 6º, 7º, 10º, 13º, 14º, 15º, 16º, 17º, 18º, e 19º do petitório, impugnando a demais matéria factual vertida pela Autora nos artigos 1º (parte) 9º, 10º, 11º, 12º, 20º, 24º, 25º, 26º, 30º, e 31º, da petição inicial.
Para além de não se aplicar no caso em apreço o disposto no artigo 2123º CC, o que é certo, é que o que se pretende não é dar sem efeito um regime jurídico, mas sim alterar ou modificar uma decisão judicial, pelo que não é aplicável o disposto no artigo 280º CC.
Remata pedindo: deve a matéria das excepções ser julgada procedente e consequentemente o Réu absolvido do pedido ou quando assim não se considere, deve a presente acção ser julgada improcedente e consequentemente o Réu absolvido do pedido, tudo com as demais consequências legais.
P..., autora, exerceu o direito ao contraditório quanto às excepções invocadas na contestação.
Salienta que não deduziu incidente de emenda à partilha, nem interpôs recurso extraordinário de revisão. Não recorreu a tais mecanismos processuais de forma deliberada, por considerar que não constituem os meios adequados para a resolução da situação jurídica controvertida objecto da presente acção.
Intentou uma acção declarativa, sob a forma de processo comum, com a qual pretende que sejam declaradas nulas e de nenhum efeito as declarações prestadas pelo Réu, na qualidade de Cabeça de Casal, no processo de inventário que identifica na petição inicial, pelas razões aí invocadas.
Não ocorre, assim, a invocada excepção de prescrição, porque não estamos perante um incidente de emenda à partilha ou perante um recurso extraordinário de revisão, mas, sim, perante uma acção declarativa, com processo comum, em que a causa de pedir se traduz em factos consubstanciadores de nulidade e o pedido consiste no decretamento dessa mesma nulidade – nulidade que é invocável a todo o tempo.
Também não se verifica o invocado abuso de direito. Conforme ambas as partes alegam nos autos, agiram no processo de inventário convictos de que estavam casados um com o outro sob o regime de comunhão de adquiridos, quando, na realidade, casaram sob o regime de separação de bens. Toda a actuação da aqui Autora no processo de inventário partiu desse pressuposto. O mesmo sucedeu, pelos vistos, com o ora Réu, que só terá dado conta do sucedido quando pretendeu registar o imóvel que lhe foi aí adjudicado e não o conseguiu fazer.
Por essa razão, considerando que a partilha feita no inventário quanto ao imóvel não produzira efeitos jurídicos, o Réu requereu a divisão do mesmo, intentando para o efeito a acção de divisão de coisa comum aludida na p.i..
Na tese propugnada pelo Réu na contestação que apresentou nos presentes autos, também a sua actuação, traduzida na instauração da referida acção de divisão de coisa comum, consubstanciaria abuso de direito, na medida em que também com essa acção pretende exercer um direito em contradição com a sua conduta anterior no âmbito do inventário.
A Autora está a exercer um direito para que seja reposta a justiça quanto a tudo o decidido no processo de inventário, com base em pressupostos falsos. Não o faz, pois, como alega o Réu, em termos clamorosamente ofensivos da justiça, mas, sim, para que seja reposta a justiça e a legalidade.
Não ocorre, pois, o invocado abuso de direito.
Conclui, pedindo, se julguem as excepções invocadas improcedentes, com todas as legais consequências. […]»;
B) – Em 20/04/2019 o Juízo de Família e Menores da Covilhã, no saneador, decidiu julgar verificada a excepção dilatória inominada de inadequação do meio processual utilizado, com a consequente absolvição do R. da instância.
«[…]»
II - A) - A Autora, inconformada com tal decisão, dela interpôs recurso - recebido como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo -, oferecendo, a findar a respectiva alegação, as seguintes conclusões:
...
B) - O Réu, respondendo à alegação de recurso, defendeu a improcedência deste e a manutenção da decisão recorrida.
III - Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do novo Código de Processo Civil3 (doravante, NCPC, para o distinguir do Código que o precedeu, que se passará a identificar como CPC), o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente,  por imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.
Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado,  salientando-  se que, “questões”, para efeito do disposto no  n.º 2  do artº 608º do NCPC, são apenas as    que se reconduzem aos pedidos deduzidos, às causas de pedir, às excepções invocadas e às excepções de  que oficiosamente cumpra conhecer, não podendo merecer tal classificação      o  que  meramente são  invocações, “considerações, argumentos, motivos, razões ou  juízos  de valor produzidos pelas partes”4 e que o Tribunal, embora possa  abordar  para  um maior esclarecimento dos litigantes, não está obrigado a    apreciar.
Deste modo, importa aqui apreciar do acerto da decisão de julgar verificada a inadequação do meio processual utilizado, com a consequente absolvição do R. da instância.
IV - No saneador-sentença consignou-se o seguinte quanto à matéria de facto que se considerou provada e com relevo para a decisão:
“1. Correu termos pelo 2º Juízo da extinta comarca da Covilhã, sob o processo nº ..., inventário para separação de meações, no qual foram partes os aqui Autora e Réu, processo instaurado na sequência de decisão que decretou o divórcio entre ambos, e destinou-se a partilhar o património conjugal.
2. O Réu desempenhou no processo de inventário as funções de cabeça-de-casal e nessa qualidade prestou compromisso de honra de bem desempenhar as funções de cabeça de casal.
3. Nas declarações que prestou referiu que contraiu casamento com a aqui Autora em 16/8/2003, em primeiras núpcias de ambos, no regime de comunhão de adquiridos.
4. Todo o processo de inventário correu os seus trâmites no pressuposto de que Autora e Réu foram casados um com o outro no regime de comunhão de adquiridos.
5. A partilha efectuada em tal processo e as decisões nele tomadas pelas partes assentaram no pressuposto de que Autora e Réu foram casados um com o outro sob o regime de comunhão de adquiridos.
6. Sucede que os aqui Autora e Réu foram casados um com o outro sob o regime de separação de bens.
7. A Autora só tomou consciência que foi casada com o Réu no regime de separação de bens, posteriormente à citação para os termos de acção de divisão de coisa comum.
8. Acção instaurada pelo Réu com vista à divisão do imóvel que tinha sido objecto do aludido processo de inventário.
9. No inventário para separação de meações a que se vem aludindo foram objecto da partilha aí formalizada diversos bens móveis, um veículo automóvel, um prédio urbano e passivo.
10. Os bens móveis, o veículo e o imóvel foram objecto de licitação, na sequência e por efeito da qual foram adjudicados ao Réu.
11. No que concerne ao passivo, parte foi aprovado por Autora e Réu, e parte não foi aprovado pela Autora.
12. Foi ulteriormente elaborado o mapa de partilha, em observância do decidido na conferência de interessados, e proferida sentença homologatória da partilha.
13. O Réu intentou, entretanto, contra a qui Autora acção de divisão de coisa comum, que corre termos pelo Juízo Local Cível da Covilhã – Juiz 1, sob o processo nº ..., que tem, precisamente, por objecto o prédio urbano relacionado e partilhado nos autos de inventário para separação de meações a que se vem aludindo.
14. Nessa acção o “Banco S..., S.A.”, na qualidade de credor hipotecário, veio reclamar o seu crédito sobre Autora e Ré, emergente do financiamento que lhes concedeu   para compra do prédio urbano objecto da acção de divisão de coisa comum.
15. Tal crédito também foi objecto do inventário para separação de meações, tendo sido aí aprovado por Autora e Réu.
16. A partilha efectuada no referido inventário para separação de meações incidiu, assim, sobre bens que não eram património comum do ex-casal formado por Autora e Réu.
17. No processo ... foi proferido despacho no qual foi concedido à Autora o prazo de 60 dias para demonstrar que instaurou acção para invalidar a partilha efectivada no processo de inventário.
18. Quando o Réu pretendeu fazer o registo em seu nome, da fracção que licitou e lhe foi adjudicada nos termos do processo em causa e após ter liquidado junto da Repartição de Finanças da Covilhã o adequado imposto, tomou conhecimento que não podia efectuar o registo em virtude de constar na inscrição predial que estava casado no regime da separação de bens.
19. Face a tal situação, o Réu intentou a adequada acção de divisão de coisa comum, a correr seus termos sob o nº ..., no 1º juízo Local Cível da Covilhã.
20. Tendo a Autora sido citada para a referida acção em 30/11/2016.
21. Tomando assim conhecimento em tal data do teor da referida acção e, nomeadamente, da questão relacionada com o regime do casamento.
22. Quer no âmbito do processo de divórcio, quer no âmbito do processo de inventário, a Autora praticou vários actos e nunca colocou a questão do regime de bens, para além de terem sido tomadas várias decisões, inclusive do Tribunal da Relação de Coimbra, não tendo sido suscitada a questão do regime de bens.
23. Todos os intervenientes e por lapso, consideravam e estavam convictos que o regime de bens do ex-casal era o regime da comunhão de adquiridos.».
*
V - De acordo com o disposto no artº 1386.º, nº 1, do pretérito CPC, “a partilha ainda depois de passar em julgado a sentença, pode ser emendada no mesmo inventário por acordo de todos os interessados ou dos seus representantes, se tiver havido erro de facto na descrição ou qualificação dos bens ou qualquer outro erro susceptível de viciar a vontade das partes.”.
            Prevendo a verificação de algum dos casos previstos no artº 1386.º, nº 1, sem que, contudo, haja o mencionado acordo, dispõe o nº 1 do artº 1387º do CPC, que a emenda pode “...ser pedida em acção proposta dentro de um ano, a contar do conhecimento do erro, contanto que este conhecimento seja posterior à sentença.”.
             A emenda da partilha, na falta de acordo dos interessados, tem, assim, de radicar num erro de facto na descrição ou qualificação dos bens, ou qualquer outro erro susceptível de viciar a vontade das partes, sendo que, neste último caso haverá que exigir, como se diz no acórdão da Relação de Lisboa de 03 de Outubro de 2013 (Apelação nº 136-B/1992.L2-2)5, que o erro que fundamenta o pedido apresente as «[…] características que o tomariam relevante como erro-vício  da vontade: essencialidade ou causalidade, propriedade e escusabilidade ou desculpabilidade […]», para o que cumpre ao Autor a alegação da respectiva matéria de facto. Importa lembrar, também, que, com a emenda da partilha, não se confunde a anulação da partilha (artº 1388º), nem a “nova partilha”, prevista no artº 1385º do CPC.
Efectivamente, conforme se salienta no Acórdão do STJ de 3 de Junho de 2003 (Revista nº 03A1607)6 «[…] ao pretender a anulação da partilha está-se a pedir que, a proceder, ela não se mantenha, seja invalidada; porém, quando, de imediato, pede que ela seja emendada contradiz- se pois, a proceder, a partilha mantém-se e apenas é corrigida onde deve ser corrigida.
Na realidade, pela anulação não se emenda a partilha e, in casu, torna-se patente, ao acrescentar - «já que houve erro na valoração dos mesmos», que a pretensão do autor não é poder vir a tornar-se proprietário exclusivo de certos bens mas receber um maior quantitativo de tornas e, caso não sejam prestadas, poder exercer um dos direitos que a lei concede em tal situação. Não é a invalidade mas a emenda que o autor persegue com esta acção. […]».
O que se acabou de dizer está em consonância com o entendido no citado Acórdão da Relação de Lisboa de 3/10/2013, onde se escreveu:
«[…] Na acção de emenda da partilha não está em causa qualquer reapreciação crítica dos actos praticados no decurso do inventário já findo,7 mas apenas apurar se um acto, específico e determinado, do processo - a partilha - padece ou não de alguma das deficiências ou irregularidades tipificadas nos artigos 1386º e 1387º do CPC.
Tais irregularidades deverão ser sanadas, tanto quanto possível, sem pôr em causa a validade e eficácia da partilha globalmente realizada, cujos efeitos, em princípio, se manterão, já que o acto não é objecto de anulação. […]».
            Neste mesmo sentido foi o Acórdão do STJ de 25/02/2010 (Revista nº 399/1999.C1.S1)8, onde se pode ler: «[…] objecto e típica funcionalidade da acção de emenda da partilha não se traduz numa reapreciação crítica dos actos praticados no decurso do inventário já findo, mas apenas em apurar se um acto, específico e determinado, do processo - a partilha - padece ou não de alguma das deficiências ou irregularidades tipificadas nos arts 1386º e 1387º do CPC: erro na descrição ou qualificação dos bens partilhados ou outro erro susceptível de viciar a vontade das partes - que deverão ser sanadas, tanto quanto possível, sem pôr em causa a validade e eficácia da partilha globalmente realizada, cujos efeitos se deverão, em princípio manter, já que o acto não é objecto de anulação. […]».
Significa isto que no nosso processo civil, transitada em julgado a sentença que homologou a partilha, não têm relevância, senão na medida em que sejam idóneas a provocar o erro habilitante da emenda, as declarações da cabeça de casal que, por exemplo, incluam um bem a partilhar que seja pertença de um terceiro, ou que seja bem próprio de um dos interessados.
            Nesta situação, verificar-se-á um erro que, pela sua natureza, não necessita de prova das características do erro-vício, mas que, em nosso entender só habilita a atacar a sentença da partilha transitada em julgado – ou, possibilitando-o, interpor recurso de revisão -, mediante a emenda da partilha, prevista nas citadas disposições legais, meio único de obviar à autoridade do caso julgado formado relativamente àquela decisão.
            Assim, respeitando o Acórdão do STJ de 11/1/2001 (Revista n.º 3155/00 - 7.ª Secção), sumariou-se: «I - Proferida sentença homologatória da partilha, não é admissível a alegação de que determinados bens partilhados não pertenciam, afinal, à herança.
II - O interessado pode, neste caso, requerer a emenda da partilha, desde que obtido o acordo de todos os demais - art.º 1386, n.º 1, do CPC - ou, não obtido este acordo, propor acção comum dentro de um ano, nos termos do art.º 1387º do mesmo código. […]».
            Em sentido semelhante escreveu-se no Acórdão da Relação de Guimarães de 22/6/2017 (Apelação nº 274/16.5T8CHV-A.G1): «[…] transitada em julgado a sentença homologatória da partilha, a sua alteração, por erro de facto na descrição ou qualificação de bens assim como  por qualquer outro erro susceptível de viciar a vontade das partes, e/ou a anulação da mesma partilha, só pode ser obtida por uma das vias previstas nos art.os 1386.º do C.P.C.V. - se houver acordo de todos os interessados, processando-se o incidente nos próprios autos de Inventário; 1387.º do mesmo Cód. - (na falta de acordo) em acção comum, a intentar no prazo de um ano a contar do conhecimento do erro; e 1388.º - pela interposição de recurso de revisão (quando tenha havido preterição ou falta de intervenção de algum dos co-herdeiros e se mostre que os outros interessados procederam com dolo ou má fé, seja quanto à preterição, seja quanto ao modo como a partilha foi preparada), todos do C.P.C.V. (dispositivos legais que ficaram transcritos, respectivamente, nos art.os 70.º, 71.º e 72.º do actual regime jurídico do processo de inventário, aprovado pela Lei n.º 23/2013, de 5 de Março).
Mantém-se actual a explicitação de RABINDRANATH CAPELO DE SOUSA que, a propósito, escreveu: “Se o conhecimento do erro é anterior à data em que é proferida a  sentença… a emenda do erro deve ser pedida no incidente de reclamação do mapa de partilha”. Se o conhecimento do erro é anterior à data do trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha mas posterior à data em que foi proferida tal sentença, tal erro deve ser invocado “no processo do recurso da mesma sentença”. Se o conhecimento do erro é posterior à data do trânsito em julgado da sentença, não havendo acordo de todos os Interessados, a emenda “tem de ser pedida em acção judicial própria proposta pelo lesado dentro de um ano, a contar do conhecimento do erro” (in “Lições de Direito das Sucessões”, Coimbra Editora, 1980, vol. II pág. 373, nota-de-rodapé 1199) […]».
A autoridade do caso julgado, faz com que, transitada em julgado a sentença homologatória da partilha, não seja possível, a quem interveio como parte no inventário onde a mesma foi proferida, atacar acto processual – v.g. as declarações de cabeça de casal – senão por via indirecta, requerendo a emenda da partilha (ou, se for o caso, requerendo a sua anulação, ou interpondo recurso de revisão) -, que esteja na génese do erro habilitador dessa emenda.
A não ser assim, seria fácil contornar o prazo de caducidade previsto no artº 1387º, nº 1, pois que, mesmo que decorrido este, sempre se poderia anular a partilha e a sentença homologatória desta, obtendo a declaração de nulidade do acto que esteve na génese do erro e a anulação do processado subsequente.
Mas será que não podendo, ou não se pretendendo, proceder à emenda da partilha judicial, feita em processo de inventário e já transitada em julgado, se poderá obter a declaração de nulidade, ou da parcial nulidade, da partilha, na medida em que incide sobre bens alheios, em acção de processo comum, alicerçada - por analogia, quando respeitando o inventário para separação de meações - no estabelecido no artº 2121º do Código Civil, com aplicação das regras de ineficácia e de invalidade próprias dos negócios jurídicos?
A nosso ver, e salvaguardando o respeito por outro entendimento9, a resposta a esta questão é negativa, pelas razões que, essencialmente, foram referidas na decisão recorrida.
Versando a oposição de Acórdãos e divergindo do entendimento seguido pelo Acórdão desta Relação de 8/3/2016, abaixo identificado, escreveu-se no Acórdão do STJ de 19/6/2018 - Revista (excecional) - nº 262/17.4T8STR.E1.S2, depois de se transcrever o estatuído no artºs 1386º, 1387º e 1388º, todos do pretérito CPC:
«[…] As recorrentes, como já haviam feito nas alegações da apelação[…], afastam a aplicação  de qualquer uma das supracitadas normas, referindo que a pretensão que deduziram se funda na violação de norma imperativa e que essa violação apenas pode determinar a nulidade da partilha e não a sua emenda ou anulação[…].
Ou seja, entendem as recorrentes que a acção declarativa comum é o meio processual adequado para fazer valer a sua pretensão, em virtude de esta não se basear em nenhuma das possibilidades que a lei prevê para a emenda ou anulação da partilha judicial.
Socorrem-se, para tanto, do decidido no acórdão da Relação de Coimbra de 08.03.2016 (acórdão-fundamento), no qual se decidiu que, para obter a declaração de nulidade da partilha judicial, a acção declarativa de simples apreciação, na forma comum, é a forma de processo adequada, em função da aplicação, por analogia, do disposto no artigo 2121º do CC, uma vez que “incidindo a sentença homologatória da partilha sobre um encontro de vontades decorrente da conferência de interessados, releva e prevalece o acordo sobre a partilha entre todos os herdeiros e não a autoridade do caso julgado”.
Com o devido respeito, não sufragamos este entendimento que, ao que julgamos, não encontra eco na doutrina e na jurisprudência.
São duas as razões que podemos desde já avançar.
No que concerne à partilha há que distinguir a que foi celebrada por via extrajudicial da que  foi homologada judicialmente por decisão transitada em julgado.
Os regimes de anulação de uma e de outra são completamente diferentes.
A primeira, reconduzindo-se a um mero negócio jurídico entre os interessados, é impugnável nos casos em que o sejam os contratos, conforme expressamente dispõe o artigo 2121º do CC, que remete para as regras da nulidade e anulabilidade do negócio jurídico constantes dos artigos 285º e seguintes do CC.
A partilha judicial, dependendo do trânsito em julgado da sentença que a homologar, só pode ser impugnada nos casos previstos no artigo 1388º do CPC.
Capelo de Sousa explica[…]:
“Porque não existe um acordo entre todos os herdeiros estruturante da partilha, a sentença homologatória da partilha (…), quando transitada em julgado, exprime a decisão judicial reguladora dos conflitos de interesses, subjacentes no inventário entre os partilhantes. Nestes termos, só ela contém e estrutura a partilha.
Simplesmente, tal sentença teve uma certa história e supõe determinados pressupostos substanciais e processuais, susceptíveis de vícios. Alguns deverão considerar-se sanados ou esgotados pelas necessidades de certeza e segurança atribuíveis ao caso julgado (…). Outros, a lei fá-los relevar pela sua influência em actos preparatórios fundamentais da partilha, admitindo a emenda ou a anulação judicial da partilha (arts. 1386º a 1388º do CPCiv.)”.
A acentuação desta diferença faz com que os casos de anulação da partilha extrajudicial não sejam aplicáveis à anulação da partilha judicial, nem que os pertinentes a esta relevem para aquela[…], refutando-se a possibilidade de aplicação analógica do artigo 2121º aos casos de anulação de partilha judicial. Na realidade, o chancelamento de uma partilha mediante sentença passada em julgado, com tudo o que isso representa, não pode estar no mesmo  patamar de impugnabilidade de uma partilha amigável realizada pelos interessados através de instrumento notarial. Daí que o caminho processual para a impugnação da partilha judicial tenha de ser mais estreito ou mesmo excepcional, em nome da certeza e segurança jurídicas que dimanam da força e autoridade do caso julgado.
Por outro lado, não estando os interessados conformados com o modo como se fez a partilha judicial homologada por sentença, têm sempre eles ao seu dispor um instrumento legal poderoso para conseguirem a modificação do decidido: o recurso. Mas, se deixarem transitar em julgado a decisão homologatória da partilha, só lhes restará a possibilidade de pedirem a anulação da partilha, nos apertados casos acima descritos.
Certo para nós é que não podem as Autoras recorrentes usar a acção declarativa comum para esse efeito, ao abrigo da aplicação analógica do artigo 2121º, pelo que bem decidiram as instâncias ao considerarem verificar-se a excepção dilatória inominada de inadequação do meio processual utilizado. […]».
É claro que, no presente caso, a Apelante, além de esgrimir o argumento de que não pediu a emenda da partilha – também no caso versado no supra citado Acórdão do STJ, note- se, não havia sido pedida tal emenda, mas antes a declaração de nulidade da partilha – salienta, na alegação de recurso, que “…assiste razão à Recorrente quando afirma que o  negócio jurídico em que se traduziu a conferência de interessados teve, assim, um objecto legalmente impossível e contrário à lei, sendo, por isso, a partilha nula, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 280º, 2121º e 2123º, todos do Código Civil - este último aplicável por analogia -, por ter “recaído sobre bens não pertencentes à herança”.(…)”.
Como se vê, do peticionado no articulado inicial da Autora, só por arrastamento se alcança, como escopo da acção, enquanto actos subsequentes às declarações do cabeça de casal – este também em erro (e não com dolo), quanto ao regime de bens do casal, segundo a matéria de facto provada e que a Apelante não impugnou - o escopo da “nulidade”, quer da conferência de interessados, quer da partilha.
Fica claro, pois, que o pedido da Autora não se fundou na circunstância de a conferência de interessados ter tido um objecto legalmente impossível e contrário à lei, tendo, antes, sido peticionado que se declarassem “…nulas as declarações de cabeça de-casal prestadas no processo de inventário nº … e todos os subsequentes actos processuais praticados nesse processo e, assim, a partilha aí efectuada, com todas as legais consequências.”, pedido este que, atendo o que já acima se afirmou, designadamente quanto à inaplicabilidade do estatuído no artº 2121º do CC,  eficácia preclusiva do caso julgado formado pela sentença homologatória da   partilha, sempre teria de ser desatendido, com a forçosa absolvição do Réu da instância.
Portanto, estas as razões, embora integrem, em rigor, fundamentação diversa daquela em que se fundou a decisão recorrida, não deixam de conduzir ao mesmo resultado – a absolvição do Réu da instância.
E a fundamentação só é diversa, porque, de facto, não vemos que um pedido de nulidade das declarações de cabeça de casal e do processado subsequente, que, rigorosamente, não é um pedido de emenda ou de anulação da partilha, não possa ser formulado por meio de uma acção de processo comum, mas antes o deva ser pelos meios previstos nos artºs 1386º e 1387º do CC. Como se diz no Acórdão da Relação de Lisboa de 22/2/2007 (Agravo nº 8592/2006-2) “A forma de processo afere-se em função do tipo de pretensão formulada pelo autor e não em referência à pretensão que devia ser por ele deduzida.”.
Portanto, o que aqui se verifica não é, a nosso ver, erro na forma de processo, ou inadequação do meio processual utilizado, antes não sendo atendível a pretensão da Autora, por efeito da autoridade do caso julgado formado pela sentença homologatória da partilha – cujos efeitos, incluindo o preclusivo, pelas razões acima expostas, só podem ser atacados pelos meios processuais “supra” descriminados -, o que redunda na constatação da excepção dilatória prevista na prevista na alínea i) do artigo 577.º do NCPC, que conduz à absolvição da instância do Réu (cfr. artigos 576.º, nºs 1 e 2, e 578.º, do mesmo código).
Assim, de acordo com o que ficou exposto, embora que com fundamentação não inteiramente coincidente com aquela em que se estribou o Tribunal “a quo”, confirma-se a decisão proferida por este, de absolver o Réu da instância, improcedendo, pois, a Apelação.
VI - Decisão:

Em  face  de  tudo  o  exposto,  acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela Apelante (artºs 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6, 663º, nº 2, todos do NCPC), sem prejuízo do apoio judiciário de que   beneficia.
Coimbra, 26/11/201910
(Luís José Falcão de Magalhães)
(António Domingos Pires Robalo)
(Sílvia Maria Pereira Pires)

1 Segue-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, respeitando-se, em caso de transcrição, a grafia do texto original.

2 Transcrição de excerto do relatório da decisão recorrida.

3 Aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho e entrado em vigor em 01/09/2013.

4 Acórdão do STJ de 06 de Julho de 2004, Revista nº 04A2070, embora versando a norma correspondente da legislação processual civil pretérita, à semelhança do que se pode constatar, entre outros, no Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e no Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586, todos estes arestos  consultáveis em “http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase”.

5 Acórdão consultável tal como os demais da Relação de Lisboa que forem citados sem menção de origem, no endereço http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf?OpenDatabase, relatado pela Srª Des. Ondina Carmo Alves.

6 Relator: Cons. Lopes Pinto.

7 O sublinhado é nosso.

8 Relator: Cons. Lopes do Rego.
9 Seguido, por exemplo, mas para situação diversa daquela que aqui se nos apresenta, no Acórdão desta Relação, de 8/3/2016 (Apelação nº 1419/15.8T8FIG.C1).