Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | JORGE FRANÇA | ||
Descritores: | REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA FALTA DE CUMPRIMENTO DAS CONDIÇÕES DE SUSPENSÃO AUDIÇÃO PRESENCIAL DO CONDENADO FALTA DO CONDENADO À DILIGÊNCIA NULIDADE INSANÁVEL | ||
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Data do Acordão: | 12/02/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | CASTELO BRANCO (SECÇÃO CRIMINAL DA INSTÂNCIA LOCAL DE CASTELO BRANCO - J1) | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS. 119.º, ALÍNEA C), E 495.º, N.º 2, DO CPP | ||
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Sumário: | I - A nulidade da alínea c) do art. 119.º do CPP só ocorre quando ao arguido não é concedida a possibilidade de comparência a acto a que a lei confere o previsto estatuto de obrigatoriedade, e não também quando o próprio arguido a ele não comparece de forma voluntária ou quando, de forma pré-determinada, se coloca em posição de não ser possível transmitir-lhe a convocatória para tal comparência. II - Consequentemente, tendo sido efectuadas todas as diligências necessárias e legalmente previstas para a audição presencial do condenado, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 495.º, n.º 2, do CPP, a ausência do mesmo à diligência referida naquela norma não consubstancia o assinalado vício. | ||
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Decisão Texto Integral: |
ACORDAM NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA Nos autos de processo comum (colectivo) que, sob o nº 13/09.7PECTB, correram termos pela Secção Criminal (J1) da Instância Central de Castelo Branco, Comarca de Castelo Branco, o arguido A... foi submetido a julgamento (com ele foram também julgados outros dois arguidos), sendo, a final, condenado pela prática de dois crimes de roubo agravado, p.p. pelo artº 210º, 1 e 2, b), em conjugação com o disposto no artº 204º, 2, f), ambos do CP, na pena de 20 meses de prisão por cada um e, em cúmulo jurídico, na pena única de 30 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, sob regime de prova.
Já no decurso do prazo de suspensão da execução da prisão, acompanhado de regime de prova, viria a ser proferido o seguinte despacho: «Fls. 711/712 e 729 (promoção), 717 a 720 (DGRS), 722 e 757 (notificações às Sras. Defensoras), 726, 742, 752/753 (certidões da GNR), 740/741 (CRC do arguido A... ), 743, 745, 749 e 758 (promoção), e CRC do arguido B... hoje por nós solicitado Os arguidos A... e B... foram ambos condenados nos presentes autos pela prática, cada um deles, de um crime de roubo agravado, na pena única, cada um deles, de 30 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, sujeita a regime de prova. A fls. 595 foi proferido despacho, datado de 19/09/2011, homologando os respectivos planos de reinserção social referentes a estes arguidos. Quanto ao arguido A... : A fls. 621 a 624 foi junto relatório por parte da DGRS reportando anomalias por parte do arguido no cumprimento do regime de prova. Nomeadamente, relatando-se que em Setembro e Outubro de 2011 o arguido foi notificado para comparecer na DGRS, sendo que não compareceu na primeira convocatória e a carta expedida para a segunda convocatória foi devolvida pelos serviços postais com indicação de que o arguido se havia mudado, facto que não havia comunicado, nem ao tribunal, nem à DGRS. Em Novembro de 2011 o arguido foi novamente convocado, mas agora para a morada da sua progenitora, tendo comparecido nas instalações da DGRS. Em Dezembro de 2011 o arguido foi convocado e compareceu na DGRS, sendo que não apresentou o comprovativo de se ter já inscrito no centro de emprego, como se havia comprometido dado ter afirmado já o ter feito. Desde então o arguido não voltou a comparecer na DGRS apesar de ter sido convocado para o efeito. Comunicada tal situação ao tribunal, foi o arguido, após várias tentativas, notificado para comparecer no tribunal, conforme se constata de fls. 690 a 692, a fim de ser solenemente advertido, não tendo comparecido, nem justificado a sua falta. Todas as diligências que foram feitas nos autos resultaram frustradas sendo que continua a desconhecer-se o paradeiro do mesmo. (…) * O Ministério Público promoveu a revogação das suspensões das penas dos arguidos. Na impossibilidade de notificar o arguido A... para se pronunciar sobre a promoção, foi a sua Defensora oficiosa notificada a qual se pronunciou nos termos do fls. 722 e que aqui damos por reproduzidos. Da mesma forma se procedeu quanto ao arguido B... , no entanto a Sra. Defensora nada disse (fls. 757). * Cumpre apreciar e decidir. Antes de mais, impõe-se dizer que do artigo 495º nº 2 do Código de Processo Penal, decorre que o direito de audiência concorre com o direito de presença, ou seja, a garantia de contraditório implica a audição presencial do arguido. Todavia, desta garantia de contraditório na modalidade de “direito de presença” não decorre a inviabilização de decisão “ad eternum” motivada pela falta do arguido, ou seja, na impossibilidade de o fazer comparecer perante o juiz – pois que, no limite, colocaria a decisão judicial na disponibilidade deste, ou pelo menos, a possibilidade de poder retardar intoleravelmente o processo. E por isso, exigindo a lei que o contraditório se exerça, no caso, na sua expressão máxima de audição presencial, frustrada esta por motivo não imputável ao tribunal, será ainda possível garantir o contraditório na sua expressão mínima – audição no processo através de defensor pois que o mesmo exerce no processo os direitos que a lei reconhece ao arguido, conforme artigo 63º, nº1 do CPP, o que in casuse fez. Dito isto, Dispõe o artigo 56º nº 1 do Código Penal, que a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: a) infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regra de conduta impostos ou o plano de reinserção social; b) cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas. Conforme resulta, desde logo, da letra das alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 56º, a revogação da suspensão da execução da pena não é automática, ela pressupõe que o condenado venha a revelar efectivamente que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser atingidas, implicando uma apreciação judicial das circunstâncias em que ocorreu a infracção dos deveres impostos, para que, em função das conclusões assim obtidas, se decida da vantagem ou inconveniente da revogação, juízo que será necessariamente conformado pelas finalidades consagradas no artigo 50º nº 1, ou seja, em função das necessidades de protecção do bem jurídico subjacente à norma violada pelo condenado e das necessidades de reintegração do agente na sociedade. Por outro lado, o incumprimento das condições da suspensão poderá ter como consequência a realização de uma solene advertência pelo Tribunal, a exigência de garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão, a imposição de novos deveres ou regras de conduta, e/ou a prorrogação do período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no nº 5 do artigo 50º. A prorrogação do prazo de suspensão da execução da pena de prisão, está pois prevista apenas para as situações em que o condenado deixou de cumprir algum dos deveres ou regras de conduta a que a suspensão da pena foi subordinada ou em que não correspondeu ao plano de readaptação traçado pelo Tribunal e aceite pelo condenado, ou seja, em nosso entendimento, para os casos de suspensão condicionada. No caso vertente, e tendo sempre presente o lapso de tempo já decorrido desde a decisão final e as inúmeras pesquisas efectuadas, verificamos que não foi possível obter qualquer séria colaboração dos arguidos para o cumprimento do plano subjacente ao regime de prova, o que demonstra que a suspensão da execução da pena de prisão não surtiu qualquer efeito ao nível da prevenção especial. Com efeito, até pelo lapso de tempo decorrido desde a prolação do acórdão, é lícito concluir que se os arguidos estivessem interessados em cumprir a sua pena já se tinham deslocado ao Tribunal ou contactado a DGRS, o que não fizeram, demonstrando total desinteresse pela pena e, em última análise, pela boa administração da justiça. A concessão da suspensão não logrou evitar, pois, que os arguidos interiorizassem o desvalor das suas condutas, se mostrassem disponíveis para colaborar com a justiça e cumprir a pena nos termos que lhes foram determinados, tendo, com a sua ausência, demonstrado que não mereceram a oportunidade que este Tribunal lhes deu. Facilmente se conclui que a suspensão não serviu como advertência para os arguidos seguirem uma vida ordenada conforme ao Direito apesar de não registarem outros antecedentes criminais. Pelos mesmos motivos, consideramos que fazer uma solene advertência, exigir garantias de cumprimento de obrigações que condicionem a suspensão ou impor aos arguidos deveres ou regras de conduta, não é adequado à sua situação e não é proporcional à gravidade dos factos praticados, ademais porque o seu paradeiro é, há muito, desconhecido. Pelo exposto, nos termos do artigo 56º nº 1, alínea a) do Código Penal, decido revogar a suspensão da pena de prisão e determinar o cumprimento dos 30 meses de prisão em que os arguidos A... e B... foram condenados. Notifique. Remeta boletins ao registo criminal.»
Inconformado com tal despacho, o arguido dele interpôs o presente recurso, concluindo nos seguintes termos: 1. O recorrente, não foi notificado pelo Tribunal a quo para se pronunciar sobre a possibilidade de revogação da suspensão da execução da pena de prisão. 2. A revogação da suspensão da execução da pena de prisão não é automática, como resulta claramente do texto da lei, impondo-se, além do mais, a prévia audição do arguido - artigo 495º n.º 2 do CPP. 3. A falta de audição do arguido constitui nulidade insanável prevista no artigo 119º al. c) do CPP. 4. A mais, como nos presentes autos, sendo a suspensão da execução da pena sujeita ao cumprimento de deveres ou regras de conduta estas podem ser modificados até ao termo do período de suspensão, sempre que ocorrerem circunstâncias relevantes supervenientes ou de que o tribunal só posteriormente tenha tido conhecimento, o que significa que o conteúdo da pena de suspensão da execução da prisão está sujeito, dentro dos limites legais, mesmo independentemente de incumprimento do condenado, a uma cláusula rebus sic stantibus (artigos 51.º, n.º 3, 52.º, n.º 3 e 54.º, n.º2, do C. P, na redacção em vigor na data da decisão condenatória). 5. Ocorrendo uma situação de incumprimento das condições da suspensão, haverá que distinguir duas situações, em função das respectivas consequências: uma primeira quando no decurso do período de suspensão, o condenado, com culpa, deixa de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta, ou não corresponde ao plano de readaptação (que com a revisão de 2007 passou a ser designado de “plano de reinserção”), pode o tribunal optar pela aplicação de uma das medidas previstas no artigo 55.º do C. P., a saber: fazer uma solene advertência; exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão; impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de readaptação; prorrogar o período de suspensão; 6. e outra segunda quando no decurso da suspensão, o condenado, de forma grosseira ou repetida, viola os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de readaptação, ou comete crime pelo qual venha a ser condenado e assim revele que as finalidades que estiveram na base da suspensão não puderam, por intermédio desta, ser alcançadas, a suspensão é revogada (artigo 56.º, n.º 1, do C. Penal). 7. Ora, no presente caso, o tribunal a quo não apurou em momento algum a culpa do arguido no incumprimento dos deveres impostos, pelo que a dúvida sempre abonaria a favor do mesmo. 8. A observância do princípio do contraditório, estabelecido no artigo 32º n.º 5 da CRP, consubstancia-se no "direito/dever do juiz ouvir as razões do arguido e demais sujeitos processuais, em relação a questões e assuntos sobre os quais tenha de proferir uma decisão, bem como no direito do arguido intervir no processo e de se pronunciar e contraditar todos os elemento de prova e argumento jurídicos trazidos ao processo, direito que abrange todos os actos susceptíveis de afectarem, a sua posição ou de atingirem a sua esfera jurídica - Acórdão desta Relação de Coimbra de 05.11.2008 in www.dgsi.pt. 9. O arguido deve ser ouvido, independentemente do motivo da revogação da suspensão, sob pena da nulidade do artigo 119º al. c) (…). Aliás, interpretação diversa prejudicaria os direitos de defesa e o princípio do contraditório, sendo por isso de preferir interpretação conforme à Constituição (acórdão o TRE de 22.05.2005 in CJ XXX, 1, 267 e acórdão do TRL de 1.3.2005, in CJ XXX, 2, 123) - Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código de Processo Penal, 3ª Ed., pago 1240. 10. In casu, o recorrente não só não foi ouvido de forma presencial como nem sequer foi notificado para se pronunciar sobre a eventual revogação da suspensão da pena de prisão. Sendo que, tal notificação teria que ser pessoal. 11. O tribunal a quo, não envidou as diligências necessárias à efectiva notificação do arguido. 12. O que traduz claramente que a não notificação ao arguido é efectivamente imputável ao tribunal pelo que, não foi dado ao arguido verdadeiro exercício do contraditório. 13. Diga-se inclusive, que ao contrário do alegado na decisão recorrida, nenhuma relevância poderá ser atribuída à circunstância da correspondência remetida para a morada do TIR ter sido devolvida ao remetente. Com efeito, com a condenação cessou o TIR. 14. Pois que na verdade, as medidas de coacção cessam com o trânsito em julgado da sentença condenatória (artigo 214° n.º 1 al. e) do CPP). 15. Por outro lado, o condenado não está sujeito aos deveres que para o arguido resultam do n.º 3 do artigo 61° do CPP, nomeadamente à obrigação de comunicar ao Tribunal qualquer mudança de residência, mesmo porque não mudou. 16. Num Estado de Direito Democrático, como é o nosso, para apreciar e decidir a revogação da suspensão de uma pena de prisão, é necessário que o Tribunal reúna os elementos necessários para, em consciência, tomar uma decisão que afecta a liberdade do condenado, já que a prisão é a ultima ratio, um mal que deve reduzir-se ao mínimo necessário. 17. O tribunal deve por isso averiguar se as finalidades se encontram ou não comprometidas, o que impõe o Tribunal a proceder oficiosamente às diligências necessárias à demonstração de que as finalidades que subjazem à suspensão não puderam, por meio dela ser alcançadas. 18. Constituindo a revogação da suspensão da pena de prisão a aplicação e cominação de outra pena ter-se-á de processar de acordo com os princípios gerais que presidem ao processo penal, designadamente, o consagrado no artigo 32° nº 1 da CRP, segundo o qual o processo penal assegura todas as garantias de defesa em respeito pelo princípio do contraditório. 19. A observância do princípio do contraditório, estabelecido no artigo 32º nº 5, da Constituição da República, consubstancia-se no poder/dever do juiz de ouvir as razões do arguido, em relação a questões e assuntos sobre os quais tenha de proferir uma decisão, bem como no direito do arguido a intervir no processo e de se pronunciar e contraditar todos os elementos de prova e argumentos jurídicos trazidos ao processo, direito que abrange todos os actos susceptíveis de afectarem a sua posição ou de atingirem a sua esfera jurídica, conforme Acórdão desta Relação de Coimbra de 30.04.2003 in CJ XXVIII, T II, pag. 50. 20. Seria gravemente atentatório das garantias de defesa que a revogação da suspensão se pudesse processar sem que este se pudesse pronunciar nos termos do artigo 495º nº 2 do Código de Processo Penal o que significa que lhe deve ser concedida a possibilidade de exercício do direito do contraditório e, mais, do direito de audiência pessoal, veja-se o Acórdão desta Relação de Coimbra de 5.11.2008 disponível em in www.dgsi.pt 21. Pelas razões supra expostas, a não audição do arguido neste momento processual afecta gravemente os direitos de defesa do arguido e a dimensão constitucional do princípio do contraditório (art. 32° nº 5 da Constituição da República Portuguesa). 22. Não é concebível que uma decisão tão gravosa para o condenado em pena suspensa, como é a da revogação da suspensão da execução da pena possa ser decidida sem que lhe seja facultada a possibilidade de expor as razões que conduziram ao incumprimento das condições que lhe foram impostas, e que tal possa ser conscientemente aquilatado pelo Tribunal, e 23. Nomeadamente provar ao Tribunal a sua postura de responsividade perante as normas sociais e da vida em sociedade, e 25. Outrossim, iria novamente afastá-lo e desenraizá-lo dos laços familiares que criou e da estabilidade profissionalmente que está a criar. 26. A acrescer e sem prescindir, sempre se dirá, não resultar dos autos demonstração de um juízo de culpa de tal forma grave que justificasse a revogação da suspensão da pena de prisão. Ademais, também se assume como indemonstrada a violação grosseira e repetida dos deveres e regras de conduta que pendiam sobre o recorrente, nos termos e para os efeitos do artigo 56° do CP. 27. Conforme vem sendo entendimento Jurisprudencial, a revogação da suspensão não opera de forma automática, mas dependente da análise do caso concreto no que concerne ao preenchimento dos pressupostos enunciados nas duas alíneas do artigo 56º n.º 1 do CP. 28. Nos dizeres de Figueiredo Dias, só será possível optar pela revogação da suspensão se da análise ponderada nascer "a convicção de que um tal incumprimento infirmou definitivamente o juízo de prognose que esteve na base da suspensão, é dizer, a esperança de, por meio desta, manter o delinquente, no futuro, afastado da criminalidade" (Direito Penal Português • As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Ed. Notícias, Lisboa, 1993, p. 356). 29. Como salienta o Acórdão da Relação de Lisboa de 19-02-1997, in Col. Jurisp. tomo I, pág. 166, a violação grosseira dos deveres ou regras de conduta expostas, de que se fala no art. 56 nº 1 al. a) do CP, há-de constituir uma indesculpável actuação, em que o comum dos cidadãos não incorra e que não mereça ser tolerada nem desculpada. 30. É necessário que fique provado que o condenado incumpriu, por vontade própria, é necessário apreciar a sua culpa, neste sentido, Ac. desta Relação de Coimbra de 7-05-2003, Rec. 612/03. 31. Conforme entendimento de Maia Gonçalves no art. 55 do seu CP anotado e comentado, 12ª edição, que só mediante a ponderação das particularidades de cada caso concreto o juiz poderá decidir se alguma sanção deve ser aplicada e, caso positivo, qual a que melhor se molda à situação. Assim, se o condenado deixou de cumprir uma condição devido a caso fortuito ou de força maior que definitivamente o inibe de lhe dar cumprimento, não deve ser aplicada qualquer sanção. 32. In casu, resulta claro, não terem sido devidamente apuradas as razões que determinaram o incumprimento, não sendo, por conseguinte, possível concluir, com a necessária segurança, pela existência de culpa do arguido nesse incumprimento, reveladora da necessidade de cumprimento efectivo da pena de prisão. 33. Em face de tal quadro, poderia/deveria o Tribunal a quo, optar por qualquer uma das medidas alternativas previstas no artigo 55° do CP, ao invés de, desde logo, ordenar a imediata revogação da suspensão da pena de prisão. 34. A pena pressupõe como suporte axiológico normativo uma culpa concreta, significando este princípio não só que não há pena sem culpa, mas também que a medida da culpa influi directamente na medida da pena, ou seja, a culpa não constitui apenas pressuposto e fundamento de validade da pena, mas afirma-se como limite máximo da mesma. 35. Importaria ainda, pelo Tribunal a quo, apurar, se as circunstâncias revelam que as finalidades que estiveram na base da suspensão não puderam por meio dela ser alcançadas, isto é, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (art. 40° n.º 1 CP). 36. Quer isto dizer que ao Tribunal se impunha apurar se os fundamentos da suspensão se mantêm válidos ou seja, se o juízo de prognose relativamente às finalidades da punição alcançadas com a mera censura do acto e a ameaça da prisão é ainda favorável ou não. 37. Sendo o Tribunal a quo quem refere, contrariando na sua fundamentação a própria decisão “(…) apesar de não registarem outros antecedentes criminais.” 38. Parece existir o referido juízo de prognose positivo favorável ao arguido pelo que se impunha ao Tribunal decisão diversa daquela que veio a ser proferida. 39. Devendo a pena de prisão ser aplicada como ultima ratio, até pela parca idade do arguido de 25 anos, não se afigura adequado impor àquele, o cumprimento da pena de prisão. 40. Pelo que, não deverá ser revogada a suspensão da execução da pena de prisão. 41. A decisão do Tribunal a quo, em nossa modesta opinião, violou o estatuído nos artigos 495 n.º 2 do CPP e nos artigos 55° e 56° do CP, 111° e 113° do CP, no artigo 32° n.º 1 e n.º 5 da CRP, sendo o Despacho recorrido nulo, nos termos do artigo 119º al. c) do CPP. Nestes termos e nos melhores de Direito deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, consequentemente, ser mui doutamente deve proceder-se à revogação do despacho recorrido, substituindo-o por outro em que se reconheça ser de manter a suspensão da pena ao arguido.
O MP em primeira instância respondeu ao recurso, concluindo pelo seu não provimento, nos seguintes termos: 1. As conclusões são um apanhado do pedido e têm que espelhar, de forma sucinta, a matéria desenvolvida no corpo da motivação; 2. pelo que deve o recorrente ser convidado a suprir a deficiência das suas alegações, sob pena do seu recurso ser rejeitado – Ac. do Tribunal Constitucional com força obrigatória geral nº 337/00, DR I-A de 00.07.21. 3. Caso assim se não entenda sempre se dirá que; 4. o ora recorrente foi condenado na pena de 30 meses de prisão suspensa por igual período de tempo mediante regime de prova. 5. Do Relatório Social elaborado pela DGRSP extrai-se que o arguido violou de forma grosseira displicente e repetitiva os deveres e regras que lhe foram impostas, mostrando uma postura de desinteresse pela pena que lhe foi aplicada – fls. 621. 6. Foram feitas várias diligências (notificações para morada constante do TIR, para outras moradas entretanto indicadas, para a morada de seu primo B... em Caldas da Rainha. 7. O arguido foi notificado para comparecer em Tribunal para explicar o seu comportamento. 8. Não compareceu e não justificou a sua falta. 9. Mais uma vez mostrou desinteresse e desrespeito. 10. O princípio do contraditório foi por si desrespeitado, quando teve oportunidade para tal. 11. Depois de se ter notificado o arguido para o ouvir tendo em vista a revogação da suspensão da execução da pena de prisão e o mesmo ter faltado sem justificar a sua ausência e depois de posteriormente ter tentado mais vezes a notificação do arguido, que resultaram sempre infrutíferas; 12. Face à postura do arguido e face ao conteúdo do Relatório Social foi proferido despacho a revogar a suspensão da execução da pena de prisão; 13. do qual foi o recorrente notificado para a morada de Caldas da Rainha. 14. Precisamente para onde já se tentara notifica-lo. 15. Face ao resultado das diligências efetuadas e face ao conteúdo do Relatório, o despacho de revogação da suspensão da execução da pena de prisão não pode ser considerado nulo; 16. pois, caso assim se não entendesse, a impossibilidade de notificar o arguido e existindo prova bastante nos autos de que o mesmo violou os deveres e regras que lhe foram impostos, impediria sempre a prolação daquele despacho. 17. Face as diligências efetuadas e face à prova constante dos autos o despacho recorrido não é nulo nem violou o estatuído nos artigos 119º alínea c) e 495º nº 2 do CPPenal, 55º, 56º 111º e 113º este do CPenal e 32º nº s 1 e 5 da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso e, em consequência manter-se o douto Acórdão recorrido.
Nesta Relação, o Ex.mo PGA emitiu douto parecer, concluindo pelo não provimento do recurso, mais afirmando que: «O tribunal fez tudo o que estava ao seu alcance, pois que dúvidas não existem de que a lei (artº 495º, cuja redacção foi introduzida pela Lei 48/2007) aponta para a obrigatoriedade, como regra, de audição presencial do arguido. (…) Em síntese conclusiva, diremos que é claramente excessivo, porque injustificado e paralisante, o entendimento no sentido da obrigatoriedade de ouvir o arguido nos casos em que, sem sucesso, o tribunal envida todos os esforços possíveis para o seu comparecimento. No presente caso, acresce que num primeiro momento ocorreu a notificação do arguido A... , não tendo ele comparecido nem justificado a sua falta; num segundo momento ocorre a referida impossibilidade, sendo certo que o tribunal entendeu possuir suficientes elementos para proferir decisão fundamentada, mormente o relatório social elaborado pela DGRPS.»
Ainda respondeu a recorrente, concluindo como anteriormente.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
DECIDINDO: Analisadas as questões suscitadas pelo recorrente e pelo MP, logo se vislumbra que são as seguintes as questões que são colocadas à nossa apreciação, tal qual se mostram delimitadas pelas conclusões com que o recorrente remata a sua motivação.
I – A questão prévia relativa à violação, pelo recorrente, do comando ínsito na norma do artº 412º do CPP. II – A questão da nulidade insanável por falta de audição do arguido. III – A questão de mérito que se prende com a bondade do despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão.
I – A questão prévia relativa à violação, pelo recorrente, do comando ínsito na norma do artº 412º do CPP. Na sua resposta ao recurso do arguido A... , a Ex.ma Magistrada do MP em primeira instância suscita a questão prévia que assim nominamos. Tal questão é retomada pelo Ex.mo PGA, no douto parecer que elaborou, ao afirmar que «tal peça [conclusões do recurso] viola claramente o conteúdo normativo do artº 412º do CPP na parte em que nele se impõe ao recorrente que alinhe as conclusões, directa e concisamente, sob a forma de um resumo do pedido. Tal visa, óbvia e reconhecidamente, uma melhor perceptibilidade do tema, das questões a decidir.» Com efeito, como é apontado, o recorrente concluiu a sua motivação sem mostrar qualquer preocupação em cumprir o comando do artº 412º, 1, do CPP, que lhe impunha o ónus de concluir a sua motivação de forma articulada e resumida, de modo a tornar perceptível o seu pedido; ao invés, o recorrente limitou-se a, de forma algo displicente, repetir grande parte da sua desenvolvida motivação, sem qualquer preocupação notável de síntese. Basta atentar em que a numeração das suas conclusões segue, sem qualquer quebra, a numeração que vinha da sua motivação, e que a primeira conclusão (com o nº 55.) repete integralmente o nº 1 da sua motivação, e por aí adiante. Não obstante, e até tendo em vista evitar mais desnecessárias delongas processuais - e não obstante o recorrente ter multiplicado as suas conclusões, desse modo não tornando clara a sua pretensão recursiva – cremos ser possível traçar as grandes linhas definidoras dessa pretensão, do modo que já atrás fixámos. Pese embora não desconheçamos a doutrina traçada pelo Ac. do Tribunal Constitucional, nº 337/2000, publicado no DR I-A, de 21/7/2000, cremos que essas circunstâncias, já referidas, determinam que prossigamos na análise do mérito do recurso.
II – A questão da nulidade insanável por falta de audição do arguido.
Dispõe o artº 495º, 2, do CPP que, tendo em vista a apreciação das circunstâncias em que ocorreu a falta de cumprimento das condições apostas à suspensão da execução da prisão, «o tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão». A violação de tal imposição legal traduzir-se-á na verificação da nulidade insanável constante do artº 119º, c) do mesmo CPP, por «ausência do arguido (…) nos casos em que a lei exigir a respectiva comparência». Tendo em consideração que o arguido não esteve presente em alguma audiência designada para o efeito, há que averiguar se, por isso mesmo, ocorre a referida invalidade insanável. A exigência da prévia audição do arguido, quando está em causa a apreciação da sua culpabilidade no não cumprimento das condições impostas à suspensão, traduz a transcrição legal dos comandos constitucionais referentes à garantia de defesa em processo criminal (artº 32º, 1, CRP) e, mais directamente, com a observância do princípio do contraditório (seu nº 5). Essas garantias, no processo penal, só serão asseguradas quando a audiência respectiva decorra com a audição presencial do condenado (cit. artº 495º, 2). Visto que tal não aconteceu no nosso caso, à partida poderíamos prefigurar a ocorrência da referida invalidade absoluta, por ausência do arguido. No entanto, o nosso caso mostra-se rodeado de cambiantes que poderão determinar que, não obstante essa ausência, o vício em questão não se verifique, e, do mesmo modo se mostrem respeitadas aquelas garantias constitucionais. Afirma o recorrente, nas suas conclusões, que «in casu, o recorrente não só não foi ouvido de forma presencial como nem sequer foi notificado para se pronunciar sobre a eventual revogação da suspensão da pena de prisão. Sendo que, tal notificação teria que ser pessoal. O tribunal a quo, não envidou as diligências necessárias à efectiva notificação do arguido. O que traduz claramente que a não notificação ao arguido é efectivamente imputável ao tribunal pelo que, não foi dado ao arguido verdadeiro exercício do contraditório.» É indubitável que o arguido não foi ouvido de forma presencial, já o dissemos. No entanto, o tribunal ‘a quo’ envidou esforços prolongados e renovados no sentido de proceder à sua notificação para audição.
Transcreveremos a cronologia que, a propósito, elaborou a Ex.ma Magistrada do MP em primeira instância, referente às notificações ao arguido ou às respectivas tentativas:
1. Em 10.08.2009 – fls. 61 – o ora recorrente, por determinação do Meritíssimo Juiz de Instrução, em sede de 1º interrogatório judicial de arguido detido (fls. 58), prestou um novo TIR. 2. Aí consta como sua morada a Rua X... Quinta do Conde. 3. Igualmente indicou a referida morada para efeito de notificações – fls. 201, 231. 4. Posteriormente indicou, aquando da elaboração do Relatório Social para elaboração da Sanção a aplicar, como morada, a Rua Y... – fls. 384. 5. No âmbito dos autos o arguido foi notificado para ambas as moradas por diversas ocasiões – fls. 555. 6. A fls. 587 o arguido voltou a indicar uma outra morada, Rua Z... , Quinta do Conde. 7. A fls. 622 consta que o arguido foi notificado para a Rua Camilo Castelo tendo recebido a notificação, uma vez que compareceu na DGRSP. 8. A fls. 623 consta que as técnicas daquela Direcção se deslocaram àquela morada onde não encontraram ninguém. Todavia, foram informadas que o mesmo passara a residir na Rua K... Pinhal General. 9. Assim foram enviadas notificações para as referidas moradas – fls. 628, 644, 650. 10. Todavia consta dos autos informações relativas a outras moradas do arguido, 670, 683, 685. 11. Por fim foi notificado a fls. 699, precisamente para comparecer no dia 5/3/2013 no Tribunal para ser ouvido em declarações tendo em vista a revogação da suspensão da execução da pena de prisão – não obstante ter assinado a notificação o arguido não compareceu na referida audiência – fls. 693. 12. Assim (…) acabou por ser promovida a revogação da suspensão da execução da pena de prisão a que foi condenado nos presentes autos – fls. 711 -, determinando o MM juiz, que se notificasse a sua Ilustre Defensora da referida promoção – fls. 713, 715 e o arguido para Caldas da Rainha – fls. 716. 13. Posteriormente a fls. 720 é comunicado pela DGRSP que o paradeiro do arguido é desconhecido. 14. Mais uma vez são encetadas diligências para encontrar o arguido – fls. 726/8. 15. Por fim (…) é renovada a promoção tendente à revogação da suspensão da execução da pena de prisão – fls. 743 – o que é decidido – fls. 762.
Desta resenha histórica é possível retirar três conclusões: a) a de que o recorrente A... foi pessoalmente notificado para comparência a diligência cuja finalidade anunciada era a de eventual revogação da suspensão da execução da pena de prisão a que foi condenado nos presentes autos; b) a de que faltou a essa diligência de forma injustificada; e c) a de que, não obstante, o tribunal, por diversas vezes procurou obter a sua localização, sendo que o seu paradeiro ia variando.
A tudo acresce que face à promoção do MP no sentido da revogação daquela suspensão, o tribunal teve o cuidado de ordenar, novamente a sua notificação e, do mesmo passo, ordenar a notificação da ilustre defensora nomeada.
Portanto, temos de concluir que o tribunal logrou notificar pessoalmente o arguido para comparência, sendo ele advertido da finalidade da diligência. Por isso, não pode ele falar agora em surpresa, ao tomar conhecimento do despacho impugnado. Por outro lado, foram esgotadas todas as diligências pensáveis tendentes à descoberta do paradeiro do arguido com vista à sua notificação.
O princípio do contraditório, aqui invocado, constitui uma verdadeira garantia constitucional, que, dada essa sua natureza, é inviolável. Todavia, para que a concessão dessa garantia assuma a sua efectividade torna-se necessária alguma colaboração positiva do arguido, que, sendo-lhe facultada a possibilidade de se pronunciar pessoalmente, compareça na data designada para o efeito. O tribunal concede ao arguido a possibilidade de exercer o contraditório, não lhe pode impor, de modo algum, a obrigação de exercício efectivo desse direito. O contraditório é exercido mediante a mera facultação ao arguido da possibilidade desse exercício, não exigindo, de forma alguma que esse exercício seja efectivo, deixando na disponibilidade daquele a opção a tomar, positiva ou negativa. Seria contraproducente fazer comparecer - mediante detenção - o arguido revel a uma diligência com tal finalidade, para a qual tivesse sido anteriormente notificado para comparência, e a ela faltando injustificadamente. Não obstante essa notificação pessoal que, pelo menos, teve a virtualidade de pôr o recorrente a par da finalidade da diligência, o tribunal desenvolveu inúmeras outras diligências no sentido de o notificar. A final, e face à impossibilidade de tal, procurou obter o respeito pelo contraditório também através da notificação da Ex.ma defensora. Acresce que, estando o arguido com uma pena de prisão com execução suspensa mediante vigilância resultante da sujeição ao regime de prova, incumpriu a obrigação - a que dera a sua concordância – de «informar o técnico de reinserção social sobre alterações de residência, bem como qualquer deslocação superior a 8 dias e sobre a data do previsível regresso» (v. fls. 41 deste traslado). Ou seja, o arguido tem conhecimento das suas obrigações e das consequências do seu comportamento renitente e não pode, por isso, invocar violação da sua garantia de contraditório, se é ele próprio que se coloca na situação de dele não usufruir. Por isso, sendo de considerar que foi facultada ao recorrente a possibilidade de exercer o direito ao contraditório, não se mostram, de forma alguma, violadas as garantias constitucionais asseguradas pelo artº 32º, 1 e 5 da CRP.
No sentido por nós propugnado, vejam-se os seguintes acórdãos, por nós pesquisados em www.dgsi.pt:
- O ac. TRC de 9/9/2015, p.83/10.5PAVNO, assim sumariado: I - Se antes de ser proferida a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão não foram envidados todos os esforços necessários à audição presencial do arguido e assim este não é ouvido na presença do técnico que fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão, entendemos que o despacho de revogação incorre na nulidade prevista no art.119.º, al. c), do Código de Processo Penal. II - Tendo sido envidados todos os esforços necessários à audição presencial do arguido e não sendo possível obter a sua comparência à diligência, a jurisprudência tem decidido que o contraditório imposto no art.495.º, n.º 2 do C.P.P. se tem como cumprido com a notificação do defensor do arguido. (…)
- e o Ac. TRP de 29/10/2014, P.297/07.5GAETR-A, cujo seguinte pertinente extracto aqui citamos: «De resto, ainda, a propósito do direito de audição, o prof. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, 1981, I, 157/8, refere que “constitui a expressão necessária do direito do cidadão à concessão de justiça, das exigência comunitárias inscritas no Estado de Direito, da essência do Direito como tarefa do homem e, finalmente, do espírito do processo como comparticipação de todos os interessados na criação do Direito: a todo o participante processual antes de qualquer decisão que o possa afectar, dever ser dada a oportunidade através da sua audição, de influir na declaração do direito”. A audição deve ser entendida à letra, exigindo a presença física do arguido? Ou basta-se com a simples concessão da possibilidade de exercício do contraditório, por requerimento no processo? Seguramente que não implica a necessidade da realização de um interrogatório, de uma audição presencial, com a sua comparência física. Nem a letra, nem o espírito da norma, inculcam tal obrigação. A ter que ser assim, estava encontrado um incentivo a que o condenado se furtasse à acção da justiça, com o propósito de inviabilizar a revogação da suspensão, cfr. neste sentido, o Ac. RE de 14.5.2002, relator Manuel Nabais, consultável no site da dgsi, que vimos seguindo de perto. De resto, lapidarmente a este propósito – no que se pode ter como comportamento habitual dos condenados em pena de prisão suspensa na sua execução, com imposição de obrigações ou regras de conduta - o referido AUJ com o propósito de o combater, considerou a dado passo que, “…sucede que a esmagadora maioria dos arguidos que não estão dispostos a cumprir os deveres que condicionam a suspensão de execução da pena também não estão na disposição de se deixarem notificar, o que irá ter por consequência a submersão dos tribunais, e dos órgãos de policia criminal, em sucessivas e infindáveis diligências de averiguação do paradeiro de indivíduos que, mesmo após terem assumido a obrigação de informar da mudança de domicílio, e não obstante terem sido condenados em pena de multa que sabem ser seu dever pagar, votam o processo criminal aos mais absoluto desprezo. O arguido que deu a sua residência no processo cumpriu, também, uma obrigação de informação a que o Estado vai corresponder informando-o, no mesmo local indicado, de toda a decisão que possa afectar os seus interesses. Se o arguido, sabendo que foi condicionado numa pena cuja execução foi suspensa e depois de ter sido notificado para esclarecer do não cumprimento das condições olimpicamente se ausenta do local que indicou é problema que o afecta a si única e exclusivamente como cidadão relapso. A condenação em pena suspensa não constitui uma ‘carta de alforria que permite ao arguido proclamar que nenhum dever lhe assiste na sua relação com o Estado nem sequer a obrigação de o manter informado sob sua residência…”. (…) Sem embargo, do direito, genérico, de o arguido ser ouvido sempre e cada vez que o Tribunal deva tomar uma decisão que o afecte, como vimos já. Por isso, há que concluir, de forma inequívoca que, o processado dos autos não evidencia que tenha sido cometida a apontada nulidade. Se a arguida não foi ouvida mais uma vez – e pessoalmente, quando até nem o teria que ser - a si, tão só, o deve. Foi a sua mudança de domicílio, sem informar o Tribunal, que originou a impossibilidade de se proceder à sua notificação, por desconhecimento, desde logo, na vizinhança do seu paradeiro, que, tão pouco, se logrou obter em várias bases de dados informáticos.
Por isso, devemos concluir que não se verifica a nulidade arguida pelo recorrente e que é a que resultaria da alínea c) do artº 119º do CPP. Esta nulidade só ocorre quando ao arguido não é concedida a possibilidade de comparência a acto a que a lei confere esse estatuto de obrigatoriedade e já não quando o próprio arguido a ele não comparece de forma voluntária ou quando, de forma pré-determinada, se coloca em posição de não ser possível transmitir-lhe a convocatória para tal comparência.
III – A questão de mérito que se prende com a bondade do despacho que revoga a suspensão da execução da pena de prisão.
A este propósito dispõe o artº 56º, 1, a), do CP, que «a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado: infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social.»
No nosso caso temos que o arguido, viu a pena de prisão que lhe foi aplicada ser suspensa na sua execução por 30 meses, mediante sujeição ao regime de prova. Na decisão condenatória foi de imediato determinado que, após trânsito, fosse solicitado ao IRS a elaboração do plano de readaptação a seguir pelos arguidos. Tal plano foi elaborado (fls. 40 a 42 deste traslado) e viria a merecer homologação, o que aconteceu por despacho judicial, datado de 19/9/2011,cuja cópia se mostra junta a fls. 43deste traslado. Desse plano constavam, como acções a desenvolver pelo condenado, as referidas sob esse item, a fls. 41 do plano referido, das quais se destacam as obrigações de comparecer na instituição sempre que convocado, de receber vistas do técnico de reinserção social, comparecer às entrevistas com o técnico de reinserção social, informar o técnico sobre alterações de residência, bem como qualquer deslocação superior a 8 dias e sobre a data do previsível regresso. O condenado/ora recorrente manifestou a sua concordância com os objectivos e acções propostas nesse plano.
Logo em 24/7/2012 é elaborado e remetido ao tribunal um relatório de avaliação, no qual se conclui que o condenado não tem revelado adesão à execução da medida, não estando a cumprir as acções a que se comprometeu, nomeadamente no que se refere à obrigatoriedade de comparência às entrevistas e de informação sobre alterações de morada, sendo que, nessa ocasião, a DGRS desconhecia o seu paradeiro, modo de vida e meios de subsistência.
Em 17/4/2013 é elaborado e remetido ao tribunal novo relatório de avaliação, em cujas conclusões se dá conta de que se mantém a situação descrita no anterior relatório, v.g. no que se prende com o seu absentismo relativamente ao cumprimento daquelas acções que aceitara e bem assim quanto ao seu paradeiro, que continua desconhecido.
Em 15/10/2012, a GNR/Quinta do Conde informa que o condenado já não reside na morada que aí consta, sendo desconhecido o seu actual paradeiro.
Em 18/6/2013, a PSP/Caldas da Rainha informa que o condenado não foi localizado nem na morada que aí refere, «nem em nenhuma das outras moradas conhecidas desta Polícia» e que, segundo informações recolhidas, ele se terá ausentado para parte incerta.
Desta resenha factual resulta que o recorrente A... , bem conhecendo as obrigações que assumira, a título de cumprimento do regime de prova, e a que dera a sua adesão expressa, mostrou grave indiferença pelo seu cumprimento, de forma reiterada. Sabendo que não deveria alterar o seu domicílio, que deveria comunicar eventual alteração do mesmo ou uma eventual deslocação superior a 8 dias, comunicando logo qual a data do previsível regresso, o condenado mostrou total desprezo por essas obrigações, incumprindo-as do modo grave e reiterado já referido. Revelou-se revel em relação à obrigação de se manter contactável pela DGRS, de modo a serem fiscalizadas as suas acções, v.g., aquelas que constam do plano e com as quais se comprometera. E esta situação prolongou-se por não menos de 2 anos e 6 meses.
A propósito, foi dito no despacho recorrido: «No caso vertente, e tendo sempre presente o lapso de tempo já decorrido desde a decisão final e as inúmeras pesquisas efectuadas, verificamos que não foi possível obter qualquer séria colaboração dos arguidos para o cumprimento do plano subjacente ao regime de prova, o que demonstra que a suspensão da execução da pena de prisão não surtiu qualquer efeito ao nível da prevenção especial. Com efeito, até pelo lapso de tempo decorrido desde a prolação do acórdão, é lícito concluir que se os arguidos estivessem interessados em cumprir a sua pena já se tinham deslocado ao Tribunal ou contactado a DGRS, o que não fizeram, demonstrando total desinteresse pela pena e, em última análise, pela boa administração da justiça. A concessão da suspensão não logrou evitar, pois, que os arguidos interiorizassem o desvalor das suas condutas, se mostrassem disponíveis para colaborar com a justiça e cumprir a pena nos termos que lhes foram determinados, tendo, com a sua ausência, demonstrado que não mereceram a oportunidade que este Tribunal lhes deu. Facilmente se conclui que a suspensão não serviu como advertência para os arguidos seguirem uma vida ordenada conforme ao Direito apesar de não registarem outros antecedentes criminais. Pelos mesmos motivos, consideramos que fazer uma solene advertência, exigir garantias de cumprimento de obrigações que condicionem a suspensão ou impor aos arguidos deveres ou regras de conduta, não é adequado à sua situação e não é proporcional à gravidade dos factos praticados, ademais porque o seu paradeiro é, há muito, desconhecido.»
Estamos de pleno acordo com tais considerações: o recorrente, de forma grosseira e repetida violou o plano de reinserção social, mostrando total indiferença e desprezo pelo cumprimento das obrigações que assumira; aliás, como se disse no despacho recorrido, ele bem sabia onde se dirigir, caso pretendesse arrepiar caminho e, retomando a senda da conformidade social e processual, dar plena satisfação às obrigações decorrentes do regime de prova que condicionava a suspensão da execução da pena de prisão que lhe fora imposta no processo. Mas, de forma voluntária e reiterada mostrou não o querer fazer. Quanto a um possível accionamento dos mecanismos/remédio prescritos no artº 55º do CP, manifesto se torna que tal só seria possível mediante uma mínima colaboração do condenado, fornecendo, pelo menos, uma morada onde pudesse ser contactado. Mantendo-se a actual situação de revelia absoluta, não se torna possível fazer-lhe qualquer advertência, e muito menos «solene», exigir garantias, impor novos deveres, regras de conduta ou introduzir exigências acrescidas.
Termos em que, neste Tribunal da Relação de Coimbra, se acorda em negar provimento ao recurso do arguido.
Custas pelo arguido, com taxa de justiça fixada em 4 UC’s.
Coimbra, 2 de Dezembro de 2015
(Jorge França - relator)
(Cacilda Sena - adjunta) |