Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
889/11.8TTLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: RECURSO
ADMISSIBILIDADE
INUTILIDADE
RESOLUÇÃO
CONTRATO DE TRABALHO
TRABALHADOR
REGIME
DEPOIMENTO DE PARTE
SOCIEDADE ANÓNIMA
Data do Acordão: 01/17/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE LEIRIA – 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 79º-A, Nº 2, AL. H) DO CPT; 394º, Nº 1, 395º, Nº 1 E 398º DO CT/2009; 163º E 352º, Nº 1 DO CC; E 405º, Nº 3 DO C.SOC.COMERCIAIS.
Sumário: I – Dispõe a al. h) do nº 2 do artº 79º-A do CPT que cabe recurso da decisão do tribunal de 1ª instância cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil.

II – Decorre da própria norma que, para que seja admissível o recurso, é preciso que exista inutilidade, e esta tem de ser do recurso (não da tramitação) e tem de ser absoluta.

III – Só será absolutamente inútil o recurso que, quando favorável ao requerente, já em nada lhe aproveita, por a demora na sua apreciação tornar irreversíveis os efeitos da decisão impugnada.

IV – Dispõe o artº 394º, nº 1 do CT de 2009 que, ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato de trabalho.

V – A declaração de resolução do contrato deve ser feita por escrito, com a indicação sucinta dos factos que a justificam, nos trinta dias subsequentes ao conhecimento desses factos (artº 395º, nº 1 do CT de 2009), sendo apenas atendíveis para justificar a resolução os factos invocados nessa comunicação (artº 398º, nº 3 do CT).

VI – O trabalhador só pode resolver o contrato de trabalho, sem observância de pré-aviso e com direito a indemnização, se se verificar um comportamento que seja imputável à entidade empregadora, a título de culpa, e que esse comportamento, pela sua gravidade e consequências, torne inexigível a manutenção do vínculo laboral.

VII – Antes de tomar a iniciativa da resolução do contrato, o trabalhador deve informar o empregador das repercussões que a sua conduta está a ter na relação contratual, na sua vida e nos seus interesses patrimoniais, exigir o cumprimento da obrigação e depois reagir em conformidade com a atitude que este assumir.

VIII – Em situações de carácter continuado e de efeitos duradouros, que se agravam com o decurso do tempo, o prazo de caducidade a que se refere o artº 395º, nº 1 do CT, só se conta a partir do momento em que os efeitos da violação por parte do empregador, no contexto da relação laboral, assumem tal gravidade que a subsistência do contrato de trabalho se torna impossível, ou seja, se torna intolerável para o trabalhador, perante esses factos e as suas nefastas consequências, a manutenção da relação de trabalho.

IX – Esse prazo de caducidade apenas começa a correr quando o trabalhador tem conhecimento de todos os factos que lhe permitam ajuizar da seriedade e dimensão da lesão dos seus direitos, nomeadamente para poder avaliar se é impossível a manutenção da relação laboral.

X – Em princípio compete às sociedades anónimas, e não à parte que requereu o depoimento de parte da sociedade, indicar a pessoa que deve prestar esse depoimento (artºs 163º e 352º, nº 1 do CC e 405º, nº 3 do CSC).

Decisão Texto Integral:                         Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

                        A... veio instaurar, no 1º Juízo do Tribunal do Trabalho de Leiria, a presente acção emergente de contrato de trabalho contra B... S.A., pedindo que seja confirmada a justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo Autor devendo, em consequência, ser o Réu condenado no pagamento ao Autor do montante de 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros) a título de indemnização pela cessação pelo Autor do seu contrato de trabalho, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 396.º do Código de Trabalho, quantia essa acrescida dos juros vencidos e vincendos à taxa legal.

                        Na parte da indicação dos meios de prova requereu ”o depoimento de parte da Ré, na pessoa do Sr. Dr., Presidente do seu Conselho de Administração, à matéria constante dos artigos 1 a 20; 23 a 35 a 159; 188 a 192; 222; 232 a 234 da presente petição inicial”.

                        Citado, veio o Réu contestar, invocando, entre outras questões, ser inepta a petição inicial e se verificar a caducidade do direito do Autor de pedir a resolução do contrato com justa causa.

                        Quanto ao requerido depoimento de parte, veio dizer que “se o Tribunal o vier a admitir, então, tal depoimento de parte não poderá ser prestado pelo Senhor Presidente do Conselho de Administração do Réu, mas sim, por quem o Réu vier a indicar para esse efeito”.

                        No despacho saneador, a Srª Juíza proferiu, entre outras, as seguintes decisões:

                        Da alegada ineptidão da petição inicial:

                        Vem a ré invocar a ineptidão da petição inicial alegando que o autor invocou um conjunto de factos, concluindo por um pedido que exigia que, para que a p.i. não fosse inepta, fossem especificados os valores indemnizatórios e a sua afectação às diversas causas de pedir.

                        Que, assim, não pode a ré aferir da correcção do montante apontado em relação às diversas causas de pedir, pelo que está impedida de entender o quantum destas e por conseguinte o quantum do pedido. Que, portanto, é inintelegível a petição inicial quanto às causas de pedir e ao pedido formulados.

                        O autor pugna se indefira a referida excepção uma vez que entende que quanto ao quantum dos danos alegados, morais e patrimoniais, não está o juiz adstrito aos limites fixados no artigo 396º, nº 1 do Código do Trabalho, sendo os danos emergentes de assédio moral de per si autonomamente indemnizáveis. Que dentro do pedido efectuado na alínea b) do seu pedido, a indemnização eventualmente a fixar não pode ficar abaixo dos 350.000,00 € cabendo ao Tribunal ajuizar equitativamente do referido montante indemnizatório.

                        Nos termos do art 193º do Código de Processo Civil é nulo todo o processado quando for inepta a petição inicial, nomeadamente quando falte ou seja inintelegível a identificação do pedido ou da causa de pedir.

                        Acrescenta-se no n.º 3 do citado preceito legal que, “se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, não se julgará procedente a arguição quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial”.

                        Ora, verifica-se que na sua contestação, o réu não só identifica a causa de pedir formulada pelo autor, isto é, existência de alegado assédio moral, como impugna especificadamente e concretamente os factos alegados pelo autor na petição inicial, assim se verificando que interpretou convenientemente este articulado.

                        Portanto, ao abrigo do citado artigo 193º, nº 2 alínea a) e nº 3 do Código de Processo Civil se indefere a alegada excepção de ineptidão da petição inicial.

                        (…)

                        Da alegada caducidade do direito do autor interpor a presente acção:

                        Vem a ré invocar que o direito do autor estaria precludido por, à altura da resolução do contrato de trabalho por alegada verificação de justa causa, já ter decorrido o prazo de caducidade de 30 dias previsto no artigo 395º, nº 1 do Código do Trabalho que preceitua que: “O trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos”.

                        Que os factos em que se alicerça a invocada justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo autor teriam tido o seu terminus antes de 07.07.2010, tendo em conta a carta datada desse mesmo dia, onde se dá conta da alegada situação ilegítima e intolerável que a ré alegadamente criou ao autor.

                        Que, portanto, tendo o autor resolvido o contrato que o ligava ao réu por carta datada de 29.09.2010 e recebida pelo réu a 04.10.2010, teria já decorrido o prazo de caducidade de 30 dias previsto no artigo supra citado.

                        Por sua vez, o autor refere, em resposta, que os factos alegadamente praticados pela ré e causa de resolução do contrato, teriam produzido efeitos apenas após o dia 20.09.2010, pelo que não têm qualquer fundamento os argumentos invocados pela ré quanto ao decurso do aludido prazo.

                        Ora, conforme fls. 134 a 136, o autor por intermédio do seu ilustre mandatário respondeu à carta que lhe fora enviada pela ré por carta datada de 6 de Setembro de 2010, não tendo a ré dado qualquer feed back à proposta por si formulada (o que não é contrariado pela ré), pelo que só após esta data teriam ocorrido os motivos fundadores da desvinculação unilateral por parte do autor.

                        Os factos imputáveis à ré consubstanciam, entre outros, uma alegada diminuição da categoria e estatuto profissional do autor que, como factos continuados que são, terão, necessariamente, ocorrido até ao momento em que o autor cessou a relação contratual que os unia conforme carta enviada à ré e datada de 29 de Setembro de 2010, a fls 69 a 86, antecedida de longa negociação entre as partes.

                        Assim, por se tratarem de factos continuados e alegadamente consistentes em assédio moral praticado pela ré na pessoa do autor, o que implica um comportamento reiterado, e face à matéria factual alegada pelo autor, tendo em conta a carta de resolução do contrato de trabalho enviada à ré em 29.09.2010 não havia ainda decorrido o prazo de 30 dias sobre o conhecimento da totalidade dos factos consubstanciadores do invocado “assédio moral” por parte da ré, pelo que improcede a alegada excepção de caducidade.

                        Outra questão será a decisão sobre se os factos alegados pelo autor consistem efectivamente em assédio moral ao trabalhador praticado pela entidade empregadora com vista à desvinculação daquele, o que já contende com o mérito do pedido formulado pelo mesmo.

                        Pelo exposto improcede também, assim, a invocada excepção de caducidade do direito de o autor interpor a precedente acção.

                        (…)

                        Quanto ao depoimento de parte da Ré na pessoa do Sr. Dr. Presidente do seu Conselho de Administração:

                        O depoimento de parte é um meio de prova que visa a obtenção da confissão, isto é, o reconhecimento pela parte que o presta de factos desfavoráveis para si e favoráveis à parte contrária (conforme artigos 352º e seguintes do Código Civil).

                        No caso de pessoa colectiva ou sociedade comercial o depoimento de parte deverá ser prestado pelo seu representante na medida em que este possa obrigar a pessoa colectiva/sociedade.

                        Os factos alegados pelo autor na petição inicial são factos que alegadamente terão sido praticados pela ré pelo que a tentativa de obter prova desses mesmos factos mediante depoimento de parte da ré tem plena justificação.

                        Porém, não cabe à sociedade indicar quem a representa em matéria de depoimento de parte mas sim àquele que requer o depoimento que compete indicar qual a pessoa que o deve prestar, já que este meio de prova está na sua disponibilidade suportando o mesmo os riscos inerentes à falta de prova dos factos que pretende provar por o Presidente do Conselho de Administração da Ré dos mesmos não ter conhecimento.

                        O Presidente do Conselho de Administração da ré, como representante último desta, tem obrigação de conhecer os factos que o autor indicou, sendo certo que o autor invoca factos que serão do conhecimento pessoal daquele por nos mesmos ter intervindo.

                        Assim, nos termos dos artigos 552º e seguintes do Código de Processo Civil admito o depoimento de parte do Presidente do Conselho de Administração da ré à matéria dos artigos (...) da petição inicial por a restante matéria não ter sido impugnada ou revelar-se mera conclusão, juízo de valor ou matéria de direito”.

                                                                       x
                        Inconformado com o decidido, veio o Réu interpor recurso de apelação, onde formulou as seguintes conclusões:
                        […]

                       

                        O Autor contra-alegou.

                        Por se entender que a decisão relativa a duas das três questões do recurso só  podem ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final, foi, pelo relator, ordenado que fosse dado cumprimento ao disposto no artº 704º, nº 1,  do CPC.

                        Foram colhidos os vistos legais.

                        A Exmª Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da concordância com o citado despacho do relator e da procedência do recurso no que toca ao depoimento de parte.

                                                                       x

                        Definindo-se o âmbito do recurso  pelas suas conclusões, temos como questões a apreciar:

                        -  ineptidão da petição inicial;

                        -  caducidade do direito do Autor de pedir a resolução do contrato com invocação de justa causa;

                        - saber se compete ao Autor ou ao Réu indicar a pessoa que deve prestar o depoimento de parte do Réu.

                                                                      x
                        Como factualidade relevante temos a descrita no relatório do presente acórdão.

                                                                       x
                        O direito:
                        - questão prévia:

                        Veio o Réu interpor recurso de apelação do despacho saneador, em relação às seguintes decisões aí proferidas:

                        a)- não considerar improcedente a excepção de ineptidão da petição inicial;

                        b)- julgar improcedente a excepção de caducidade do direito do Autor de interpor a precedente acção;

                        c)- admissão da prestação de depoimento de parte do Réu na pessoa do seu Presidente do Conselho de Administração.

                        No despacho liminar do relator, foi mandado dar cumprimento ao disposto no artº 704º, nº 1, do CPC, por se considerar que as decisões a que se referem as supra-enunciadas als. a e b) não fazem  parte das hipóteses previstas no nº 2 do artº 79º- A do C.P.Trabalho, designadamente, e ao contrário do afirmado no despacho que admitiu o recurso, na al. h) desse nº 2, devendo ser impugnadas no recurso que venha a ser interposto da decisão final- nº 3 desse artº 79º-A.

                        Assim, temos que dispõe a al. h) do nº 2 do artº 79º- A do CPT que cabe recurso da decisão do tribunal de 1ª instância cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil.

                        Decorre da própria norma que, para que seja admissível o recurso, é preciso que exista inutilidade, e esta tem de ser do recurso (e não da tramitação) e tem de ser absoluta.

                        Trata-se de uma exigência em tudo semelhante à que a anterior redacção do CPT estabelecia para a subida imediata do recurso de agravo.

                        O regime-regra de subida dos recursos de agravo, em processo laboral, era o da subida diferida - artº 86º do C.P.T.

                        Apenas subiam imediatamente, nos próprios autos, os agravos interpostos nas situações taxativamente enumerados no nº 1 do artº 84º do mesmo diploma e, ainda, aqueles “cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis”, como se referia no nº2 de tal artigo.

                        Neste nº 2 integravam-se os casos não previstos no nº 1 desse artº 84º, em que a subida imediata do agravo tornaria o recurso, em absoluto, ineficaz e inútil. Esta norma correspondia ao disposto no nº 2 do artº 734º do C.P.Civil, com idêntica redacção.

                        Por absoluta inutilidade do recurso sempre entendeu a doutrina e jurisprudência – entendimento que mantém toda a actualidade - que a sua retenção inutilize a finalidade ou a própria razão de ser do agravo, coisa diferente da simples inutilização de actos ou termos, em consequência do provimento do agravo - cfr. Leite Ferreira, Cod. Proc. Trabalho Anotado, 4ª ed., pag. 402, e Carlos Alegre, Cod. Proc. Trabalho Anotado, pag. 251.

                        Só será absolutamente inútil o recurso que, quando favorável ao requerente, já em nada lhe aproveita, por a demora na sua apreciação tornar irreversíveis os efeitos da decisão impugnada- cfr., a título de exemplo, os Ac. do STJ de 9/11/84, BMJ, 341, pag. 369, e de 10/3/93, BMJ 430, pag. 424, da Rel. do Porto de 5/6/90, BMJ 398º, 585,  e da Rel. de Coimbra de 11/3/98, BMJ 475º, 786.

                        Ou seja, não basta uma inutilidade relativa, a que corresponde a anulação de processado posterior, para justificar a admissão do recurso. A situação há-de ser tal que, se o recurso não for apreciado imediatamente, já não servirá de nada.

                        Como se referiu no Ac. do STJ de 21/7/87, BMJ 369º, 489, a retenção não torna o recurso absolutamente inútil quando possa conduzir à inutilização dos actos processuais, em consequência do provimento do agravo.

                        É que, não obstante a subida diferida, na hipótese de provimento do agravo, vinham a surgir os efeitos pretendidos pela revogação do despacho ou da decisão agravados, mesmo que isso acarretasse a anulação ou reformulação de actos praticados no desenvolvimento do despacho agravado- Ac. do Tribunal Constitucional nº 208/93, de 16/3/93, in Acs. Trib. Const., 24º, pag. 527.

                        É, no que diz respeito à decisão que incidiu sobre a invocada ineptidão da petição inicial, a hipótese dos autos:

                        No caso de, sendo interposto recurso da decisão final, vir a ser dada razão ao Réu no seu entendimento de que se verifica a pretendida ineptidão da petição inicial, a consequência será a absolvição do Réu da instância – artºs 193º, nºs 1 e 2, e 288º, nº 1, al. b) do CPC, nunca se podendo falar de inutilidade na retenção do recurso, por inutilizar a finalidade ou a própria razão de ser do mesmo.

                        E não cabendo o recurso em questão em nenhuma das hipóteses do nº 2 do citado artº 79º-A, designadamente na sua al. h), essa decisão sob censura só poderá ser impugnada no recurso que venha a ser interposto da decisão final, ou, caso não exista tal recurso, após o trânsito da mesma e desde que as decisões interlocutórias tenham interesse para o apelante independentemente daquela decisão final – nºs 3 e 5 do mesmo artigo.

                                Como tal, há que considerar, nesta parte, extemporâneo o recurso de apelação interposto pelo Réu, neste momento processual, não se conhecendo do objecto do mesmo.

                        - a caducidade:

                        Aqui há que, em primeiro lugar, corrigir o que se entendeu no despacho que ordenou o cumprimento do artº 704º, nº 1, do CPC, já que a decisão recorrida, ao julgar improcedente a excepção de caducidade do Autor interpor a presente acção, conheceu do mérito da acusa, sendo assim passível de recurso, nos termos do disposto no artº 691º, nº 2, al. h) do CPC, ex vi da al. i) do nº 2 do artº 79º.-A do CPT.

                        Pelo que se passa a conhecer do recurso, nesta parte.

                        Dispõe o artº 394º, nº 1, do CT de 2009 que, ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.

                        A declaração de resolução do contrato deve ser feita por escrito, com a indicação sucinta dos factos que a justificam, nos trinta dias subsequentes ao conhecimento desses factos (artº 395º, nº 1, do CT), sendo apenas atendíveis para justificar a resolução os factos invocados nessa comunicação (artº 398º, nº 3, do CT).

                        O referido artº 394º enuncia, no seu nº 2, e a título exemplificativo, alguns dos comportamentos da entidade empregadora constitutivos de justa causa de resolução do contrato e que conferem ao trabalhador direito à indemnização a que se refere o nº 1 do artº 396º do CT.

                        Entre esses comportamentos figura, com pertinência para o caso em apreço, a “violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador” – al. b) do nº 2 desse artº 394º.

                        O trabalhador só pode resolver o contrato de trabalho, sem observância de pré-aviso, e com direito a indemnização, se se verificar um comportamento que seja imputável à entidade empregadora, a título de culpa, e que esse comportamento, pela sua gravidade e consequências, torne inexigível a manutenção do vínculo laboral.

                        Tal como se decidiu no Ac. da Rel. Lisboa de 23/04/2008, in www.dgsi.pt, entendemos ainda que o trabalhador, antes de tomar a iniciativa da resolução do contrato, deve informar o empregador das repercussões que a sua conduta está a ter na relação contratual, na sua vida e nos seus interesses patrimoniais, exigir o cumprimento da obrigação e depois reagir em conformidade com a atitude que este assumir.

                        “A boa fé e a preservação da relação de confiança entre as partes, impõem que estas se informem mutuamente das ocorrências respeitantes ao contrato e, particularmente, dos efeitos que, da (in)execução ou incumprimento do contrato podem advir. E só depois, se esse incumprimento persistir, pode o trabalhador rescindir o seu vínculo contratual, por não ser exigível que o mesmo continue a trabalhar para quem está repetidamente a desrespeitar o contrato”.

                        Em  situações de carácter continuado e de efeitos duradouros, que se agravam com o decurso do tempo, o prazo de caducidade a que se refere o art. 395º, nº 1, do CT, só se conta a partir do momento em que os efeitos da violação por parte do empregador, no contexto da relação laboral, assumem tal gravidade que a subsistência do contrato de trabalho se torna impossível, ou seja, se torna intolerável para o trabalhador, perante esses factos e as suas nefastas consequências, a manutenção da relação de trabalho – cfr. Acs. do STJ, de 21/10/1998, BMJ 480º, pág. 205 e de 2/10/1996, Acórdãos Doutrinais 421º, 119.

                        O contrato de trabalho reveste-se de características especiais, em que a subordinação jurídica e a consequente maior fragilidade do trabalhador face à sua dependência perante o empregador, bem como a necessidade de garantir o emprego, o levam, não raras vezes e contra sua vontade, a tolerar a violação, por parte do empregador, dos seus direitos e/ou garantias laborais-  cfr. Ac. da Rel. do Porto de 7/5/2012, proc. 470/10.9TTVNF.P1, in ww.dgsi.pt.

                        Não se olvide, igualmente que o artigo 329.º do Código Civil determina que “o prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido”.

                        Assim, esse prazo apenas começa a correr quando o trabalhador tem conhecimento de todos os factos que lhe permitam ajuizar da seriedade e dimensão da lesão dos seus direitos, nomeadamente para poder avaliar se é impossível a manutenção da relação laboral – Ac. do STJ de 9/9/2009, proc. 3444/06.0TTLSB.S1, disponível no mesmo site.

                        Ora, é precisamente no que toca a esse momento de avaliação, a efectuar pelo trabalhador, que as partes estão em desacordo, sendo controvertida a factualidade relevante para esse efeito.

                        Assim, temos que o Autor veio invocar, como fundamento da sua pretensão de que seja declarada a justa causa para a resolução do contrato, uma situação de assédio moral, de alegada diminuição de categoria e estatuto profissional do Autor, que se terá prolongado no tempo, consubstanciando uma situação continuada que só terá tido o seu terminus com o envio, em 29/09/2010,  da carta de fls. 69 a 86, onde o mesmo Autor refere, entre outras coisas, a falta de resposta, por parte do Réu, à sua carta de 6/09/2010, carta esta em que o Autor referia, face à situação de desrespeito pelos seus direitos contratuais em que alegadamente o Réu terá incorrido, a sua disponibilidade para um proposta de cessão do contrato por mútuo acordo.

                        Por sua vez o Réu, e no que toca ao momento em que terá cessado essa situação de incumprimento - que não aceita –, entende que o foi com a carta de fls. 129, datada de 7 de Julho de 2010 e dirigida ao presidente do conselho de administração do Réu, onde o mandatário do Autor refere o seguinte:

                        “Exmº Senhor Presidente:

                        Dada a situação laboral em absoluto ilegítima, para não dizer intolerável, que foi criada ao meu constituinte Sr. A... e perante a circunstância de, até agora, nenhum passo real e efectivo ter sido dado por essa Instituição com vista a reparar a injustiça, corrigir a ilegalidade e repor a normalidade, designadamente em termos hierárquicos e funcionais, do posicionamento laboral daquele vosso trabalhador, venho por este meio insistir por tal regularização elou pela apresentação de propostas de solução que revelem efectiva vontade negocial, sob pena de ter de se considerar por que esse Banco o que pretende é tornar definitivamente impossível e insuportável a manutenção da referida relação laboral, daí se reservando o meu constituinte no direito de retirar todas as adequadas consequências”.

                        Assim sendo, e face a tal alegação da partes e ao circunstancialismo que sinteticamente se descreveu, importa, num primeiro momento, apurar se se verificou o invocado, pelo Autor, assédio moral, consubstanciador de justa causa para a resolução operada, para depois, e caso se conclua pela afirmativa, se averiguar do momento em que, nos termos que já tivemos oportunidade de expor, se tornou intolerável para o trabalhador, perante essa factualidade e as suas consequências, a manutenção da relação de trabalho.

                        Ora, e como se  retira, sem qualquer dificuldade, do teor dos articulados e da própria base instrutória entretanto elaborada, estamos perante matéria claramente controvertida, que só após o julgamento poderá ser correcta e decisivamente avaliada, em termos jurídicos. Não se pode, por isso e como pretende a Ré, analisar, de forma isolada, o conteúdo das referidas cartas, mas antes no contexto de tudo o ocorrido.

                        Daí que se entenda que, contrariamente ao que se decidiu em 1ª instancia, não dispõem os autos ainda de elementos que permitam conhecer, no sentido da sua procedência ou improcedência, da invocada caducidade, devendo relegar-se esse conhecimento para a sentença final.

                        Assim procedendo, e nesta estrita medida, as conclusões do recurso.
                        - o depoimento de parte:

                        A decisão recorrida entendeu que “não cabe à sociedade indicar quem a representa em matéria de depoimento de parte mas sim àquele que requer o depoimento que compete indicar qual a pessoa que o deve prestar, já que este meio de prova está na sua disponibilidade suportando o mesmo os riscos inerentes à falta de prova dos factos que pretende provar por o Presidente do Conselho de Administração da Ré dos mesmos não ter conhecimento.
                        O Presidente do Conselho de Administração da ré, como representante último desta, tem obrigação de conhecer os factos que o autor indicou, sendo certo que o autor invoca factos que serão do conhecimento pessoal daquele por nos mesmos ter intervindo”.

                        O apelante discorda desta decisão, por entender que no caso da parte que irá prestar o depoimento ser pessoa colectiva, é esta quem deve assumir a responsabilidade de escolher qual a pessoa concreta que a deverá representar em juízo para a prestação do depoimento de parte.

                        Assiste razão ao Réu- apelante, tal como se decidiu no Ac. STJ 12/9/2007, disponível em www.dgsi.pt, e que passaremos a seguir de perto, no sentido de que, em princípio, compete à sociedade anónima, e não à parte que requereu o depoimento de parte da sociedade, indicar a pessoa que deve prestar esse depoimento.

                        O depoimento de parte é um meio de prova que visa, em princípio, a obtenção da confissão, ou seja, o reconhecimento pelo depoente da realidade de factos desfavoráveis para si e favoráveis à parte contrária (cfr. artºs 352º, n.º 1, e seguintes do Cód. Civil). O artº 552º, nº 1, do CPC, ao determinar que o depoimento de parte só pode ter por objecto factos pessoais ou de que o depoente deva ter conhecimento, está a reconhecer isso mesmo, uma vez que a parte só pode confessar factos pessoais ou de que deva ter conhecimento.

                        Mas, quem verdadeiramente presta o depoimento é a própria parte, pelo que os factos pessoais que relevam são aqueles de que a própria parte tem conhecimento ou de que deva ter conhecimento.

                        Conforme se constata da certidão do registo comercial junta a fls. 410 e ss, o Réu é uma sociedade anónima.

                        E, nos termos do artº 28.º dos seus Estatutos, juntos a fls. 467 e ss, a sua administração incumbe a um conselho de administração composto por um número ímpar de membros, no mínimo de  17 e no máximo de 25, eleitos em assembleia geral, ao qual cabem os mais amplos poderes legalmente permitidos, competindo-lhe em exclusivo a representação da sociedade, tudo em conformidade com as disposições legais (artº 34º, al. i)).

                        E, nos termos do artº 36.º dos referidos Estatutos, a sociedade fica obrigada pela assinatura de:

                        e) Dois administradores;

                         f) Um administrador a quem tenham sido delegados poderes para o acto;

                        g) Um administrador e um mandatário, nos termos do mandato deste;

                        h) Um ou mais mandatários, nos termos e no âmbito dos respectivos poderes de representação

                        O conselho de administração pode delegar, em algum ou alguns dos seus membros, poderes de gestão e de representação, para actos isolados ou para categorias de actos- al. j) do artº 36º, bem como criar, nos termos do art.º 407.º, n.ºs 3 e 4, do Código das Sociedades Comerciais, uma comissão executiva, à qual pertencerá a gestão corrente da sociedade (art.º 35.º dos Estatutos).

                        Como resulta do exposto, designadamente dos referidos artigos  dos Estatutos do Réu, em consonância, aliás, com o que estipula o artº 405º, nº 3, do CSC, o poder de representação da sociedade Ré cabe em exclusivo ao conselho de administração, o que significa que o presidente do conselho de administração não tem capacidade, só por si, para representar a sociedade Ré.

                        Deste modo, a representação da sociedade em juízo há-de ser feita por dois administradores ou pela pessoa que o conselho de administração designar para o efeito, nos termos do artº 163º do Código Civil, aqui aplicável, por analogia, nos termos do disposto no artº 157º do mesmo Código.

                        Assim, só o conselho de administração tem competência legal para indicar a pessoa que deve representar a sociedade para efeitos da prestação de depoimento de parte. A tese, sustentada na decisão recorrida, de que essa indicação pertence à parte que requereu o depoimento, para além de não ter qualquer suporte legal, atenta manifestamente contra as disposições legais e estatutárias que supra foram referidas.

                        O que implica a revogação do despacho recorrido, com a consequente procedência do recurso, nesta parte.

                                                                       x

                        Decisão;

                        Nos termos expostos, acorda-se em:

                        - não conhecer do objecto do recurso no que respeita à decisão de considerar improcedente a excepção de ineptidão da petição inicial;

                        - julgar, na estrita medida do acima exposto e no que diz respeito à excepção de caducidade invocada pelo Réu, procedente a apelação, revogando-se o despacho recorrido e devendo relegar-se para a sentença final, por depender de prova a produzir, o conhecimento de tal excepção;

                        - julgar, no que respeita ao depoimento de parte do Réu, procedente a apelação e, consequentemente, revogar-se o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que ordene a notificação do Réu para, em prazo a designar, vir identificar a pessoa ou pessoas, indicadas pelo  seu conselho de administração, que deverão prestar o depoimento de parte requerido pelo Autor.

                        Custas da apelação por Autor e  Réu, na proporção de 2/3 para o primeiro e 1/3 para o segundo.

 

                                                          

                                                          Ramalho Pinto (Relator)

                                                          Azevedo Mendes

                                                         Joaquim José Felizardo Paiva