Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
162/14.0TBVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO CHAVES
Descritores: CONTRAORDENAÇÃO AMBIENTAL
ATENUAÇÃO ESPECIAL
Data do Acordão: 03/04/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: CONTRAORDENAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: LEI 50/2006, DE 29-08; ART. 72.º DO CP
Sumário: I - A Lei n.º 50/2006, de 29/8, que estabelece o regime aplicável às contra-ordenações ambientais (artigo 1.º, n.º 1), não prevê expressamente a atenuação especial das coimas aplicáveis às sanções ambientais. Assim, a questão da atenuação especial da coima tem de ser tratada, mutatis mutandis, à luz do disposto no artigo 72.º do Código Penal.

II - Princípio regulativo da aplicação do regime da atenuação especial é a diminuição acentuada não apenas da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena e, portanto, das exigências da prevenção.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I – Relatório

Por decisão da Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, de 21 de Outubro de 2013, a arguida “A..., Lda.”, com sede em (...), Viseu, foi condenada pela prática de uma contra-ordenação prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 9.º e 18.º, n.º 2, d) do Decreto-Lei n.º 46/2008, de 12/3 e 22.º, n.º 3, b) da Lei n.º 5/2006, de 21/8, na redacção dada pela Lei n.º 89/2009, de 31/8, na coima de € 15.00,00 (quinze mil euros).

Inconformada com a decisão administrativa, a arguida dela interpôs recurso de impugnação judicial para o Tribunal Judicial de Viseu, ao abrigo do disposto no artigo 59.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10, com as alterações introduzidas pelos Decretos-Lei n.º 356/89, de 17/10 e 244/95, de 14/9 (Regime Geral das Contra-Ordenações, doravante designado por RGCO).

Admitida a impugnação judicial, foi proferida sentença que decidiu julgar parcialmente procedente o recurso de impugnação e, em consequência, condenou a arguida pela prática de uma contra-ordenação prevista e punida pelos artigos 9.º e 18.º, n.º 2, d) do Decreto-Lei n.º 46/2008, de 12/3 e pela alínea b) do n.º 3 do artigo 22.º da Lei n.º 5/2006, de 21/8, na redacção dada pela Lei n.º 89/2009, de 31/8, na coima, especialmente atenuada, de € 7.50,00 (sete mil e quinhentos euros).

Inconformado, o Ministério Público dela interpôs recurso para este Tribunal da Relação, concluindo a sua motivação da forma seguinte (transcrição):

«I. A arguida impugnou judicialmente a decisão da Inspecção-Geral da Agricultura, do Mar, do Ambiente e do Ordenamento do Território, que lhe aplicara uma coima de € 15.000, pela prática de uma contra-ordenação, prevista e punida pelas disposições conjugadas do artigo 9.º e 18, nº 2 d) do DL n.º 42/2008, de 12/3 e artigo 22.º n.º 3 alínea b) da Lei n.º 50/2006, de 29.08, vindo o Tribunal a quo a conceder provimento parcial ao recurso, ao atenuar especialmente a coima, nos termos do artigo 72.º do Código Penal, aplicando-lhe uma coima de 7.500,00 euros;

II. O legislador, não obstante ter previsto expressamente situações de “atenuação especial” (como o erro sobre a ilicitude, tentativa, cumplicidade...), não previu expressamente, com carácter de generalidade, uma cláusula geral de atenuação especial da punição similar ao artigo 72.º do Código Penal, pelo que quis afastar ab initio a aplicação de tal regime, apenas o permitindo de forma excepcional e extraordinária, ex vi o artigo 32.º, n.º 2 do RGCO que remete subsidiariamente para o Código Penal;

III. Ou seja, a atenuação especial apenas pode ser aplicada quando se concluir que a conduta do arguido é de molde a preencher circunstâncias que diminuam de forma acentuado a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, apresentando-se com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em tal hipótese quando estatuiu os limites normais da moldura abstracta da coima.

IV. No caso em apreço não se verificam os pressupostos de que dependeria aatenuação especial da coima nos termos em que foi aplicada pelo Tribunal a quo.

V. A coima aplicada pela entidade administrativa já lhe foi aplicada no mínimo legal e considerando já a sua actuação negligente, o que não pode ser duplamente valorado;

VI. A contra-ordenação imputada à arguida e por que foi condenada, é qualificada pela Lei-quadro das contra-ordenações ambientais como grave, ainda que praticada por negligência, pelo que dificilmente se pode concluir pela verificação de um quadro de circunstâncias anteriores, posteriores ou contemporâneas da infracção, que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.

VII. Tanto mais que, a arguida desenvolve a actividade de construção civil, pelo que deve inteirar-se das obrigações legais decorrentes da actividade por si desenvolvida e para encontrar um destino adequado aos resíduos decorrentes de tal actividade.

VIII. Tendo a arguida cometido a referida contra-ordenação ambiental, que é classificada de grave (qualificação que o interprete/aplicador do direito não pode deixar de considerar e atender), é evidente que não se pode concluir que a sua conduta foi de reduzida gravidade (o grau de gravidade da conduta em apreço foi o normal em situações idênticas, o mesmo valendo em relação à culpa com que actuou, que é a normal em casos semelhantes, mesmo tendo agido com negligência inconsciente.

IX. A factualidade apurada, as exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir neste caso, direitos e interesses violados a proteger e necessidade de acautelar as expectativas da comunidade, permitem concluir que as circunstâncias atenuantes apuradas só por si não são bastantes para justificar qualquer atenuação especial, nem a moldura abstracta se nos afigura, ainda que no seu limite mínimo, desadequada ou desproporcional à situação concreta;

X. O legislador quis punir de forma grave e contundente situações como a vertente não tendo sequer deixado num regime especialíssimo como é a Lei-quadro das contra-ordenações ambientais, uma válvula de escape expressamente prevista para situações em que aquela moldura pudesse parecer desadequada.

XI. Pelo que apenas em situações excepcionais tal pode suceder (e não em situações que se enquadram apenas e tão só no tipo legalmente previsto), e não em situações como a vertente em que, não obstante ser primária, a arguida colocou no local onde tinha projecto aprovado para construção de moradia familiar, uma placa com os dizeres “aceita-se qualquer aterro” com o objectivo de aplanar/aterrar o terreno, e sabendo que ali havia já resíduos provenientes de várias pessoas e/ou empreiteiros, e ainda de desconhecidos;

XII. Não foi assim uma situação isolada, uma única descarga, ou algo controlado no tempo, mas múltiplas descargas autorizadas pelo legal representante da arguida e que iriam continuar até que o terreno estivesse aplanado, sendo que, não obstante o legal representante da arguida saber que ali eram descarregados resíduos por desconhecidos sem autorização nada fez para impedir tal situação designadamente removendo a placa ou substituindo-a por outra com dizeres opostos;

XIII. O que inculca, precisamente, a imagem inversa à de uma especial atenuação, e ade que a coima aplicada pela entidade administrativa terá sido até branda para a quantidade e diversidade de resíduos encontrados no local.

Não podia pois, salvo melhor opinião, e como fez o Tribunal a quo, atenuar-se especialmente a coima, devendo ao invés ter-se mantido a coima fixada pela entidade administrativa no limite mínimo previsto de 15.000,00 euros.

Deve pois revogar-se a sentença recorrida, substituindo-a por outra que mantenha a decisão da entidade administrativa.

Contudo, Vossas Excelências, como sempre farão a inteira e costumada

                                                                                                       J u s ti ç a»

                                                     *

A arguida não respondeu ao recurso.

                                          *

Nesta instância, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416.º do Código de Processo Penal, concordando com a motivação de recurso apresentada pelo Ministério Público na 1ª instância, emitiu parecer no sentido de que o recurso deve ser julgado procedente.

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No âmbito do disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, a arguida nada disse.

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Colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência para decisão.

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II - FUNDAMENTAÇÃO

1. A sentença recorrida.

1.1. Na sentença proferida na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:

«1) No dia 14 de Janeiro de 2011, pelas 10;15 horas, no local sito Porto Gonçalo (...), Viseu, a Equipa de Protecção da Natureza e do Ambiente (EPNA) do Destacamento Territorial de Viseu da Guarda Nacional Republicana verificou a existência de Resíduos de Construção e Demolição (RCD), tais como, restos de telas, mosaicos, entulho, plásticos, tijolo, madeira e cartão, depositados no solo, provocando um impacto visual negativo;

2) Feitas diligências no local, a EPNA verificou a existência de uma placa situada a cerca de 50 metros, junto à Estrada Nacional n.º 2, a informar “aceita-se qualquer aterro”;

3) No dia 19 de Janeiro de 2011, pelas 11 horas, a EPNA continuou as diligências de forma a apurar o proprietário/responsável pelo depósito de resíduos;

4) A EPNA contactou o Sr.B..., residente naquele local, o qual informou que o terreno era propriedade da sua empresa “ A..., Lda.”, NIF (...) , com sede (...) ;

5) O Sr. B... informou a EPNA que colocou a placa “aceita-se qualquer aterro”, junto à estrada, com o seu número de telefone, para poder ser contactado e autorizar as pessoas a deitar aterro no referido terreno;

6) Questionado acerca da variedade de resíduos encontrados no local, o mesmo informou que os tais resíduos são provenientes de várias pessoas e/ou empreiteiros que lhe telefonaram e a finalidade é aterrar/aplainar o terreno, uma vez que tem o projecto aprovado na Câmara Municipal de Viseu, para a construção de uma moradia unifamiliar;

7) O Sr. B... informou que alguns dos resíduos são descarregados também por desconhecidos e sem qualquer tipo de autorização;

8) O Sr. B... informou que não possuía qualquer tipo de licenciamento para aceitar RCD naquele local e desconhecia que estava a cometer uma ilegalidade, acrescentando que iria efectuar a triagem aos resíduos depositados e que ia apenas aceitar terras e pedras;

9) No local objecto de fiscalização os RCD depositados encontravam-se espalhados no solo e misturados entre si;

10) A arguida tinha como objecto social a actividade de construção civil, construção e promoção imobiliária, compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, bem como o arrendamento de imóveis;

11) Que no dia 10/02/11, cerca das 17:30 horas, a EPNA passou no referido local, onde verificou que as causas da infracção foram removidas pelo infractor, o qual procedeu à recolha/triagem dos resíduos e vedação do local;

12) Que a arguida não agiu com a diligência necessária para conhecer e cumprir com obrigações legais inerentes ao exercício da actividade por si prosseguida e de que era capaz, não se descortinando quaisquer factos que retirem a censurabilidade à infracção praticada nos termos supra descritos ou que excluam a ilicitude da sua conduta;

13) A arguida/recorrente não tem antecedentes contra-ordenacionais;»

1.2. Quanto a factos não provados consta da sentença recorrida:

«1)Que os sócios-gerentes da arguida/recorrente residam normalmente em Portimão;

2)Pelo que não podiam controlar a deposição de RCD no seu terreno;

3) Que os mesmo[s] desconheciam a obrigação de proceder a qualquer triagem dos RCD;»

1.3. No que respeita à atenuação especial da coima consta da sentença recorrida a seguinte fundamentação:

«(…)

Todavia, impõe-se ainda a questão de conhecer da aplicação do disposto no artigo 72.º do Código Penal ao regime contra-ordenacional ambiental.------

Cotejando a LQCA (Lei n.º 50/2006 de 29/8, verificamos que o legislador ponderou expressamente situações de atenuação especial como sendo a de erro sobre a ilicitude, tentativa, cumplicidade podendo assim incutir a ideia de que pretendeu assim abranger os casos de atenuação especial, não prevendo expressamente, com carácter de generalidade, uma cláusula geral de atenuação especial da punição ope judicis (de modo similar ao artigo 72.º do Código Penal) podendo incutir a ideia de que pretendeu afastar-se do regime penal, designadamente do disposto no art.º 72º.------

Não é esse o nosso entendimento dado que, logo no n.º 2 o legislador remeteu a título subsidiário para o regime geral das contra-ordenações e este, por seu turno remete a título subsidiário para o Código Penal (artigo 32.º).------

Ora não se vê razão par que, nas contra-ordenações ambientais tal regime não seja aplicável...

Não se diga que atenta a natureza "mais grave" das contra-ordenações ambientais o legislador pretendeu afastar tal regime.

Então e o ilícito criminal não é mais grave que o contra-ordenacional e ainda assim o legislador entende poder ser aplicada a atenuação especial?------

Como refere o Professor Figueiredo Dias, bem se compreende que o Código Penal constitua direito subsidiário relativamente ao direito substantivo das contra-ordenações considerando que o direito das contra-ordenações se não é direito penal é, em todo o caso direito sancionatório de carácter punitivo, o que abrange a generalidade da matéria relativa à punição, que encontra na parte geral do Código Penal a sua sede. Por outro lado porque, como continua o autor, a parte substantiva do Dec.-Lei n.º 433/82, de 28/10, dado o referido preceito de aplicação subsidiária do Código Penal, contém várias normas que em rigor se poderão dizer desnecessárias; o que é decerto consequência de o Dec.-Lei n.º 433/82, de 28/10 ser apenas uma versão reformulada e alargada do Dec.-Lei n.º 232/79 e de a publicação deste ter antecedido de três anosa do novo Código Penal (O Movimento de descriminalização e o ilícito de mera ordenação social in Direito Penal Económico e Europeu: Textos Doutrinários, Volume I, Coimbra Editora-1998, página 28).------

Vejamos então o caso subjudice;------

Quanto à atenuação especial da pena dispõe o artigo 72.º do Código Penal que “O Tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem cir-cunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.” (n.º 1), enumerando o n.º 2 diversas dessas circunstâncias.------

Conforme ensina a doutrina, o legislador sabe estatuir, à partida, as molduras penais atinentes a cada tipo de factos que existem na parte especial do Código Penal e em legislação extravagante, valorando para o efeito a gravidade máxima e mínima que o ilícito de cada um daqueles tipos pode assumir. Todavia, entende, ainda, a doutrina, que o sistema só pode funcionar de forma justa e eficaz se contiver válvulas de segurança, vendo estas como circunstâncias modificativas. Por isso, quando, em hipóteses especiais, existam circunstâncias que diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer a sua imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo padrão de casos que o legislador teve em mente à partida, aí haverá um caso especial de determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto por outra menos severa. Resumindo a tendência dominante na nossa jurisprudência, que segue a par a mencionada doutrina, podemos afirmar que a atenuação especial da pena só em casos extraordinários ou excepcionais pode ter lugar, uma vez que, para a generalidade dos casos normais, exis-tem as molduras penais normais, com os seus limites máximos e mínimos próprios. Conforme se acentua, na linha do que vem de ser exposto, no Acórdão de 17/10/02, do S.T.J., Processo n.º 3210/02, da 5.ª Secção (Relator: Conselheiro Pereira Madeira): «Como instituto, a atenuação especial da pena surgiu em nome dos valores irrenunciáveis de justiça, adequação e proporcionalidade. Surgiu da necessidade de dotar o sistema de uma verdadeira válvula de segurança que permita, em hipóteses especiais - quando existam circunstâncias que diminuam de forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer uma imagem global especialmente atenuada, relativamente ao complexo «normal» de casos que o legislador terá tido ante os olhos quando fixou os limites da moldura penal respectiva - a possibilidade, se não mesmo a necessidade, de especial determinação da pena, conducente à substituição da moldura penal prevista para o facto, por outra menos severa».------

Assim, pode a consideração global da conduta do arguido, à luz do que vem de ser dito, preencher circunstâncias que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena, apresentando-se com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em tal hipótese quando estatuiu os limites normais da moldura abstracta da coima.------

Da análise da matéria de facto provada entendemos existirem elementos que permitem o recurso a tal medida.------

Efectivamente, na aplicação concreta o tribunal já ponderou a ausência de antecedentes contra-ordenacionais da recorrente, a sua precária situação económica, a negligência da sua conduta e, se é certo que a recorrente já exerce a actividade de construção civil, temos que ter presente no caso concreto que foi condenada por conduta negligente, o que atenua desde logo tal facto.------

Mas, para além disso, o tribunal deu como provado que:------

A arguida após ter sido informada da infracção removeu imediatamente, os resíduos e procedeu à recolha/triagem dos mesmo.------

Ora tal atitude não pode deixar de ser valorada de forma relevante pelo tribunal.------

Pois se é certo que com a penalização aplicada se visa sancionar a conduta da arguida, não pode o tribunal esquecer os efeitos da sua conduta.------

Perante todo este quadro, entendemos que a moldura abstracta legalmente prevista, que não permitindo a aplicação de coima inferior a € 15.000 é manifestamente inadequada e desproporcionado com a realidade económica do País pois, no caso o efeito preventivo pretendido com a coima pode ser atingido com montante inferior, devendo o tribunal no caso em apreço socorrer-se do referido instituto.------

Nos termos do artigo 18.º/3 do RGCC, "Quando houver lugar à atenuação especial da punição por contra-ordenação, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos para metade.".------

Assim, no caso, a coima aplicada em concreto à recorrente será reduzida para metade sendo assim condenada final no pagamento da coima de € 7.500 (sete mil e quinhentos euros).------

(…)»

                                          *

2. Apreciando

Dispõe o artigo 412.º, n.º 1 do CPP, ex-vi artigo 41.º, n.º 1 do RGCO, que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

Por isso é entendimento unânime que as conclusões da motivação constituem o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso([i]), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso([ii]).

Assim, atenta a conformação das conclusões formuladas, a única questão a apreciar e decidir consiste em saber se deve ser atenuada especialmente a coima como fez o tribunal a quo.

A recorrente incorreu na prática da contra-ordenação prevista pelos artigos 9.º e 18.º, n.º 2, d) do Decreto-Lei n.º 46/2008, de 12/3 e punida pela alínea b) do n.º 3 do artigo 22.º da Lei n.º 5/2006, de 21/8, na redacção dada pela Lei n.º 89/2009, de 31/8, com coima de € 15.000 a € 30.000.

A gravidade da contra-ordenação depende do bem ou interesse jurídico que a mesma visa tutelar bem como do eventual benefício retirado pelo agente da prática daquela e do resultado ou prejuízo causado.

Além disso, a gravidade da contra-ordenação pode ainda depender ou aferir-se a partir directamente da lei, como é o caso das contra-ordenações estradais em que o legislador as qualifica, em função da sua gravidade, como leves, graves e muito graves – artigo 136.º do Código da Estrada.

De igual modo, em sede de legislação ambiental, a lei classifica as respectivas contra-ordenações, nos termos referidos, como leves, graves e muito graves – artigo 21.º da Lei n.º 50/2006, de 29/8.

A contra-ordenação em causa é classificada como grave – artigo 18.º, n.º 2, d) do Decreto-Lei n.º 46/2008, de 12/3.

O RGCO, compêndio normativo do direito de mera ordenação social, não prevê especificamente a atenuação especial da coima, embora a ele se refira em várias disposições, v.g., os arts. 9.º, n.º 2, 13.º, n.º 2, 16.º, n.º 3 e 18.º, n.º 3, sendo, por isso, subsidiariamente aplicável, nos termos do artigo 32.º, o artigo 72.º do Código Penal.

A Lei n.º 50/2006, de 29/8, que estabelece o regime aplicável às contra-ordenações ambientais (artigo 1.º, n.º 1), não prevê expressamente a atenuação especial das coimas aplicáveis às sanções ambientais [prevê apenas a redução, nas condições e prazo assinalados no artigo 49.º-A], o mesmo sucedendo com o Decreto-Lei n.º 46/2008, de 12/3, que estabelece o regime a que fica sujeita a gestão de resíduos de construção e demolição (RCD) – artigo 1.º.

Assim, a questão da atenuação especial da coima tem de ser tratada, mutatis mutandis, à luz do disposto no artigo 72.º do Código Penal([iii]).

Nos termos gerais estabelece o n.º 1 do artigo 72.º do Código Penal que o tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena.

O n.º 2 do referido preceito elenca algumas das circunstâncias que podem ser consideradas para o efeito, a saber:

a) Ter o agente actuado sob influência de ameaça grave ou sob ascendente de pessoa de quem dependa ou a quem deva obediência;

b) Ter sido a conduta do agente determinada por motivo honroso, por forte solicitação ou tentação da própria vítima ou por provocação injusta ou ofensa imerecida;

c) Ter havido actos demonstrativos de arrependimento sincero do agente, nomeadamente a reparação, até onde lhe era possível, dos danos causados;

d) Ter decorrido muito tempo sobre a prática do crime, mantendo o agente boa conduta.

Em relação à versão originária de 1982, a expressão do n.º 1 do então artigo 73.º “[o] tribunal pode atenuar” foi substituída no actual artigo 72.º por “[o] tribunal atenua”, tendo sido aditada a alternativa final “ou a necessidade da pena”.

Este aditamento veio esclarecer que o princípio basilar que regula a atenuação especial é a diminuição acentuada não só da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena, e consequentemente das exigências de prevenção.

Como escreve o Prof. Figueiredo Dias, perante o Código de 1982, a propósito do paralelismo entre o sistema (ou o «modelo») da atenuação especial do artigo 73.º e o sistema da determinação normal da pena previsto no artigo 72.º, tal paralelismo é só aparente, pois enquanto no procedimento normal de determinação da pena são princípios regulativos os da culpa e da prevenção, na atenuação especial tudo se passa ao nível de uma acentuada diminuição da ilicitude ou da culpa, e, portanto em último termo, ao nível do relevo da culpa, pelo que seriam irrelevantes as exigências da prevenção, o que não ocorre com alguns dos exemplos ilustrativos da situação especialmente atenuante contida na cláusula geral do n.º 1 do artigo 73.º, ou seja, as situações aí descritas só são significativas sob a perspectiva da necessidade da pena (e, por consequência, das exigências da prevenção).

Assim, refere o insigne Mestre, a conclusão é, pois, a seguinte: princípio regulativo da aplicação do regime da atenuação especial é a diminuição acentuada não apenas da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena e, portanto, das exigências da prevenção.

A atenuação especial resultante da acentuada diminuição da culpa ou das exigências da prevenção corresponde a uma válvula de segurança do sistema que só pode ter lugar em casos extraordinários ou excepcionais em que a imagem global do facto resultante da actuação da(s) atenuante(s) se apresenta com uma gravidade tão diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em hipóteses tais quando estatuiu os limites normais da moldura cabida ao tipo de facto respectivo.

Para a generalidade dos casos, ou seja, para os casos «normais», lá estão as molduras penais normais com os seus limites máximo e mínimo próprios([iv]).

No caso em apreciação, o tribunal a quo fundamentou a atenuação especial da coima invocando a ausência de antecedentes contra-ordenacionais da arguida, a sua precária situação económica (a este respeito nada consta dos factos provados), a negligência da sua conduta e ainda a circunstância de a arguida, após ter sido informada da infracção, ter removido imediatamente os resíduos e procedido à recolha/triagem dos mesmos.

O grau de culpa e a situação económica do agente são factores a ponderar na determinação da medida concreta da coima (artigo 18.º, n.º 1 do RGCOC), assim como a inexistência de antecedentes contra-ordenacionais poderá também relevar para tal efeito.

Porém, a determinação da medida concreta da coima pressupõe uma operação prévia, a da determinação da moldura legal abstracta aplicável e aqui se inclui a própria atenuação especial da punição quando a ela houver lugar.

Ora, para a aplicação deste instituto o que releva, como vimos, são as circunstâncias que demonstrem, in casu, a acentuada diminuição da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena e não as previstas no artigo 18.º, n.º 1 do RGCO.

A nosso ver, nenhuma circunstância provada nos autos permite concluir pela verificação de imagem global especialmente atenuada do facto.

Não são de hoje e são cada vez maiores as preocupações das sociedades industrializadas com o meio ambiente. No nosso ordenamento jurídico a protecção do ambiente começa logo ao mais alto nível, estabelecendo o artigo 66.º, n.º 1 da Constituição da República que todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender, incumbindo ao Estado, com o envolvimento e participação dos cidadãos, além do mais, prevenir e controlar a poluição (n.º 2, a) do mesmo artigo).

A gestão de resíduos constitui uma tarefa chave dos dias de hoje pela complexidade e gravidade dos efeitos que a sua deficiente gestão, ou a simples ausência da mesma, tem sobre a nossa qualidade de vida, assistindo-se a situações ambientalmente indesejáveis, como a deposição não controlada de resíduos de construção e demolição, não compagináveis com os objectivos nacionais em matéria de desempenho ambiental, elevados por via dos compromissos internacionais e comunitários assumidos pelo Estado Português.

Ao condicionar a deposição de resíduos de construção e demolição em aterro a uma triagem prévia, a lei ordinária (Dec.-Lei n.º 46/2008, de 12/3) pretende contribuir para um incremento da reciclagem ou de outras formas de valorização de resíduos de construção e demolição e, concomitantemente, para a minimização dos quantitativos depositados em aterro, estabelecendo uma cadeia de responsabilidade que vincula quer os donos da obra e os empreiteiros quer as câmaras municipais.

Em matéria de ambiente são, portanto, prementes as necessidades de prevenção.

A circunstância de a arguida ter removido os resíduos e procedido à recolha/triagem dos mesmos não se afigura particularmente relevante pois o que seria de esperar é que a arguida, após ter sido alvo da acção da Equipa de Protecção da Natureza e do Ambiente, do Destacamento Territorial de Viseu da Guarda Nacional Republicana, na sequência da qual foi levantado o auto de notícia de contra-ordenação, prontamente diligenciasse pela regularização de toda a situação.

Aliás, temos de convir que, atento o objecto social da arguida, uma conduta conforme à legalidade, nomeadamente quanto ao cumprimento do dever de assegurar a triagem de resíduos de construção e demolição previamente à sua deposição em aterro, se revela fundamental.

Sucede que, como se provou, foi o legal representante da arguida que colocou no local uma placa com os dizeres “aceita-se qualquer aterro”, com o seu número de telefone, para poder ser contactado e autorizar as pessoas a deitar aterro no referido terreno, havia no local resíduos provenientes de várias pessoas e/ou empreiteiros que lhe telefonaram com esta finalidade e o objectivo da arguida era o de aterrar/aplanar o terreno com vista à construção de uma moradia familiar, o que tudo revela um grau elevado de negligência.

Sendo elevadas as exigências de prevenção e portanto, a necessidade da punição, não sendo de desprezar o grau de ilicitude do facto e sendo elevado o grau de culpa dos legais representantes da arguida, torna-se evidente que não se verificam os pressupostos gerais da atenuação especial previstos no artigo 72.º do Código Penal.

Procede, portanto, o interposto recurso.

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III – DISPOSITIVO

Nestes termos, acordam os juízes desta Relação em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, consequentemente, revogando-se a sentença recorrida, manter a decisão da entidade administrativa que aplicou à arguida a coima de € 15.000 (quinze mil euros).

                                          *

Sem custas.

                                      

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Coimbra, 4 de Março de 2015

Fernando Chaves - relator

Orlando Gonçalves - adjunto


[i]  - Cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, volume III, 2ª edição, 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 7ªedição, 107; Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17/09/1997e de 24/03/1999, in CJ, ACSTJ, Anos V, tomo III, pág. 173 e VII, tomo I, pág. 247 respectivamente.
[ii] - Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado no Diário da República, Série I-A, de 28/12/1995.
[iii] - No sentido de ser aplicável em processo contra-ordenacional o artigo 72.º do Código Penal podem citar-se, entre outros, os Acórdãos da Relação de Évora de 17/9/2009, Proc. n.º 693/08.0TBPTG.E1, da Relação de Lisboa de 7/11/2012, Proc. n.º 1925/12.6TBOER.L1-3, da Relação de Coimbra de 6/11/2013, Proc. n.º 60/13.4TBALD.C1 e de 27/11/2013, Proc. 2198/12.6TBVIS.C1 e da Relação do Porto de 17/9/2014, Proc. n.º 656/13.4TBPNF.P2, disponíveis em www.dgsi.pt.
[iv] - Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, págs. 302/307.