Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
780/11.8TBCVL-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO CARVALHO MARTINS
Descritores: PROVA
PROVA PERICIAL
PERITOS
IMPEDIMENTOS E ESCUSAS
SEGUNDA PERÍCIA
Data do Acordão: 02/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO - COVILHÃ - JL CÍVEL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 115, 117, 120, 470, 475, 487, 513 CPC
Sumário: 1.- As partes podem oferecer ou requerer quaisquer provas (licitas) que entendam necessárias para provar os factos que alegam em sustentação dos direitos afirmados, ou para contraprova dos factos aduzidos pela contraparte que ponham em crise tais direitos.

2.- O direito à prova constitucionalmente reconhecido (art. 20.º da CRP) faculta às partes a possibilidade de utilizarem em seu benefício os meios de prova que considerarem mais adequados tanto para a prova dos factos principais da causa, como, também, para a prova dos factos instrumentais ou mesmo acessórios.

3.- Porém, tal não significa que todas as diligências requeridas devam ser deferidas, porque apenas o deverão ser desde que legalmente admissíveis, pertinentes e não tenham cariz dilatório.

4.- A prova pericial, aliás como toda a prova, está sujeita, na respectiva produção, a um determinado número de regras de direito probatório formal, podendo a perícia reportar-se, quer aos factos articulados pelo requerente, quer aos alegados pela parte contrária.

5.- O que releva, fundamentalmente, para a admissão da perícia é que a mesma se reporte ao núcleo fundamental da questão ou questões que se pretendem ver esclarecidas, independentemente de tal esclarecimento poder pôr em causa - ou não -, alguns pontos de um outro relatório pericial junto aos autos.

7.- As perícias, como todas as demais provas, não servem nos processos que não seja para provar factos - tanto que estão todas a eles associadas (art. 513.º do CPC), pelo que se terá sempre de considerar impertinente a prova pericial que aponte à demonstração de factos que, de uma maneira ou de outra, não constem da controvérsia do processo.

8. - O DL 329-A/95 concentrou, simplificou e alterou a matéria dos impedimentos, escusas e recusas dos peritos remetendo para o regime dos impedimentos e suspeições dos juízes, enunciando os casos de dispensa do exercício da função de perito, introduzindo uma cláusula geral para a escusa e tratando em globo da invocação e verificação dos vários fundamentos, qualificados como obstáculos à nomeação dos peritos.

9.- O regime dos impedimentos e suspeições dos juízes é o dos arts. 115 a 117 e 119 a 126 do novo CPC, e por via da remissão do n.º 1, deles têm aplicação aos peritos, devidamente adaptados, os arts. 115, 117 e 120, que tratam dos respetivos fundamentos. Os restantes contêm normas procedimentais e de prazo, às quais se sobrepõe o disposto no art. 471, ou que têm especificamente a ver com o exercício da função judicial, pelo que, na maior parte, não têm aplicação em caso de impedimento ou suspeição de perito.

10.- Para requerer a realização de segunda perícia, nos termos do artº. 487º do NCPC, o requerente, em primeiro lugar, deve especificar os pontos sobre que discorda do relatório da primeira perícia, por forma a delimitar o objecto da segunda; em seguida, deve indicar os motivos pelos quais discorda.

11. - Atento o actual quadro legal – designadamente o disposto no artº. 487º do NCPC – constitui condição de deferimento do pedido de realização de segunda perícia a alegação fundamentada das razões de discordância relativamente aos resultados da primeira perícia, sendo tal alegação especificada o único requisito legal do requerimento em causa a formular, nos termos da supra citada disposição legal.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

M (…), M (…) e L (…), Réus nos autos acima identificados em que são Autores C (…) E OUTROS, notificados do despacho que indeferiu a realização de segunda perícia, vieram, ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 2 do art. 644º e n.º 1 do art. 638º, ambos do C.P.C., interpor recurso de apelação, com subida imediata e em separado (Cfr. art. 645º, n.º 2 do C.P.C.) e efeito suspensivo, alegando e concluindo que:

(…)

*

Não foram proferidas quaisquer contra-alegações.

*

II. Os Fundamentos:

Colhidos os Vistos legais, cumpre decidir:

São ocorrências materiais, com interesse para a decisão da causa a materialidade invocada, que consta do elemento redactorial dos Autos; designadamente, assumindo o despacho em causa a seguinte contextura:

«Ref.1720303:

Tomei conhecimento.

*

Ref. 1687137:

Pelo requerimento com a referência que antecede vieram os réus, além do mais, requerer a realização de uma segunda perícia, alegando, em síntese, que que não aceitam o teor do relatório pericial apresentado nos autos, por um lado, em virtude de o mesmo se encontrar inquinado no que diz respeito à delimitação do prédio objecto de divisão e, por outro lado, porque a divisão proposta pelo perito não tem em consideração uma série de factores que elencam.

Cumpre apreciar e decidir.

De harmonia com o disposto no artigo 487º, nº 1, do Código de Processo Civil:

“Qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundamentadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado”.

Mais acrescenta o nº3 da mesma disposição legal que “A segunda perícia tem por objecto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexactidão dos resultados desta”.

Da norma citada retira-se que a segunda perícia não constitui uma instância de recurso.

Visa, sim, fornecer ao tribunal um novo elemento de prova relativo a factos que foram objecto da primeira, cuja indagação e apreciação técnica por outros peritos pode contribuir para a formação duma mais adequada convicção judicial.

No caso dos autos, entendemos que não se verificam os pressupostos legais que presidem à realização de uma segunda perícia.

Senão vejamos.

Os réus alegam que o relatório apresentado nos autos se encontra inquinado no que diz respeito à delimitação do prédio objecto de divisão.

O perito concluiu nos autos qual a área total do prédio objecto de divisão bem como as extremas do mesmo, tendo esclarecido, na sequência da reclamação ao relatório formulada também pelos réus, que alcançou tal conclusão considerando a planta fornecida ao perito pelos serviços técnicos dos Baldios da Freguesia de (...) e o levantamento topográfico junto aos autos, resultando da conjugação de tais elementos que os limites neles constantes se afiguram coincidentes, pelo que na falta de qualquer outro elemento, designadamente, da colaboração dos interessados nestes autos os quais não souberam indicar as extremas do prédio objecto de divisão, se concluiu no sentido constante do relatório.

Ora, os réus formulam o pedido de segunda perícia, referem que a primeira perícia se encontra inquinada no que diz respeito à delimitação do prédio, mas não indicam, afinal, qual é a delimitação do mesmo.

E nem indicam agora nem indicam aquando da deslocação do perito ao local, uma vez que o réu L... acompanhou essa deslocação – conforme resulta do relatório pericial - e também nada disse a esse respeito.

Eventuais trabalhos de pesquisa que possam agora estar a ser efectuados pelos réus já deveriam ter sido realizados em momento anterior, atendendo a que presente acção já deu entrada em juízo há mais de 7 anos e os réus sempre souberam, ab initio, que estando em causa uma acção de divisão de coisa comum tal questão se colocaria (o que, aliás, resultou claro do despacho saneador elaborado nestes autos, mormente do quesito 1) da base instrutória, despacho esse que data de Janeiro de 2013).

Por outro lado, alegam os réus que a divisão proposta pelo perito não tem em consideração uma série de factores que identificam.

Ora, o perito nomeado nestes autos procedeu à divisão do prédio aqui em apreço quer em 4 partes – por tal resultar do levantamento topográfico junto aos autos - quer em 5 partes – por tal lhe ter sido posteriormente solicitado pelo Tribunal.

O perito concluiu que o prédio em causa nestes autos é passível de divisão, quer em 4 partes, quer em 5 partes, mais tendo determinado a configuração do prédio em ambas as possibilidades.

Ora, nada obriga os interessados nestes autos a aceitar a divisão proposta pelo perito, podendo, caso os mesmos assim acordem, proceder à divisão de qualquer outra forma.

O Tribunal necessitava, contudo, de aferir se o prédio em causa nestes autos era passível de divisão, ao que o perito respondeu afirmativamente, tendo indicado a possível configuração do mesmo em caso de divisão (quer em 4 partes, quer em 5 partes).

Repete-se, que tal divisão não vincula os interessados nestes autos os quais sempre poderão optar por uma divisão diferente da sugerida pelo perito, desde que o façam com o acordo de todos.

Por outro lado, afigura-se que o perito respondeu de forma objectiva à factualidade que lhe foi apresentada fundando-se nos elementos de que dispunha e que lhe foram facultados, alheando-se de juízos meramente especulativos.

Pelo que a realização de segunda perícia não se justifica.

Pelo exposto, decide-se indeferir a realização de segunda perícia.

Notifique».

Oportunamente, conclua os autos».

*

Nos termos do art. 635º do NCPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações do recorrente, sem prejuízo do disposto no art. 608º, do mesmo código.

*

As questões suscitadas, na sua própria matriz constitutiva, consistem em apreciar - também no destaque prodrómico apresentado -, que:

1. Como decorre da jurisprudência existente sobre esta matéria e, a título meramente exemplificativo, indicadas nas alegações, a decisão sobre a indicação e a produção de meios de prova é – deve ser – um poder que recai sobre as próprias partes, ao abrigo dos seus direitos de gestão processual, naturalmente, sempre balizados pelos deveres de boa-fé e colaboração processual.

2. Significa isto que, tratando-se de um pedido de realização de um meio de prova devidamente fundamentado, o Tribunal a quo não pode negar a realização da segunda perícia exceto em casos de em caso de impertinência, desnecessidade ou irrelevância ou por se tratar de natureza meramente dilatória do requerido, fundamentando a sua decisão neste sentido.

3. A finalidade de uma segunda perícia (meio de reação contra inexatidão do resultado da primeira) é a procura que outros peritos confirmem inexatidões na primeira perícia realizada e a corrijam, pelo que, tendo em conta as fundadas razões de discordância apresentadas pelos Recorrentes quanto à perícia realizada e teor do relatório pericial, parece flagrante a necessidade de confirmação da sua bondade, o que o Tribunal a quo olvidou contrariamente aos deveres que sobre si recaem quanto à finalidade do processo como sejam a procura da justa composição do litígio.

4. Os Recorrentes, no requerimento em que peticionaram a realização de segunda perícia, fundamentaram devidamente as suas razões de discordância quanto ao teor do relatório pericial, dando inclusivamente conta da atitude incorreta do Senhor Perito aquando da deslocação agendada para reconhecimento da área global do prédio, não tendo o Tribunal a quo indeferido o pedido por impertinência ou irrelevância ou por ter considerado um pedido dilatório.

5. Crendo que o Tribunal a quo entendeu que a segunda perícia é desnecessária, entendem os Recorrentes que razão alguma lhe assiste, pois, se por um lado, desde logo cuidaram de explicar que o Perito violou o estatuído no n.º 1 do art. 480º do C.P.C., uma vez que não obstante ter marcado dia e hora para as partes se deslocarem ao local objeto dos autos para consigo e com um Topógrafo, aferirem os limites do terreno, nunca o perito ou o topógrafo saíram do estacionamento da casa existente e identificada como D no relatório pericial, não tendo havido, por isso mesmo, qualquer inspeção,

6. Por outro, no local, o Perito referiu que se os presentes não sabiam indicar as extremas dos 130 ha de propriedade, ele “(…) não as adivinhava”, pelo que iria transmitir ao Tribunal que não se tinham reunido as condições para delimitar essas mesmas extremas, o que, a final, não veio a ter correspondência no teor do relatório pericial elaborado e entregue a estes autos.

7. Só a ocorrência deste inusitado facto seria suficiente para a imediata determinação de realização de uma nova perícia, por manifesta falta de confiança nas funções de Perito desempenhadas, em respeito do disposto no n.º 1 do art. 479º do C.P.C.

8. Os Recorrentes explicitaram ainda que a área de formação técnica do Perito é a de Engenharia Civil - Licenciatura pré-Bolonha em Engenharia Civil pela Escola Superior de Tecnologia de (...) , Pós-Graduação em Gestão da Atividade Imobiliária, e com atividade profissional relevante como Projetista e diretor de fiscalização de obras, Perito Avaliador das Finanças e Técnico Superior de Higiene e Segurança no Trabalho, o que pode justificar (e certamente justifica), as omissões e descontextualização daquela que é a realidade do terreno a dividir e sua natureza e que foram descritas no requerimento no qual se pugnou pela realização de uma segunda perícia.

9. No que diz respeito às concretas áreas do terreno, no requerimento apresentado pelos ora Recorrentes, estes, discordando frontalmente da resposta dada pelo Perito, explicaram que a “Tapada do Dr. A... ” é o resultado da compra de várias pequenas propriedades entre o final do séc XIX e o princípio do séc. XX as quais totalizavam a área global de 230ha e que, atualmente, por força de anterior partilha em dois (um com uma área de 130ha e outra com uma área de 100ha), abrange os defendidos 130ha, o que, aliás é do conhecimento do Tribunal e, por isso, deveria ser do conhecimento do Senhor Perito por referência aos elementos constantes dos autos.

10. No mesmo requerimento, deram a conhecer ao Tribunal a quo que o ora Recorrente L (…) tinha iniciado um trabalho de pesquisa juntos dos antigos registos no Arquivo Distrital de (...) com vista ao levantamento das áreas exatas das extremas do terreno, tendo remetido o resultado de tal trabalho ao Perito, o quer foi absolutamente omitido pelo Senhor Perito e ignorado pelo Tribunal a quo.

11. É igualmente incorreta a afirmação segundo a qual os interessados não prestaram colaboração pois, pelo menos no que diz respeito ao Réu L (…) no local o mesmo indicou ao Perito os limites constantes na planta da divisão original, por outro lado, aquele remeteu ainda ao Perito os livros de descrições prediais de todas as parcelas compradas por A (…), bisavô dos aqui Recorrentes, e cuja totalidade das parcelas formam a totalidade da “Tapada do Dr. (…)” (antes da divisão entre a família A (…) e a família M (…)), e que serviu de suporte aos peritos do Tribunal na partilha acima mencionada e, por isso, coincidentes entre si (livros de descrições prediais e planta de divisão do tribunal na divisão entre as duas famílias) e, bem assim, os 130ha descritos na caderneta predial e na caderneta das finanças,

12. O que foi ignorado e omitido pelo Senhor Perito no seu relatório pericial. Pelo contrário, do teor do relatório pericial e da decisão recorrida, retira-se a total falta de colaboração dos interessados, o que, como se vê, não corresponde à verdade e foi impugnado no requerimento de realização de segunda perícia.

13. Como refere o relatório pericial e o próprio Tribunal a quo, para a realização da perícia, o único elemento que foi tido em linha de conta foi a planta fornecida pelos serviços técnicos dos Baldios da Freguesia de (...) e o levantamento topográfico efetuado, o que não é apto à demonstração da área real do prédio pois, apesar de ser correta a afirmação segundo a qual os limites do levantamento topográfico coincidem com os limites apresentados pelos serviços técnicos dos Baldios, também é correto afirmar-se que o levantamento junto aos autos foi realizado por um Topógrafo que solicitou o apoio dos serviços técnicos dos Baldios para delimitação da área a levantar, forçando a esta coincidência e esquecendo que os limites dos Baldios foram marcados unilateralmente, não tendo sido consultados os proprietários confinantes.

14. O Perito ignorou a planta do Tribunal de divisão da “Tapada do Dr. (…)o” entre as duas famílias na proporção de 130ha/100ha, como ignorou os livros de descrições prediais de todas as parcelas compradas por A... , bem como as áreas descritas na caderneta predial e das finanças, pois o único documento a que o mesmo se refere, para além do levantamento topográfico, é a planta fornecida pelos serviços técnicos dos Baldios da Freguesia de (...) , o que foi cabalmente alegado pelos Recorrentes no requerimento em que peticionaram a realização de segunda perícia.

15. Apesar de no relatório pericial se concluir que o prédio é passível de divisão, quer em 4 partes, quer em 5 partes, os Recorrentes apresentaram capazes argumentos que invalidam as conclusões insertas em tal documento, seja porque o conhecimento do imóvel a dividir, não pode limitar-se a uma conversa e análise feita em estacionamento, seja porque a divisão proposta não tem em linha de conta o facto de o terreno ser composto por inúmeros afloramentos rochosos e não ficando, desta forma, assegurado que cada parcela tenha metade da área mínima de cultura fixada para o local, o que pode determinar a conclusão da efetiva impossibilidade de divisão do prédio, pelo que não está igualmente em causa a aceitação, pelas partes, da proposta de divisão apresentada pelo perito, mas antes a necessidade de confirmação da possibilidade prévia de divisão, o que o Tribunal a quo descurou.

16. Explicitaram os Recorrentes que, ainda que o relatório pericial ora notificado não o dissesse expressamente, a divisão proposta corresponde a uma divisão em “fatias” do prédio, desconsiderando o facto de as divisões cadastrais estarem sujeitas a critérios que não se reduzem a uma mera divisão da área definida a régua e esquadro, como sejam a existência de festos (cumeadas) ou talvegues (linhas de água), caminhos existentes por serem linhas perfeitamente identificáveis e, nesse sentido, já separam terras para um e outro lado, a serventia e a manutenção do caminho e a unidade de cultivo.

17. Analisada a “proposta de divisão” apresentada, verifica-se que o Senhor Perito conseguiu dividir os 5 sistemas de rega existentes no terreno, bem como os respetivos lameiros a regar, aplicando semelhante metodologia para os restantes sistemas produtivos, em concreto, para boa parte das culturas arvenses de sequeiro, para os hortícolas e ainda para a área florestal, o que, como se invocou no requerimento indeferido, certamente aconteceu pelo facto de a área de formação técnica do Perito escolhido ser a de Engenharia Civil, ou seja, uma área absolutamente distinta daquela que ocupam os presentes autos.

18. Pelo exposto, é firme entendimento que mal andou o Tribunal a quo, sendo este um exemplo típico das situações em que a segunda perícia assume particular acuidade.

1.

O que tudo se circunscreve, no seu núcleo fundamental, à questão de saber se deve ser admitida a realização da segunda perícia ao prédio em discussão.

Apreciando, refira-se - em termos prodrómicos -, se configurar como imperativo referencial, em função do que se consagra no art. 475.º NCPC (indicação do objecto da perícia), “(1.) Ao requerer a perícia, a parte indica logo, sob pena de rejeição, o respectivo objecto, enunciando as questões de facto que pretende ver esclarecidas através da diligência. (2) Podendo a perícia reportar-se, quer aos factos articulados pelo requerente, quer aos alegados pela parte contrária”.

Com efeito, a perícia tem por objecto as questões de facto que o requerente pretende ver esclarecidas através da diligência, contanto que se contenham no âmbito da causa de pedir e do pedido enunciados pelo autor ou na defesa invocada pelo réu.

A lei, de forma expressa e clara, exige do requerente da prova pericial a indicação do objecto respectivo enunciando as questões de facto que pretende ver esclarecidas através da diligência. O incumprimento de tal ónus tem como consequência a rejeição da requerida diligência. Os factos constantes da base instrutória, não se confundem com os quesitos ou questões de facto a apresentar aos peritos no âmbito do exame pericial: - aos quesitos constantes da base instrutória ou do antigo questionário. responde o Tribunal, por via do julgamento da matéria de facto: - às questões de facto a apresentar aos Peritos, respondem estes e destinam-se à produção da prova tendente a demonstrar a realidade dos factos deduzidos nos articuladas e seleccionados: por outras palavras, a dar ao Juiz os dados necessários ao controle da verdade das afirmações das partes, pois toda a prova destina-se, em última análise ao Juiz (judici fit probatio) (Ac. RE. de 13.1.2005: Proc. 942/04-3.dgsi.Net).

As partes podem, pois, oferecer ou requerer quaisquer provas (licitas) que entendam necessárias para provar os factos que alegam em sustentação dos direitos afirmados, ou para contraprova dos factos aduzidos pela contraparte que ponham em crise tais direitos. Enquadrando-se o objecto da requerida perícia no âmbito da matéria em discussão na causa, quanto à factualidade ainda não assente, relevante para o exame e decisão da causa, pode a mesma ser indeferida, se impertinente ou dilatória (Ac. RP. de 21.3.2007: JTRP00040218.dgsi.Net).

A prova pericial, aliás como toda a prova, está sujeita, na respectiva produção, a um determinado número de regras de direito probatório formal, podendo a perícia reportar-se, quer aos factos articulados pelo requerente, quer aos alegados pela parte contrária. Tal não significa que tenha de haver uma coincidência absoluta entre as questões formuladas aos peritos e os pontos (antigos quesitos) versados na “Base Instrutória”. O que releva, fundamentalmente, para a admissão da perícia é que a mesma se reporte ao núcleo fundamental da questão ou questões que se pretendem ver esclarecidas, independentemente de tal esclarecimento poder pôr em causa - ou não -, alguns pontos de um outro relatório pericial junto aos autos (Ac. RC, de 29.6.2010: Proc. 1045/08.8TBCBR-A.C1.dgsi.Net).

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Por sua vez, o direito à prova constitucionalmente reconhecido (art. 20.º da CRP) faculta às partes a possibilidade de utilizarem em seu benefício os meios de prova que considerarem mais adequados tanto para a prova dos factos principais da causa, como, também, para a prova dos factos instrumentais ou mesmo acessórios. O exposto não significa que todas as diligências requeridas devam ser deferidas. Apenas o deverão ser desde que legalmente admissíveis, pertinentes e não tenham cariz dilatório. As perícias, como todas as demais provas, não servem nos processos que não seja para provar factos - tanto que estão todas a eles associadas (art. 513.º do CPC). Pelo que se terá sempre de considerar impertinente a prova pericial que aponte à demonstração de factos que, de uma maneira ou de outra, não constem da controvérsia do processo, pois seriam pura e simplesmente inúteis para dirimir tal controvérsia e, portanto, não úteis à boa decisão da causa (Ac. RG. de 8.1.2013: Proc. 4042/08.0TRBC1.-A.G1.dgsi.Net).

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Dito isto, esclareça-se, ainda, para que dúvidas não restem, perante o teor das alegações/conclusões formuladas, respeitantes à figura e desempenho do Senhor Perito, a que se alude e como vem aludido - em modo directo, subliminal ou sublinear -, que tal não equivale, nem pode, para o efeito, equivaler a putativo “pedido de destituição e de incidente de recusa de perito”.

É que, neste particular, referencie-se que, segundo o disposto no art. 388.° do Cód. Civil, «a prova pericial tem por fim a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial».

Com este escopo e com vista a se consumar nomeação e exercício funcional escorreito, haverá de se reter, nos termos do art. 471º do NCPC (verificação dos obstáculos à nomeação) - naquilo que também colhe convergência de aresteiros e doutrinadores -, que “a arguição do impedimento, a invocação da escusa e a oposição da recusa estavam, antes da revisão de 1995-1996, tratadas em artigos diferentes do CPC de 1961. A matéria foi unificada pelo DL 329-A/95 e passou ipsis verbis do art. 572 do CPC de 1961 para o artigo em referência.

Com este alcance, os n.ºs 1 e 2 conferem às partes e ao perito designado, sem distinguir, mas "consoante as circunstâncias", a faculdade de invocar as causas de impedimento, suspeição ou dispensa legal, no prazo de 10 dias contados do conhecimento da nomeação ou, sendo superveniente o conhecimento da causa, no dos 10 dias subsequentes; prescrevem serem tais causas oficiosamente cognoscíveis até à realização da diligência; e atribuem ao perito a faculdade de requerer a escusa, no prazo de 5 dias a contar do conhecimento da nomeação.

Numa primeira leitura, dir-se-ia que as causas de impedimento, suspeição e dispensa estão equiparadas quanto à legitimidade para as invocar e ao seu conhecimento oficioso (assim em RODRIGUES BASTOS, Notas cit., III, p. 122), o que, sendo único o seu regime, tornaria incompreensível a distinção das três figuras.

Conjugando o n.º 1 com o art. 470-1, que remete para o regime dos impedimentos e suspeições, e não apenas para as causas de impedimento e suspeição, vê-se que assim não é: os impedimentos, imperativos, são oficiosamente cognoscíveis (art. 116-1) e, como tal, invocáveis por qualquer das partes e pelo próprio perito, que tem o dever de não intervir na perícia; mas a verificação das suspeições depende da manifestação da vontade do perito (art. 119-1), da parte que não o designou (arts. 120-1 e 197-2) ou da parte que o designou que tenha conhecimento superveniente da causa da suspeição (cf, a situação análoga do art.447-2).

Quanto às dispensas, decorre da sua natureza que têm regime análogo ao dos impedimentos, salvo quanto à recorribilidade do despacho que sobre elas seja proferido.

Às partes há-de ser facultada a proposição de prova do obstáculo invocado.

(Fazendo notar - em qualquer circunstância -, que) “o despacho proferido sobre impedimento, suspeição ou escusa é irrecorrível (n.º 3).

O art. 587 do CPC de 1961, antes da revisão de 1995-1996, tal como o idêntico art. 591 do CPC de 1939, determinava a irrecorribilidade da decisão proferida sobre o impedimento, escusa ou recusa.

O n.º 3, do referido art.º 471º NCPC, cuja redação proveio, tal como a dos n.ºs 1 e 2, do DL 329-A/95, não refere a dispensa e a omissão, (o que) não se pode ter por esquecimento. Entendeu-se, contrariamente ao que vigorava até então, que, nos casos previstos no art. 571-2 do CPC de 1961 (hoje, art. 470-2), a admissibilidade do recurso, designadamente do perito nomeado, deveria seguir os termos gerais, sendo este o único ponto do regime que justifica a distinção entre a figura do actual impedimento e a da dispensa” (Cf. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª Edição, 2017, pp. 319-321).

Não obstante, perante o já referenciado anteriormente e em termos de análise, marcadamente, de póstuma prognose ao acontecido, não pode deixar de se considerar - neste momento e circunstância -, não poder, nessa dimensão (nem sequer, suficientemente, concretizada), colher, nesse horizonte, qualquer aquiescência judiciária.

 Tal, desde logo, em função do que se consagra no próprio art. 470º NCPC (obstáculos à nomeação de peritos), que reproduz o art. 571 do CPC de 1961, com a redacção emergente da revisão de 1995-1996. Com efeito:

“antes desta revisão, a matéria dos impedimentos, escusas e recusas dos peritos vinha tratada, com alguma profusão, nos arts. 580 a 585 do CPC de 1961, em esquema semelhante ao do CPC de 1939 (arts, 588 a 590), transitado em 1961 para o código desta data (arts, 584 a 586 da versão originária).

O DL 329-A/95 concentrou, simplificou e alterou esta matéria, remetendo para o regime dos impedimentos e suspeições dos juízes (n.º 1), enunciando os casos de dispensa do exercício da função de perito (n.º 2), introduzindo uma cláusula geral para a escusa (n.º 3) e tratando em globo da invocação e verificação dos vários fundamentos, qualificados como obstáculos à nomeação dos peritos.

O regime dos impedimentos e suspeições dos juízes é o dos arts. 115 a 117 e 119 a 126. Por via da remissão do n.º 1, deles têm aplicação aos peritos, devidamente adaptados, os arts. 115, 117 e 120, que tratam dos respetivos fundamentos. Os restantes contêm normas procedimentais e de prazo, às quais se sobrepõe o disposto no art. 471, ou que têm especificamente a ver com o exercício da função judicial, pelo que, na maior parte, não têm aplicação em caso de impedimento ou suspeição de perito; dos regimes de impedimento e suspeição dos juízes retira-se, porém, a imperatividade do obstáculo caracterizador de impedimento e a disponibilidade (pelas partes e pelo perito) do que caracteriza a suspeição (ver art. 471).

Com a remissão para as causas, subjetivas e objetivas, de impedimento dos juízes (ver art. 115), das quais só relevavam, antes da revisão de 1995-1996 do CPC de 1961, enquanto fundamento de recusa, as das alíneas b) e d) do art. 115-1, na parte em que não constituiriam inabilidade para depor como testemunha, passou, com aquela revisão, a exigir-se ao perito garantias de imparcialidade dignificadoras da sua função que vão muito além das anteriores causas de inabilidade da testemunha (ver art. 496). Note-se, em particular, que deixou de poder ser testemunha quem exerça a função de perito na causa e vice-versa (art. 115-1-h).

Por via da remissão para o art. 117, n.ºs 1 e 4, não podem intervir simultaneamente como peritos, cônjuges, parentes ou afins em linha reta ou no segundo grau da linha colateral, considerando-se para o efeito equiparados aos cônjuges as pessoas que vivam em economia comum e fornecendo o art. 117-2 o critério de determinação do perito ou peritos a eliminar.

Com a remissão para o regime da suspeição, completa-se o quadro das garantias de imparcialidade do perito, cujo relatório, mesmo quando ele seja nomeado pela parte, deve ser credível» (Cf. José Lebre de Freitas/Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 3ª Edição, 2017, pp. 317-318).

Assim se estribando, neste referencial, igualmente, o sentido da impossibilidade processual categórica de determinar…o que, nem sequer, foi directamente impetrado!..., por arrimo à legalidade e adequação.

Do mesmo modo, sempre a levar em conta, configurando-se como incontestável, que a imparcialidade dos juízes, recte dos peritos, neste tipo de contexto, é um princípio constitucional, quer se conceba como uma dimensão da independência dos tribunais (art. 203.° da CRP), quer como elemento da garantia do "processo equitativo" (n.º 4 do art. 20.º da CRP). Importa que o juiz que julga - recte -, o perito que se pronuncia, o faça com isenção e imparcialidade e, bem assim, que o seu julgamento, ou o julgamento para que contribui, surja aos olhos do público como um julgamento objectivo e imparcial» (Cf. Ac. n.º 20/2007 do Trib. Const.: DR. II série, de 20.3.2007; também sobre as garantias de imparcialidade, reguladas nos arts. 115.º a 129.º. vide SALVADOR DA COSTA, Os Incidentes da Instância. 7.ª ed .. 2014, ps. 321 a 374).

Sendo que nada nos Autos - tendo em conta a diegese processual neles revelada, ou a narrativa ínsita decorrente, mesmo a recursiva -, afronta tais princípios ou normas jurídicas em causa.

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Aqui - como no módulo judiciário convocado no Ac. RG. de 14.4.16, Proc. nº 2258/14, Relatora: Maria Cristina Cerdeira, www.dgsi.pt -, aprecie-se que nos termos do disposto no artº. 487º do NCPC “qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado” (nº. 1), sendo que “a segunda perícia tem por objecto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexactidão dos resultados desta” (nº. 3).

Actualmente, como resulta do citado artº. 487º, nº. 1 do NCPC (correspondente ao artº. 589º, nº. 1 do CPC anterior, sem quaisquer alterações), exige-se que, para além da discordância com a primeira perícia, o requerente da segunda perícia alegue fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado.

Agora, o pedido de segunda perícia tem de ser fundamentado com as razões por que a parte discorda da primeira perícia. Não basta requerê-la, sendo exigido a quem a requerer que explicite os pontos em que se manifesta a sua discordância do resultado atingido na primeira, com apresentação das razões por que entende que esse resultado devia ser diferente (cfr. Prof. Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, 2ª ed., pág. 554; no mesmo sentido cfr. acórdão da RG de 7/05/2013, proc. nº. 590-A/2002, acessível em www.dgsi.pt).

A realização da segunda perícia, a requerimento das partes, não se configura como discricionária, pressupondo que a parte alegue, de modo fundamentado e concludente, as razões porque discorda do relatório pericial apresentado (ou da opinião maioritária vencedora).

Como se refere no Acórdão do STJ de 25/11/2004, proferido no proc. nº. 04B3648 (acessível em www.dgsi.pt e em CJ. STJ, Ano XII, Tomo III, pág. 123), Relator: Ferreira de Almeida, «[a] expressão adverbial “fundadamente” significa precisamente que as razões da dissonância tenham de ser claramente explicitadas, não bastando a apresentação de um simples requerimento de segunda perícia. Trata-se, no fundo, de substanciar o requerimento com fundamentos sérios, que não uma solicitação de diligência com fins dilatórios ou de mera chicana processual. E isto porque a segunda perícia se destina, muito lógica e naturalmente, a corrigir ou suprir eventuais inexactidões ou deficiências de avaliação dos resultados a que chegou a primeira».

Assim, no seguimento da doutrina e jurisprudência acabadas de citar, em primeiro lugar, o requerente deve especificar os pontos sobre que discorda do relatório da primeira perícia, por forma a delimitar o objecto da segunda; em seguida, deve indicar os motivos pelos quais discorda, “mas já não lhe será exigível que demonstre ou sustente o eventual sucesso do resultado que pretende obter, tanto mais que este dependerá, necessariamente, da realização da nova perícia” (cfr. acórdão da RG de 17/01/2013, proc. nº. 785/06.0TBVLN-A, acessível em www.dgsi.pt).

É - também -, nosso entendimento, atento o actual quadro legal - designadamente o disposto no artº. 487º do NCPC -, que constitui condição de deferimento do pedido de realização de segunda perícia a alegação fundamentada das razões de discordância relativamente aos resultados da primeira perícia e, ainda, que tal alegação especificada é o único requisito legal do requerimento em causa a formular nos termos do citado artº. 487º do NCPC.

Com efeito, a lei processual civil, no nº. 1 da norma em causa, apenas se reporta a “alegação fundamentada das razões da discordância” do requerente, não impondo que estas sejam, ainda, razões de “convencimento” do próprio Tribunal, tendo sempre a segunda perícia por objecto a averiguação dos mesmos factos sobre que incidiu a primeira e destina-se a corrigir a eventual inexactidão dos resultados desta (nº. 2 do artº. 487º), para além de que a segunda perícia não invalida a primeira, sendo uma e outra livremente apreciadas pelo Tribunal (artº. 489º do NCPC). A segunda perícia é mais um meio de prova, que servirá ao tribunal para melhor esclarecimento dos factos, em livre apreciação (no mesmo sentido cfr. Fernando Pereira Rodrigues, Os Meios de Prova em Processo Civil, Março de 2015, Almedina, pág. 151 e acórdão da RG de 22/06/2010, proc. nº. 1282/06.0TBVCT-A, acessível em www.dgsi.pt)”.

No caso em apreço, conforme se alcança do acima exposto,

«vieram os réus, além do mais, requerer a realização de uma segunda perícia, alegando, em síntese, que que não aceitam o teor do relatório pericial apresentado nos autos, por um lado, em virtude de o mesmo se encontrar inquinado no que diz respeito à delimitação do prédio objecto de divisão e, por outro lado, porque a divisão proposta pelo perito não tem em consideração uma série de factores que elencam».

Deles, ressumam, na sua própria contextura, exactamente, como topói obsidiantes, os que se reconduziram - e, agora, se têm como pertinentes, em particular, na correspondência a:

9. No que diz respeito às concretas áreas do terreno, no requerimento apresentado pelos ora Recorrentes, estes, discordando frontalmente da resposta dada pelo Perito, explicaram que a “Tapada do Dr. A(…)” é o resultado da compra de várias pequenas propriedades entre o final do séc XIX e o princípio do séc. XX as quais totalizavam a área global de 230ha e que, atualmente, por força de anterior partilha em dois (um com uma área de 130ha e outra com uma área de 100ha), abrange os defendidos 130ha, o que, aliás é do conhecimento do Tribunal e, por isso, deveria ser do conhecimento do Senhor Perito por referência aos elementos constantes dos autos.

10. No mesmo requerimento, deram a conhecer ao Tribunal a quo que o ora Recorrente L (…)  tinha iniciado um trabalho de pesquisa juntos dos antigos registos no Arquivo Distrital de (...) com vista ao levantamento das áreas exatas das extremas do terreno, tendo remetido o resultado de tal trabalho ao Perito, o quer foi absolutamente omitido pelo Senhor Perito e ignorado pelo Tribunal a quo.

11. É igualmente incorreta a afirmação segundo a qual os interessados não prestaram colaboração pois, pelo menos no que diz respeito ao Réu L (…), no local o mesmo indicou ao Perito os limites constantes na planta da divisão original, por outro lado, aquele remeteu ainda ao Perito os livros de descrições prediais de todas as parcelas compradas por A (…), bisavô dos aqui Recorrentes, e cuja totalidade das parcelas formam a totalidade da “Tapada do Dr. (…)” (antes da divisão entre a família A (…) e a família M (…)), e que serviu de suporte aos peritos do Tribunal na partilha acima mencionada e, por isso, coincidentes entre si (livros de descrições prediais e planta de divisão do tribunal na divisão entre as duas famílias) e, bem assim, os 130ha descritos na caderneta predial e na caderneta das finanças,

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13. (…) para a realização da perícia, o único elemento que foi tido em linha de conta foi a planta fornecida pelos serviços técnicos dos Baldios da Freguesia de (...) e o levantamento topográfico efetuado, o que não é apto à demonstração da área real do prédio pois, apesar de ser correta a afirmação segundo a qual os limites do levantamento topográfico coincidem com os limites apresentados pelos serviços técnicos dos Baldios, também é correto afirmar-se que o levantamento junto aos autos foi realizado por um Topógrafo que solicitou o apoio dos serviços técnicos dos Baldios para delimitação da área a levantar, forçando a esta coincidência e esquecendo que os limites dos Baldios foram marcados unilateralmente, não tendo sido consultados os proprietários confinantes.

14. O Perito ignorou a planta do Tribunal de divisão da “Tapada do Dr. A (…)” entre as duas famílias na proporção de 130ha/100ha, como ignorou os livros de descrições prediais de todas as parcelas compradas por A (…) bem como as áreas descritas na caderneta predial e das finanças, pois o único documento a que o mesmo se refere, para além do levantamento topográfico, é a planta fornecida pelos serviços técnicos dos Baldios da Freguesia de (...) , o que foi cabalmente alegado pelos Recorrentes no requerimento em que peticionaram a realização de segunda perícia.

15. (…) A divisão proposta não tem em linha de conta o facto de o terreno ser composto por inúmeros afloramentos rochosos e não ficando, desta forma, assegurado que cada parcela tenha metade da área mínima de cultura fixada para o local, o que pode determinar a conclusão da efetiva impossibilidade de divisão do prédio, pelo que não está igualmente em causa a aceitação, pelas partes, da proposta de divisão apresentada pelo perito, mas antes a necessidade de confirmação da possibilidade prévia de divisão, o que o Tribunal a quo descurou.

16. (…) A divisão proposta corresponde a uma divisão em “fatias” do prédio, desconsiderando o facto de as divisões cadastrais estarem sujeitas a critérios que não se reduzem a uma mera divisão da área definida a régua e esquadro, como sejam a existência de festos (cumeadas) ou talvegues (linhas de água), caminhos existentes por serem linhas perfeitamente identificáveis e, nesse sentido, já separam terras para um e outro lado, a serventia e a manutenção do caminho e a unidade de cultivo.

Ou seja, os RR, ora recorrentes, apresentaram requerimento para realização de segunda perícia colegial e fundamentaram - de forma completa e especificada -, as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado e que, no seu entender, justificam ou tornam conveniente a realização de uma segunda perícia.

Cumpriram, assim, os RR./Recorrentes, o ónus de alegação fundamentada imposto pelo citado artº. 487º, nº. 1 do NCPC.

Como se refere no Acórdão da RG de 6/02/2014 (proc. nº. 2847/05.2TBFAF-A, acessível em www.dgsi.pt): “É certo que pode ocorrer, face à fundamentação apresentada para a segunda perícia, que surja um estado de dúvida que se coloca ao juiz, resultante do facto de não ser possível saber se as razões invocadas para pedir a segunda perícia se confirmarão, ou não. Tal só será possível saber conhecendo o resultado da segunda perícia.

Deste modo, este estado de dúvida é suficiente para justificar a segunda perícia, pois a existência da dúvida mostra que a perícia já feita não as dissipa.

Por outro lado, dada a natureza da matéria, o juiz só poderá considerar a fundamentação insuficiente quando mostrar, sem margem para dúvidas, que o pedido não se justifica”.

Ora, a questão que se coloca, “in casu”, é a de saber se os fundamentos e razões invocadas pelos ora recorrentes têm razão de ser; mas tal não é fundamento de indeferimento.

Estando reunidos os requisitos exigidos pelo artº. 487º, nº. 1 do NCPC, a segunda perícia (que não invalida a primeira, sendo, uma e outra, livremente apreciadas pelo Tribunal), devia ter sido admitida.

Procede, deste modo, o recurso interposto pelos RR, devendo os autos prosseguir com a realização da requerida segunda perícia.

***

Podendo, assim, concluir-se, sumariando (art. 663º, nº7, NCPC), que:

1.

As partes podem oferecer ou requerer quaisquer provas (licitas) que entendam necessárias para provar os factos que alegam em sustentação dos direitos afirmados, ou para contraprova dos factos aduzidos pela contraparte que ponham em crise tais direitos. Enquadrando-se o objecto da requerida perícia no âmbito da matéria em discussão na causa, quanto à factualidade ainda não assente, relevante para o exame e decisão da causa, pode a mesma ser indeferida, se impertinente ou dilatória.

2.

A prova pericial, aliás como toda a prova, está sujeita, na respectiva produção, a um determinado número de regras de direito probatório formal, podendo a perícia reportar-se, quer aos factos articulados pelo requerente, quer aos alegados pela parte contrária. Tal não significa que tenha de haver uma coincidência absoluta entre as questões formuladas aos peritos e os pontos (antigos quesitos) versados. O que releva, fundamentalmente, para a admissão da perícia é que a mesma se reporte ao núcleo fundamental da questão ou questões que se pretendem ver esclarecidas, independentemente de tal esclarecimento poder pôr em causa - ou não -, alguns pontos de um outro relatório pericial junto aos autos.

3.

O direito à prova constitucionalmente reconhecido (art. 20.º da CRP) faculta às partes a possibilidade de utilizarem em seu benefício os meios de prova que considerarem mais adequados tanto para a prova dos factos principais da causa, como, também, para a prova dos factos instrumentais ou mesmo acessórios. O exposto não significa que todas as diligências requeridas devam ser deferidas. Apenas o deverão ser desde que legalmente admissíveis, pertinentes e não tenham cariz dilatório. As perícias, como todas as demais provas, não servem nos processos que não seja para provar factos - tanto que estão todas a eles associadas (art. 513.º do CPC). Pelo que se terá sempre de considerar impertinente a prova pericial que aponte à demonstração de factos que, de uma maneira ou de outra, não constem da controvérsia do processo, pois seriam pura e simplesmente inúteis para dirimir tal controvérsia e, portanto, não úteis à boa decisão da causa.

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4.

Em função do que se consagra no próprio art. 470º NCPC (obstáculos à nomeação de peritos), que reproduz o art. 571 do CPC de 1961, com a redacção emergente da revisão de 1995-1996. Com efeito, antes desta revisão, a matéria dos impedimentos, escusas e recusas dos peritos vinha tratada, com alguma profusão, nos arts. 580 a 585 do CPC de 1961, em esquema semelhante ao do CPC de 1939 (arts, 588 a 590), transitado em 1961 para o código desta data (arts. 584 a 586 da versão originária).

O DL 329-A/95 concentrou, simplificou e alterou esta matéria, remetendo para o regime dos impedimentos e suspeições dos juízes (n.º 1), enunciando os casos de dispensa do exercício da função de perito (n.º 2), introduzindo uma cláusula geral para a escusa (n.º 3) e tratando em globo da invocação e verificação dos vários fundamentos, qualificados como obstáculos à nomeação dos peritos.

O regime dos impedimentos e suspeições dos juízes é o dos arts. 115 a 117 e 119 a 126. Por via da remissão do n.º 1, deles têm aplicação aos peritos, devidamente adaptados, os arts. 115, 117 e 120, que tratam dos respetivos fundamentos. Os restantes contêm normas procedimentais e de prazo, às quais se sobrepõe o disposto no art. 471, ou que têm especificamente a ver com o exercício da função judicial, pelo que, na maior parte, não têm aplicação em caso de impedimento ou suspeição de perito; dos regimes de impedimento e suspeição dos juízes retira-se, porém, a imperatividade do obstáculo caracterizador de impedimento e a disponibilidade (pelas partes e pelo perito) do que caracteriza a suspeição (ver art. 471).

5.

Sempre a levar em conta, configurando-se como incontestável que a imparcialidade dos juízes, recte dos peritos, neste tipo de contexto, é um princípio constitucional, quer se conceba como uma dimensão da independência dos tribunais (art. 203.° da CRP), quer como elemento da garantia do "processo equitativo" (n.º 4 do art. 20.º da CRP). Importa que o juiz que julga – recte -, o perito que se pronuncia, o faça com isenção e imparcialidade e, bem assim, que o seu julgamento, ou o julgamento para que contribui, surja aos olhos do público como um julgamento objectivo e imparcial» (Cf. Ac. n.º 20/2007 do Trib. Const.: DR. II série, de 20.3.2007. Sendo que nada nos Autos - tendo em conta a diegese processual neles revelada, ou a narrativa ínsita decorrente, mesmo a recursiva -, afronta tais princípios ou normas jurídicas em causa.

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6.

I) - Para requerer a realização de segunda perícia, nos termos do artº. 487º do NCPC, o requerente, em primeiro lugar, deve especificar os pontos sobre que discorda do relatório da primeira perícia, por forma a delimitar o objecto da segunda; em seguida, deve indicar os motivos pelos quais discorda.

II) - Atento o actual quadro legal – designadamente o disposto no artº. 487º do NCPC – constitui condição de deferimento do pedido de realização de segunda perícia a alegação fundamentada das razões de discordância relativamente aos resultados da primeira perícia, sendo tal alegação especificada o único requisito legal do requerimento em causa a formular, nos termos da supra citada disposição legal.

III) - Saber se os fundamentos e razões invocados pelo requerente da segunda perícia têm razão de ser, é assunto que só depois da realização da nova perícia se pode colocar.

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III. A Decisão:

Pelas razões expostas, concede-se provimento ao recurso interposto, revogando-se a decisão proferida, ínsita no despacho em causa, devendo os autos, em conformidade, prosseguir com a realização da requerida segunda perícia.

Sem Custas.

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Coimbra, 26 de Fevereiro de 2018.

António Carvalho Martins ( Relator )

Carlos Moreira

Moreira do Carmo