Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2866/04.6TBCLD-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VITOR AMARAL
Descritores: INCUMPRIMENTO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
SEU FIM
FILHOS MAIORES
ALIMENTOS
Data do Acordão: 09/07/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DAS CALDAS DA RAINHA – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: LEI Nº 141/2015, DE 08/09 (RGPTC); LEI Nº 122/2015, DE 01/09; ARTº 2008º C. CIVIL.
Sumário: 1. - O processo de incumprimento de regulação do exercício de responsabilidades parentais constitui uma instância incidental, relativamente ao processo principal (de regulação dessas responsabilidades), destinada à verificação quanto a uma situação de incumprimento culposo/censurável de obrigações decorrentes de regime parental estabelecido, bem como à realização de diligências tendentes, designadamente, ao cumprimento coercivo.

2. - Por isso, esse processo não é o adequado a realizar alterações quanto às obrigações decorrentes do regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais que se encontre em vigor, o que deverá ser efetuado em específico processo de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais.

3. - As obrigações decorrentes da regulação do exercício das responsabilidades parentais têm de ser cumpridas, nos precisos termos acordados e objeto de homologação, também quanto a prestações de alimentos fixados, enquanto tal regulação não for judicialmente alterada.

4. - Perante a disciplina decorrente do RGPTC, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08-09, e da Lei n.º 122/2015, de 01-09, deve continuar a entender-se – do mesmo modo que anteriormente, à luz da OTM – que, mesmo depois de os filhos atingirem a maioridade, mas continuando a carecer de alimentos de ambos os pais, por não terem ainda concluído a sua formação educativa/profissional nem atingido os vinte e cinco anos de idade, o progenitor a quem foi confiada a respetiva guarda tem legitimidade para exigir do outro, em incidente de incumprimento, o pagamento das prestações alimentares vencidas e não pagas durante a menoridade de tais filhos, tal como as vencidas na maioridade destes, caso nada tenham peticionado por si próprios.

5. - Em matéria de alimentos devidos por progenitor a filho menor está firmada, no nosso sistema jurídico, uma ordem pública de proteção do credor, atendendo aos interesses em causa, prevalecendo sempre o superior interesse do menor, vedando ao devedor a compensação de créditos, ainda que se trate de prestações já vencidas (art.º 2008.º, n.º 2, do CCiv.).

6. - Na mesma matéria, o art.º 318.º, al.ª b), do CCiv. prevê uma causa de suspensão da prescrição em favor dos filhos menores, estabelecendo que o prazo prescricional não começa nem corre entre progenitor e filhos, por aquele (devedor) exercer o “poder paternal” e os credores dos alimentos serem os seus descendentes, “pessoas a ele sujeitas”.

7. - No âmbito do processo incidental de incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais, mesmo que apenas esteja em causa o inadimplemento quanto a alimentos, o valor da causa é o de € 30.000,01 – e não o correspondente à soma das prestações pecuniárias pedidas –, por se tratar de ação referente a interesses imateriais (art.º 303.º, n.º 1, do NCPCiv.).

Decisão Texto Integral:




Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

L..., com os sinais dos autos,

mãe dos jovens T..., G... e N...,

veio suscitar, quanto a estes seus filhos, o incidente de incumprimento das responsabilidades parentais contra o pai,

C..., também com os sinais dos autos,

alegando que o Requerido incumpriu reiteradamente o decidido quanto ao pagamento de alimentos aos filhos no âmbito de autos de regulação do exercício das responsabilidades parentais (RERP), encontrando-se em dívida os valores parcelares de €5.300,00 (quanto ao filho T..., desde dezembro de 2010 até abril de 2015, quando atingiu os 18 anos de idade), €6.700,00 (quanto à filha G..., desde dezembro de 2010 até junho de 2016, quando atingiu a maioridade) e €8.500,00 (quanto à filha N..., desde dezembro de 2010 até dezembro de 2016); e

pedindo:

a) A condenação do Requerido no pagamento de tais montantes, perfazendo um total de €20.500,00, acrescidos de juros de mora, à taxa legal de 4%;

b) A realização dos respetivos descontos, com referência aos serviços remunerados que o Requerido presta, enquanto advogado, à Câmara Municipal da ...

Notificado, o Requerido, impugnando diversa matéria alegada pela contraparte, invocou, por sua vez, litigar a Requerente contra o direito, pretendendo um enriquecimento ilícito à custa do Requerido, para além de ocorrer prescrição de prestações alimentares vencidas, ao que acresce dever ser alterado o regime da regulação do exercício das responsabilidades parentais.

Concluiu, assim, pela improcedência do pedido da Requerente, julgando-se, ademais, dever aquela cumprir as suas responsabilidades parentais, pagando os valores que lhe cabe suportar relativamente aos filhos e, ainda, regulando-se “a alteração das responsabilidades parentais, relativas à menor N... com a atribuição da guarda da menor ao pai” (cfr. 12 v.º do processo físico).

Na impossibilidade de acordo em sede de conferência de pais, foram estes notificados para apresentarem alegações ou oferecerem provas, tendo vindo ambos reiterar o que já haviam expendido nos autos.

Realizadas as diligências instrutórias pertinentes e a audiência final, foi proferida sentença, datada de 10/10/2020, com o seguinte dispositivo:

«(…) julga-se parcialmente procedente o pedido de incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais deduzido pela requerente contra o requerido, pelo que:

1.º Julga-se improcedente a exceção perentória de prescrição invocada pelo requerido;

2.º Declara-se que o requerido C... não efectuou o pagamento à requerente L..., em benefício dos filhos de ambos, das pensões de alimentos referentes aos valores e datas a seguir mencionados:

a) Relativamente ao filho T..., nascido em 15-04-1997:

• Dezembro de 2010 – €100,00

• Janeiro a Dezembro de 2011 - €1.200,00

• Janeiro a Dezembro de 2012 - €1.200,00

• Janeiro a Dezembro de 2013 - €1.200,00

• Janeiro a Dezembro de 2014 - €1.200,00

• Janeiro a Abril de 2015 - € 400,00

• Total = € 5.300,00

b) Relativamente à filha T..., nascida em 05-06-1998:

• Dezembro de 2010 - €100,00

• Janeiro a Dezembro de 2011 - €1.200,00

• Janeiro a Dezembro de 2012 - €1.200,00

• Janeiro a Dezembro de 2013 - €1.200,00

• Janeiro a Dezembro de 2014 - €1.200,00

• Janeiro a Dezembro de 2015 - €1.200,00

• Janeiro a Junho de 2016 - €600,00

• Total = € 6.700,00

c) Relativamente à filha N..., nascida em 19-05-2003:

• Dezembro de 2010 - €100,00

• Janeiro a Dezembro de 2011 - €1.200,00

• Janeiro a Dezembro de 2012 - €1.200,00

• Janeiro a Dezembro de 2013 - €1.200,00

• Janeiro a Dezembro de 2014 - €1.200,00

• Janeiro a Dezembro de 2015 - €1.200,00

• Janeiro a Dezembro de 2016 - €1.200,00

• Total = € 8.500,00

O que perfaz o valor total, para os três filhos, nos períodos atrás considerados, de €20.500,00 (vinte mil e quinhentos euros);

3.º Declara-se que o requerido incumpriu o pagamento à requerente de ¾ dos valores parcelares atrás referidos em 2.º, o que perfaz o valor total de €15.375,00 (quinze mil trezentos e setenta e cinco euros);

4.º Em consequência, declara-se o incumprimento do pagamento pelo requerido à requerente do valor total de €15.375,00 (quinze mil trezentos e setenta e cinco euros), pelo que se condena o requerido a pagar este valor à requerente, acrescido dos juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal de 4% ao ano, contados sobre ¾ dos valores parcelares atrás referidos em 2.º e até efectivo e integral pagamento;

5.º No mais, julga-se a ação improcedente, pelo que:

a) Declara-se que o requerido não incumpriu o pagamento à requerente de ¼ dos valores parcelares atrás referidos em 2.º, o que perfaz o valor total de €5.125,00 (cinco mil cento e vinte cinco euros);

b) Em consequência, absolve-se o requerido do pedido deduzido pela requerente, no que se refere à declaração de incumprimento do pagamento por aquele a esta, e respectiva condenação, do valor total de €5.125,00 (cinco mil cento e vinte cinco euros), acrescido dos juros de mora à taxa legal de 4% ao ano;

6.º Custas por requerente e requerido, na proporção dos seus decaimentos (respectivamente ¼ e ¾), nos termos do artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 33.º, n.º 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível;

7.º Valor da causa: €20.500,00 (vinte mil e quinhentos euros), nos termos da interpretação conjugada dos artigos 296.º, n.ºs 1 e 2, 297.º, n.º 1, 299.º, n.º 1, 306.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil e 33.º, n.º 1 do Regime Geral do Processo Tutelar Cível».

Desta sentença, veio o Requerido, inconformado, interpor o presente recurso, apresentando alegação e as seguintes

...

Em contra-alegação, a Requerente pugna pela improcedência total do recurso.

O M.º P.º não contra-alegou.


***

O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos incidentais e com efeito meramente devolutivo, tendo sido ordenada a remessa dos autos ([1]) a este Tribunal ad quem, onde foi mantido o regime e o efeito assim fixados ([2]).

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([3]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante, NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 –, importa saber ([4]):

a) Se a sentença padece nulidade por omissão de pronúncia (conclusão B do Recorrente);

b) Se ocorre ilegitimidade processual da Requerente/Recorrida (conclusão A);

c) Se é admissível e deve proceder a impugnação da decisão da matéria de facto (conclusões H e I);

d) Se é admissível e deve proceder a pretendida reconvenção/compensação de créditos por alimentos e alteração do regime de regulação (conclusões B e C);

e) Se é admissível e deve proceder a pretendida prescrição quanto a créditos por alimentos (conclusão D);

f) Se houve erro na determinação do valor da causa (conclusão E);

g) Se deve ser modificada a decisão quanto a custas (conclusão G).

III – FUNDAMENTAÇÃO

          A) Da nulidade da sentença – omissão de pronúncia

Sob a conclusão B do Apelante, este argui a nulidade da sentença a que alude o art.º 615.º, n.º 1, al.ª d), do NCPCiv. (com reporte ao art.º 608.º, n.º 2, do mesmo Cód.), isto é o vício de omissão de pronúncia, por não apreciação de invocado “pedido de reconvenção/compensação/oposição à execução, do crédito por alimentos prestados”, faltando “uma decisão (…) em sede de dispositivo da sentença”.  

A Requerida mãe, em contra-alegação, conclui pela inexistência de tal nulidade.

Por sua vez, o Tribunal a quo, pronunciando-se sobre a matéria em sede de despacho de admissão do recurso, entendeu inexistir nulidade, por se ter pronunciado, na sua ótica, sobre todas as questões que mereciam decisão, correspondendo o dispositivo da sentença a esse iter decisório.

Vejamos.

Resulta daquele art.º 615.º, n.º 1, al.ª d), que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou, inversamente, conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.

Vêm entendendo, de forma pacífica, a doutrina e a jurisprudência que somente as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o thema decidendum, ou que dele se afastam, constituem verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista nesse preceito legal.

De acordo com Amâncio Ferreira ([5]), “trata-se de nulidade mais invocada nos tribunais, originada na confusão que se estabelece com frequência entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos no decurso da demanda”.

E, segundo Alberto dos Reis ([6]), “são na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”.

Já Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes ([7]), por sua vez, referem que “a observação da realidade judiciária mostra que é vulgar a arguição da nulidade da decisão”, sendo que “por vezes se torna difícil distinguir o error in judicando – o erro na apreciação da matéria de facto ou na determinação e interpretação da norma jurídica aplicável – e o error in procedendo, como é aquele que está na origem da decisão”.

Por seu turno, Antunes Varela ([8]) esclarece,
em termos de delimitação do conceito de nulidade da sentença, face à previsão do art.º 668.º do CPCiv., que “não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário (…) e apenas se curou das causas de nulidade da sentença, deixando de lado os casos a que a doutrina tem chamado de inexistência da sentença”.

Na nulidade aludida está em causa o uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de se pretender conhecer de questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não se tratar de questões de que deveria conhecer-se (omissão de pronúncia). São, sempre, vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afetada.

Ora, dito isto, o Apelante retira a nulidade que invoca da circunstância de a decisão recorrida não ter emitido pronúncia, designadamente com transposição para o dispositivo da sentença, sobre a mencionada questão “de reconvenção/compensação/oposição à execução, do crédito por alimentos prestados”.

Todavia, como consta da fundamentação de direito da sentença, o Tribunal a quo logo deixou sublinhado que este «(…) processo (apenas) visa apurar se o requerido progenitor incumpriu o pagamento das pensões de alimentos devidas aos seus filhos, na menoridade destes, e nos períodos alegados no requerimento inicial – cfr. artigo 41.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível.

Não está em causa uma eventual alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais (vide artigo 42.º do mesmo regime), nomeadamente no que se respeita à alteração da residência habitual da menor N... para junto do progenitor (matéria, aliás, que já a ser discutida no âmbito do apenso E), bem como a contribuição de cada um dos pais para os alimentos dos filhos já maiores, enquanto estes, depois de atingirem a maioridade, não houverem completado a sua formação profissional (vide artigos 1880.º e 1905.º, n.º 2 do Código Civil e 989.º, n.ºs 1 a 4 do Código de Processo Civil).

Assim sendo, os valores que o progenitor certamente despendeu com os seus dois filhos já maiores não poderão servir, nos presentes autos, para uma eventual compensação desses créditos com aqueles que são aqui reclamados pela progenitora, quanto mais não fosse porque o crédito de alimentos não pode ser objecto de compensação, como resulta da norma imperativa constante do n.º 2 do artigo 2008.º do Código Civil.

Especificamente quanto aos valores alegados pelo requerido como tendo despendido com os seus filhos com saúde e educação, nomeadamente com os maiores, decorrendo da regulação (que vigora mesmo após a maioridade dos filhos, nos termos dos artigos 1880.º e 1905.º, n.º 2 do Código Civil) que metade dessas despesas seriam suportadas pelo pai, naturalmente que a outra metade deveria/deverá ser suportada pela mãe.

Pelo que se o pai entende que suportou mais do que a sua metade poderá, assim o entendendo, discutir tal questão em sede de novo processo de incumprimento, não no presente, pois que, como já se disse, os créditos por alimentos não são compensáveis.».

Isto é, foi rejeitada aquela matéria de “reconvenção/compensação/oposição à execução” ([9]), razão pela qual, por considerada fora do objeto específico destes autos de incumprimento do regime de RERP, não foi acolhida no dispositivo da sentença, onde não se encontra qualquer menção expressa a essa matéria.

Com efeito, em tal dispositivo apenas vem regulada a matéria objeto do processo de incumprimento intentado pela Requerente mãe, e não mais.

Assim sendo, é patente, salvo o devido respeito, que a questão suscitada pelo Recorrente (quanto a compensação e alteração do regime de RERP) foi resolvida, no sentido do seu não acolhimento, por extravasar o âmbito destes autos, termos em que sempre teria de se concluir pela sua rejeição implícita – decisão tácita/implícita – no quadro do dispositivo da sentença.

Se um tal não acolhimento da pretensão do Requerido/Recorrente é correto – ou, ao invés, enferma de erro de direito – é já matéria que transcende os vícios formais da sentença e se prende com o mérito, pelo que haverá de ser objeto de apreciação recursiva, nesta perspetiva, a jusante.

Em suma, inexiste a invocada nulidade da sentença, improcedendo as conclusões do Apelante em contrário.

 

B) Da (i)legitimidade processual da Requerente

Importa agora saber se ocorre ilegitimidade processual da Requerente/Recorrida, tendo em conta o esgrimido sob a conclusão A do Apelante.

Este invoca ter o Tribunal a quo errado ao considerar as partes legítimas, posto a Requerente não se encontrar revestida de legitimidade para pedir, na maioridade dos filhos T... e T..., alimentos de que estes são os credores (titulares do direito, já com capacidade para o exercitarem por si próprios).

A contraparte pugna pela improcedência da invocada exceção de ilegitimidade ativa.

Cabe decidir.

A questão da legitimidade do progenitor que tem (ou teve) consigo o filho menor, carecido de alimentos de ambos os progenitores, para intentar o processo de incumprimento da RERP, este deduzido já na maioridade do filho (ou com prolongamento para tal maioridade), contra o progenitor inadimplente (por alimentos vencidos na menoridade), tem vindo a ocupar, desde há muito, a nossa jurisprudência, podendo surpreender-se uma corrente jurisprudencial reiterada e claramente dominante nos Tribunais superiores.

Assim, já no Ac. STJ de 25/03/2010 ([10]) se entendia, no âmbito ainda da OTM, que «O progenitor a quem foi confiada a guarda do filho não perde a legitimidade para continuar a exigir do outro, designadamente no incidente de incumprimento, o pagamento das prestações alimentares vencidas e não pagas durante a menoridade do filho, após a maioridade deste».

Para tanto argumentava-se assim:

«O progenitor que fica com a guarda do filho, como titular único do exercício do poder paternal e, consequentemente, dos poderes-deveres que lhe são inerentes, detém legalmente o direito e o dever de, no interesse do filho, velar pela sua saúde e segurança, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação e representá-lo, cabendo ao outro progenitor (que não exerce o poder paternal) vigiar - presentemente, ser informado (n.º 6 do art. 1906º) - a execução desse exercício – arts. 1878º-1 e 1906º-4 cit..

É àquele progenitor, detentor exclusivo do exercício do poder paternal que incumbe custear as despesas originadas por esse exercício, enunciadas no art. 1879º (sustento, segurança, saúde e educação), sem prejuízo da contribuição do outro para a satisfação dos mesmos encargos, nos termos e com as quantias em que tiver sido fixada a respectiva repartição, quantias estas a entregar ao progenitor detentor do poder paternal para por este serem utilizadas na satisfação das mencionadas despesas.

O beneficiário da prestação alimentar é o menor, mas é o progenitor a quem foi confiado que goza da respectiva titularidade. Este progenitor «age em substituição processual, parcial, representativa do menor». Age em nome próprio e, por isso, é parte processual (cf. J. P. REMÉDIOS MARQUES, “Algumas Notas Sobre Alimentos ...”, F.D.U.C. – Centro de D.to de Família, 2, pg. 297/8).».

E logo se prosseguia:

«É ao progenitor com guarda que cabe a legitimidade para, em substituição processual do menor, pedir os alimentos, a sua alteração ou exigir o cumprimento coercivo da obrigação.

Consequentemente, se o progenitor condenado a entregar ao outro prestações alimentares a título de alimentos devidos ao filho menor não cumpre, este fica onerado e passa a custear despesas que obrigavam aquele, despesas que só ele pode exigir do devedor, seja no exercício de um direito próprio, seja, quando assim se entenda, por via sub-rogatória (art. 592º-1 C. Civ.).

O titular único do exercício do poder paternal e dos correspondentes poderes-deveres satisfaz as respectivas obrigações e custeia os inerentes encargos na totalidade. Por isso, satisfeita unilateralmente a obrigação, compreende-se que só quem efectivamente a cumpriu possa exigir do co-obrigado os encargos a que esse cumprimento deu origem e lhe assista legitimidade para exigir a parte dos encargos que, na repartição efectuada, o outro obrigado deixou de lhe prestar.».

E neste sentido pode consultar-se, inter alia, no âmbito da OTM, o Ac. TRL de 05/12/2002, publicado na CJ, Ano XXVII, 2002, T. V, p. 90, o Ac. TRC de 23/06/2009, Proc. 238-A/2001.C1 (Rel. Isabel Fonseca), em www.dgsi.pt, o Ac. TRC de 28/01/2014, Proc. 989/08.1TBPMS-A.C1 (Rel. Fonte Ramos), em www.dgsi.pt ([11]), Ac. TRG de 15/10/2015, Proc. 387/15.0T8BCL-A.G1 (Rel. Francisca Micaela Mota Vieira), também em www.dgsi.pt, Ac. TRL de 02/10/2014, Proc. 6420/11.8TCLRS-D.L1-8 (Rel. Ilídio Sacarrão Martins), em www.dgsi.pt, e Ac. TRL de 29/01/2015, Proc. 1717/14.8TMLSB-B.L1-2 (Rel. Maria José Mouro), ainda em www.dgsi.pt ([12]).

Ora, esta orientação jurisprudencial é de manter à luz do regime legal atualmente em vigor (designadamente, perante o RGPTC, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08-09, e perante a Lei n.º 122/2015, de 01-09), podendo mencionar-se, entre outros, os seguintes arestos dos Tribunais superiores:

- Ac. TRL de 19/01/2021, Proc. 516/16.97T8TVD-A.L1-7 (Rel. Diogo Ravara), em www.dgsi.pt, em cujo sumário pode ler-se: «I- O progenitor que suporta inteiramente as despesas relativas a filho maior de 18 anos e menor de 25 que se mantém a estudar tem legitimidade para exigir judicialmente o cumprimento da obrigação de alimentos que o outro progenitor indevidamente interrompeu quando o filho de ambos atingiu a maioridade. // II- O incidente de incumprimento das responsabilidades parentais constitui um dos meios processuais adequados para atingir os efeitos referidos em I.»;

- Ac. TRL de 21/11/2019, Proc. 5100/05.8TBSXL-B.L1-8 (Rel. António Valente, em www.dgsi.pt e com o seguinte sumário: «- Fixada a pensão de alimentos, a cargo do pai, durante a menoridade da filha, é parte legítima a mãe que, após a maioridade da mesma, interpõe incidente de incumprimento contra o outro progenitor, que cessou os pagamentos quando a filha perfez os 18 anos. // - A obrigação de alimentos fixada na menoridade mantém-se após o filho alcançar a maioridade e até que complete a sua formação educativa ou profissional e não tenha meios de se sustentar a si próprio. (…)»;

- Ac. TRL de 24/10/2019, Proc. 238/17.1T8SXL.L1-8 (Rel. Carla Mendes), em www.dgsi.pt, assim sumariado: «O progenitor que tenha intentado incidente de incumprimento da prestação de alimentos acordados/fixados em relação ao filho menor e que, no entrementes, tenha atingido a maioridade, tem legitimidade para prosseguir a acção como também formular ampliação do pedido, ainda que esta respeite/contemple o período de maioridade do filho»;

- Ac. TRL de 17/12/2020, Proc. 373/14.8TMPDL-B.L1-2          (Rel. Jorge Leal), em www.dgsi.pt, com o seguinte entendimento: «I. Decorre das disposições conjugadas dos números 1 e 3 do art.º 989.º do CPC, 1880.º e 1905.º n.º 2 do Código Civil, que a requerente que se apresenta ao tribunal como progenitora que tem vindo a suportar, sozinha, as despesas com o sustento dos três filhos maiores, que têm menos de 25 anos de idade e se encontram ainda a completar a sua formação profissional, que beneficiam de sentença homologatória de acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais no qual o ora requerido ficou obrigado a prestar pensões de alimentos a favor dos filhos e, segundo a requerente, não pretendem litigar, por si, contra o pai, tem legitimidade para, com recurso aos meios processuais concedidos aos menores pelo RGPTC, forcejar não só pelo pagamento das prestações alimentares respeitantes ao período da menoridade dos filhos (como foi reconhecido pelo tribunal a quo), mas também pelo pagamento das quantias correspondentes reportadas ao período posterior à aquisição da maioridade pelos filhos. // III. A requerente pode, pois, recorrer aos procedimentos previstos nos artigos 41.º e 48.º do RGPTC, para reclamar o pagamento, pelo progenitor/requerido, das quantias correspondentes à data posterior à aquisição da maioridade por cada um dos filhos»; e

- Ac. TRL de 20/09/2018, Proc. 4345/15.7 T8LRS-A.L1-6 (Rel. Teresa Pardal), em www.dgsi.pt, assim sumariado: «A progenitora que provém ao sustento do filho maior, cujo direito a alimentos se mantém nos termos do artigo 1905º nº2 do CC, tem legitimidade para intentar contra o outro progenitor o incidente de incumprimento deduzido ao abrigo do artigo 41º do RGPTC e do artigo 989º nº3 do CPC.».

Resta dizer, neste âmbito, que se concorda com esta corrente jurisprudencial, a qual se mostra dominante, dando-se aqui por reproduzidos os argumentos a favor deste entendimento, posto ser desnecessário enunciá-los.

Assim, podendo a aqui Requerente reclamar, nestes autos incidentais de incumprimento, os alimentos devidos pelo Requerido pai na menoridade dos filhos, é de concluir que lhe assiste a faculdade de os peticionar mesmo que, como no caso, os respetivos filhos já tenham atingido a maioridade, mas, nada tendo peticionado por si próprios, continuem a carecer, por não terem concluído a sua formação profissional, de alimentos de ambos os progenitores.

Em suma, improcedendo a invocada ilegitimidade, nada há a censurar nesta parte à decisão em crise.

C) Matéria de facto

1. - Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto

Da leitura das conclusões do Apelante, pode depreender-se que este pretende impugnar a decisão referente à matéria de facto – no âmbito dado como provado (quanto aos pontos 11, 12 e 14, a merecerem diversa redação) –, por via de erro de julgamento de facto, não indicando ali, todavia, os concretos meios de prova determinantes de decisão diversa.

Por isso, importa compulsar a sua antecedente alegação/fundamentação, onde se constata que o impugnante convocou, para tanto, diversa prova pessoal, designadamente as declarações gravadas dos três filhos de Requerente e Requerida (T..., T... e N...), mas também o depoimento testemunhal de ... (cfr. fls. 313 e v.º do processo físico).

No mais, não se deteta qualquer alusão do impugnante, designadamente em sede conclusiva, a algum outro elemento de prova, pessoal ou documental.

Tendo a Requerida/Apelada, em sede de contra-alegação, pugnado pela rejeição da impugnação relativa à decisão da matéria de facto, por inobservância de ónus legais [especificamente, o previsto no art.º 640.º, n.º 2, al.ª a), do NCPCiv., com referência à indicação com exatidão das passagens da gravação da prova pessoal em que se funda], cabe, então, verificar, desde logo, se o Recorrente, na sua alegação recursiva – já que o não faz nas conclusões –, indica as concretas/exatas passagens da gravação áudio em que funda a impugnação da decisão da matéria de facto ([13]).

Ora, percorrida tal alegação de recurso, constata-se que o Recorrente jamais indica, com exatidão, as passagens da gravação da(s) respetiva(s) declarações ou depoimento(s), a que se reporta a dita al.ª a) do n.º 2 do art.º 640.º do NCPCiv. ([14]).

Nem sequer oferece transcrição de tais declarações/depoimentos gravados, de onde pudesse resultar a substância do que foi declarado/testemunhado e/ou a indicação exata das passagens da correspondente gravação.

O que logo motiva a rejeição da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, à luz daquela norma imperativa do art.º 640.º, n.º 2, al.ª a), do NCPCiv..

Mas mesmo que assim não se entendesse – o que não se concede –, nem por isso a impugnação relativa à decisão da matéria de facto deveria proceder, já que a respetiva procedência – se a prova o pudesse impor – em nada contribuiria para uma alteração no plano da solução substantiva do recurso, pelo que seria inútil a apreciação daquela impugnação.

Com efeito, os pontos fácticos impugnados – se os fins de semana foram passados “quase na totalidade” com o pai ou, diversamente, o foram “na totalidade” com o pai, assegurando este, nesses períodos, todas as despesas com os filhos, e, por outro lado, quanto a férias, se os filhos passaram “mais tempo com o pai do que os 15 dias estipulados” ou “passaram metade do tempo com o pai”, em “iguais períodos com o pai e com a mãe”, com reflexos em termos de repartição/suporte de despesas/alimentos com os descendentes – poderiam ter relevância no âmbito da equacionada “compensação de créditos por alimentos”, se esta fosse legalmente possível, ou para efeitos, eventualmente, da visada alteração do regime de RERP.

Porém, tal compensação é vedada por lei, como melhor se verá adiante e resulta expresso, desde logo, do disposto no art.º 2008.º, n.º 2, do CCiv. (norma imperativa), termos em que estéril se mostraria (cfr. art.º 130.º do NCPCiv.), salvo o devido respeito, a sindicância recursiva, a esta luz, quanto à pretendida alteração fáctica.

E o mesmo se diga quanto àquela visada alteração do regime de RERP, que apenas poderia ter lugar – como também se verá melhor – em apenso de alteração da regulação (nova regulação), e não no quadro destes autos incidentais de incumprimento, vista a natureza específica (e finalidade) de cada uma dessas formas processuais.

É certo, todavia, que o Tribunal recorrido, convocando critérios de equidade, entendeu, com base na superveniente situação de facto, de superação do Requerido pai (até certo ponto) em termos de contribuição alimentícia, «mais conveniente e oportuna» a redução «em ¼ dos montantes» devidos e a ser objeto de condenação por incumprimento.

Porém, cabe não esquecer que – como melhor se definirá adiante – os termos do regime de RERP, judicialmente estabelecidos, devem ser pontualmente cumpridos (nos precisos termos acordados e homologados), designadamente quanto ao pagamento de montantes da prestação de alimentos fixada, enquanto tal regime não for judicialmente alterado.

Por isso, independentemente da ocorrência de situações de modificação de facto quanto aos tempos de permanência dos filhos com um ou outro dos progenitores, a pensão judicialmente fixada continua a ser devida, não podendo ser unilateral ou informalmente alterada, posto todas as alterações que venham a justificar-se terem de ser ponderadas e determinadas judicialmente (não informalmente).

Tudo para expressar, apenas, que a dita ponderação/graduação segundo critérios de equidade, tal como operada na decisão em crise, não poderia merecer deste Tribunal ad quem uma graduação mais favorável ao Recorrente mesmo que a matéria de facto fosse alterada no sentido por si pretendido ([15]).

Em suma, permanecendo inalterado o quadro fáctico da causa, definitivo se torna o julgamento da 1.ª instância sobre o factualismo dos autos, sendo a este – e somente a este – que haverá de atender-se para julgamento do recurso.

2. - Quadro fáctico da causa 

2.1. - Factos provados

Decidida – no sentido da sua rejeição – a impugnação da decisão relativa à matéria de facto, sem, pois, qualquer alteração pela Relação, é a seguinte a factualidade provada:

...

2.2. - Factos não provados:

...

D) Matéria de direito

1. - Da compensação de créditos por alimentos e alteração do regime de regulação

Avançando na matéria recursiva, cabe agora saber se é admissível e deve proceder a pretendida compensação ([16]) de créditos por alimentos aos filhos (conclusão C), tal como a visada alteração do regime de RERP.

Ora, é sabido que o processo de incumprimento de regulação do exercício de responsabilidades parentais, de acordo com a nossa tradição jurídica, constitui uma instância incidental (tramitada por apenso), relativamente ao processo principal (o de regulação dessas responsabilidades), destinada à verificação, especificamente, quanto a uma concreta/alegada situação de incumprimento culposo/censurável de obrigações decorrentes de regime parental (provisório ou definitivo) estabelecido, bem como à realização de diligências tendentes, designadamente, ao cumprimento coercivo ([17]).

Já, por sua vez, a alteração desse regime terá, diversamente, de ser obtida em processo de alteração da regulação das responsabilidades parentais (nova regulação), previsto outrora no art.º 182.º da OTM, traduzindo um processo autónomo (novo), e agora, com semelhante natureza processual, no art.º 42.º do RGPTC, com a epígrafe “Alteração de regime” ([18]).

Assim, trata-se de procedimentos diversos, com distinta natureza e finalidade: um (incumprimento) direcionado para a correção de situações em que o regime fixado se encontra em incumprimento, tendo por objeto e função a determinação quanto ao âmbito desse incumprimento e o estabelecimento de medidas tendentes ao cumprimento, designadamente através de meios coercivos; outro (alteração de regime) destinado a obter nova regulação do exercício das responsabilidades parentais, por a anterior não ser cumprida (por ambos os pais, ou por outra pessoa a quem a criança esteja confiada), ou por terem ocorrido circunstâncias supervenientes que imponham alteração ao já estabelecido, no escopo do aperfeiçoamento e atualização do regime de regulação.

Não há, pois, dúvidas quanto à configuração como processo apenso dos ditos autos de incumprimento, como dispõe o n.º 3 do art.º 41.º do RGPTC: “Autuado o requerimento, ou apenso este ao processo, o juiz convoca os pais para uma conferência ou, excecionalmente, manda notificar o requerido para, no prazo de cinco dias, alegar o que tiver por conveniente”.

E também a alteração de regime (nova regulação) corre por apenso, nos termos da al.ª b) do n.º 2 do citado art.º 42.º, se, como in casu, o regime tiver sido fixado pelo tribunal, com o requerimento a ser autuado por apenso ao processo onde se realizou o acordo ou foi proferida decisão final.

Isto é, embora correndo ambos por apenso ao processo principal, trata-se sempre de processos autónomos (o de incumprimento e o de alteração da regulação), com objeto e finalidade diversas, pelo que bem se compreende que não possa regular-se num as matérias que respeitam ao outro, sob pena de confusão dos objetos processuais.

Assim, salvo o devido respeito, não deve aproveitar-se o processo de incumprimento, onde apenas se deve cuidar, como dito, de determinar quanto ao âmbito do concreto incumprimento de deveres (estes previamente fixados, como é claro) ocorrido e às medidas tendentes ao respetivo cumprimento, designadamente em termos coercivos/executórios, para regular matérias que se prendam já com a alteração do regime de regulação estabelecido, de molde a obter ali uma nova regulação.

Esta nova regulação, a ser necessária, designadamente por via de alteração das circunstâncias que presidiram à fixação da regulação inicial, deve ser suscitada e desenvolvida no quadro do processo (apenso) que lhe corresponde legalmente, o de alteração da regulação (previsto, como dito, no art.º 42.º citado), e não no apenso de incumprimento, regulado pelo art.º 41.º.

Do exposto já decorre que não seria viável pretender obter-se nos presentes autos de incumprimento uma alteração ao regime judicialmente fixado (por isso, ainda em vigor quanto à filha ainda menor) de RERP, o que deixa prejudicado, sem mais, o pretendido pelo Requerido pai neste âmbito.

Se este entender necessária alguma modificação ao dito regime fixado e vigente, terá de seguir – necessariamente (caso ainda não o tenha feito) – o caminho processual da instauração de (novos) autos de alteração de RERP (nova regulação), a correr termos em novo apenso, a tanto destinado.

Por outro lado, a compensação invocada pelo Recorrente, quanto a alimentos aos filhos, vencidos na menoridade destes, é totalmente vedada pela norma imperativa do já mencionado art.º 2008.º, n.º 2, do CCiv., dispondo que «o obrigado não pode livrar-se por meio de compensação, ainda que se trate de prestações já vencidas», o que bem se compreende atenta a natureza alimentícia do crédito, por poder estar em causa a sobrevivência dos filhos ainda dependentes e, como tal, incapazes de prover ao seu próprio sustento, sendo o superior interesse destes que importa acautelar/proteger, encontrando-se o respetivo regime legal assente, por isso, em inexoráveis razões de ordem pública.

A este propósito, pode ver-se, entre outros, o Ac. TRL de 10/02/2015, Proc. 2670/07.0TMLSB.L1-7 (Rel. Maria Amélia Ribeiro), em www.dgsi.pt, em cujo sumário consta:

«I - É pacífico na Doutrina e na Jurisprudência que os créditos devidos por alimentos a menores não são compensáveis com quaisquer outros, ainda que estejamos no quadro de uma situação em que, havendo dois irmãos, um passe a residir com a mãe e o outro com o pai.

II - Insubmissa à lógica da liberdade contratual, a jurisdição de menores está legalmente condicionada – por razões de ordem pública – a um controlo que transcende os eventuais acordos informais que os pais possam fazer em termos extrajudiciais: importa proteger aqui o superior interesse dos menores, libertando-o nomeadamente de constrangimentos afectivos que possam ainda estar presentes nas relações entre os pais: por isso impõe-se que se lance mão da alteração das responsabilidades parentais.

III - Além disso, os critérios para aferir da justiça do caso neste tipo de situações não se podem circunscrever a uma visão de repartição meramente formal: há que ponderar a situação no seu conjunto e no seu contexto e libertar os interesses dos menores de qualquer perturbação relacional que, porventura – na generalidade das situações – possa existir.

(…)».

De referir ainda que ocorreu alteração das circunstâncias, por dois dos filhos de Requerente e Requerido terem, entretanto, atingido a maioridade, o que é matéria incontroversa, embora sem terem completado, que se veja, o seu processo de formação profissional, continuando, por isso, a depender dos pais, enquanto a filha menor, por seu lado, tem vindo a passar mais tempo com o pai, o qual vem assegurando as despesas dos três filhos para além da quota que resultaria do cumprimento estrito do regime de RERP estabelecido (cfr. factos provados 10 a 20).

E pode argumentar-se que a norma do art.º 1880.º do CCiv., em conexão com o artigo anterior (este com a epígrafe “Despesas com o sustento, segurança, saúde e educação dos filhos”), estabelece que se, no momento em que atingir a maioridade, o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação (de alimentos) na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete.

E o art.º 1905.º do CCiv. (com a epígrafe “Alimentos devidos ao filho em caso de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação do casamento”) dispõe assim (na redação conferida pela Lei n.º 122/2015, de 01-09, aqui aplicável):

«1 - Nos casos de divórcio, separação judicial de pessoas e bens, declaração de nulidade ou anulação de casamento, os alimentos devidos ao filho e a forma de os prestar são regulados por acordo dos pais, sujeito a homologação; a homologação é recusada se o acordo não corresponder ao interesse do menor.

2 - Para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.» (destaques aditados).

A este respeito, vem sendo entendido nesta Relação e Secção que “a Lei n.º 122/2015, de 1/9, alterou o paradigma probatório nesta temática”, nos seguintes termos:

“(…) antes do contributo legislativo aportado por tal diploma legal, «Embora não houvesse dúvidas de que a obrigação de prestação de alimentos fixada a filho menor não se extinguia automaticamente com a maioridade deste (cfr. art. 989.º, n.º 2, do NCPC; arts. 1880.º e 2013.º do CCiv), na prática, a subsistência dessa obrigação dependia de um impulso processual do filho, já maior, que, em processo especial instaurado contra o progenitor, tinha de demonstrar não ter ainda completado a sua formação profissional e estarem reunidos os demais pressupostos do art. 1880.º do CCiv. Isto porque se considerava que o pedido de alimentos em processo pendente ou formulado na instância renovada de processo findo apenas podia ser apreciado até ao momento da maioridade.

O n.º 2 aditado ao art. 1905.º do C.Civ dispensa o filho maior de alegar e provar tais pressupostos até que complete 25 anos de idade, competindo ao progenitor, atingida a maioridade do seu filho, requerer contra este a cessação ou alteração dos alimentos, nos termos previstos na parte final daquele normativo, uma vez que a continuação da prestação de alimentos para além desse momento é agora automática. É, pois, ao progenitor obrigado que cabe o ónus de alegar e provar os pressupostos que tornam inexigível a permanência da obrigação alimentar.

Isto é, com a alteração introduzida no art. 1905º do C. Civil, mediante o aditamento do nº 2 pela Lei nº 122/2015, os filhos passaram a ter automaticamente direito à pensão de alimentos que lhes foi fixada durante a menoridade, e até que completem 25 anos, sendo que esta obrigatoriedade de pagamento da prestação de alimentos só cessa (i) se o filho maior já tiver completado a sua educação ou formação profissional, (ii) no caso de essa educação ou formação ter sido interrompida por livre iniciativa do filho ou se (iii) o obrigado a alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.” ([19]).

Concordando-se integralmente com este entendimento jurisprudencial, resta, então, dizer, com referência ao caso dos autos, que Requerente e Requerido continuam obrigados, logicamente, a contribuir para o sustento dos dois filhos já maiores, independentemente de estes estarem a coabitar com um ou outro dos progenitores e terem já completado os 18 anos de idade, na medida em que ainda se encontrem em período de formação escolar/profissional.

Como nenhum dos progenitores (designadamente, o imputado devedor dos alimentos) veio requerer contra os filhos já maiores a cessação ou alteração dos alimentos, tem de entender-se que a continuação da obrigação/prestação alimentícia é automática. Era, pois, a qualquer dos progenitores que cabia o ónus de alegar e provar os pressupostos que tornassem inexigível a permanência da obrigação alimentar, o que não se mostra ter sido feito.

Porém, como dito já, não seria no quadro destes autos de incumprimento que poderia obter-se uma alteração judicial do quantum da prestação alimentícia de cada um dos pais relativamente aos filhos já maiores, ou a exigência dessa prestação à Requerente mãe, tal como não poderia aqui conseguir-se uma nova RERP quanto à filha menor.

No campo obrigacional, em matéria de regulação do exercício de responsabilidade parentais, com regime judicialmente fixado, não pode nunca alterar-se o regime alimentício unilateralmente, nem informalmente (segundo as conveniências de algum sujeito ou de diversos interessados), sabido estarmos aqui, em termos de regime legal vigente, perante uma ordem pública de proteção, em benefício dos filhos carecidos de alimentos a cargo de ambos os progenitores.

É que os termos da regulação do exercício das responsabilidades parentais têm de ser cumpridos, nos precisos termos acordados e homologados, nomeadamente no que respeita ao pagamento do montante da prestação de alimentos fixada, enquanto não for judicialmente alterada ([20]).

Em suma, se é certo que as obrigações dos pais, no campo dos alimentos, subsistem automaticamente após o atingimento da maioridade dos filhos, nos moldes legalmente definidos e antes aludidos, também é claro que as obrigações decorrentes da regulação do exercício das responsabilidades parentais não podem ser informal e unilateralmente alteradas, antes havendo de ser pontualmente cumpridas até que ocorra a sua válida alteração, sabido que o regime judicialmente fixado só pelo Tribunal, em alteração pelo modo legal, pode ser modificado ([21]).

Assim sendo, se o regime em vigor estabelece que é o Requerido pai o devedor de pensão de alimentos aos filhos (o que valia para a menoridade e transita para a maioridade), não pode merecer cobertura a alteração deste regime – fosse na menoridade, seja na sua maioridade –, sem mais, em sede de autos incumprimento, não sendo admissível, sem a alteração do regime estabelecido e em vigor (na sede processual adequada), a imposição à Requerente mãe de uma pensão de alimentos contrária a tal regime vigente, que não se mostra ter sido judicialmente modificado.

Em suma, tem de manter-se nesta parte, por indemonstrado erro de julgamento de direito, a sentença recorrida, improcedendo as conclusões do Apelante em contrário.

2. - Da prescrição quanto a créditos por alimentos

Na sentença foi entendido, quanto à invocada exceção da prescrição, que, «(…) contrariamente ao pugnado pelo requerido, não se encontram prescritas as pensões alimentícias vencidas relativas a Dezembro de 2012 e anteriores, nos termos do disposto no artigo 310.º, alínea f) do Código Civil, segundo o qual tais prescrevem no prazo de cinco anos.

É que, tratando-se de alimentos devidos a menores, a prescrição não começou nem correu (ou seja, ocorreu suspensão da prescrição), nos termos do artigo 320.º, n.º 1 do Código Civil, sendo que essa suspensão ainda nem sequer cessou quanto à filha menor e quanto aos filhos maiores só cessou um ano após eles atingirem a maioridade, não tendo assim decorrido o prazo de prescrição de 5 anos invocado pelo requerido.».

O Apelante, ainda inconformado, invoca que os filhos T... e T... atingiram a maioridade, respetivamente em 15/04/2015 e 05/06/2016, pelo que o prazo de um ano após eles atingirem a maioridade ocorreu, respetivamente, em 15/04/2016 e 05/06/2017, datas estas em que se verificou a prescrição, pelo que em 08/01/2018 – data da instauração do processo – já estava consumada a prescrição.

A Apelada pugna pela improcedência da argumentação do Recorrente e decorrente confirmação do decidido.

Quem tem razão?

Dispõe o art.º 310.º, al.ª f), do CCiv., que prescrevem no prazo de cinco anos as pensões alimentícias vencidas.

E o art.º 320.º, n.º 1, do mesmo Cód. prescreve que, tendo o menor quem o represente ou administre os seus bens, a prescrição contra ele não se completa sem ter decorrido um ano a partir do termo da incapacidade.

Ora, no caso, é líquido que os jovens T... e T... – já em relação à filha menor N..., a questão não se coloca, ante a sua menoridade ao tempo da instauração do processo, ocorrida esta em 08/01/2018 – nasceram, respetivamente, em 15/04/1997 e 05/06/1998, pelo que se tornaram maiores, respetivamente, em 15/04/2015 e 05/06/2016.

Assim, o ano a partir do termo da incapacidade completou-se, respetivamente, em 15/04/2016 e 05/06/2017, datas estas anteriores à instauração do processo (08/01/2018).

Mas ocorre causa de suspensão da prescrição, com esta a não começar nem correr, como referido na decisão em crise?

Com efeito, parece entender-se na sentença que o prazo prescricional não podia começar nem correr durante a menoridade e só poderia começar a correr a partir do ano seguinte à maioridade.

E dispõe, neste âmbito de suspensão da prescrição, a norma do art.º 318.º, al.ª b), do CCiv. que a prescrição não começa nem corre entre quem exerça o poder paternal e as pessoas a ele sujeitas.

Assim sendo, tem de reconhecer-se razão ao Tribunal a quo, posto estar verificada causa de suspensão da prescrição, à luz daquela norma do art.º 318.º, al.ª b), termos em que, quanto a todos os três filhos de Requerente e Requerido, a prescrição não podia começar nem correr entre pai e filhos ([22]), por aquele (devedor) exercer o poder paternal e os credores dos alimentos serem os seus descendentes, pessoas a ele sujeitas.

Improcede, pois, a excecionada prescrição, como bem decidido na sentença, não podendo ser acolhidas as considerações do Recorrente em contrário.

3. - Do erro na determinação do valor da causa

Na sua conclusão E, insurge-se o Apelante contra o valor da causa, fixado em €20.500,00, correspondente ao valor do pedido incidental (montante global de alimentos peticionados pela Requerente), esgrimindo tal Recorrente com o disposto nos art.º 303.º, n.º 1, do NCPCiv., ex vi art.º 33.º, n.º 1, do RGPTC, assim pretendendo que se corrija agora tal valor para € 30.000,01.

Já o Tribunal recorrido baseou o seu raciocínio, para fixação daquele valor, no disposto nos art.ºs 296.º, n.ºs 1 e 2, 297.º, n.º 1, 299.º, n.º 1, 306.º, n.ºs 1 e 2, todos do NCPCiv., e 33.º, n.º 1, este do RGPTC ([23]).

Importa, então, saber se, no caso, deve encontrar-se o valor da causa incidental com aplicação do critério constante do aludido art.º 297.º, n.º 1, como fez aquele Tribunal – pretendendo-se pela ação obter quantia certa em dinheiro, será esse o valor da causa (critério geral) –, ou, em vez disso, por estarem em causa interesses de filhos menores, no respeitante a alimentos devidos no âmbito parental, com submissão ao critério do art.º 303.º, n.º 1, também do NCPCiv. (critério especial), tratando-se, como pretende o Apelante, de interesses imateriais, levando a que o valor da causa corresponda à alçada da Relação e mais € 0,01.

Quanto a uma causa em que importava a proteção e promoção dos interesses de crianças ou jovens em perigo, já foi entendido que «são interesses imateriais que aqui estão em causa, assim devendo ser indicado o valor, atento o disposto no art. 312º do CPC» (hoje art.º 303.º do NCPCiv.) ([24]).

E também parece certo que o processo de incumprimento da RERP, constituindo uma instância incidental relativamente ao processo (principal) de regulação, mais não é do que «um incidente de incumprimento do acordado, ou decidido, relativamente a qualquer questão do regime de regulação» ([25]).

Ora, esse «incumprimento do acordado, ou decidido» tanto pode, assim, referindo-se a «qualquer questão do regime de regulação», respeitar à pensão de alimentos fixada (âmbito em que adquirirá, como in casu, alguma feição patrimonial, embora sem se esgotar, quanto aos interesses em presença, nessa patrimonialidade, mas permitindo quantificação em dinheiro), como a outros aspetos da RERP, como, por exemplo, o regime de visitas, o qual não permite tradução patrimonial, esgotando-se na esfera dos interesses imateriais.

Por isso, estando sempre – em qualquer dessas hipóteses de incumprimento – em causa o afastamento perante o regime fixado em sede de RERP ([26]), com possível prejuízo para o superior interesse do(s) menor(es), não faria sentido, salvo o devido respeito, que pudesse haver sempre recurso, em função do valor da causa, de uma decisão que conhecesse do incidente de incumprimento quanto àquele regime de visitas (por estarem em causa interesses imateriais, não redutíveis a expressão pecuniária), mas já não de uma decisão quanto aos alimentos fixados, se estes tivessem uma quantificação pecuniária global inferior à alçada da 1.ª instância (cfr. art.º 629.º, n.º 1, do NCPCiv.).

Por isso, no incidente de incumprimento limitado a alimentos devidos, deve atender-se, não ao critério geral – de pura dimensão patrimonial – previsto no art.º 297.º, n.º 1, do NCPCiv., mas ao critério do art.º 303.º, n.º 1, do mesmo Cód., reportado aos interesses imateriais que toda a RERP sempre encerra ([27]), nas suas diversas vertentes, por estar em causa o superior interesse dos filhos menores, com vista ao seu desenvolvimento integral como pessoas, o que tem de transcender, em qualquer caso, aquela dimensão patrimonial, embora também a possa incluir ([28]) ([29]).

Em suma, tem razão nesta parte o Apelante, devendo, salvo o devido respeito, revogar-se a decisão recorrida quanto à fixação do valor da causa/incidente, valor esse que se fixa agora, na via recursiva, em € 30.000,01.

4. - Do erro em matéria de decisão quanto a custas

Resta ponderar relativamente à pretendida modificação da decisão quanto a custas (conclusão G), pretendendo o Apelante, sem mais explicações, que a mesma seja “modificada de acordo com o que vier a ser decidido pelas instâncias”.

Ora, cabe dizer, neste particular, e já numa perspetiva final, que o sentido decisório substancial da 1.ª instância foi mantido nesta Relação, designadamente quanto ao montante concedido em matéria de alimentos e seu incumprimento, por comparação ao que vinha peticionado (aludida redução “em ¼”, a permitir graduar a responsabilidade pelas custas nessa mesma fração ou ordem de grandeza, ante o decaimento das partes, o que nos parece adequado, seja para a ação/incidente, seja para o recurso).

Claro que o Apelante pretendia obter maior ganho de causa na sede recursiva, o que, a ocorrer, alteraria a relação de forças em termos de decaimento das partes, mas o que não logrou conseguir.

Termos em que, tudo ponderado, é de manter aquela condenação em custas, sendo esse, aliás, o padrão (regra do decaimento) que presidirá também ao estabelecimento da responsabilidade tributária pelo recurso.

Donde, assim, que devam improceder as conclusões do Requerido/Apelante em contrário.

***

IV – SUMÁRIO (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):
1. - O processo de incumprimento de regulação do exercício de responsabilidades parentais constitui uma instância incidental, relativamente ao processo principal (de regulação dessas responsabilidades), destinada à verificação quanto a uma situação de incumprimento culposo/censurável de obrigações decorrentes de regime parental estabelecido, bem como à realização de diligências tendentes, designadamente, ao cumprimento coercivo.
2. - Por isso, esse processo não é o adequado a realizar alterações quanto às obrigações decorrentes do regime de regulação do exercício das responsabilidades parentais que se encontre em vigor, o que deverá ser efetuado em específico processo de alteração da regulação do exercício das responsabilidades parentais.
3. - As obrigações decorrentes da regulação do exercício das responsabilidades parentais têm de ser cumpridas, nos precisos termos acordados e objeto de homologação, também quanto a prestações de alimentos fixados, enquanto tal regulação não for judicialmente alterada.
4. - Perante a disciplina decorrente do RGPTC, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08-09, e da Lei n.º 122/2015, de 01-09, deve continuar a entender-se – do mesmo modo que anteriormente, à luz da OTM – que, mesmo depois de os filhos atingirem a maioridade, mas continuando a carecer de alimentos de ambos os pais, por não terem ainda concluído a sua formação educativa/profissional nem atingido os vinte e cinco anos de idade, o progenitor a quem foi confiada a respetiva guarda tem legitimidade para exigir do outro, em incidente de incumprimento, o pagamento das prestações alimentares vencidas e não pagas durante a menoridade de tais filhos, tal como as vencidas na maioridade destes, caso nada tenham peticionado por si próprios.
5. - Em matéria de alimentos devidos por progenitor a filho menor está firmada, no nosso sistema jurídico, uma ordem pública de proteção do credor, atendendo aos interesses em causa, prevalecendo sempre o superior interesse do menor, vedando ao devedor a compensação de créditos, ainda que se trate de prestações já vencidas (art.º 2008.º, n.º 2, do CCiv.).
6. - Na mesma matéria, o art.º 318.º, al.ª b), do CCiv. prevê uma causa de suspensão da prescrição em favor dos filhos menores, estabelecendo que o prazo prescricional não começa nem corre entre progenitor e filhos, por aquele (devedor) exercer o “poder paternal” e os credores dos alimentos serem os seus descendentes, “pessoas a ele sujeitas”.
7. - No âmbito do processo incidental de incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais, mesmo que apenas esteja em causa o inadimplemento quanto a alimentos, o valor da causa é o de € 30.000,01 – e não o correspondente à soma das prestações pecuniárias pedidas –, por se tratar de ação referente a interesses imateriais (art.º 303.º, n.º 1, do NCPCiv.).
V – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação, na parcial procedência do recurso, em alterar a decisão apelada, apenas quanto ao valor da causa incidental:

a) Revogando a fixação desse valor no montante de € 20.500,00;

b) Fixando, em substituição ao Tribunal a quo, o valor da causa em € 30.000,01; e

c) Mantendo em tudo o mais a sentença impugnada.

Custas dos autos incidentais e da apelação por Recorrente/Requerido e Recorrida/Requerente, na proporção do respetivo decaimento (correspondente a ¼ para esta e ¾ para aquele).

Coimbra, 07/09/2021

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas e em teletrabalho.

Vítor Amaral (Relator)

          Luís Cravo

          Fernando Monteiro


([1]) Altura em que a 1.ª instância se pronunciou no sentido da inexistência de nulidade da sentença.
([2]) Em anterior despacho do Relator, foi indeferido o requerido reiteradamente pelo Recorrente no sentido de ser fixado efeito suspensivo.
([3]) Excetuando, logicamente, questões de conhecimento oficioso, não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([4]) Caso nenhuma das questões suscitadas resulte prejudicada pela decisão das precedentes e seguindo uma ordem lógica e sistemático-recursiva de apreciação das mesmas.
([5]) Cfr. “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 9.ª ed., p. 57.
([6]) Vide “Código de Processo Civil, Anotado”, vol. V, p. 143.
([7]) In “Dos Recursos”, Quid Júris, p. 117.

([8]) Cfr. “Manual de Processo Civil”, p. 686.
([9]) Note-se que nas suas alegações à matéria dos autos incidentais de incumprimento, apresentadas em 01/02/2018, o Requerido pai não formulou sequer reconvenção, não deduzindo qualquer pedido formal reconvencional, mas apenas concluindo, como já referido, pela improcedência do pedido da Requerente, mais se julgando dever aquela cumprir as suas responsabilidades parentais, pagando os valores que lhe cabe suportar relativamente aos filhos e, ainda, regulando-se “a alteração das responsabilidades parentais, relativas à menor N..., com a atribuição da guarda da menor, ao pai”. E o mesmo ocorreu no âmbito das suas ulteriores alegações, apresentadas em 09/04/2019.
([10]) Proc. 7957/1992.2.P1.S1 (Cons. Alves Velho), em www.dgsi.pt, embora com um voto de vencido.
([11]) Aresto desta mesma Secção, em cujo sumário pode ler-se: «1. O progenitor a quem foi confiada a guarda do filho não perde a legitimidade para continuar a exigir do outro, em incidente de incumprimento ou em execução para cobrança de alimentos, o pagamento das prestações alimentares vencidas e não pagas durante a menoridade do filho, após a maioridade deste. // 2. As prestações vencidas durante a menoridade não se convertem em crédito próprio do filho após a maioridade deste, mantendo o progenitor a quem o menor ficou confiado legitimidade, em nome próprio ou em representação do filho, para as exigir do outro progenitor. // 3. Esta a solução que respeita, por um lado, o regime jurídico vigente (cf., nomeadamente, art.ºs 1905º e 1909º, do Código Civil; 181º e 186º e seguintes, da OTM e 1412º, n.º 2, do Código de Processo Civil de 1961), e que, por outro lado, salvaguarda a ligação entre “a lei e a vida real”, conferindo aos normativos legais aplicáveis “um sentido mais justo e mais apropriado às exigências/interesses da vida”.».
([12]) Este aludindo também a diversa doutrina no mesmo sentido.
([13]) Cfr. os ónus a cargo do impugnante/recorrente a que alude aquele art.º 640.º, nos seus n.ºs 1 e 2, al.ª a), consabido tratar-se de norma processual imperativa, que comina com a “rejeição” a inobservância respetiva.
([14]) Limita-se o mesmo a reproduzir o que consta da ata de audiência final quanto ao tempo do início e do fim de cada um dos depoimentos/declarações e quanto à respetiva duração (de início a final), sem jamais indicar as concretas passagens da gravação áudio a sindicar, aquelas em que os declarantes/testemunhas se houvessem referido aos factos impugnados, e não todo o restante declarado/testemunhado, com reporte a outros factos, os não objeto de impugnação.
([15]) Isto é, neste horizonte, mesmo que se desse como provado que os filhos foram passando, na menoridade, ainda mais tempo com o pai (ascendendo, no limite, à totalidade dos fins de semana e a metade das férias escolares de verão), nem por isso se poderia proceder a uma redução mais substancial, em equidade, do que a operada na sentença quanto à dívida alimentícia (redução fixada em 1/4 do capital devido), consabido que em tal sentença foi também ponderada, por outro lado, a circunstância (favorável ao Requerido/Apelante) de a Requerente/Apelada ter «direito a peticionar o valor correspondente às actualizações das pensões de alimentos de acordo com a taxa de inflação, o que ela não fez, equivalendo tal a alimentos que (parcialmente) deixaram de ser pedidos (situação admitida pelo n.º 1 do artigo 2008.º do Código Civil)».
([16]) Reitera-se que, independentemente da questão processual de saber se a natureza e especificidade destes autos se compaginam – ou não – com a dedução de reconvenção, não foi sequer deduzida no caso, que se veja, qualquer reconvenção, na veste legal, e respetivo pedido reconvencional.
([17]) Cfr. o art.º 41.º (com a epígrafe “Incumprimento”) do RGPTC (Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08-09), cujo n.º 1 dispõe assim: «Se, relativamente à situação da criança, um dos pais ou a terceira pessoa a quem aquela haja sido confiada não cumprir com o que tiver sido acordado ou decidido, pode o tribunal, oficiosamente, a requerimento do Ministério Público ou do outro progenitor, requerer, ao tribunal que no momento for territorialmente competente, as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até vinte unidades de conta e, verificando-se os respetivos pressupostos, em indemnização a favor da criança, do progenitor requerente ou de ambos».
([18]) Cujo n.º 1, por sua vez, estabelece: «Quando o acordo ou a decisão final não sejam cumpridos por ambos os pais, ou por terceira pessoa a quem a criança haja sido confiada, ou quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um daqueles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais».
([19]) Cfr. o recente Ac. TRC de 22/06/2021, Proc. 2351/06.1TBFIG-F.C1 (Rel. Luís Cravo), disponível em www.dgsi.pt, em que intervieram os aqui Ex.mos Adjuntos (com destaques aditados). E, no mesmo sentido, veja-se ainda, inter alia, o Ac. TRC de 01/06/2021, Proc. 54/03.8TBSCD-E.C1 (Rel. Luís Cravo), também em www.dgsi.pt.
([20]) Cfr., por todos, o Ac. TRE de 10/05/2018, Proc. 77/09.3TBALR-B.E1 (Rel. Tomé Ramião), em www.dgsi.pt.
([21]) Cabia ao Requerido pai, se assim o entendesse, desencadear a pertinente alteração, no âmbito processual próprio, do regime de RERP estabelecido e em vigor. Se o não fez, só de si próprio se poderá queixar.
([22]) Enquanto estes, por menoridade, estiveram sujeitos ao poder paternal, com a decorrente incapacidade de exercício de direitos (cfr. art.ºs 122.º a 124.º, ambos do CCiv.).
([23]) Constituindo este último a norma de remissão, a dispor, em termos de «Direito subsidiário», que nos casos omissos são de observar, com as devidas adaptações, as regras de processo civil que não contrariem os fins da jurisdição de menores.
([24]) Assim consta do Ac. TRL de 14/12/2006, Proc. 10417/2006-6 (Rel. Fátima Galante), em www.dgsi.pt, em cuja fundamentação pode ler-se: «Como estabelece o artigo 312º do CPC, “as acções sobre o estado das pessoas ou sobre interesses imateriais consideram-se sempre de valor equivalente a alçada da Relação e mais um escudo”. Por isso, visando, o processo em causa, a protecção e promoção dos interesses das crianças e jovens em perigo, são interesses imateriais, valores ético-sociais insusceptíveis de serem reduzidos a mera expressão pecuniária, que aqui estão em causa. Embora a questão suscitada se prenda, apenas, com a exigência ou não de indicação do valor da acção (qualquer que ele seja), na petição/requerimento inicial, afigura-se poder acrescentar que esse valor será o da alçada da Relação mais um cêntimo.».
([25]) Assim o aresto desta Relação e Secção de 11/05/2021, Proc. 140/13.6TBCLB-D.C1 (Rel. Fonte Ramos), em www.dgsi.pt, em que foi adjunto o aqui relator.
([26]) Como expresso no Ac. TRG de 01/02/2006, Proc. 2513/05-1 (Rel. Carvalho Martins), em www.dgsi.pt, «O pedido funda-se sempre na causa de pedir, que o explica e delimita. Dela não abstrai o critério da utilidade económica imediata do pedido, pelo que este não é considerado abstractamente, mas sim em confronto com a causa de pedir, para o apuramento do valor da causa.».
([27]) Como esclarece Salvador da Costa – Código das Custas Judiciais Anotado e Comentado, 8.ª ed., 2005, ps. 101 e s., citado por Abílio Neto, Código de Processo Civil Anotado, 20.ª ed., Ediforum, Lisboa, 2008, p. 460 –, são ações sobre interesses imateriais as que não têm valor pecuniário e visam realizar um interesse não patrimonial, entre as quais se contam as inibição e de limitação ao exercício do poder paternal. E como já ensinava Alberto dos Reis, «As acções sobre interesses imateriais compreendem as acções cujo objecto não tem expressão pecuniária, as acções cujo benefício não pode traduzir-se em dinheiro, como por exemplo a acção de inibição do poder paternal ou de funções tutelares (…)» – cfr. Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 3.ª ed. - reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 1982, p. 414.
([28]) Aliás, importa reconhecer que há sempre uma «natureza assistencial» na «obrigação de alimentos, com a inerente finalidade de “proporcionar ao alimentando a possibilidade de viver com autonomia e dignidade”» – logo nos transportando para a dimensão de interesses imateriais, poderá acrescentar-se –, parafraseando o Ac. STJ de 17/06/2021, Proc. 1601/13.2TBTVD-A.L1.S1 (Cons. Maria da Graça Trigo), disponível em www.dgsi.pt.
([29]) Com decisão neste mesmo sentido, cfr. o Ac. TRP de 12/10/2020, Proc. 2601/19.4T8AVR-.P1 (Rel. Fernanda Almeida), em www.dgsi.pt, em cujo sumário pode ler-se: «No incidente de incumprimento da prestação alimentícia o valor do incidente não é o total que resulta da soma das prestações concretamente incumpridas, correspondendo, pelo contrário, ao valor da própria causa principal que versa sobre o estado das pessoas (€ 30.000,00, mais € 00,1).».