Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
497/13.9TXCBR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
PRESSUPOSTOS
INÍCIO
EXECUÇÃO DE PENA
Data do Acordão: 11/13/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DAS PENAS DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 62.º, DOCP; ARTIGO 188.º DO CÓDIGO DA EXECUÇÃO DAS PENAS E MEDIDAS PRIVATIVAS DA LIBERDADE
Sumário: Enquanto não tiver início a execução da pena, com a efectiva entrada do condenado no E.P., não pode ser avaliada a (eventual) aplicação da medida prevista no artigo 62.º do CP, desde logo pela impossibilidade de controlo dos respectivos pressupostos, os quais exigem um encadeado de actos - uma tramitação [artigo 188º do CEPMPL] -, até então, inexequível.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. No âmbito do processo n.º 497/13.9TXCBR – A do Tribunal de Execução de Penas de Coimbra, Secção Única, A... , melhor identificado nos autos, em petição [com data de entrada de 08.07.2013] dirigida ao Exmo Juiz do Tribunal de Execução de Penas requereu:

«- Seja antecipada a liberdade condicional do Arguido nos termos do disposto nas combinadas normas dos artigos 62º e 80º nº 1 do Código Penal e do artigo 138 nº 4 c) do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade;

- Atenta a natureza prejudicial da presente questão, seja dado sem efeito o mandado de detenção para cumprimento de pena efetiva de prisão emitido pelo Tribunal Judicial de Cantanhede, não sendo o ora Requerente conduzido por qualquer órgão de polícia criminal a estabelecimento prisional e aguardando em liberdade a decisão do presente Requerimento.»

2. Pedido que, por decisão de 11.07.2013, foi liminarmente rejeitado.

3. Inconformado com o assim decidido recorreu A..., extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:

1. O Mmo. Juiz do Tribunal de Execução de Penas de Coimbra proferiu despacho, considerando que “… o pedido de adaptação à liberdade condicional pressupõe que o condenado esteja em cumprimento de pena, sendo apresentado no Estabelecimento Prisional, instruído nesse local e posteriormente remetido ao TEP competente”;

2. Concluindo pela rejeição liminar do pedido do ora Recorrente ser antecipada a (sua) liberdade condicional nos termos do disposto nas combinadas normas dos artigos 62º e 80º nº 1 do Código Penal e do artigo 138 nº 4 c) do CEPMPL e, atenta a natureza prejudicial da questão, ser dado sem efeito o mandado de detenção para cumprimento de pena efetiva de prisão emitido pelo Tribunal Judicial de Cantanhede, aguardando (o ora Recorrente) em liberdade a decisão do Requerimento, seja, não ser tal mandado executado;

3. O Mmo. Juiz do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Cantanhede, nos autos do Processo Comum Coletivo 15/08.0GACNT, perante Requerimento peticionando a não emissão de mandado que determine a entrada do Arguido em estabelecimento prisional, permitindo pudesse o mesmo beneficiar da antecipação da liberdade, sem haver lugar a privação de liberdade até à decisão da mesma, concluiu que”;

4. No caso presente, o Tribunal Judicial de Cantanhede declara-se já não ser competente e o Tribunal de Execução de Penas de Coimbra ainda o não ser (até ao início do cumprimento), criando um vazio processual – legal em termos materiais;

5. A decisão contida no Despacho do TEP do qual se recorre é jurídico – processualmente incorreta, violando a letra e o espírito das combinadas normas dos artigos 62º, 61º nº 2, alíneas a) e b) e 80º nº 1 do CP, o princípio geral da segurança jurídica, previsto no artigo 202º nº 2 1.ª parte CRP, o próprio direito de defesa, primacialmente resultante do disposto no artigo 32º nº 1 CRP (ainda de artigos 8º e 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e artigos 6º e 13º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem), estilhaçando o espírito (e letra) subjacente ao movimento legislativo de privilégio de escolha e de formas não detentivas de privação de liberdade para cumprimento de penas (entre outros, constante dos artigos 43º a 45º e 61º CP, maxime se confrontadas com prévias redações e prévios âmbitos mais restritos de aplicação), violando também o princípio da aplicação/interpretação da lei no sentido mais favorável ao agente do crime;

6. As combinadas normas dos artigos 61º nº 2, alíneas a) e b) e 62º do CP estabelecem cinco (5) cumulativos pressupostos para a aplicação do instituto da “adaptação à liberdade condicional”: consentimento do agente do crime; juízo de prognose positiva quanto ao não cometimento futuro de crimes; libertação compatível com a defesa da confiança comunitária na validade das normas jurídico penais; antecipação no máximo até (1) ano antes de atingida metade da pena de prisão; fiscalização por meios técnicos de controlo à distância no regime de permanência na habitação;

7. O ora Recorrente expressamente, dos autos constando, prestou o seu consentimento à adaptação à liberdade condicional;

8. O ora Recorrente exerce (e começou-o pouco tempo após a prolação do Acórdão em 1.ª instância) trabalho remunerado, beneficia de um enquadramento familiar estável e socialmente normal, cessou definitivamente o consumo de quaisquer produtos estupefacientes, não tem qualquer contato com locais e/ou pessoas associadas ao tráfico e/ou consumo daqueles, estando totalmente ressocializado, reinserido comunitariamente, sendo nula a probabilidade de cometimento futuro de crime (pelo qual foi condenado e/ou outros) e estando a sociedade, justificadamente, confiante na preservação e validade das normas jurídicas do quadro normativo jurídico – penal;

9. Ao abrigo dos autos do Processo Comum Colectivo 15/08.0GACNT o ora Recorrente esteve privado de liberdade pelo período de 15 meses e 12 dias, tendo ainda estado detido (para apresentação e no decurso de 1.º interrogatório judicial de arguido detido) durante 3 dias, o que configura uma privação de liberdade de 15 meses e 15 dias, condenado que foi a uma pena de 54 meses – correspondendo a metade da pena 27 e ao período máximo e antecipação de 15 meses, verifica-se estar já (formal e, como vimos, materialmente) no âmbito de aplicação normativo;

10. A habitação na qual reside com a sua unida de fato (e os pais desta) apresenta todas as características técnicas e tecnológicas para a implementação do sistema de “fiscalização por meios técnicos de controlo à distância”;

11. O artigo 80º nº 1CP, devidamente interpretado e aplicado ao caso, determina seja considerado para efeitos do juízo de adaptação à liberdade condicional previsto no artigo 62º CP (interligado com o nº 2 do artigo 61º do CP, devidamente interpretado) o período de tempo de prévia privação de liberdade – os 15 meses e 15 dias de cumprimento da medida de coacção prisão preventiva e detenção à ordem dos autos do Processo Comum Colectivo 15/08.0GACNT;

12. O legislador penal não exige, para levar a cabo a avaliação conducente à “adaptação à liberdade condicional”, que o condenado em pena de prisão efetiva tenha iniciado já o cumprimento da pena em estabelecimento prisional;

13. Dos pressupostos (cinco) elencados nas normas dos artigos 62º e 61º nº 1, alíneas a) e b) CP não consta a exigência de prévio início de cumprimento em estabelecimento prisional, como defende o TEP de Coimbra, sendo que “quod non est in codex no est in mundo”, não podendo o julgador interpretar como deste instituto constando (uma sexta e adicional!) exigência sem sustentáculo jurídico – legal e num sentido claramente menos favorável ao agente do crime, sobretudo atenta a estrutura (juridicamente válida) de estrénua exigência que rodeia a sua atribuição;

14. Encontra-se sedimentado de forma plena um movimento legislativo de opção declarada pelo cumprimento da pena de prisão através de formas não privativas da liberdade, sendo a adaptação à liberdade condicional, prevista no artigo 62º do CP, uma das seus mais recentes concretizações, estando tal movimento, imbuído de um espírito humanista, procurando ser o menos atentatório possível ao direito mor do ser humano, a liberdade;

15. A vingar a tese do TEP de Coimbra, sem qualquer apoio na letra da lei!, estacaríamos perante uma total inversão de rumo de opção seguida há décadas em diplomas supranacionais, subscritos pela República Portuguesa, linha de raciocínio a rejeitar liminarmente;

16. Se o legislador privilegia as formas não privativas da liberdade no cumprimento de penas de prisão e se um condenado, sujeito a reclusão porquanto as exigências preventivas prosseguidas com as penas não puderam ser satisfeitas de forma menos atentatória, pode beneficiar da adaptação à liberdade condicional até um ano antes de se encontrar cumprida (em regime privativo de liberdade) a pena de prisão à qual foi condenado, então o instituto previsto no artigo 62º do CP tem que beneficiar aqueles agentes que, não tendo sequer iniciado o cumprimento de pena (como é o presente caso) preenchem todos os cumulativos e exigentes pressupostos do mesmo;

17. Se um agente de um crime, que se encontra a cumprir pena efetiva de prisão em regime fechado num estabelecimento prisional, pode ser “devolvido” à liberdade (ainda que de forma mitigada e desde que obedecendo a rigorosos critérios de controlo) porquanto ressocializado, nos casos nos quais plenamente se cumprem os pressupostos dos artigos 61º nº 2, alíneas a) e b) e 62º CP e é possível evitar que o condenado chegue sequer a ser privado de liberdade, deve ser a situação avaliada do disposto no artigo 62º CP antes mesmo do início do cumprimento de pena em regime fechado em estabelecimento prisional;

18. O Recorrente preenche totalmente todos os cumulativos e rigorosos pressupostos exigidos para adaptação à/antecipação da liberdade condicional ex vi artigo 62º CP, como exposto, devendo ser de imediato avaliada a possibilidade da sua aplicação,

19. Evitando sequer o início do cumprimento da pena de prisão, impedindo seja coartado o seu mais basilar direito humano, a Liberdade, e respeitando-se, assim a Lei e o Direito.

Termos em que e nos melhores de Direito:

- Deverão V. Exas. dar provimento ao presente Recurso, revogando a decisão constante do Despacho de que ora se recorre, devendo o Tribunal de Execução de Penas de Coimbra avaliar e determinar a antecipação da liberdade condicional do ora Recorrente nos termos do disposto nas combinadas normas dos artigos 62º e 80 nº 1 do Código Penal e do artigo 138 nº 4 c) do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade; assim como

- Deverão V. Exas. determinar a suspensão de efeitos do emitido mandado de detenção para cumprimento da pena de prisão efetiva até à decisão de avaliação da concessão de liberdade condicional antecipada.


Assim se fazendo a costumeira quão desejada

JUSTIÇA.


4. A Exma. Procuradora da República apresentou resposta ao recurso [sem que haja formulado conclusões], contrariando, em toda a linha, a argumentação expendida pelo recorrente, pronunciando-se, em consequência, no sentido de dever o mesmo ser julgado improcedente [cf. fls. 73/75].

5. Admitido o recurso foram os autos remetidos a este Tribunal [cf. fls. 58].

6. Na Relação, o Exmo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, no qual, acompanhando integralmente a resposta apresentada em 1.ª instância, se pronunciou no sentido da improcedência do recurso.

7. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do CPP, reagiu o recorrente, o qual, retomando, embora, a argumentação expendida na petição recursiva, aduz, agora, «Sendo que desde 19/07/2013 o ora Respondente se encontra já no E.P. de Aveiro em cumprimento de pena, a não emissão de mandados deixa de ter qualquer efeito útil, irrelevando o peticionado; relativamente à adaptação à liberdade condicional igualmente deixam de ter qualquer validade as invocações do Ministério Público junto do TEP de Coimbra, sequer as do ponto de vista formal, valendo o mesmo para o despacho que contém a decisão da qual se recorreu, pelo que deve a questão da adaptação à liberdade condicional ser avaliada.».

8. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo decidir.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objecto do recurso

                  

      De harmonia com o disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – [cf. acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR, I Série – A, de 28.12.1995].

No caso em apreço, a questão que importa dirimir é a de saber se não se encontrando o condenado em efectivo cumprimento de pena, sob ele impendendo, embora, mandados de detenção [emitidos pelo tribunal da condenação para cumprimento da mesma] sem que, ainda, haja dado entrada no EP, pode o TEP apreciar o pedido de antecipação da liberdade condicional e, bem assim, dar sem efeito o mandado de detenção para cumprimento de pena efectiva, emitido pelo tribunal da condenação.

2. A decisão recorrida

É do seguinte teor a decisão recorrida:

«Vem o condenado A...requerer a antecipação da liberdade condicional, nos termos expressos a fls. 2 e ss., solicitando ainda e passo a citar “atenta a natureza prejudicial da presente questão, seja dado sem efeito o mandado de detenção para cumprimento de pena efectiva de prisão emitida pelo Tribunal Judicial de Cantanhede (…).

O condenado ainda não se encontra em cumprimento de pena, estando pendentes mandados de detenção para dar execução ao que foi decidido.

Como é evidente, o pedido de adaptação à liberdade condicional pressupõe que o condenado esteja em cumprimento de pena, sendo apresentado no Estabelecimento Prisional, instruído nesse local e posteriormente remetido ao TEP competente, conforme art. 188.º do CEPMPL. Ora, o condenado ainda não foi detido, não tendo pois iniciado o cumprimento da pena, independentemente do desconto que tenha de ser efectuado e que apenas se fixará com o cumprimento do disposto no art. 477.º/1 e 2 do Código de Processo Penal.

Assim, rejeita-se liminarmente o pedido formulado.

Notifique e comunique ao Tribunal da condenação por via expedita.»

3. Apreciação

Conforme acima exposto – em sede de delimitação do objecto do recurso – a questão que importa dirimir é a de saber se, como defende a decisão em crise, não se encontrando o condenado em cumprimento de pena, sob ele impendendo, embora, mandados de detenção [emitidos pelo tribunal da condenação para cumprimento da mesma] sem que, ainda, haja dado entrada no Estabelecimento Prisional, pode o TEP apreciar o pedido de antecipação da liberdade condicional e, bem assim, dar sem efeito o mandado de detenção para cumprimento de pena efectiva, emitido pelo tribunal da condenação, no caso o Tribunal Judicial de Cantanhede.

Em consequência do teor da reacção apresentada pelo recorrente na sequência do cumprimento do n.º 2 do artigo 417º do CPP, impõe-se deixar claro aquilo que supunhamos não merecer dúvida – mas que, após avaliação da dita peça processual, somos forçados a admitir que assim não será, pelo menos, para todos –, a saber que os pressupostos, designadamente de facto, relevantes para a apreciação do recurso são tão só os que se verificavam à data da decisão recorrida e não já as circunstâncias que lhe sobrevieram, as quais, naturalmente, nunca poderiam ser consideradas, ou seja servir-lhe de fundamento.

Vem o esclarecimento a propósito do que invocado surge na dita reacção, na qual o recorrente acrescenta: «Sendo que desde 19/07/2013 o ora Respondente se encontra já no E.P. de Aveiro em cumprimento de pena, a não emissão de mandados deixa de ter qualquer efeito útil, irrelevando o peticionado; relativamente à adaptação à liberdade condicional igualmente deixam de ter qualquer validade as invocações do Ministério Público junto do TEP de Coimbra, sequer as do ponto de vista formal, valendo o mesmo para o despacho que contém a decisão da qual se recorreu, pelo que deve a questão da adaptação à liberdade condicional ser avaliada».

E, transparecendo lúcida a ilação no sentido de que, em função do cumprimento do mandado de detenção com a entrada do arguido em cumprimento de pena perdeu efeito útil o pedido, então, dirigido ao TEP quanto a dar «sem efeito o mandado de detenção para cumprimento de pena efetiva de prisão emitida pelo Tribunal Judicial de Cantanhede», não se pode, contudo, deixar de referir o que, igualmente, nos surge incontornável, traduzido na circunstância de não sendo o TEP, na relação com o tribunal da condenação, uma instância de recurso nunca poderia o mesmo dar sem efeito, na prática «revogar», uma decisão por aquele tomada, asserção, julga-se, tributária dos princípios gerais.

Isto posto, outra sorte não se antevê para a questão central.

Com efeito, o artigo 62º do Código Penal [na redacção introduzida pela Reforma de 2007], consagrando o instituto de Adaptação à liberdade condicional, «inova ao prever, durante a execução da pena de prisão, um período de adaptação à LC em Regime de Permanência na Habitação, obrigatoriamente fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância, ou seja, de vigilância electrónica (VE).» - [cf. António João Latas, in A Reforma do Sistema Penal de 2007 – Garantias e Eficácia, O novo quadro sancionatório das pessoas singulares, Coimbra Editora, pág. 121 e ss.], constituindo um incidente da execução da pena de prisão, cuja competência é do Tribunal de Execução das Penas [artigo 138º, nº 4, alínea c) do CEPMPL], tal como a liberdade condicional, não dispensa o controlo dos respectivos pressupostos formais e materiais, sobre os quais há-de incidir o juízo de concessão ou denegação do pedido só possível, após o cumprimento dos trâmites legalmente  estabelecidos, os quais, naturalmente, não são exequíveis se a pena de prisão não se encontrar, efectivamente, em execução – cf. o artigo 188.º do CEPMPL.

Que sobre o condenado impendiam à data da formulação do pedido mandados de detenção para cumprimento de pena de prisão efectiva [emitidos pelo tribunal da condenação] e que por ocasião da prolação da decisão recorrida ainda não tinha o mesmo dado entrada no Estabelecimento Prisional, não se mostrando, como tal, a pena em execução, é matéria «não controvertida», aliás, expressamente admitida pelo recorrente e, consequentemente, ponto assente.

São, pois, de todo pertinentes os considerandos tecidos pela Exma. Procuradora quando, na sua resposta, a propósito, refere:

«A competência do tribunal de execução das penas, relativamente a condenados, inicia-se com a respectiva prisão.

Compete ao tribunal da condenação remeter a certidão da sentença condenatória e a liquidação da pena.

Ou seja, antes do cumprimento de pena de prisão, o arguido não está sob tutela do TEP, senão a título incidental, no caso de prisão preventiva.

(…)

Apenas pode ser concedida a liberdade condicional ou antecipada esta relativamente a reclusos.

A liberdade condicional e a sua antecipação baseiam-se num juízo de prognose sobre o efeito da pena na personalidade do recluso em termos de ser expectável que passe a conformar-se com os deveres jurídicos e não torne a delinquir.

Tal prognose baseia-se em factos e observação, postulando o decurso do tempo, não sendo consequência automática deste (salvo no caso especial da liberdade pelos 5/6 da pena).

Uma retórica mais ou menos inflamada não basta para suprir a carência de factos. Poderá servir para obter licenças administrativas quase diárias, mas não é o suficiente para fundar uma apreciação de uma personalidade e sua evolução.

Estranho seria que um tribunal sem qualquer contacto com os factos e com o recluso, decidisse uma libertação condicional antes da prisão.

Sem factos nem mecanismos para os obter não se pode tomar uma decisão

Nem a constituição nem a declaração dos direitos do homem ou qualquer convenção europeia são beliscadas quando um criminoso é detido para cumprir a pena em que foi condenado.

Bem ao invés mal andaria a justiça se considerasse que uma pena, antes de se iniciar já tinha tido, na sua execução, um efeito ressocializador.

(…)

Em parte alguma da lei vislumbramos a mais pequena possibilidade de antecipar uma liberdade condicional relativamente a uma pena cujo cumprimento se não iniciou, tal como em parte alguma se encontram factos que permitam afirmar que o futuro recluso está “completamente ressocializado” e “cumpriu todos os fins visados pelas penas” quando a execução da pena em que terá sido condenado se não iniciou.

O TEP não dispõe ainda sequer de elementos que lhe permitam confirmar quando ocorrerá o meio da pena em que terá sido condenado e quais os eventuais descontos a considerar no cumprimento da pena (sendo difícil imaginar como se fazem descontos no cumprimento, sem início de cumprimento).

(…)

É, aliás interessante que o recorrente cite expressamente o n.º 2 do artigo 61º do CP sem reparar que tal norma exige um juízo sobre a “personalidade e evolução desta durante a execução da pena de prisão”. A não ser que, na sua leitura, entenda que a execução da pena de prisão seja o mesmo que cumprir medidas de coacção que no cumprimento da pena haja que descontar.

(…)».

Argumentação que integralmente subscrevemos, dispensando-nos, por se revelarem desnecessários, de quaisquer acrescentos.

Parece-nos, pois, manifesto que, sendo o objectivo também no que respeita à adaptação do recluso à liberdade condicional evitar, tanto quanto possível, a reclusão contínua em meio prisional, enquanto não tiver início a execução da pena, com a efetiva entrada do condenado no E.P., não há espaço para o incidente, a destempo desencadeado pelo recorrente, desde logo pela impossibilidade de controlo dos respectivos pressupostos, os quais exigem um encadeado de actos - uma tramitação [artigo 188º do CEPMPL] -, até então, inexequível.

Não encerra, pois, a decisão recorrida nenhuma violação das normas ou princípios convocados, sejam eles de direito interno ou internacional, posto que não dispensam os mesmos o cumprimento das normas e procedimentos tendentes ao juízo subjacente à concessão da antecipação da liberdade condicional, só possível – repete-se –, dada a respectiva natureza, durante a efectiva execução da pena de prisão.

Improcede, assim, o recurso.

III. Decisão

Termos em que acordam os Juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso.

Condena-se o recorrente em três Ucs de taxa de justiça.

Coimbra, 13 de Novembro de 2013

(Maria José Nogueira - Relatora)

(Isabel Valongo)