Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
11/11.0TBCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARVALHO MARTINS
Descritores: PROVA PERICIAL
PERÍCIA MÉDICO-LEGAL
INSTITUTO DE MEDICINA LEGAL
SEGUNDA PERÍCIA
EXTINÇÃO DO PODER JURISDICIONAL
NULIDADE PROCESSUAL
Data do Acordão: 07/01/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA - VARAS COMPETÊNCIA MISTA E JUÍZOS CRIMINAIS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 388 CC, 201, 517, 568, 577, 589, 666 CPC, LEI Nº 45/2004 DE 19/8
Sumário: 1.- A prova pericial tem por finalidade a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial (art. 388.° do Cód. Civil). Qualquer das partes pode requerer se proceda a segunda perícia no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado (nº1 do art. 589°, do CPC – 487º NCPC).

2.- Em função do disposto no art. 589º, nº1, do CPC (487º NCPC) e Lei nº 45/2004, de 19.08, se a parte fundamenta devidamente o pedido, não deve deixar de lhe ser deferida a realização da segunda perícia médico-legal (art. 589º, nº1, do CPC) (487º NCPC). A tal não obsta o facto da 1ª perícia já ter sido realizada em Delegação do Instituto de Medicina Legal, não o proibindo as disposições do CPC, nem da Lei nº 45/2004, de 19.08, que regula as perícias médico-legais e forenses.

3.- A arguição de nulidade do processo só é admissível quando a infracção processual não está ao abrigo de despacho judicial. Se existe um despacho a ordenar a prática de um acto que a lei proíbe, o meio para reagir contra a ilegalidade cometida não é a arguição ou reclamação por nulidade, mas sim a interposição de recurso, visto que se está em presença de um despacho ilegal por ter ofendido a lei de processo.

4.- O princípio da extinção do poder jurisdicional, consagrado no art. 666º do Cód. do Proc. Civil (613º NCPC), significa que o juiz não pode, por sua iniciativa, alterar a decisão que proferiu, ainda que logo a seguir se arrependa, por adquirir a convicção que errou. Com efeito, o art. 666, nº 1 do Cód. do Proc. Civil (613º NCPC), aplicável aos despachos por efeito da remissão do seu nº 3, estatui que «proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional quanto à matéria da causa.

5.- O principio da imodificabilidade da decisão, ou da sua irrevogabilidade, consagrado no art. 666°, n.°’ 1 e 3, do CPC (613º NCPC) implica, pois, o esgotamento do poder jurisdicional sobre a questão apreciada, obstando a que, fora das condições expressamente previstas na lei, o juiz a altere. Proferido despacho a admitir a produção de prova nos termos preditos, não pode por isso o juiz ulteriormente sobrestar em tal despacho, denegando a perícia, com fundamento, declarado ex novo, na falta de pertinência da diligência.

6.- A irregularidade, reflectindo-se sobre a prova de matéria levada ao questionário, inquina de nulidade o segundo despacho, nos termos do art. 201°, n.° 1, do CPC (195º NCPC), por poder influir no exame ou na decisão da causa e, com ele, todos os termos subsequentes do processo, importando a sua anulação.

Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

AR (..), veio nos autos em referência em que é Réu, na Acção que lhe move AC (…) e CP (…), Autoras devidamente habilitadas do primitivo Autor JC (…), notificado dos despachos de 17.03.2014 com a ref.ª 3876354 e de 02.04.2014 com a ref.ª 3893543, não se conformando com os mesmos, deles veio interpor RECURSO de Apelação, alegando e concluindo que:

(…)

*

Não foram proferidas quaisquer contra-alegações nos Autos.

*

II. Os Fundamentos:

Colhidos os Vistos legais, cumpre decidir:

São ocorrências materiais, com interesse para a decisão da causa, os que constam do elemento narrativo do relatório dos Autos, designadamente que:

- Veio o presente recurso interposto do Despacho de 17.03.2014 proferido pelo Tribunal a quo com a referência electrónica n.º 3876354, o qual deu sem efeito a realização da Segunda Perícia anteriormente determinada por (alegada) impossibilidade legal;

- bem como do Despacho de 02.04.2014 com a referência electrónica n.º 3893543 (primeira parte), mediante o qual o Tribunal a quo indeferiu a arguida nulidade em sede de reclamação[4] do supra aludido despacho de 17.03.2014, por (alegadamente) não verificada. Salvo o devido respeito não se sufraga tal entendimento.

.

- Por despacho de 06.09.2011 e com a ref.ª 2836338, o Tribunal a quo determinou oficiosamente a realização de uma perícia, determinando que deveria ser efectuada pelo Conselho Médico-Legal do IMNL, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 568.º, n.º 1 do C.P.C. (actual art.º 467.º do NCPC) e 6.º, n.º 2, alínea a) do Decreto-Lei n.º 131/2007, de 27.4.

- A fls. o Recorrente foi notificado do relatório pericial / parecer de consulta técnico-científica, tendo efectuado a respectiva reclamação ao abrigo do disposto no art.º 485.º do C.P.C. A tal reclamação, veio o Conselho Médico-Legal prestar esclarecimentos por ofício de 02.07.2013.

-Notificado da resposta do Conselho Médico-Legal aos esclarecimentos suscitados, veio o Recorrente, em 10.09.2013, dela reclamar e bem ainda requerer a realização de Segunda Perícia, nos termos do disposto nos art.ºs 485.º e 487.º do actual C.P.C. (cfr. requerimento com a ref.ª electrónica n.º 14366590).

- Por despacho de 15.11.2013 (ref.ª 3720635), a Mma Juiz a quo determinou a realização de segunda perícia, na qual não poderia intervir o perito que interveio na primeira, solicitando ao INML a realização desta segunda perícia.

- Em resposta ao referido douto despacho veio o Presidente do Conselho Médico-Legal do INMLCF, por ofício n.º 39 com entrada em juízo em 17.01.2014, informar que sic “que no âmbito das competências do Conselho Médico-Legal não cabe a realização de 2ª perícia, tal como requerido. Por isso, e ressalvado o devido respeito, deverá o Tribunal solicitar a realização desta mesma perícia nos moldes devidos.”(negrito nosso).

- Sucede que, na sequência do supra aludido ofício do INML, o Tribunal a quo proferiu o Despacho recorrido de 17.03.2014, no sentido de que considerando a composição e competências do Conselho Médico-Legal, definidas no artº 7.º e 8.º do DL 166/2012, de 31/7, e no contexto da elaboração deste parecer, estaria afastada a possibilidade de ser peticionada uma 2ª perícia, que se traduziria na elaboração de um segundo parecer, e consequentemente concluiu pela (alegada) impossibilidade legal de se proceder à determinada perícia, dando a mesma sem efeito.

*

Nos termos do art. 635º do CPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n°2 do art.616º, do mesmo Código.

As questões suscitadas -

(das quais haverá de dizer-se - em nome do rigor que sempre há que colocar na hipótese de trabalho judiciário sub judice -, que desenvolvem - de forma profusa e tautológica pontos de apreciação, sem levar em devida conta que, justamente, por conclusões se entendem “as proposições sintéticas que emanam naturalmente do que se expôs e considerou ao longo da alegação” (Alberto dos Reis, CPC Anot., 5.°- 359) (art. 639º NCPC). E, sobretudo, que «as conclusões consistem na enunciação, em forma abreviada, dos fundamentos ou razões jurídicas com que se pretende obter o provimento do recurso. Com mais frequência do que seria para desejar vê-se, na prática, os recorrentes indicarem como conclusões, o efeito jurídico que pretendem obter com o provimento do recurso, e, às vezes, até com a procedência da acção. Mas o erro é tão manifesto que não merece a pena insistir neste assunto. Se as conclusões se destinam a resumir, para o tribunal ad quem, o âmbito do recurso e os seus fundamentos, pela elaboração de um quadro sintético das questões a decidir e das razões porque devem ser decididas em determinado sentido, é claro que tudo o que fique para aquém ou para além deste objectivo é deficiente ou impertinente (Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3°, 299), -

 consistem, não obstante, perante o presente esquisso, em apreciar se:

I.

7. Na sequência do supra aludido ofício do INML, o Tribunal a quo proferiu o despacho recorrido de 17.03.2014, no sentido de que considerando a composição e competências do Conselho Médico-Legal, definidas no artº 7.º e 8.º do DL 166/2012, de 31/7, e no contexto da elaboração deste parecer, estaria afastada a possibilidade de ser peticionada uma 2ª perícia, que se traduziria na elaboração de um segundo parecer, e consequentemente concluiu pela (alegada) impossibilidade legal de se proceder à determinada perícia, dando a mesma sem efeito.

8. Verificando-se uma manifesta e séria preterição de formalidades legais com grave prejuízo para o Recorrente, sendo a mesma nula, e bem ainda absolutamente ilegal.

Apreciando, diga-se que a prova pericial tem por finalidade a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial (art. 388.° do Cód. Civil). Qualquer das partes pode requerer se proceda a segunda perícia no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado (nº1 do art. 589°, do CPC – 487º NCPC).

 

À expressão adverbial “fundadamente”, significa, precisando, que as razões da dissonância tenham que ser claramente explicitadas, não bastando a apresentação de um simples requerimento de segunda perícia. Trata-se, no fundo, de substanciar o requerimento com fundamentos sérios, que não uma solicitação de diligência com fins dilatórios ou de mera chicana processual. E isto porque a segunda perícia se destina, muito lógica e naturalmente, a corrigir ou suprir eventuais inexactidões ou deficiências de avaliação dos resultados a que chegou a primeira (Ac. STJ, de 25.11.2004:CJ/STJ, 2004, 3.°-123).

Regime - da segunda perícia - que se revela aplicável em sede de perícias médico legais, nada lhe restringindo o seu específico âmbito. Com efeito, do estabelecido pela Lei 45/2004, “ex vi” do n°3 do artº 568° do C.P.Civil, não deriva a inaplicabilidade, no que respeita às perícias no âmbito da clínica médico-legal e forense, do disposto nos artº 517º, 577, 587º e 589 a 591 do Código de Processo Civil (respectivamente, 467º, 415º, 475º, 485º, 487º a 489 NCPC)b. Assim não beliscando

«(…) por alguma forma, princípios fundamentais do nosso processo civil, como sejam, o princípio da audiência do contraditório e o da igualdade das partes consagrados no artsº 3º nº3 e 3º-A, ambos do C.P.Civil, tendo aquele primeiro o seu corolário em sede de instrução vertido no artº 517º do mesmo dipoma legal (415º NCPC).

É indiscutível que, atenta a natural imparcialidade, idoneidade e competência técnica dos referidos peritos médicos, está “ ab initio” garantido às partes que essa perícia, quer no que respeita à sua realização, quer no que concerne à elaboração do relatório final e respostas aos quesitos apresentados pelas partes, será, senão de excelente, pelo menos, de muito boa qualidade, tendo em consideração, além do mais que tais peritos têm, necessariamente, no seu curriculum formação específica na área da perícia médico-legal e da avaliação do dano corporal no âmbito do processo civil, cfr. artºs 27º e 28º da Lei 45/2004, de 19.08.

Sendo certo que, não está vedado às partes a intervenção, quer quanto aos actos de preparação, quer quanto aos actos de produção dessa mesma prova, podendo intervir nos mesmos nos termos da lei, cfr. artº 517º nº2 do C.P.Civil (415º NCPC). Pois que, como em qualquer outra perícia, as partes são admitidas, e têm mesmo o dever de formular os quesitos que entenderem pertinentes, cfr. artº 577º do C.P.Civil (475º NCPC), e por outro lado, quer o respectivo relatório quer as respostas dadas aos quesitos apresentados estão sujeitos a reclamação das partes, nos termos do artº 587ºdo C.P.Civil e 12º da Lei 45/2004, de 19.08, que a serem atendidas pelo juiz do processo, dão lugar à prestação dos necessários esclarecimentos à concretização da respectiva fundamentação por parte do perito médico. É ainda possível a realização de uma 2ª perícia, nos termos dos artºs 589º a 591º do C.P.Civil e da Lei 45/2004, de 19.08 e finalmente, o perito médico poderá ser chamado, quer a pedido das partes, quer quando oficiosamente for determinado pelo tribunal, a prestar em audiência de julgamento os esclarecimentos que forem julgados pertinentes, nos termos do artº 587º e 652º nº3 al. c), ambos do C.P.Civil (485º e 604º NCPC)» (Cf. Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 09.06.2009, proc. 13492/05.2TBMAIB. P1, in www.dgsi.pt).

Em função do disposto no art. 589º, nº1, do CPC (487º NCPC) e Lei nº 45/2004, de 19.08, se a parte fundamenta devidamente o pedido, não deve deixar de lhe ser deferida a realização da segunda perícia médico-legal (art. 589º, nº1, do CPC) (487º NCPC). A tal não obsta o facto da 1ª perícia já ter sido realizada em Delegação do Instituto de Medicina Legal, não o proibindo as disposições do CPC, nem da Lei nº 45/2004, de 19.08, que regula as perícias médico-legais e forenses.

Com efeito, não parece que haja motivo para indeferir tal pretensão, nos termos que vêm previstos no n.º 1 do artigo 589.º do Código de Processo Civil (art. 487º NCPC), que estabelece que “qualquer das partes pode requerer que se proceda a segunda perícia, no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado”.


Pelo que, uma vez aduzidas razões tidas por minimamente válidas -
e as que foram invocadas são-no com certeza -, seja porque nem a decisão recorrida disse que não o eram, seja porque se trata de um pedido desinteressado, no sentido que pode funcionar em favor ou contra as pretensões de quem o faz. Uma vez aduzidas essas razões, dizíamos, muito dificilmente se poderá indeferir tal pedido com argumentos válidos e inatacáveis, designadamente num recurso dessa recusa.

Tanto mais que, em resposta ao resultado da Primeira Perícia, o Recorrente expôs - concede-se - de forma detalhada e rigorosa na sua reclamação os pontos tidos por omissos, deficientes e obscuros constantes na dita perícia, e bem ainda os seus pontos discordantes, suscitando diversos esclarecimentos que até à presente data não foram elucidados – cfr. requerimentos de 19.03.2012 e de 10.09.2013 (ref.ªs electrónicas Citius 840613 e 998738, respectivamente).

Acresce que a esta solução se não opõe o facto da primeira perícia já ter sido realizada em estabelecimento oficial (Delegação do Instituto de Medicina Legal; isso não constituindo obstáculo a que se realize uma 2ª perícia, nem afastada pelas disposições pertinentes do Código de Processo Civil – proibição essa que existia efectivamente no artigo 609.º, n.º 3, entretanto revogado pela Reforma de 1995: artigo 3.º do Decreto-lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro –, nem pelas disposições específicas previstas na Lei n.º 45/2004, de 19 de Agosto – que estabelece o regime jurídico das perícias médico-legais e forenses.
Consequentemente, se a parte fundamenta devidamente o pedido, não deve deixar de lhe ser deferida a realização da 2ª perícia médico-legal (artigo 589.º, n.º 1 do CPC – 487º NCPC);


A tal não obsta o facto da 1ª perícia já ter sido realizada em Delegação do Instituto de Medicina Legal, não o proibindo as disposições do Código de Processo Civil nem da Lei n.º 45/2004, de 19.08, que regula as perícias médico-legais e forenses (
cf. Ac. TRP,de  30.06.2009, proc. 0825316, in www.dgsi.pt).

Revelando-se incontroverso que, notificada do relatório pericial, a parte pode deduzir reclamação incidental (artigo 587º CPC - 485º NCPC) e, ainda, requerer a comparência dos peritos em audiência para esclarecimentos pertinentes (artigo 588º CPC – 486º NCPC); configurando-se, do mesmo modo, como incontrovertível ser
aplicável aos peritos em audiência o disposto no artigo 640 CPC (521º NCPC), podendo ser contraditados quer por falta de idoneidade técnica quer por deficiente diligencia (v.g. omissão de actos essenciais) na perícia efectuada (
cfr. Ac. STJ, de 21/11/2006, proc. 06A3489 in www.dgsi.pt).

Assim, pois que, nulidades do processo «são quaisquer desvios do formalismo processual prescrito na lei e a que esta faça corresponder, embora não de modo expresso, uma invalidade mais ou menos extensa de actos processuais» (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Proc. Civil, 1956, pág. 165).

Estes desvios de carácter formal podem revelar-se seja através da prática de um acto proibido, seja na omissão de um acto prescrito na lei, seja ainda na realização de um acto imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido (Manuel de Andrade, ob. Cit., pág. 166, e Antunes Varela, Manual Proc. Civil, 1984, pág. 376).

A propósito do prescrito no art. 201º CPC (195º NCPC) , escreveu A. dos Reis (Com. 2.°-484): «O que há de característico e frisante no art. 201.° (195º NCPC) é a distinção entre infracções relevantes e infracções irrelevantes. Praticando-se um acto que a lei não admite, omitindo-se um acto ou uma formalidade que a lei prescreve, comete-se uma infracção, mas nem sempre esta infracção é relevante, quer dizer, nem sempre produz nulidade. A nulidade só aparece quando se verifica um destes casos: a) quando a lei expressamente a decreta: b) quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa». No segundo caso — continua o mesmo A. — «é ao tribunal que compete, no seu prudente arbítrio, decretar ou não a nulidade, conforme entende que a irregularidade cometida pode ou não exercer influência no exame da decisão da causa». Sendo, na circunstância, manifesta a virtualidade dos despachos em causa poder operar influência no exame e/ou na própria decisão da causa.

 

Deixando-se, igualmente, consignado que a arguição de nulidade do processo só é admissível quando a infracção processual não está ao abrigo de despacho judicial. Se existe um despacho a ordenar a prática de um acto que a lei proíbe, o meio para reagir contra a ilegalidade cometida não é a arguição ou reclamação por nulidade, mas sim a interposição de recurso, visto que se está em presença de um despacho ilegal por ter ofendido a lei de processo. Como escreveu ainda Alberto dos Reis, «dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se» (Com., 2.°-507).

O que atribui resposta afirmativa às questões em I.

II.

28. O despacho de 06.09.2011, transitou em julgado em 03.10.2011 e o despacho de 15.11.2013, transitou em julgado em 10.12.2013.

29. Sucede que, posteriormente, o Tribunal a quo, por despacho datado de 17.03.2014, alterou a sua decisão proferida em 15.11.2013, dando sem efeito a realização da Segunda Perícia que antes ordenara, ou seja, por sua própria iniciativa alterou a decisão que antes proferira, deu o dito por não dito, o que, de acordo com o que temos vindo a expor, não lhe era permitido

31. As considerações tecidas pelo Tribunal a quo, em sede do despacho de 17.03.2014 sobre a alegada impossibilidade legal da realização da Segunda Perícia, não podem, em momento posterior à sua admissibilidade, ser convocadas para indeferir o que já fora admitido.

32. Porquanto, o caso julgado formal, entretanto formado nos autos no que respeita aos meios de prova admitidos, o impedia.

33. Entendimento contrário colidiria com os mais elementares princípios constitucionais e processuais civis da segurança jurídica, estabilidade das instituições e instrumental do processo e decisão judicial e bem ainda da tutela da certeza jurídica das pessoas.

34. Face ao exposto, o despacho de 17.03.2014 (ref.ª 3876354), violou o princípio da extinção do poder jurisdicional consagrado no art.º 613.º, n.º 1 do C.P.C.

Manifestamente, o princípio da extinção do poder jurisdicional, consagrado no art. 666º do Cód. do Proc. Civil (613º NCPC), significa que o juiz não pode, por sua iniciativa, alterar a decisão que proferiu, ainda que logo a seguir se arrependa, por adquirir a convicção que errou. Com efeito, o art. 666, nº 1 do Cód. do Proc. Civil (613º NCPC), aplicável aos despachos por efeito da remissão do seu nº 3, estatui que «proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional quanto à matéria da causa.


Porém, do seu nº 2, resulta que «é lícito (...) ao juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades, esclarecer dúvidas existentes na sentença e reformá-la, nos termos dos artigos seguintes.»


Daqui decorre que:

«(…) o juiz da causa não pode, em regra, rever a decisão proferida. Exceptuam-se os seguintes casos: erro material, que possibilita a rectificação a todo o tempo, oficiosamente ou a requerimento de qualquer das partes, quando não haja recurso, e até à subida deste, quando ele seja interposto (art. 667- 614º NCPC); falta de assinatura do juiz, susceptível de ser aposta a todo o tempo, oficiosamente ou a requerimento da parte (art. 668, nºs 1, al. a), 2 e 3) (615º NCPC); outra nulidade, sanável pelo juiz, mediante reclamação da parte, quando a decisão não admita recurso, ou mediante alegação em recurso, a que o juiz pode ainda atender (art. 668, nºs 1, als. b) a e) e 4 e 670, nº 1) (615º e 617º NCPC); obscuridade ou ambiguidade, ou reforma quanto a custas e multa, com sujeição ao mesmo regime de reclamação ou recurso e de atendibilidade pelo juiz (arts. 669, nºs 1 e 3 e 670, nº 1) (616º e 617º NCPC); reforma por lapso manifesto, mediante reclamação da parte, quando a decisão não admita recurso (art. 669, nº 2 e 670, nº 1).[ Cf. Lebre de Freitas e outros, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 2ª ed., págs. 697/8.]


O princípio da extinção do poder jurisdicional, consagrado no citado art. 666 do Cód. do Proc. Civil (613º NCPC), significa que o “juiz não pode, por sua iniciativa, alterar a decisão que proferiu; nem a decisão, nem os fundamentos em que ela se apoia e que constituem com ela um todo incindível.


Ainda que logo a seguir ou passado algum tempo, o juiz se arrependa, por adquirir a convicção que errou, não pode emendar o suposto erro. Para ele a decisão fica sendo intangível.”[ Cf. José Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, reimpressão, 1984, pág. 126.]


Este princípio justifica-se por uma razão doutrinal. O juiz, quando decide, cumpre um dever – o dever jurisdicional – que é a contrapartida do direito de acção e de defesa. Cumprido o dever, o magistrado fica em posição jurídica semelhante à do devedor que satisfaz a obrigação. Assim como o pagamento e as outras formas de cumprimento da obrigação exoneram o devedor, também o julgamento exonera o juiz; a obrigação que este tinha de resolver a questão proposta, extinguiu-se pela decisão. E como o poder jurisdicional só existe como instrumento destinado a habilitar o juiz a cumprir o dever que sobre ele impende, segue-se logicamente que, uma vez extinto o dever pelo respectivo cumprimento, o poder extingue-se e esgota-se.
Justifica-se também por uma razão pragmática. Consiste esta na necessidade de assegurar a estabilidade da decisão jurisdicional. Que o tribunal superior possa, por via do recurso, alterar ou revogar a sentença ou despacho, é perfeitamente compreensível; que seja lícito ao próprio juiz reconsiderar e dar o dito por não dito, é de todo intolerável, sob pena de se criar a desordem, a incerteza, a confusão.[Cfr. José Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 127.]


De realçar ainda que o poder jurisdicional extingue-se logo que a decisão foi exarada no processo e portanto mesmo antes das partes serem notificadas [ Cfr. José Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 127.]

 
Havendo a referir que a possibilidade de rectificação a que alude o art. 667 do Cód. do Proc. Civil se restringe a situações de erro material, que não se confundem com erro de julgamento.


O erro material dá-se quando o juiz escreveu coisa diversa do que queria escrever, quando o teor da sentença ou do despacho não coincide com o que o juiz tinha em mente exarar, quando, em suma, a vontade declarada diverge da vontade real. O juiz queria escrever «absolvo» e por lapso, inconsideração, distracção, escreveu precisamente o contrário: «condeno».


Já o erro de julgamento é completamente diferente. O juiz disse o que queria dizer; mas decidiu mal, decidiu contra lei expressa ou contra os factos apurados. Está errado o julgamento. Ainda que o juiz, logo a seguir, se convença de que errou, não pode socorrer-se do art. 667 para emendar o erro.[ Cf. José Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 130.] (cf.
Ac. TRP de 03.05.2011, proc. 3666-C/1998.P1 in www.dgsi.pt.)


Revertendo ao caso concreto, verifica-se, no caso
sub judice, efectivamente, que o Tribunal a quo proferiu despacho a determinar a realização de uma perícia, nos termos das disposições conjugadas dos art.ºs 467.º, n.º 1 do C.P.C. (anterior 568.º, n.º 1) e 6.º, n.º 2, alínea a) do Decreto-Lei n.º 131/2007, de 27.04 – cfr. despacho de 06.09.2011 (ref.ª 2836338);

Posteriormente, na sequência da reclamação apresentada pelo Recorrente, em 10.09.2013, à resposta do Conselho Médico-Legal aos esclarecimentos suscitados, tendo igualmente requerido a realização de Segunda Perícia, nos termos do disposto nos art.ºs 485.º e 487.º do actual C.P.C. (cfr. requerimento com a ref.ª electrónica n.º 998738), por despacho de 15.11.2013 e com a ref.ª 3720635, a Mma Juiz a quo determinou a realização de segunda perícia, na qual não poderia intervir o perito que interveio na primeira, solicitando ao INML a realização desta segunda perícia, devendo este instituto informar que tem todos os elementos que necessita, uma vez que foram remetidos quando foi solicitada a primeira perícia. Do aludido despacho de 15.11.2013, foram as partes notificadas em 20.11.2013;

Dos supra referidos despachos, não foi interposto qualquer recurso, nem procedida qualquer rectificação. O despacho de 06.09.2011, transitou em julgado em 03.10.2011 e o despacho de 15.11.2013, transitou em julgado em 10.12.2013;

Posteriormente, o Tribunal a quo, por despacho datado de 17.03.2014, alterou a sua decisão proferida em 15.11.2013, dando sem efeito a realização da Segunda Perícia que antes ordenara. Ou seja, por sua própria iniciativa alterou a decisão que antes proferira, dando o dito por não dito.

Com este acontecer não pode contrariar-se que

 “as considerações tecidas pelo Tribunal a quo, em sede do despacho de 17.03.2014 sobre a alegada impossibilidade legal da realização da Segunda Perícia, não podem, em momento posterior à sua admissibilidade, ser convocadas para indeferir o que já fora admitido, porquanto, o caso julgado formal, entretanto formado nos autos no que respeita aos meios de prova admitidos, o impedia” – cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19.02.2014, proc. 555/11.4GBPBL.C2; Acórdão do STJ de 02.12.2010 (proc. n.º 3564/10.7TXLSB-F.S1); no mesmo sentido vd. os acórdãos do STJ de 12.11.2008, proc. n.º 08P2868, de 24.05.2006 (proc. n.º 06P1041), in www. dgsi.pt..

Entendimento contrário colidiria com os mais elementares princípios constitucionais e processuais civis da segurança jurídica, estabilidade das instituições e instrumental do processo e decisão judicial e bem ainda da tutela da certeza jurídica das pessoas. - cfr. Jorge Miranda, in “Manual de direito Constitucional, II, 3.ª ed., reim., Coimbra,1966, pág. 494, e Gomes Canotilho, in “Direito Constitucional e Teoria da Constituição”, Coimbra, 1998, pág. 257.

Face ao exposto, com o devido respeito, o Douto Despacho de 17.03.2014 (ref.ª 3876354), violou o princípio da extinção do poder jurisdicional consagrado no art.º 613.º, n.º 1 do C.P.C (666º CPC 1961)”.

Assim, pois que o principio da imodificabilidade da decisão, ou da sua irrevogabilidade, consagrado no art. 666°, n.°’ 1 e 3, do CPC (613º NCPC) implica o esgotamento do poder jurisdicional sobre a questão apreciada, obstando a que, fora das condições expressamente previstas na lei, o juiz a altere. Proferido despacho a admitir a produção de prova nos termos pré ditos, não pode por isso o juiz ulteriormente sobrestar em tal despacho, denegando a perícia, com fundamento, declarado ex novo, na falta de pertinência da diligência. A irregularidade, reflectindo-se sobre a prova de matéria levada ao questionário, inquina de nulidade o segundo despacho, nos termos do art. 201°, n.° 1, do CPC (195º NCPC), por poder influir no exame ou na decisão da causa e, com ele, todos os termos subsequentes do processo, importando a sua anulação (CF. Ac. RL, de 13.5.1999: BMJ, 487.°-359).

Tal, potenciado, em absoluto pelo estatuído, desde logo, nos art.s 2º, 20º e 21º da CRP, em função do seu enunciado principiológico. Isto porque, na sua vertente de Estado de direito, o princípio do Estado de direito democrático, mais do que constitutivo de preceitos jurídicos, é sobretudo conglobador e integrador de um amplo conjunto de regras e princípios dispersos pelo texto constitucional, que densificam a ideia de sujeição do poder a princípios e regras jurídicas, garantindo aos cidadãos liberdade, igualdade e segurança. Ele abrange, entre outros, o princípio da constitucionalidade (art. 3°) e a fiscalização da constitucionalidade (arts. 277° e ss.), o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva (art. 20°), a protecção dos direitos, liberdades e garantias (arts. 24° e ss.) e respectivo regime de protecção (art. 18°).

Em tais termos, pois que o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva é, ele mesmo, um direito fundamental constituindo uma garantia imprescindível da protecção de direitos fundamentais, sendo, por isso, inerente à ideia de Estado de direito. É certo que carece de conformação através da lei, ao mesmo tempo em que lhe é congénita uma incontornável dimensão prestacional a cargo do Estado (e, hoje, também da União Europeia), no sentido de colocar à disposição dos indivíduos — nacionais ou estrangeiros, pessoas individuais ou colectivas — uma organização judiciária e um leque de processos garantidores da tutela judicial efectiva (J. J. Gomes Canotilho / Vital Moreira Constituição da República Portuguesa Anotada, Volume 1º, 4ª edição revista, 2007, p. 205, 408).

Quer isto dizer - por decorrência -, face à imperatividade do disposto no nº1 do art. 666.° do CPC (613º NCPC), segundo o qual «proferida a sentença fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa», extensível aos despachos nos termos do seu n.° 3, a decisão jurisdicional só pode ser alterada ou substituída, para além da via do recurso, pelas excepções a tal princípio expressamente consagradas nos arts. 667.° (rectificação de erros materiais) (614º NCPC), 669.° (esclarecimento e reforma) (616º NCPC) do mesmo diploma legal (Ac. RL, de 27.6.2000: BMJ, 498.°-266).

O que configura como afirmativa a resposta às questões em II. configuradas.

III.

Nos presentes autos, face ao teor da reclamação apresentada pelo Recorrente ao resultado da Primeira Perícia, e requerida a realização de Segunda Perícia, a Mma Juiz a quo, não a julgando impertinente, determinou – e bem – a realização da mesma (cfr. despacho de 15.11.2013 com a ref.ª 3720635).

O Tribunal a quo ao dar agora sem efeito a realização da Segunda Perícia por alegada impossibilidade legal, omite a admissibilidade de um meio probatório relativo à possibilidade da realização da segunda perícia ao abrigo do disposto no art.º 487.º do C.P.C., contendendo ainda com os mais elementares princípios da igualdade e do contraditório.

Omissão essa que é NULA e que pode influir no exame ou na decisão da causa, nos termos do disposto nos art.ºs 195.º e 199.º do C.P.C. e que aqui se invoca e argui para todas as consequências legais. (cfr. Abílio Neto, in anotação ao anterior art.º 201.º do C.P.C., 21ª edição actualizada).

Consideram-se, aqui, atendendo à permanência da sua conformidade, as apreciações anteriormente formuladas, em apreciação. Ex abundante, dir-se-á que, atento o novo princípio da adequação formal, consagrado no art. 265°-A CPC, também a prática ou a omissão dum acto desconforme com a sequência determinada pelo juiz passou a constituir irregularidade susceptível de integrar invalidade processual (LEBRE DE FREITAS, introdução ao Processo Civil, 1996, pag. 17, nota 13). Com os efeitos da invalidade do acto a repercutirem-se nos actos subsequentes da sequência processual que dele forem absolutamente dependentes (art. 201 .°-2 CPC). Sempre, por isso, que um acto da sequência pressuponha a prática dum acto anterior, a invalidade deste tem como efeito, indirecto mas necessário, a invalidade do acto subsequente que porventura entretanto tenha sido praticado (e, por sua vez, dos que, segundo a mesma linha lógica, se lhe sigam) (J. LEBRE DE PRETAS, introdução ao Processo Civil. 1996, págs. 18 a 20).

Tanto assim que, haverá de conceder-se, também, em função do que dispõe o n.º 2 do art.º 2.º da Lei n.º 45/2004, de 19.08, perante manifesta impossibilidade dos serviços, excepcionalmente, as perícias médico-legais poderão ser realizadas por entidades terceiras ou privadas, contratadas ou indicadas para o efeito pelo INMLCF. Constatando-se, de resto, por mera observação, “que, em resposta ao resultado da Primeira Perícia, o Recorrente expôs de forma detalhada e rigorosa na sua reclamação os pontos omissos, deficientes e obscuros constantes na dita perícia, e bem ainda os seus pontos discordantes, suscitando diversos esclarecimentos que até à presente data não foram elucidados – cfr. requerimentos de 19.03.2012 e de 10.09.2013 (ref.ªs electrónicas Citius 840613 e 998738, respectivamente)”.

Leva-se, pois, em consideração, igualmente, como não pode deixar de ser, que:

«o preceito do n.° 3 do art. 589.° do Código de Processo Civil, ao referir que a segunda perícia se destina a corrigir a eventual inexactidão dos resultados da primeira perícia, compreende qualquer inexactidão que seja relevante ao nível dos resultados da perícia e possa influir no juízo de avaliação do tribunal, o tanto abrange as inexactidões verificadas ao nível da fundamentação como as relativas à percepção dos peritos ou às conclusões a que chegaram com base nos seus conhecimentos especializados.
O que a lei pretende com a realização da segunda perícia é que sejam dissipadas quaisquer dúvidas sérias que tenham ficado a subsistir da primeira perícia, sobre a percepção ou apreciação dos factos investigados, com relevância na decisão sobre o mérito da causa.

Sendo (a 2ª perícia) requerida por alguma das partes, a lei impõe que alegue “fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial” da primeira perícia.


O que se deve entender pela expressão normativa “alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado”?
Cremos que o seu alcance não pode deixar de estar conexionado com o objecto e a finalidade da segunda perícia, tal como são definidos no n.º 3 do mesmo artigo, ou seja, que a segunda perícia tem por base os mesmos factos da primeira e destina-se a corrigir eventuais inexactidões
(latu sensu) da primeira, em que também se incluem, como parece óbvio, quaisquer contradições ou insuficiências com relevância nas respectivas conclusões. Isto porque o que a lei pretende com a realização da segunda perícia é que sejam dissipadas quaisquer dúvidas sérias que tenham ficado a subsistir da primeira perícia sobre a percepção ou apreciação dos factos investigados, que possam ter relevância na decisão sobre o mérito da causa.


É este conceito mais abrangente que vem sendo aceite pela doutrina e pela jurisprudência.
LEBRE DE FREITAS (em Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2008, p. 554-555), diz que, quando a iniciativa da segunda perícia é da parte, “não lhe basta requerê-la: é-lhe exigido que explicite os pontos em que se manifesta a sua discordância do resultado atingido na primeira, com apresentação das razões por que entende que esse resultado devia ser diferente”, acrescentando que tais razões podem reportar-se a factos “que a primeira perícia devesse ter considerado” e haja omitido ou não tenha esclarecido suficientemente.


Também a jurisprudência tem vindo a entender que esta exigência de fundamentação imposta às partes que requeiram a segunda perícia decorre de duas ordens de razões: a primeira, de natureza processual, impedir que seja utilizada como “mero expediente dilatório” ou “mera chicana processual”; a segunda, de natureza substantiva, apontar e precisar as razões da discordância com o resultado da primeira perícia, as quais não podem deixar de incidir sobre eventuais inexactidões, insuficiências ou contradições de que padeça a primeira perícia, atento o disposto no n.º 3 do art. 589.º do Código de Processo Civil. Neste sentido se pronunciam os acórdãos STJ de 25-11-2004, em
www.dgsi.pt/jstj,nsf/ proc. n.º 04B3648, e da Relação do Porto de 23-11-2006 e 07-10-2008, ambos em www.dgsi.pt/jtrp.nsf/ procs. n.º 0636189 e 0821979, e da Relação de Lisboa de 28-09-2006, em www.dgsi.pt/jtrl.nsf/ proc. n.º 6592/2006-6» (Ac. TRP de 20.04.2009, proc. 2665/05.8TBOAZ.P1 in www.dgsi.pt )».

Consequentemente, em função do disposto nos art.ºs 195.º, 197.º e 199.º do C.P.C., reconhece-se que o despacho recorrido de 17.03.2014 (ref.ª 3876354) se encontra ferido de nulidade, por preterição de uma formalidade absolutamente essencial susceptível de influir, decisivamente, na decisão de mérito da causa, tornando inválido o acto em que se verificou.

Por sua vez, o despacho de 02.04.2014 e com a ref.ª 3893543, ao indeferir a arguida nulidade nos termos supra expostos pelo Recorrente, referindo que se tratará “apenas” de uma discordância deste face à agora tomada decisão do Tribunal a quo de não realizar a segunda perícia, nada mais se pronunciando sobre a reclamação deduzida, é ilegal por manifesta falta de fundamentação e omissão de pronúncia, geradora de nulidade, sendo o mesmo susceptível de recurso, pois que a respectiva decisão contende com os princípios da igualdade e do contraditório e admissibilidade dos meios de prova – cfr. art.ºs 154.º, n.º 1, 195.º, 615.º, n.º 1, alínea d), 613.º, n.º 3, 630.º, n.º 2 in fine todos do C.P.C. e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 05.11.2013, proc. 2167/09.3TBPBL.C1 in www.dgsi.pt.

Daí serem afirmativas as respostas às questões em III.

IV.

Jamais a estrutura orgânica do INMLCF pode pôr em causa e afastar a aplicação da lei processual civil e princípios constitucionais, designadamente o da igualdade e do contraditório e admissibilidade de meios probatórios – impedindo a realização de uma segunda perícia. Tal entendimento, salvo o devido respeito, é contra legem.

Ainda que recorrente, a resposta (em IV) não pode, do mesmo modo que as anteriores, deixar de ser afirmativa, de novo a fazer funcionar, por remissão inter-textual expressiva tudo o que anteriormente se consignou. Continuando a atribuir ênfase específica à circunstância - num outro enunciado - de “a plenitude do acesso á jurisdição e os princípios da juridicidade e da igualdade postulam um sistema que assegure a protecção dos interessados contra os próprios actos jurisdicionais, incluindo um direito de recurso (cfr. ainda, em relação a um regime de suscitação de nulidades excessivamente restritivo, Ac. n.° 53/06)” (JORGE MIRANDA / RUI MEDEIROS, CONSTITUIÇÃO PORTUGUESA ANOTADA, TOMO 1, 2ª edição, revista, actualizada e ampliada, 2010, p. 449).

Não sem deixar de assinalar que o próprio despacho do INMLCF (de fls. 1144), não é excludente do solicitado, antes, também na sua literalidade, determina:

«Em resposta ao v/ oficio n° 3757394, datado de 09/12/2013, cumpre-nos informar que no âmbito das competências do Conselho Médico-Legal não cabe o realização de 2° perícia, tal como requerido.

Por isso, e ressalvado o devido respeito, deverá o Tribunal solicitar a realização desta mesma perícia nos moldes devidos».

Recobrando oportunidade a argumentação no recurso, segundo a qual

«a entender-se que o Conselho Médico-Legal não poderá intervir em sede de Segunda Perícia, tal não impede que o INMLCF venha indicar entidades terceiras, públicas ou privadas, para o efeito – cfr. art.º 467.º, n.º 3, 487.º, n.ºs 1 e 3, 488.º, do C.P.C. e art.ºs 1.º e 2.º, n.º 1 e 2 da Lei n.º 45/2004, de 19.08. Designadamente, suscitar a intervenção do Colégio da Especialidade de Neurocirurgia da Ordem dos Médicos, entidade devidamente qualificada para proceder à elaboração da requerida e necessária Perícia, ou qualquer outra Entidade que se considere habilitada para o efeito, sempre, obviamente, em obediência às normas que regulam o regime da prova pericial em sede de processo civil.

A esta solução, reitera-se, se não opõe o facto da Primeira Perícia ter sido realizada pelo Conselho Médico-Legal do INMLCF, não constituindo, obviamente, obstáculo a que se realize uma Segunda Perícia – por outra entidade – não sendo esta afastada pelas disposições pertinentes do C.P.C., nem pelas disposições específicas previstas na Lei n.º 45/2004, de 19.08 e bem ainda do Decreto-Lei n.º 166/2012, de 31.07».

Tudo, num dizer o Direito que tem por coordenadas no iter decidendi a circunstância de interpretar uma lei não ser mais do que fixar o seu sentido e o alcance com que ela deve valer, ou seja, determinar o seu sentido e alcance decisivos; o escopo final a que converge todo o processo interpretativo é o de por a claro o verdadeiro sentido e alcance da lei (Manuel de Andrade, Ensaio sobre o Teoria da Interpretação dos Leis. pp. 21 e 26). Interpretar, em matéria de leis, quer dizer não só descobrir o sentido que está por detrás da expressão, como também, dentro das várias significações que estão cobertas pela expressão, eleger a verdadeira e decisiva (Pires de Lima e Antunes Varela, Noções Fundamentais de Direito Civil, Il,5,ªed., pág. 130). Sem perder de vista que o que se pretende com a interpretação jurídica não é compreender, conhecer a norma em si, mas sim obter dela, ou através dela, o critério exigido pela problemática e adequada decisão justificativa do caso. O que significa que é o caso e não a norma o prius problemático- intencional e metódico» (do Assento STJ, 27-9-1995: DR, IA, de 14-12-95, pág. 7878). Só, assim, logrado.

Podendo, deste modo, concluir-se, sumariando (art. 663º NCPC), que:

1.

 As conclusões (art. 639º NCPC) destinam-se a resumir, para o tribunal ad quem, o âmbito do recurso e os seus fundamentos, pela elaboração de um quadro sintético das questões a decidir e das razões porque devem ser decididas em determinado sentido, tornando claro que tudo o que fique para aquém ou para além deste objectivo é deficiente ou impertinente.

2.

A prova pericial tem por finalidade a percepção ou apreciação de factos por meio de peritos, quando sejam necessários conhecimentos especiais que os julgadores não possuem, ou quando os factos, relativos a pessoas, não devam ser objecto de inspecção judicial (art. 388.° do Cód. Civil). Qualquer das partes pode requerer se proceda a segunda perícia no prazo de 10 dias a contar do conhecimento do resultado da primeira, alegando fundadamente as razões da sua discordância relativamente ao relatório pericial apresentado (nº1 do art. 589°, do CPC – 487º NCPC).

3.

Em função do disposto no art. 589º, nº1, do CPC (487º NCPC) e Lei nº 45/2004, de 19.08, se a parte fundamenta devidamente o pedido, não deve deixar de lhe ser deferida a realização da segunda perícia médico-legal (art. 589º, nº1, do CPC) (487º NCPC). A tal não obsta o facto da 1ª perícia já ter sido realizada em Delegação do Instituto de Medicina Legal, não o proibindo as disposições do CPC, nem da Lei nº 45/2004, de 19.08, que regula as perícias médico-legais e forenses.

4.

A arguição de nulidade do processo só é admissível quando a infracção processual não está ao abrigo de despacho judicial. Se existe um despacho a ordenar a prática de um acto que a lei proíbe, o meio para reagir contra a ilegalidade cometida não é a arguição ou reclamação por nulidade, mas sim a interposição de recurso, visto que se está em presença de um despacho ilegal por ter ofendido a lei de processo. Como escreveu Alberto dos Reis, «dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se».

5.

O princípio da extinção do poder jurisdicional, consagrado no art. 666º do Cód. do Proc. Civil (613º NCPC), significa que o juiz não pode, por sua iniciativa, alterar a decisão que proferiu, ainda que logo a seguir se arrependa, por adquirir a convicção que errou. Com efeito, o art. 666, nº 1 do Cód. do Proc. Civil (613º NCPC), aplicável aos despachos por efeito da remissão do seu nº 3, estatui que «proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional quanto à matéria da causa.

6.

O principio da imodificabilidade da decisão, ou da sua irrevogabilidade, consagrado no art. 666°, n.°’ 1 e 3, do CPC (613º NCPC) implica, pois, o esgotamento do poder jurisdicional sobre a questão apreciada, obstando a que, fora das condições expressamente previstas na lei, o juiz a altere. Proferido despacho a admitir a produção de prova nos termos pre ditos, não pode por isso o juiz ulteriormente sobrestar em tal despacho, denegando a perícia, com fundamento, declarado ex novo, na falta de pertinência da diligência. A irregularidade, reflectindo-se sobre a prova de matéria levada ao questionário, inquina de nulidade o segundo despacho, nos termos do art. 201°, n.° 1, do CPC (195º NCPC), por poder influir no exame ou na decisão da causa e, com ele, todos os termos subsequentes do processo, importando a sua anulação.

7.

Tal, potenciado, em absoluto pelo estatuído, desde logo, nos art.s 2º, 20º e 21º da CRP, em função do seu enunciado principiológico. Isto porque, na sua vertente de Estado de direito, o princípio do Estado de direito democrático, mais do que constitutivo de preceitos jurídicos, é sobretudo conglobador e integrador de um amplo conjunto de regras e princípios dispersos pelo texto constitucional, que densificam a ideia de sujeição do poder a princípios e regras jurídicas, garantindo aos cidadãos liberdade, igualdade e segurança. Ele abrange, entre outros, o princípio da constitucionalidade (art. 3°) e a fiscalização da constitucionalidade (arts. 277° e ss.), o acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva (art. 20°), a protecção dos direitos, liberdades e garantias (arts. 24° e ss.) e respectivo regime de protecção (art. 18°). Em tais termos, pois que o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva é, ele mesmo, um direito fundamental constituindo uma garantia imprescindível da protecção de direitos fundamentais, sendo, por isso, inerente à ideia de Estado de direito.

8.

Quer isto dizer - por decorrência -, face à imperatividade do disposto no nº1 do art. 666.° do CPC (613º NCPC), segundo o qual «proferida a sentença fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa», extensível aos despachos nos termos do seu n.° 3, a decisão jurisdicional só pode ser alterada ou substituída, para além da via do recurso, pelas excepções a tal princípio expressamente consagradas nos arts. 667.° (rectificação de erros materiais) (614º NCPC), 669.° (esclarecimento e reforma) (616º NCPC) do mesmo diploma legal.

9.

A plenitude do acesso á jurisdição e os princípios da juridicidade e da igualdade postulam um sistema que assegure a protecção dos interessados contra os próprios actos jurisdicionais, incluindo um direito de recurso.

10.

Sendo o escopo final a que converge todo o processo interpretativo o de por a claro o verdadeiro sentido e alcance da lei. Interpretar, em matéria de leis, quer dizer não só descobrir o sentido que está por detrás da expressão, como também, dentro das várias significações que estão cobertas pela expressão, eleger a verdadeira e decisiva. Sem perder de vista que o que se pretende com a interpretação jurídica não é compreender, conhecer a norma em si, mas sim obter dela, ou através dela, o critério exigido pela problemática e adequada decisão justificativa do caso. O que significa que é o caso e não a norma o prius problemático- intencional e metódico». Só, assim, logrado.

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III. A Decisão:

Nestes termos, julga-se procedente a apelação, com os despachos recorridos a não poderem manter-se, por isso se revogando, devendo ser ordenada a realização de uma segunda perícia nos presentes Autos, de conformidade ao peticionado, em legal adequação.

Sem custas.

*

António Carvalho Martins  -  Relator

Carlos Moreira  -  1º Adjunto

Anabela Luna de Carvalho  -  2º  Adjunto