Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6229/16.2T8VIS-E.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: NOTIFICAÇÃO
ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
VENDA
INEFICÁCIA
Data do Acordão: 01/16/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU, VISEU, JUÍZO DE COMÉRCIO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 59.º, 163.º E 164.º, N.º 2 DO CIRE
Sumário: 1. A preterição de formalidades essenciais na venda efetuada pelo administrador da insolvência, não constitui fundamento da declaração de ineficácia do ato de alienação dos bens nem de nulidade da venda, uma vez que que a ineficácia dos atos do administrador da insolvência só pode ser declarada nos termos do artigo 163.º do CIRE, tudo sem prejuízo de tal preterição acarretar a eventual responsabilidade do administrador, nos termos previstos no artigo 59.º do CIRE.

2. O facto da notificação a que se alude no artigo 164.º, n.º 2, do CIRE ter sido efectuada pelo A. I., para o e.mail que consta no papel timbrado usado pelo Ex.mo Mandatário do recorrente para envio a tribunal das várias peças processuais subscritas pelo mesmo, não determina a ineficácia da aludida notificação, nem nulidade da venda.

3. Se o credor, ora recorrente, sofreu quaisquer prejuízos com a conduta do A.I., terá de o responsabilizar, em acção autónoma, nos termos previstos no artigo 59.º do CIRE.

Decisão Texto Integral:

           

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

Nos autos de que os presentes constituem apenso, foram declarados insolventes, A... e B... , já identificados nos autos.

No momento processual oportuno, veio o Banco C... ”, igualmente, já identificado nos autos, reclamar um seu crédito, no valor global de 235.536,06 €, resultante de várias operações de crédito que efectuou com os insolventes, das quais resulta o reclamado crédito, titulado por garantia real – hipoteca.

Crédito, este, que veio a ser admitido, reconhecido e graduado, não constituindo objecto do presente recurso a respectiva decisão de reconhecimento e graduação.

No desenrolar dos autos de insolvência, precedeu-se à venda do imóvel sobre o qual o ora recorrente beneficiava de hipoteca.

No seguimento do que, cf. requerimento aqui junto de fl.s 25 a 32, veio o credor Banco C... , requerer a declaração de nulidade da venda do imóvel em causa, ocorrida em 25 de Maio de 2017, nos termos do artigo 195.º do CPC, ex vi artigo 17.º do CIRE, devendo repetir-se todos os actos de liquidação ou, assim se não entendendo, responsabilizando-se o A.I. na medida do prejuízo que lhe foi causado.

Alega para tanto e em resumo, que não lhe foi dado conhecimento de tal venda, nem do valor proposto, porquanto o A. I. procedeu a todas as notificações que, para tanto lhe incumbia efectuar, através de e.mail para um endereço que não corresponde ao do Mandatário do credor Banco C... , mas sim a um endereço de e.mail institucional da sociedade de advogados onde o referido Mandatário se encontra, em função do que não se pode considerar notificado, devendo tais notificações ocorrer via Citius para o endereço que aí consta, como pertencendo ao Mandatário do identificado banco; ou pelo menos, deveria tal notificação ocorrer mediante o envio de carta registada, nos termos previstos no CPC para as notificações a efectuar na pessoa dos Mandatários Judiciais.

Assim não se tendo procedido, omitiu-se a prática de actos que a lei prescreve, quanto ao modo como devem ser feitas tais notificações, o que, nos termos expostos, acarreta a nulidade da venda.

Conclusos os autos ao M.mo Juiz a quo, foi proferido o despacho aqui junto a fl.s 20 e seg.s, que tem o seguinte teor:
“1. Vem o “Banco C... , S.A.” arguir a nulidade da venda do imóvel descrito na verba nº1 do auto de apreensão ocorrida em 25 de Maio de 2017 (ou quando assim se não entenda deverá ser o Administrador da Insolvência responsabilizado na medida do prejuízo causado ao credor hipotecário).
Alega, em resumo, que o Sr. Administrador da Insolvência não deu cumprimento ao disposto no nº3 do art. 164º do CIRE, na medida em que as comunicações relativas à venda (das quais só a posteriori teve conhecimento) foram enviadas para um email institucional do credor, mas não para o email certificado do mandatário do mesmo. Acresce que a notificação da decisão da venda deveria ter sido efectuada por carta registada. Esta irregularidade não permitiu que o credor hipotecário se pronunciasse sobre as propostas apresentadas, impossibilitando o credor de adquirir o imóvel por preço superior.
2. O Sr. Administrador da Insolvência veio responder alegando que enviou todas as comunicações previstas no art. 164º do CIRE para o email que consta no rodapé de todas as folhas timbradas que o credor hipotecário usa nos seus requerimentos. O mesmo credor indicou na sua reclamação de créditos como seu email o utilizado pelo Administrador da Insolvência no actos de liquidação. O credor foi também notificado via Citius através deste email do relatório do art. 155º do CIRE e da relação de Créditos definitiva. Entende que a comunicação via email é um meio válido de efectuar as notificações a que alude o art. 164º do CIRE.
3. O adquirente D... também se pronunciou alegando que não existe qualquer motivo para proceder à anulação da venda, dado que o Sr. Administrador da Insolvência praticou todos os actos a que estava obrigado, sendo que, em todo o caso, uma eventual irregularidade não determina a nulidade da venda.
Vejamos.
O Administrador da Insolvência escolhe a modalidade de alienação dos bens, podendo escolher a que considere mais conveniente, devendo fixar o valor base da venda. – art. 164º, nº1 do CIRE
O credor garantido tem direito a ser ouvido sobre a modalidade da venda e informado do valor base fixado ou do preço de alienação projectada. - art. 164º, nº2 do CIRE
Nesta sequência é-lhe conferida a faculdade de propor a aquisição do bem por si ou terceiro por preço superior ao que foi fixado como valor base da venda ou do projectado negócio. – art. 164º, nº3 do CIRE.
No caso discute-se se a audição do credor hipotecário e a informação que lhe deve ser prestada nos termos do nº2 do referido artigo 164º pode ser efectuada através de email e, em caso afirmativo, se o administrador da insolvência pode confiar na informação sobre o email do credor que conste do papel timbrado que o credor usou para reclamar o seu crédito.
Tratam-se de questões pertinentes mas que apenas terão relevância no âmbito de eventual acção de responsabilidade nos termos do art. 59º do CIRE a propor para o efeito contra o Administrador da Insolvência. Isto porque o que é pedido em primeira linha é a declaração da nulidade da venda ocorrida em 25 de Maio de 2017.
Ora, ao contrário do que se verificava no CPEREF (art. 184º), não está prevista no CIRE a possibilidade de reclamar para o juiz contra irregularidades da liquidação. Em comentário ao artigo 164º do CIRE observam L. A. Carvalho Fernandes e João Labareda in CIRE Anotado, Volume I, Reimpressão, 2006, pag. 556, que a insindicabilidade da decisão do Sr. Administrador da Insolvência prevista neste artigo, seja perante o juiz ou outros órgãos, “insere-se no quadro geral de reforço dos poderes do administrador e satisfaz, de modo significativo, intenção de desjudicialização do processo.” Com efeito, a lei desloca para o âmbito da responsabilidade do administrador o ressarcimento dos danos causados aos credores por violação dos seus deveres funcionais, subtraindo os terceiros adquirentes das consequências das irregularidades eventualmente praticadas pelo administrador da insolvência no exercício das suas funções.
A eventual falta de cumprimento dos deveres de comunicação e informação ao credor hipotecário nos termos previstos no art. 164º do CIRE não gera uma nulidade processual.
Nesta conformidade, e pelo exposto, indefere-se o requerido pelo “Banco C... , S.A.” a fls. 16 e seguintes.”.

Inconformado com o mesmo, interpôs recurso, o credor Banco C... , recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 74), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:
A. O presente recurso vem interposto de um despacho que indeferiu a arguição de nulidade da venda invocada pelo ora Recorrente, quando dispõe que “A eventual falta de cumprimento dos deveres de comunicação e informação ao credor hipotecário nos termos previstos no art. 164.º do CIRE não gera uma nulidade processual.”, não podendo o ora Recorrente concordar com tal decisão, pelas razões que seguidamente se expõem,
B. O ora Recorrente reclamou créditos nos presentes autos no valor de € 235.536,06 (duzentos e trinta e cinco mil, quinhentos e trinta e seis euros e seis cêntimos), sendo o presente crédito garantido por hipoteca sobre o Prédio Misto, sito à Ribeira, freguesia e concelho de (...) , inscrito na matriz urbana sob o artigo (...) e na matriz rústica sob o n.º (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial de (...) sob o n.º (...) , correspondente à verba 1 do auto de apreensão,
C. Em sede de Assembleia de Credores foi aprovada a liquidação do activo apreendido para a Massa Insolvente, no qual se inclui o imóvel supra mencionado,
D. Com vista à venda do imóvel o Administrador da Insolvência procedeu à notificação do credor hipotecário e ora Recorrente, de vários emails para o endereço electrónico X (...) , a saber:
E. -Em 21-03-2017, para, querendo, o credor hipotecário facultar a avaliação do referido imóvel,
-Em 05-04-2017, para dar a conhecer o conteúdo de um anúncio de venda,
-Em 21-04-2017, para informar do catálogo de venda e da acta elaborada,
-Em 04-05-2017, para informar da apresentação de proposta em negociação particular por € 22.200,00,
-Em 26-05-2017, para comunicar a aceitação de ma proposta entretanto apresentada no valor de € 23.500,00.
F. Sucede que, o referido endereço electrónico, não, é, nem nunca foi o endereço electrónico, certificado pela ordem dos advogados, existente para a realização das comunicações entre os intervenientes processuais, sendo que o endereço electrónico do ora signatário, e certificado pela ordem dos advogados é Y (...) ,
G. Sendo certo que o endereço electrónico Y (...) , se encontra disponível para consulta no website da ordem dos advogados, na assinatura aposta pelo ora signatário na reclamação de créditos apresentada pelo ora Recorrente, bem como na plataforma citius, à qual o Administrador da Insolvência tem acesso, sendo relevante referir que o Administrador da Insolvência é igualmente advogado pelo que conhece, ou devia conhecer a existência de endereços certificados pela ordem dos advogados, razão pela qual não pode servir de argumento ao Administrador da Insolvência o desconhecimento do endereço electrónico correcto do mandatário do ora Recorrente.
H. Mais, consciente do seu erro, o Administrador da Insolvência notificou, via email, em 22-03-2017, o mandatário do ora Recorrente para o seu endereço electrónico e devidamente certificado pela ordem dos advogados, onde solicita a avaliação do imóvel, sendo que este foi o último e único email enviado pelo Administrador da Insolvência para o endereço electrónico correcto e certificado pela ordem dos advogados do ora signatário.
I. Ora, não sendo o endereço info@spsadvogados.com o email do mandatário do ora Recorrente, os emails referidos supra não foram recepcionados, pelo que face à ausência de quaisquer comunicações por parte do Administrador da Insolvência, o ora Recorrente indagou junto do mesmo no sentido de obter informação quanto ao estado da liquidação, nomeadamente no que concerne à decisão de venda do imóvel supra mencionado, uma vez que nos termos do art. 164.º, n.º 2 do CIRE, o credor hipotecário tem de ser informado do valor base fixado pelo Administrador da Insolvência,
J. Foi neste momento, que com grande surpresa, o ora Recorrente teve conhecimento de que o imóvel já mencionado foi vendido a terceiro por escritura outorgada no dia 25 de Maio de 2017 pelo valor de € 23.500,00 (vinte e três mil e quinhentos euros), sendo que o Administrador da Insolvência quando confrontado com esta situação, alegou ter notificado o ora Recorrente na pessoa do seu mandatário, juntando para o efeito cópia dos respectivos emails, já supra descritos,
K. Perante os factos supra expostos facilmente se extrai que existiram três erros carros na actuação do Administrador da Insolvência, a saber:
a. O envio de vários emails para um endereço electrónico errado, ou seja, para info@spsadvogados.com,
b. A falta de notificação dos credores, mais concretamente do ora Recorrente, enquanto credor hipotecário, da decisão de venda,
c. A ausência de qualquer comunicação a solicitar a pronúncia dos credores quanto à proposta de € 23.500,00
L. Neste sentido veja-se o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto no âmbito do processo n.º 7153/13.6TBMAI-D.P1 em 07/07/2016 ““A consideração de que a notificação foi efectuada só porque as comunicações do Senhor Administrador da Insolvência foram sempre remetidos para o e-mail “constante do papel timbrado do requerente” surge ao arrepio dos princípios da certeza, segurança jurídica e do contraditório.”
M. Dispõe ainda aquele Acórdão que “
XII.
tendo em devida consideração que a notificação do Senhor Administrador da Insolvência não podia ter sido realizada por correio electrónico - já que tal forma de notificação não consta das formas de notificação possíveis, previstas no n.º 1 do artigo 249 do CPC - deverá considerar-se a notificação realizada como não feita.
XIII. Daí deve extrair-se a necessária consequência da nulidade do acto, de harmonia com o disposto no artigo 195.º do CPC (ex vi artigo 17.º do CIRE).
” (negrito e sublinhado nosso)
N. Quanto ao segundo e terceiro erro, cumpre somente saliente que tal actuação viola o disposto nos artigos 161, n.º 4  e 164.º, n.º 2 ambos do CIRE, veja-se nesse sentido o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, no âmbito do processo n.º 632/06.3TJVNF-L.P1: ““Tendo-se procedido à venda judicial por propostas em carta fechada, não tendo havido prévia audição e notificação do valor base para a venda dos bens, omite-se formalidade legal com relevância a decisão, pelo que se comete nulidade a determinar a anulação do acto da venda.” (sublinhado e negrito nosso)
O. Mais, tal situação poderia ter sido evitada se o Administrador da Insolvência tivesse cumprido as disposições legais impostas que obriga a prática de todos os seus actos através da plataforma Citius, conforme determina a Portaria n.º 246/2016, de 7 de Setembro, quando no seu art. 3.º dispõe que: “1 — A apresentação de peças processuais e documentos pelos administradores judiciais é efectuada exclusivamente por via electrónica, sendo aplicável, com as necessárias adaptações, o disposto no Capítulo II da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto, quanto à apresentação de peças processuais e documentos por mandatários. 2 — O registo dos administradores judiciais junto da entidade responsável pela manutenção do sistema informático de suporte à actividade dos tribunais, previsto no n.º 2 do artigo 5.º da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto, é efectuado pela CAAJ.” (sublinhado e negrito nosso)
P. Pelo que, resulta claro que o Administrador da Insolvência não cumpriu as imposições legais a que estava obrigado, ainda que apenas quanto às diligências atinentes à venda, pois que juntou o relatório elaborado nos termos do artigo 155.º do CIRE via Citius.
Q.  Tal facto possibilitou a todos os credores, incluindo o ora Recorrente, ter acesso ao relatório através do Citius, e não de email, razão pela qual o ora Recorrente nunca reclamou de tal facto.
R. Atendendo ao facto do Administrador da Insolvência ser igualmente advogado, não se compreende a razão pela qual não cumpriu as disposições legais impostas pela Portaria 246/2016, de 7 de Setembro que entrou em vigor em 12 de Setembro de 2016 e que impôs a obrigatoriedade de apresentação de peças processuais e documentos por via electrónica prevista no n.º 1 do artigo 3.º e que se aplica aos actos praticados pelos administradores judiciais a partir de 1 de Novembro de 2016 (veja-se o artigo 16.º da mesma Portaria).

S. Veja-se que o valor patrimonial do imóvel ascende a € 30.170,020, tendo a venda sido realizada pelo valor de € 23.500,00, sendo que o senso comum permite-nos concluir que o valor de mercado do imóvel seria muito superior ao valor patrimonial do imóvel, pelo que apenas podemos concluir que a actuação do Administrador da Insolvência prejudicou, deliberadamente, não só os interesses do credor hipotecário, ora Recorrente, mas de todos os credores do processo de insolvência,
T. Assim, e salvo o devido respeito por opinião diversa, não pode o ora Recorrente aceitar tal entendimento, pelo que deverá o despacho proferido e de que ora se recorre ser dado sem efeito, e seja reconhecida a nulidade da venda ocorrida, devendo consequentemente se repetidos todos os actos de liquidação quanto ao já supra mencionado imóvel.
Nestes termos deve a decisão de que se recorre ser revogada, e substituída por douto Acórdão que julgue em conformidade, assim se fazendo como de costume JUSTIÇA!

Contra-alegando, a massa insolvente, representada pelo seu Administrador, pugna pela manutenção da decisão recorrida, aderindo aos fundamentos na mesma expostos.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de aferir se se verifica a nulidade da venda em causa, com o fundamento em a notificação a que se alude no artigo 164.º, n.º 2, do CIRE, ter sido efectuada pelo A. I., para o e.mail que consta no papel timbrado usado pelo Ex.mo Mandatário do recorrente, para envio a tribunal das várias peças processuais subscritas pelo mesmo.

A matéria de facto a considerar é a que consta do relatório que antecede.

Se se verifica a nulidade da venda em causa, com o fundamento em a notificação a que se alude no artigo 164.º, n.º 2, do CIRE, ter sido efectuada pelo A. I., para o e.mail que consta no papel timbrado usado pelo Ex.mo Mandatário do recorrente, para envio a tribunal das várias peças processuais subscritas pelo mesmo.

Como resulta do exposto, a única questão a decidir é a da de averiguar da invocada nulidade da venda do imóvel sobre o qual incidia hipoteca a favor do ora recorrente.

Como resulta do disposto no artigo 55.º, n.º 1, al. a), do CIRE, entre outras funções, incumbe ao administrador da insolvência promover a alienação dos bens que constituem a massa insolvente e com o respectivo produto, pagar as dívidas do insolvente.

Relativamente às modalidades da alienação, rege o seu artigo 164.º, de acordo com o qual (n.º 1) incumbe ao administrador escolher a respectiva modalidade, sendo que, existindo, como in casu credor com garantia real sobre o bem a alienar, nos termos do seu n.º 2, o mesmo é sempre ouvido sobre a modalidade da alienação e informado do valor base fixado ou do preço da alienação projectada a entidade determinada.

Com tal informação pode o credor garantido propor, para si ou para terceiro, a aquisição do bem, nos termos e consequências previstas no n.º 3 do preceito em referência.

No caso em apreço, o administrador da insolvência notificou, como lhe competia fazer, o credor garantido, através do e.mail que consta das folhas timbradas usadas pelo seu Ex.mo Mandatário nos diversos requerimentos e peças processuais que remeteu aos autos de insolvência.

Tudo está, pois, em saber, se tal meio é idóneo, conforme com a lei aplicável; ou se, ao invés se impunha que a mesma fosse efectuada por carta registada ou para o endereço do Ex.mo Mandatário, via Citius.

Como resulta dos Acórdãos a que recorrente e recorrida aludem nas suas alegações e contra-alegações, respectivamente, não tem esta questão vindo a ser decidida de forma uniforme.

Efectivamente, no Acórdão da Relação do Porto, de 07/07/2016, Processo n.º 7153/13.6TBMAI-D.P1, decidiu-se que é nula a notificação de decisão promovida pelo AI feita por correio electrónico, devendo a mesma ser feita através de carta registada, nos termos previstos no CPC, dada a omissão da lei quanto à forma das notificações/comunicações entre os administradores da insolvência e os intervenientes processuais, designadamente, os credores da insolvência e seus mandatários judiciais.

Ao passo que por Acórdão de 30/01/2017, Processo n.º 530/16.2T8AVR-F.P1, do mesmo Tribunal, ambos disponíveis no respectivo sítio do itij, se decidiu que a preterição das formalidades essenciais na venda efectuada pelo administrador da insolvência, não constitui fundamento da declaração de ineficácia do acto de alienação dos bens nem de nulidade da venda, porquanto a declaração de ineficácia do acto relativamente à massa insolvente, só pode ser declarada nos termos do artigo 163.º do CIRE e sem prejuízo de tal preterição acarretar a eventual responsabilidade do administrador, nos termos previstos no artigo 59.º do CIRE.

Este entendimento foi, também, o acolhido no citado Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 31/03/2016, Processo n.º 8579/09.5TBBRG-E.G1, disponível no respectivo sítio do itij.

 E que se seguiu na decisão recorrida, acima transcrita e com o que se concorda.

Efectivamente, no processo de insolvência (especial em relação aos demais e por isso só se lhe aplicando as regras gerais, de forma residual, nos termos previstos no artigo 549.º, n.º 1, do CPC) a eficácia dos actos do administrador da insolvência só é posta em crise nos termos previstos no artigo 163.º do CIRE, tudo sem prejuízo de o mesmo poder vir a ser, pessoalmente, responsabilizado, nos termos do seu artigo 59.º.

Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, in CIRE Anotado, 2.ª Edição, Quid Juris, 2013, a pág. 636, com o regime instituído pelo CIRE, por contraposição ao anterior, houve uma «intensificação da desjudicialização do processo», ficando reduzida a intervenção do juiz que, no domínio da administração e liquidação da massa se traduziu “por um lado, em retirar ao juiz qualquer poder de decisão ou, sequer, de intervenção a propósito, e, a nível ainda mais significativo, no «desaparecimento da possibilidade de impugnar junto do juiz tanto as deliberações da comissão de credores […] como os actos do administrador da insolvência.

Em paralelo, e, decerto, com o objectivo de dinamização e eficiência do processo – instrumentos determinantes da melhor satisfação possível dos interesses dos credores, que constitui a finalidade visada pelo instituto da insolvência -, reforçou-se a competência do administrador, eximindo-o à necessidade permanente de obter a aquiescência de outros órgãos para a concretização dos atos de administração e, sobretudo de liquidação da massa insolvente, por contrapartida da expressa responsabilização pessoal perante os credores.”.

Acrescentado a pág. 637 que a violação do deveres impostos ao administrador da insolvência, fundamenta a responsabilidade civil, ocorrendo os demais pressupostos.

Reiterando a pág. 650 que incumbe ao administrador da insolvência, em exclusivo, a escolha da modalidade da venda, tratando-se de uma opção que se insere no “quadro geral do reforço dos poderes do administrador e satisfaz, de modo significativo, a intenção de desjudicialização do processo”, do que decorre não estar o mesmo obrigado a seguir deliberações de outros órgãos da insolvência e “a decisão não ser censurável, através de qualquer tipo de impugnação, perante outros órgãos ou perante o juiz”.

E especificamente, sobre a omissão de notificação de audição prévia do credor garantido, defendem, a pág. 651 que a mesma “não é vinculativa, o que parece excluir relevância processual à eventual violação desse dever, apesar de esta poder comportar responsabilidade para o administrador e de constituir justa causa de destituição”.

Em suma, como se refere na decisão recorrida, a forma da notificação utilizada (e sem que não deixe de se dizer que resulta dos autos que todas as demais o foram da mesma maneira; ou seja para o e.mail que consta do papel timbrado utilizado pelo Ex.mo Mandatário do ora recorrente), no caso, em nada interfere com a eficácia da mesma.

Se o credor, ora recorrente, sofreu quaisquer prejuízos com a conduta do A.I., terá de o responsabilizar, em acção autónoma, nos termos previstos no artigo 59.º do CIRE, mas sem que, cf. artigos 161.º a 163.º do CIRE, se verifique ineficácia da aludida notificação, nem nulidade da venda.

Consequentemente, improcede o recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente o presente recurso de apelação, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pelo apelante.

Coimbra, 16 de Janeiro de 2018.