Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6253/16.5T8VIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: CONTRATO DE SEGURO
IMPUGNAÇÃO DE FACTO
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO
INTERPRETAÇÃO DO CONTRATO
CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
PRESCRIÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
PESSOAS COLECTIVAS
Data do Acordão: 01/22/2019
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JC CÍVEL - JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS. 303, 496, 563, 805 CC, DL Nº 446/85 DE 25/10, ARTS. 609, 615, 640 CPC
Sumário: I - Verbalizando duas testemunhas que, na manhã seguinte a uma tempestade, viram estragos na zona provocados pela mesma, o seu depoimento deve prevalecer sobre o de outra que, passando pela zona mais de três semanas após a intempérie, disse que não os viu.

II - O recorrente da decisão sobre a matéria de facto deve, sob pena de indeferimento liminar na parte afetada, indicar os concretos meios probatórios que, sobre cada um dos pontos impugnados, impunham decisão diversa da recorrida, e, ainda, especificar a decisão concreta a proferir sobre cada um de tais factos.

III – Invocada a prescrição de direito disponível, existindo omissão de pronúncia na sentença, e não colocando o recorrente tal nulidade no recurso, a exceção e a nulidade, mesmo existentes, ficam sanadas –– artºs 615º nº 4 do CPC e 303º do CC.

IV- Devidamente interpretada, tem de entender-se que a seguinte cláusula de contrato de seguro:

"Esta cobertura garante as perdas ou danos directamente causados aos bens seguros em consequência de:

a) Tufões, ciclones, tornados e toda a ação direta de ventos fortes …sempre que a sua violência destrua ou danifique vários edifícios de boa construção…objetos ou árvores num raio de 5 Km envolventes dos bens seguros.

Em caso de dúvida, poderá o Segurado fazer prova, por documento emitido pela estação meteorológica mais próxima que, no momento do sinistro, os ventos atingiram velocidade excecional (velocidade superior a 90 Km/hora);

consagra dois casos autónomos de responsabilização da seguradora: o 1º, se existirem ventos fortes (sem exigência de prova da velocidade) desde que causem danos na envolvência do objecto segurado; o 2º se se provar que a velocidade do vento é superior a 90kM/h, não sendo necessária, neste caso, a prova dos danos.

V - Às pessoas colectivas, porque apenas entes jurídicos e não seres sensíveis, não assiste jus à compensação por danos não patrimoniais, tout court, mas apenas ao ressarcimento de prejuízos que, por força do denegrimento do seu bom nome, prestígio, reputação ou credibilidade, possam sofrer na sua atividade.

Decisão Texto Integral:


ACORDAM NO TRIBUNAL DA REALÇÃO DE COIMBRA

1.

C (…), CRL instaurou contra F (…) SA, acção declarativa, de condenação, com processo  comum.

Alegou:

Ter adquirido determinado aerogerador, relativamente ao qual obteve licença de exploração, tendo celebrado com a ré um contrato de seguro multirisco que teve por objeto o referido equipamento.

Sucede que na sequência de ventos muito fortes que se fizeram sentir no dia 24 de dezembro de 2013, ocorreu um sinistro que causou danos no referido aerogerador, abrangidos pelo dito contrato de seguro.

Porém, a ré não diligenciou pela regularização rápida do sinistro, encontrando-se atualmente o equipamento inutilizado.

Pediu:

A condenação da ré no valor de € 276.000,00, no qual incluiu o valor do capital seguro (€ 206.000,00), bem como o valor da energia que o aerogerador produziria se tivesse sido reparado (€ 50.000,00) e o valor dos danos não patrimoniais por si sofridos em consequência do comportamento da ré (€ 20.000), tudo acrescido de juros moratórios comerciais desde a citação até efetivo pagamento, e ainda da quantia de € 1.541,67 relativo a juros moratórios vencidos sobre o capital desde janeiro de 2017.

A ré contestou:

Alegou que a autora não lhe participou o sinistro no prazo contratualmente estabelecido para o efeito.

 Que a autora, apesar de tal lhe ter sido insistentemente solicitado, não disponibilizou os meios necessários para acesso à torre do aerogerador, nem disponibilizou vários elementos que lhe foram  solicitados, violando os deveres de diligência e de colaboração previstos no contrato entre ambas celebrado.

Os danos no aerogerador em causa não ocorreram em consequência de ventos fortes mas sim por avaria e defeito do equipamento, relacionada com deficiências de fabrico ou degradação dos materiais.

Não lhe é imputável qualquer agravamento dos danos por demora na resolução do sinistro, sendo tal demora totalmente imputável à autora, além de que não pode ser arbitrada à autora qualquer indemnização a título de dano moral, já que não dispõe de personalidade física ou moral.

A sua condenação teria que cingir-se ao limite do capital seguro, ou seja de € 206.000,00.

Pediu:

A improcedência da ação com a sua consequente absolvição do pedido.

2.

Prosseguiu o processo os seus termos tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:

«julgo improcedente a presente ação, instaurada pela autora C (…) CRL contra a ré “F (…) SA” , absolvendo-a do pedido contra si formulado.»

3.

Inconformada recorreu a autora.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

A ré contra alegou pugnando pela manutenção do decidido.

E, em ampliação do recurso e subsidiárimente, nos termos do artº 636º do CPC, concluiu:

(…)

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º  do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

1ª -  Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

2ª – (Im)procedência da acção.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

5.1.1.

No nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5  do CPC.

Perante o estatuído neste artigo, exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente;  mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed.  III, p.245.

Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

Mas tal é inelutável. O que importa é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.

Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005  e de 23-04-2009  dgsi.pt., p.09P0114.

Nesta conformidade  constitui jurisprudência sedimentada, que:

«Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela. – Ac. do STJ de.20.05.2010, dgsi.pt p. 73/2002.S1.

5.1.2.

Por outro lado, como dimana do já supra referido, e como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genericamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos.

 A lei exige que os meios probatórios invocados imponham decisão (não basta que sugiram) diversa da recorrida.

Ora tal imposição não pode advir, em termos mais ou menos apriorísticos, da sua, subjetiva, convicção sobre a prova.

Porque, afinal, quem  tem o poder/dever de apreciar/julgar é o juiz.

Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve ele efetivar uma análise concreta, discriminada, objetiva, crítica, logica e racional, de todo o acervo probatório produzido, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.

 A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório  com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas, e para além da margem de álea em direito probatório permitida e que lhe é concedida.

E só quando se concluir que  a  natureza e a força da  prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção,  se podem censurar as respostas dadas.– cfr. neste sentido, os Acs. da RC de 29-02-2012, p. nº1324/09.7TBMGR.C1, de 10-02-2015, p. 2466/11.4TBFIG.C1, de 03-03-2015, p. 1381/12.9TBGRD.C1 e de 17.05.2016, p. 339/13.1TBSRT.C1; e do STJ de 15.09.2011, p. 1079/07.0TVPRT.P1.S1., todos  in dgsi.pt;

5.1.3.

No caso vertente ambas as partes recorrem da decisão sobre a matéria de facto.

5.1.3.1.

A autora não cumpriu, com rigor, as exigências formais do artº 640º do CPC, aduzindo, adrede, em sede conclusiva – a qual, como se viu, define o objecto do recurso -  os concretos meios probatórios que invoca para obter, neste particular, ganho de causa.

Porém, visto o corpo alegatório tais exigências foram nele cumpridas.

E dada a singeleza desta sua pretensão, a mesma é suficientemente percecionável, pelo que deve ser atendida e dilucidada.

Pretende ela que seja dado como provado o seguinte facto dado como  não provado:

«por ação do vento e num raio de 5 quilómetros envolventes ao aerogerador em causa, o vento destruiu objetos e árvores».

A julgadora fundamentou a não prova nos seguintes termos:

«Nenhum meio de prova objetivo e seguro foi produzido por forma a demonstrar que nas imediações do aerogerador tenha havido danos em edifícios, objetos ou árvores por força da intempérie que originou os danos no aerogerador. Efetivamente, embora tal tenha sido referido por algumas das testemunhas da autora não mereceu corroboração em quaisquer elementos consistentes que seriam de fácil obtenção.»

Já a autora entende que os depoimentos das testemunhas  (…)provam a ocorrência do facto.

Foram ouvidos os depoimentos.

Aquelas testemunhas afirmaram, adrede, espontânea, natural e convincentemente, que, na véspera de natal, ocorreram,  na zona envolvente do gerador em causa, ventos fortíssimos que chegaram aos 200km/h que  arrancaram árvores, postes de luz e danificaram outros geradores.

O L ( ..) afirmou inclusive que juntou fotografias, o que foi confirmado pela ilustre mandatária da ré.

As testemunhas depuseram com razão de ciência direta pois que viram os estragos quando se levantaram, e, não obstante serem associados e trabalhador da autora, aparentaram isenção e imparcialidade.

Inexistiu prova  bastante que infirmasse estes depoimentos.

A testemunha (…) depôs aparentemente em sentido contrário ao daquelas testemunhas, tendo referido que não viu nada danificado.

Mas, para além de referir que presta serviços para a ré, apenas se deslocou ao local no dia 17 de janeiro, ou seja, mais de três semanas após o sinistro.

Pelo que pelo menos alguns dos vestígios danosos da tempestade poderiam  já estar dissipados ou desvanecidos.

Ademais, tal testemunha apenas disse que «não viu nada danificado», mas não disse que o vento não provocou danos; o que são coisas diversas: a testemunha pode não ter percepcionado danos, mas eles podem ter-se verificado, até porque, como se disse, a sua perceção ocorreu já decorrido lapso de tempo apreciável após o dia do evento danoso.

Inversamente, as testemunhas da autora foram perfeitamente assertivas ao afirmarem que  logo na manhã  seguinte aos  ventos fortes viram vários danos que até reportaram.

Ademais, tendo sido provado - ponto 5.12. -, inclusive  por meio probatório idóneo e fiável, qual seja pela Estação Meteorológica de ( ..) ,  que os ventos, no dia 24.12.2013, no local, ascenderam à velocidade de 110km/h, este facto corrobora e atribui  suficiente plausibilidade  ao afirmado por aquelas testemunhas.

Decorrentemente, tal facto deve ser dado como provado, pois que, no mínimo, esta prova se situa dentro da álea em direito probatório admissível.

Atenta esta prova e a prova do facto 12 quanto à velocidade do vento no local e supra aludida, os factos provados assumem virtualidade para a acção proceder, total ou parcialmente.

Destarte urge apreciar o recurso da ré - artº 636º nº1 do CPC.

5.1.3.2.

Impugna ela os factos provados 5.12, 5.13, 5.18 e, ainda, os factos dados como não provados alegados nos artigos 13º, 18º, 19º, 20º, 22º, 32º, 45º, 46º, 50º, 51º, 58º, 59º e 60º da sua contestação.

5.1.3.2.1.

Liminarmente há que dizer que outrossim a ré não cumpre, relativamente a todos os pontos alegadamente factuais, agumas exigências formais do artº 640º  do CPC.

E aqui, dada a maior complexidade e abrangência da pretensão da ré, com maior gravidade e consequências por reporte à incorrecção da posição da autora neste mesmo conspeto.

Estatui este preceito:

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas…

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.

Os requisitos formais de admissibilidade da impugnação da decisão de facto têm em vista, no essencial, garantir uma adequada inteligibilidade do objeto e alcance teleológico da pretensão recursória, de forma a proporcionar o contraditório esclarecido da contraparte e a circunscrever o perímetro do exercício do poder de cognição pelo tribunal de recurso.

Efetivamente, urge atentar que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto não se destina a que o tribunal da Relação reaprecie global e genericamente a prova valorada em primeira instância, ainda que apenas se pretenda discutir parte da decisão - Cfr. entre outros, os Acs. do STJ de 9.07.2015, p.405/09.1TMCBR.C1.S1 e de 01.10.2015, p. 6626/09.0TVLSB.L1.S1 in dgsi.pt.

Na verdade, e como dimana do preâmbulo do Decreto-Lei nº 39/95 de 15.02. (…), «a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso.

Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido.».

Como corolário deste princípio:

«impôs-se ao recorrente um “especial ónus de alegação”, no que respeita “à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação”, em decorrência “dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa fé processuais, assegurando, em última análise, a seriedade do próprio recurso intentado e obviando a que o alargamento dos poderes cognitivos das relações (resultante da nova redacção do artigo 712º [actual 662º]) – e a consequente ampliação das possibilidades de impugnação das decisões proferidas em 1ª instância – possa ser utilizado para fins puramente dilatórios, visando apenas o protelamento do trânsito e julgado de uma decisão inquestionavelmente correcta.»

Ademais importa ter presente que «A reforma do Código de Processo Civil de 2013 não pretendeu alterar o sistema dos recursos cíveis…mas teve a preocupação de “conferir maior eficácia à segunda instância para o exame da matéria de facto”, como se pode ler na Exposição de Motivos da Proposta de Lei nº 113/XII apresentada à Assembleia da República…Essa maior eficácia traduziu-se no reforço e ampliação dos poderes da Relação, no que toca ao julgamento do recurso da decisão de facto; mas não trouxe consigo a eliminação ou, sequer, a atenuação do ónus de delimitação e fundamentação do recurso, introduzidos em 1995. Com efeito, o nº 1 do artigo 640º vigente, aplicável ao recurso de apelação que agora nos interessa:

– manteve a indicação obrigatória “dos concretos pontos de facto” que o recorrente “considera incorrectamente julgados” (al. a),

– manteve o ónus da especificação dos “concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos de facto impugnados diversa da recorrida” (al. b), – exigiu ao recorrente que especificasse “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas” (al. c), sob pena de rejeição do recurso de facto. E à mesma rejeição imediata conduz a falta de indicação exacta “das passagens da gravação em que se funda” o recurso, se for o caso, sem prejuízo de poder optar pela apresentação da “transcrição dos excertos” relevantes.» - Ac. do STJ de 01.10.2015,  sup. cit.

De entre os requisitos impostos por tal preceito, emerge, no que  in casu releva,  a obrigação de o recorrente indicar «o sentido da decisão pretendida relativamente a cada ponto de facto impugnado» - Ac. do STJ de 22.03.2018, p. 290/12.6TCFUN.L1.S1.

Na verdade:

«A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados, exige que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respectivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos.

Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em vários blocos de factos e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna.» - Ac. do STJ de 05.09.2018, p. 15787/15.8T8PRT.P1.S2.

Ou, noutra redacção e nuance:

«… o recorrente não cumpre os seus ónus quando se limita a discorrer genericamente sobre o teor da prova produzida, sem indicar os concretos meios probatórios que, sobre cada um dos pontos impugnados, impunham decisão diversa da recorrida, devendo ainda especificar a decisão concreta a proferir sobre cada um dos diversos pontos da matéria de facto impugnados.» -  Ac. do STJ de 27.09.2018, p. 2611/12.2TBSTS.L1.S1.

No caso vertente  a ré não cumpre este ónus relativamente a todos os factos invocados.

Fá-lo apenas no atinente aos pontos dados como provados  nos pontos 5.12, 5.13 e  5.18  - fls. 259, verso.

E, relativamente aos artigos da contestação, apenas no respeitante aos artºs 32º, 45º e 46º - fls. 259.

Quanto aos mais pontos e não obstante discorrer sobre certos meios de prova produzidos, não reporta estes a cada um dos concretos artigos que reputa de factuais e, relativamente a cada um deles, não diz qual a resposta que deveria ser dada.

O presente caso é paradigmático da necessidade desta obrigação de concretização.

Pois que muitos dos artigos que a recorrente reputa de factuais, não assumem este jaez, antes se apresentando, parcial ou totalmente, como meras generalidades ou conclusões  - cfr.  os artºs 45º, 46º, 50º, 51º, 58º, 59º e 60º.

Por conseguinte, o recurso apenas pode ser apreciado, neste particular, relativamente aos factos para os quais foi, concretamente, reportada prova, quais sejam, os provados nos  pontos 5.12, 5.13 e  5.18,  e aos artigos 32º e 46º.

E  este último  apenas no atinente ao único concreto facto que encerra, qual seja: a autora não ter possibilitado aos serviços da ré o acesso ao aerogerador.

Perscrutemos.

5.1.3.2.2.

A matéria daqueles pontos provados reporta-se à data do sinistro, essencialmente consubstanciado na queda e fratura das pás do aerogerador.

A ora recorrente entende que não foi provado que  evento ocorreu na data de 24 de dezembro de 2013, pois que só após a informação do IPMA de que os ventos fortes ocorreram neste dia é que a autora o concretizou; e sendo que na data da sua comunicação à ré, em 10.01.2014, o omitiu, apenas referindo que a ocorrência se verificou aquando «da tempestade no final do ano de 2013, dezembro de 2013».

Este argumento não colhe, ou, ao menos, não tem força bastante para impor censura à prova deste facto.

A autora referenciou que os danos foram provocados pela «tempestade» de final do ano/dezembro de 2013.

Ainda que não tenha concretizado o dia, ela identificou um fenómeno - «tempestade» – que permite referenciar no tempo a ocorrência do sinistro.

Considerando que os fundamentos da sua pretensão – extrajudicial e judicial – eram os ventos fortes provocados por um fenómeno meteorológico extremo que pode ser apelidado de «tempestade», não se antolha o estrito dever – ainda que tal tivesse sido preferível – de ela indicar o dia da mesma.

 Pois que, em caso de litígio, bastar-lhe-ía provar o dia em que a «tempestade» se verificou.

Pelos vistos a tempestade – até pela informação do IPMA – ocorreu no dia 24 dezembro.

A ré não alegou e provou que esta «tempestade» tivesse inexistido ou que ela tivesse ocorrido  noutro dia de dezembro ou noutro  mês.

A própria testemunha da ré (…) verbalizou que a autora, na comunicação dos danos,  se reportou à «tempestade» de final do ano.

As testemunhas da autora supra aludidas verbalizaram que ela se deu no dia 24 de dezembro.

Decorrentemente, inexiste qualquer motivo para censurar a convicção da julgadora quanto a  este facto.

Quanto ao facto de a autora não ter possibilitado aos serviços da ré o acesso ao aerogerador.

A julgadora fundamentou a não prova da  alegada falta de colaboração  da autora para com a ré nos seguintes, aqui aplicáveis mutatis mutandis, termos:

«Também não foi possível concluir que a autora, de forma deliberada não tenha colaborado no apuramento das causas do sinistro, afigurando-se que neste caso tal apuramento em face do tipo de equipamento em causa e a altura a que o mesmo se encontrava do solo, envolvia meios dispendiosos, designadamente com o aluguer e transporte para o local de uma grua, que não foram disponibilizados por qualquer das partes.»

Já a ora recorrente esgrime a favor da sua pretensão o depoimento da testemunha (…).

Tal como se refere na decisão, esta testemunha:

«relatou…que a ré se disponibilizou para pagar aluguer e deslocação de uma auto grua com cesto para observação do aerogerador… Por fim reiterou ter solicitado tais meios à segurada, que não os disponibilizou…

Não obstante, a Srª Juíza não julgou provado tal facto por falta de qualquer elemento que o corroborasse (o depoimento).

Até porque a testemunha referiu que  «não era a observação do aerogerador proporcionada por uma grua que iria esclarecer as causas do sinistro».

Ouvido o depoimento desta testemunha constata-se que efectivamente ela depôs nesse sentido.

Mas, tanto quanto a simples audição o pode permitir, verifica-se que depôs de um modo algo enfático e  agastado que  parece aparentar algum comprometimento com a defesa da tese da ré. Não sendo de descurar, para alicerce desta impressão, que ela trabalha para empresa avençada com a demandada para a prestação de serviços.

E, tal como aduzido na decisão, ela não foi corroborada, pelo menos convincentemente, por outros meios de prova.

Ademais, e bem vistas as coisas, o que está em causa neste ponto, pelo menos numa interpretação possível dos seus literais termos, é  a autora não  ter possibilitado o acesso da ré  ao local onde o gerador se situa ou ao gerador, como um todo, e não apenas a uma parte, quiçá menos acessível, do mesmo.

Ora isto não está minimamente apurado.

Ademais, não estando este mais lato e grave facto provado, não se antolha a impossibilidade de a ré, ela própria, como diz que pretendia, mesmo que contra a posição da autora ou sem a sua colaboração, alugar e utilizar uma grua para verificar, o mais brevemente possível, o estado do aerogerador e as eventuais causas da queda das pás.

A falta de colaboração da autora poderia ser impeditiva noutras vertentes, vg. por negação de facto ou ato pessoal atinente a prestação infungível, ie. que só ela pudesse realizar.

Não se antolha que a verificação do estado do gerador através de uma grua assuma este jaez.

Pelo que à ré, em função do teor do contrato de seguro, e se entendesse que tal era necessário para apurar da sua (ir)responsabilidade, assistia o direito de inspeccionar o gerador o mais rapidamente possível.

Para o que ela podia, e, assim, sobre ela impendia o ónus (porque ela agora na acção vem invocar a necessidade de tal prova para convencer da realidade de matéria factual eximente da sua responsabilidade), de, repete-se, mesmo sem a colaboração da autora, efectivar tal inspecção.

Isto para se concluir que, mesmo que esta matéria  factual fosse dada como apurada, ela seria irrelevante ou inócua para a defesa da sua pretensão.

Finalmente diga-se o seguinte.

Mesmo que, numa ampla e condescendente postura exegética dos aludidos segmentos normativos do artº 640º do CPC, fosse entendido ser admissível a dilucidação probatória perante os artºs da contestação relativamente aos quais a ora recorrente não cumpriu as legais/formais exigências -  e que se atém à alegação da inexistência de uma relação de causa-efeito entre os ventos fortes e os danos no aerogerador -, a sua pretensão, presumidamente entendida como de prova de tais factos, estaria ainda votada ao insucesso.

Pois que a julgadora, outrossim neste particular, fundamentou suficientemente a sua decisão em termos de não poder ser abalada pelos argumentos da insurgente.

Na verdade e nuclearmente, a julgadora deu prevalência ao parecer técnico elaborado pela empresa DARS, em detrimento do parecer técnico no qual a recorrente se estriba, e elaborado pela INEGI, por aquele:

«…ter sido elaborado em data próxima à do sinistro (deslocação de técnicos no dia 3 de janeiro de 2014). (através) de uma grua que permitiu a efetiva observação do equipamento danificado.

Já a observação efetuada pelos peritos da “S (…)” ocorreu quase um ano e meio após o sinistro, período este durante o qual o equipamento esteve danificado, sem funcionar, sujeito a intempéries e a todos os fenómenos naturais que se fizeram sentir.

Acresce que…a pá …(por)que se trata de componente extremamente pesada…será de admitir a sua queda na vertical, mesmo em caso de vento…Aliás, sempre o vento poderia estar na origem da quebra do travão de segurança e a queda da pá que foi encontrada no local ocorrer em momento em que tivesse deixado de se sentir com tanta intensidade.

Por outro lado, verificou-se a falta de uma ponta de uma das pás do aerogerador, a qual não foi encontrada nas imediações. Ora, dado ser manifestamente inferior o seu volume e o seu peso, nada obsta a que a mesma tenha sido arremessada pelo vento para local mais longínquo.

Acresce que mesmo os técnicos que elaboraram o “estudo pericial” solicitado pela ré consideraram que o vento foi um dos fatores que esteve subjacente à quebra da pá, embora rejeitem a imputação do sinistro de forma exclusiva a tais ventos…

Assim, dado que a autora comprovou que o equipamento foi sujeito a manutenção regular, da qual resultou não apresentar anomalias, afigura-se que cumpriu o seu ónus probatório, tendo demonstrado que os danos decorreram do vento excessivo que se fez sentir.»

Esta argumentação é plausível em face dos meios probatórios produzidos que, na sua essencialidade relevante, se mostrou, neste particular antagónica.

Na verdade, tal prova foi, nuclearmente, a prova pericial.

Mas perícia não foi formalmente determinada pela julgadora, com intervenção de perito do tribunal, mas antes foi apresentada pelas partes como mais um elemento de prova das mesmas.

Destarte, ela apresenta-se acrescidamente susceptível de ser livremente apreciada pelo tribunal.

Como é consabido, o juiz, jurídico-formalmente, é o «perito dos peritos».

Ele é livre de valorar as perícias técnicas em função da análise e dilucidação das mesmas e em concatenação com o restante acervo probatório produzido.

E desde que tal postura hermenêutica não enferme de erro lógico ou palmar e/ou não viole, ostensiva e intoleravelmente, outra prova produzida, a sua convicção apenas pode ser censurada e os factos por ele provados e não provados serem alterados, se a prova invocada pelo recorrente tiver força e magnitude que, não apenas sugira como, antes, imponha decisão diversa.

A presumida idoneidade e apetrechamento técnico do julgador e a própria margem de álea em direito probatório que lhe é concedida – pois que o direito não é uma ciência exata -  assim o exigem, ou, no mínimo, o aconselham.

No caso dos autos não se enxerga aquele erro ou aquela crassa má apreciação da prova.

Antes a convicção da julgadora colhendo respaldo, senão evidente, ao menos ainda bastante e suficiente, para, objectivamente, alicerçar a sua convicção e os factos, provados e não provados, dela dimanantes.

Havendo, neste particular, ser realçado ter-se provado que a perícia apresentada pela autora ter sido elaborada no pós evento, e que o aerogerador foi submetido a inspecção técnica que atestava estar, para o período de janeiro de 2013 a janeiro de 2014, em boas condições de segurança.

5.1.4.

Pelo exposto, e no deferimento desta pretensão recursiva por banda da autora, os factos a considerar são os seguintes, indo a negrito o ora aditado:

5.1 – A autora, C (…), S.R.L tem por objeto social o "desenvolvimento e produção no sector agrícola, da pecuária e florestal, produções e investimentos em energias alternativas e renováveis, investimentos hoteleiros e atividades de restauração e cafés" (artigo 1º da petição inicial);

5.2 - Pela Direção Regional de Economia do Centro, do Ministério de Economia e do Emprego, foi emitida, em 31/08/2011, a competente licença para exploração de uma instalação elétrica correspondente a um aerogerador SRM de 30 KVA ao tempo pertencente à C (…), C.R.L., na ( ..) , mais precisamente no lugar de ( ..) (artigo 2º da petição inicial);

5.3 - Em 9 de maio de 2013, a C (…), C.R.L. vendeu à autora o referido aerogerador pelo preço de € 206.000,00 (duzentos e seis mil euros) (artigo 3º da petição inicial);

5.4 - A requerimento da autora, apresentado em 22/07/2013, viria a ser averbada na Direção Geral de Energia e Geologia, do Ministério de Economia, em seu nome a mencionada licença de exploração (artigo 4º da petição inicial);

5.5 - Com início em 20/08/2013, vigorava, à data do sinistro adiante descrito, entre a tomadora do seguro C (…), C.R.L. e a seguradora ré F ( ..) , SA, o contrato de seguro do ramo Multiriscos Industrial, titulado pela apólice n° .... (artigo 5º da petição inicial, artigo 4º da contestação);

5.6 - A referida apólice tinha por objeto o "equipamento de produção de energia do aerogerador SRM 30 Kv", adquirido e propriedade da autora (artigo 6º da petição inicial, artigo 4º da contestação);

5.7 – Constituía o âmbito de cobertura desse contrato de seguro o "ressarcimento dos danos diretamente causados aos bens seguros pela ocorrência dos riscos definidos nas coberturas contratadas que eram as seguintes:

COBERTURAS BASE- Capital seguro: € 206.000,00 (duzentos e seis mil euros)

• Incêndio, queda de raio e explosão;

• Tempestades

• Inundações;

• Danos por água;

• Quedas de aeronaves;

• Choque ou impacto de veículos terrestres ou animais;

• Derrame acidental de óleo;

• Derrame de sistemas hidráulicos de proteção contra incêndios;

• Despesas com demolições ou remoção de escombros (até 5% dos prejuízos indemnizáveis);

• Deterioração de imobiliário por furto ou roubo;

• Quebra de vidros fixos espelhos letreiros e anúncios luminosos (até € 1.250,00 por sinistro e € 12.500,00 por anuidade);

• Responsabilidade civil extracontratual decorrente de incêndio e/ou explosão (até € 25.000,00 por sinistro e anuidade);

COBERTURAS ADICIONAIS

• Riscos elétricos - € 35.000,00 por sinistro e anuidade – 1º risco (artigo 7º da petição inicial, artigo 4º da contestação);

5.8 – No que se reporta a COBERTURAS BASE de "Tempestades" mostra-se exarado na citada apólice, designadamente na cláusula E, relativa a “Âmbito das Coberturas e Exclusões Específicas” que: "Esta cobertura garante as perdas ou danos directamente causados aos bens seguros em consequência de:

a) Tufões, ciclones, tornados e toda a ação direta de ventos fortes ou choque ou de objetos arremessados ou projetados pelos mesmos, sempre que a sua violência destrua ou danifique vários edifícios de boa construção, (considerando-se como tal aquelas cuja estrutura, paredes exteriores e cobertura sejam construídas de acordo com a regulamentação vigente à data da construção, utilizando materiais resistentes ao vento,  designadamente betão armado, alvenaria e telha cerâmica), objetos ou árvores num raio de 5 Km envolventes dos bens seguros.

Em caso de dúvida, poderá o Segurado fazer prova, por documento emitido pela estação meteorológica mais próxima que, no momento do sinistro, os ventos atingiram velocidade excecional (velocidade superior a 90 Km/hora);

b) Alagamento pela queda da chuva, neve ou granizo, desde que estes agentes atmosféricos penetrem no interior do edifício seguro em consequência de danos causados pelos riscos mencionados na alínea a), e estes danos se verifiquem nas 48 horas seguintes ao momento da destruição parcial do edifício seguro.

São considerados como constituindo um único e mesmo sinistro os estragos ocorridos nas 48 horas que se seguem ao momento em que os bens seguros sofram os primeiros danos." (artigo 8º da petição inicial);

5.9 - Relativamente a essas coberturas de "Tempestades" vigorava uma franquia a cargo do tomador do seguro e segurado de 1% do capital seguro, no mínimo de € 500,00 (quinhentos euros) (artigo 9º da petição inicial, artigo 4º da contestação);

5.10 - Em 23 de outubro de 2013, a F (…) comunicou à tomadora do seguro aqui autora a alteração do número da mencionada apólice, que passou a ser o ME.... (artigo 10º da petição inicial);

5.11 - A autora pagou à ré, por débito bancário direto, os prémios devidos desde 20/08/2013, incluindo o relativo ao período de 08/11/2013 a 07/11/2014 (artigo 11º da petição inicial)

5.12 - Na madrugada do dia 24 de Dezembro de 2013, ocorreram próximo do local onde o aerogerador estava instalado ventos fortes, atingindo a intensidade máxima instantânea do vento velocidades de 100 a 110 Km/hora, valores esses medidos na Estação Meteorológica de ( ..) , a mais próxima da zona de ( ..) onde estava instalado o aerogerador (artigo 12º da petição inicial);

5.12- A- «Por ação do vento e num raio de 5 quilómetros envolventes ao aerogerador em causa,  foram destruidos objetos e árvores».

5.13 – O aerogerador da autora está instalado no topo da serra, em zona desabrigada, à altitude de 1014 m, na localidade de ( ..) , exposto em todas as direções aos ventos que ocorram e, designadamente, aos  ventos com rumo predominante de sudoeste que se fizerem sentir nesse dia e que na madrugada do referido dia 24 de dezembro atingiram valores de 100 a 110km/h (artigo 13º da petição inicial, artigo 12º da contestação);

5.14 - A sua torre mede, aproximadamente, 18 metros, tem três pás com cerca de 5,8 metros de comprimento (artigo 13º da contestação);

5.15 - Em 11/03/2013, o técnico responsável pela exploração da instalação eléctrica correspondente ao aerogerador da autora, Eng. Eletrotécnico (…) havia emitido “Relatório-Tipo” da Direção Geral de Energia, do Ministério de Economia, certificando que tais instalações, relativamente ao período de janeiro de 2013 a janeiro de 2014, se encontravam em boas condições de segurança (artigo 14º da petição inicial);

5.16 - Ao tempo do sinistro, vigorava entre a autora e a empresa D (…), Ldª o contrato de manutenção das instalações e equipamento do aerogerador que vem sendo referido, que fora inicialmente celebrado pela anterior proprietária C (…), C. R. L. (artigo 15º da petição inicial);

5.17 - Em 05/08/2013, a mencionada empresa emitiu o relatório técnico relativamente a operações de manutenção do equipamento a que havia acabado de proceder (artigo 16º da petição inicial);

5.18 - Sendo visíveis, logo após a madrugada do dia 24/12/2013, danos nas pás do aerogerador que se apresentavam partidas - que deixara de funcionar, a autora solicitou a presença no local da empresa de manutenção D (…) , Ldª (artigo 17º da petição inicial);

5.19 - Uma equipa de técnicos especializados da D (…), Ldª, deslocou-se ao local, no dia 3/1/2014, munida de uma grua e dos necessários equipamentos de proteção, tendo procedido ao exame do equipamento danificado (artigo 18º da petição inicial);

5.20 – Na sequência de tal exame, a referida firma comunicou à autora, em 30 de janeiro de 2014: “Verificou-se que as pás do aerogerador se encontravam partidas, facto só justificável pela verificação de velocidades do vento superiores à velocidade para a qual o sistema se encontrava projetado. Assim e após análise no local, concluímos que o incidente  ter-se-á devido a quebra do travão de segurança provocada por força excessiva do vento, ficando o sistema a rodar sem qualquer sistema de proteção e provocando portanto a quebra das pás e consequente empeno do veio. Mais informamos que a quebra do sistema de travagem originou entrada de água no gerador, não sendo tecnicamente possível a sua reparação” (artigos 19º e 20º da petição inicial);

5.21 – A autora, em 10/01/2014, por email, participou à ré, o sinistro ocorrido solicitando a vistoria do equipamento por perito a indicar por esta, referindo em tal comunicação “Venho comunicar a existência de um sinistro, no aerogerador, referente à apólice acima referida provocada pela tempestade no final do ano de 2013, dezembro de 2013” (artigo 22º da petição inicial, artigos 10º e 11º da contestação);

5.22 - A ré incumbiu a empresa de peritagens S (…), Ldª de proceder à peritagem do sinistro e suas consequências (artigo 23º da petição inicial, artigos 8º e 16º da contestação);

5.23 - Com data de 14/01/2014, por email, a “ S ( ..) ” solicitou à autora contacto telefónico com o seu perito, (…) para agendamento da vistoria ao equipamento danificado (artigo 24º da petição inicial);

5.24 - No dia 17/01/2014 e conforme agendamento entre as partes, o perito da S (…), ”, E(…) deslocou-se ao local do aerogerador, para dar início à regularização do sinistro, não tendo logrado aceder à torre do aerogerador por falta de meios para o efeito (artigo 25º da petição inicial, artigos 16º e 17º da contestação);

5.25 - Naquela data, uma das pás do aerogerador, em fibra, encontrava-se no solo, junto à base da torre (artigo 18º da contestação);

5.26 – Outra pá do aerogerador encontrava-se fixa no hub, mas faltava-lhe a sua extremidade (artigo 21º da contestação);

5.27 - Na sequência dessa visita, o perito da “S (…), por email de 22 de janeiro de 2014,solicitou à autora a seguinte documentação:

• Fatura de aquisição do aerogerador e respetivos componentes elétricos;

• Ficha técnica com as características do aerogerador;

• Contrato de garantia e contrato de manutenção elaborado com a entidade que presta assistência;

• Relatório da entidade que presta assistência relativo às intervenções ocorridas durante o ano de 2013;

• Relatórios da entidade que presta assistência relativamente às eventuais causas da ocorrência;

• Registo da produção de energia, e caso exista, relativo aos meses de Setembro a Dezembro de 2013;

• Contrato de garantia subsequente à reparação do aerogerador por instalação de novas pás, em princípios de 2012;

• Recibos da EDP relacionados com os consumos de energia referentes ao ano de 2013;

• Proposta de reparação;

• Se possível, informação sobre a velocidade do vento no mês de Dezembro de 2013 dos parques eólicos existentes na zona (artigo 26º da petição inicial, artigo 24º da contestação);

5.28 - Mais foi solicitada informação sobre a data prevista para deslocação ao local da entidade que presta assistência ao aerogerador a fim de ser efetuada análise conjunta mais pormenorizada ao aerogerador e, se possível, com acesso à torre, acesso esse que a “S(…)” considerou imprescindível para a avaliação dos danos (artigo 27º da petição inicial, artigo 23º da contestação);

5.29 – O Instituto Português do Mar e da Atmosfera facultou a informação sobre a velocidade do vento que consta de fls 25 e 25v que a autora facultou à S (…) e informou a ré não existir registo de produção de energia, nem recibos de energia relativos ao ano de 2013 (artigo 28º da petição inicial);

5.30 - Foi também dado conhecimento à S (…) de que a falta de registos de produção e consumo da eletricidade produzida pelo aerogerador da autora se ficava a dever ao seguinte:

a) A energia produzida pelo aerogerador era encaminhada para uma estação eléctrica primitiva, a partir da qual seguia para as unidades existentes no Complexo Industrial de ( ..) , composto por:

- dois armazéns;

- uma salsicharia;

- uma pecuária; e

- uma pequena unidade fabril de moagem de farinha, unidades essas que eram propriedade de cinco membros cooperadores da autora estando previsto alargar esse funcionamento às unidades que se fossem instalando no complexo industrial;

b) Essas unidade instaladas no Complexo Industrial não faziam registo dos consumos efetuados;

c) Não existindo qualquer registo da energia produzida, a qual, sendo produzida em excesso relativamente ao consumo verificado, era acumulada em 80 baterias que faziam parte integrante da instalação elétrica do aerogerador e, encontrando-se estas carregadas, era o eventual e ocasional excesso queimado na instalação elétrica do aerogerador, não havendo encaminhamento da mesma para a rede da EDP;

d) Sendo solicitado aos cooperantes que utilizavam a energia produzida pelo aerogerador, sempre que necessário, dinheiro para custear os encargos com o mesmo, que a autora pagava (artigo 30º da petição inicial);

5.31 –Em 26 de junho de 2014, o perito da S(…) enviou à autora o email cuja cópia consta de fls 68v no qual solicitou informação sobre se já tinha na sua posse os elementos solicitados, insistindo que os mesmos lhe fossem facultados (artigo 25º da contestação);

5.32 - Parte dos elementos solicitados pela S (…) à autora foram enviados em 12/9/2014 (artigo 26º da contestação);

5.33 – O perito indicado pela “S (…)” enviou à autora o email cuja cópia consta de fls 69, em 18 de setembro de 2014 (artigo 27º da contestação);

5.34 – O perito indicado pela “S (…)” enviou à autora o email constante de fls 69 v, de 16 de outubro de 2014 (artigo 28º da contestação);

5.35 – O perito indicado pela “S(…)” enviou à autora o email constante de fls 70, de 9 de janeiro de 2015 (artigo 29º da contestação);

5.36 – O perito indicado pela “S (…) enviou à autora o email constante de fls 71, de 16 de janeiro de 2015, no qual refere: “Na sequência dos nossos emails, reiteramos a facultação dos elementos em falta, bem como o agendamento de deslocação ao local com os meios adequados e o reparador, para acesso à torre eólica e constatação de eventuais causas e danos, como já referido. Informamos que, se ao dia 27.01.2015 não recebermos qualquer informação, emitiremos relatório para a Seguradora com base nos documentos disponibilizados até ao momento” (artigo 30º da contestação);

5.37 - O perito indicado pela “S (…)” enviou à autora o email constante de fls 71 v, de 22 de janeiro de 2015 (artigo 31º da contestação);

5.38 – Por dificuldade de acerto da vistoria ao local do sinistro, a mesma foi agendada para o dia 23/04/2015, tendo tido lugar com a presença do perito da S(…) Sr(…), e de dois técnicos do INEGI (Instituto de Ciência e Inovação em Engenharia Mecânica e Engenharia Industrial), do Eng. (…)  e do associado L (…), em representação da autora (artigo 33º da petição inicial, artigo 35º da contestação);

5.39 – A ré fez-se acompanhar dos técnicos do INEGI para apuramento das possíveis causas relacionadas com os danos verificados no aerogerador (artigo 47º da contestação);

5.40 - Por ocasião dessa deslocação, não havia meios adequados para se aceder ao topo do aerogerador, tendo sido disponibilizada, apenas, uma escada, o que inviabilizou a subida à torre, como pretendido (artigo 36º da contestação)

5.41 - Na sequência desta segunda deslocação ao local, no dia seguinte, 24/4/2015, remeteu o Perito comunicação à autora com o teor que consta de fls 72 (artigo 37º da contestação);

5.42 – Em 11 de maio de 2015, o perito da “S (…)” solicitou à autora o envio dos elementos mencionados no email de fls 74, do mesmo constando a solicitação de  elementos que já solicitara anteriormente e que ainda não lhe tinham sido remetidos e ainda de outros elementos (artigo 38º da contestação);

5.43 - Entretanto e não obstante as reservas iniciais quanto à reparabilidade do equipamento, a D (…) apresentou à autora proposta de reparação do equipamento, remetida por esta à S (…), a qual envolvia o dispêndio de € 133.648,88 (cento e trinta e três mil seiscentos e quarenta e três euros e oitenta e oito cêntimos), a que acrescia IVA, à taxa legal de 23%, no total de € 164.388,12 (cento e sessenta e quatro mil trezentos e oitenta e oito euros e doze cêntimos), orçamento que foi apresentado no pressuposto do aproveitamento “da parte de baixo da torre” (artigo 31º da petição inicial);

5.44 – As pás instaladas no aerogerador em princípios de 2012 pela D (…) beneficiavam de certificado de garantia que operava por defeito no equipamento substituído ou suas componentes (artigo 32º da petição inicial);

5.45 – A ré enviou à autora a comunicação cuja cópia consta de fls 22v, datada de 2/3/2015, na qual informa que por falta dos elementos solicitados imprescindíveis à regularização do sinistro, e por não ter sido possibilitado o acesso ao aerogerador, não foi possível à S(…) realizar a peritagem, pelo que iria encerrar o processo de sinistro (artigo 42º da petição inicial);

5.46 – À comunicação mencionada no artigo anterior, a autora reagiu mediante o envio de email de 5/3/2015 com o teor constante de fls 38 (artigo 44º da petição inicial);

5.47 – A ré encerrou o processo de averiguação do sinistro (artigo 46º da contestação);

5.48 - Desde a data do sinistro que o aerogerador não funciona, não produzindo energia elétrica (artigo 45º da petição inicial);

5.49 - Em cada ano decorrido desde a data do sinistro, o aerogerador teria produzido energia cuja grandeza não foi possível apurar (artigo 46º da petição inicial);

5.50 - A situação descrita causou incómodos e preocupações à autora que viu sucessivamente adiada, a reparação do aerogerador, impedindo-a de continuar a cumprir os compromissos que tinha com os seus associados cooperadores (artigo 47º da petição inicial);

5.51 – Mostra-se estipulado na cláusula 24ª do capítulo VI das Condições Gerais da Apólice, do contrato de seguro supra referido que: “1. Em caso de sinistro coberto pelo presente contrato, o Tomador do Seguro ou o Segurado obrigam-se: a) A comunicar tal facto, por escrito, ao Segurador, no mais curto prazo de tempo possível nunca superior a 8 dias a contar do dia da ocorrência ou o dia em que tenha conhecimento da mesma, explicando as suas circunstâncias, causas eventuais e consequências.”(artigo 9º da contestação);

5.52 – De acordo com o nº 1, al. c), cláusula 24ª do capítulo VI das Condições Gerais da Apólice, resulta que “Em caso de sinistro coberto pelo presente contrato, o Tomador do Seguro ou o Segurado obrigam-se: A prestar ao Segurado as informações que este solicite relativas ao sinistro e às suas consequências” (artigo 41º da contestação);

5.53 - Da al. c) do nº 2 daquela cláusula resulta que: “O Tomador do Seguro ou o Segurado obrigam-se ainda: A não impedirem, não dificultarem e colaborarem com o Segurador no apuramento da causa do sinistro ...” (artigo 42º da contestação);

5.54 - Resulta, ainda, da cláusula 26ª daquele capítulo das Condições Gerais que “1.O Segurador pode mandar inspecionar, por representantes credenciado e mandatado, os bens seguros e verificar se estão cumpridas as condições contratuais, obrigando-se o Tomador do seguro ou o Segurado a fornecer as informações que lhe forem solicitadas” (artigo 43º da contestação);

5.55 - Do nº 2 da cláusula 26ª resulta ainda: “A recusa injustificada do Tomador do Seguro ou do segurado, ou de quem os represente, em permitir o uso da faculdade mencionada, confere ao segurador o direito de proceder à resolução do contrato a titulo de justa causa, nos termos previstos na Cláusula 19ª” (artigo 43º da contestação)

5.56 - Resulta das Condições Gerais, subscritas aquando da celebração do contrato de seguro que a Tomadora do Seguro/Segurada tinha a obrigação de fornecer todos os elementos e prestar todos os esclarecimentos que lhe fossem solicitados (artigo 44º da contestação);

5.57 – Os técnicos do INEGI que se deslocaram ao local em 23 de abril de 2015 concluíram que: “O gerador acidentado foi instalado em local ermo e ventoso tal  como acontece na maior parte das instalações destes equipamentos. As cargas nestes equipamentos variam com o quadrado da velocidade de rotação pelo que a máquina dispõe de mecanismos de proteção que permitem resguardá-la de situações em que os ventos subam acima dos valores de projeto. No entanto, o projeto de geradores tem em conta que se trata de máquinas que são instaladas em locais muito fustigados pelo vento. (...) A quebra de uma das pás sem paragem da máquina implica um funcionamento excêntrico com vibrações e com a excitação de processos de fadiga por flexão alternada das pás. Estes movimentos não só degradam precocemente os rolamentos como podem levar à fratura das pás. Deve referir-se que na base da torre foram encontradas algumas das esferas dos rolamentos bastante oxidadas e as oscilações do aerogerador revelaram que ambos os rolamentos se encontram muito danificados. A queda da pá junto da base da torre revela também que a sua fratura não ocorreu durante a existência de vento forte pois nesse caso seria atirada para longe da base pela ação do vento. Deve lembrar-se que, quando a máquina se encontra em funcionamento as pás são fletidas no sentido do vento e caso se soltem interagirão com o vento pois têm uma geometria concebida para promover essa interação. Lembra-se que neste caso a pá se encontrava próxima da base e existiam evidências de ter caído com a parte mais pesada para baixo, isto é, sem grande interacção com o vento durante a queda. Sendo assim, parece-nos que a quebra da pá junto à raiz se deveu a outros fatores que não apenas a ocorrência de ventos fortes e que a sua rotura aconteceu num dia de calmaria. Seria importante verificar se as operações de manutenção decorreram de acordo com o manual de operação e nos períodos propostos, pois, não parece normal escorrência de lubrificante que aparece no topo do poste e a rotura dos cabos de controlo e proteção, pois esses elementos, sendo fundamentais para a proteção da máquina deverão ser bastante sobredimensionados e objeto de inspeção cuidada em qualquer intervenção de manutenção.” (artigo 48º da contestação);

5.58 - As pás do aerogerador foram aplicadas em 5/6/2012, com garantia de dois anos (artigo 51º da contestação);

5.59 – Na data da vistoria supra mencionada, em 23/4/2015, o aerogerador apresentava, pelo menos, danos em duas pás, deformação na chapa do leme, rotura dos  cabos de aço do sistema de travagem e dos rolamentos do gerador (artigo 55º da contestação);

5.60 – Verificou-se uma rutura no cabo do travão, instalado no topo de aerogerador, por aí tendo entrado água da chuva, não tendo sido possível apurar a extensão dos danos que tal situação causou, apuramento esse que exigirá a desmontagem do aerogerador (artigo 56º e 57º da contestação);

2.

Segunda questão.

2.1.

Liminarmente.

A ré, na contestação, invocou a extemporaneidade – que, summo rigore, se pode classificar de prescrição – do direito indemnizatório da autora.

Disse, para tanto, que o facto danoso devia ter sido comunicado, nos termos contratuais, no prazo máximo de oito dias, o que não aconteceu.

Verifica-se, pelos factos apurados – evento em 24.12.2013 e comunicação em 10.01.2014, que esta alegação é verdadeira.

Porém, alcança-se que inexistiu pronúncia sobre esta matéria, mesmo na sentença.

Em princípio foi cometida nulidade por omissão de pronuncia, no limite, na sentença – artº 615º nº1 al. d) do CPC.

Esta nulidade, porque interposto recurso, deveria ter sido arguida neste – nº 4, in fine, de tal preceito.

Não o tendo sido e porque não estamos perante questão de conhecimento oficioso – artº 303º do CC -  tal nulidade fica sanada.

2.2.

Quanto ao mais.

Da responsabilidade da ré.

2.2.1.

Perante o facto ora aditado, a responsabilidade da ré emerge sem margem para dúvidas.

Pois que a situação factual apurada se subsume na previsão do 1º parágrafo da al. a) da cobertura base atinente a TEMPESTADES.

Mas mesmo que assim não fosse, ou seja, não se desse como provado nesta instância recursiva tal quid factual, ela, outrossim  emergiria pela simples prova do facto atinente à velocidade do vento de 100 a 110 hM/hora.

Dilucidemos.

Versus o entendido pela julgadora, a dúvida   mencionada no 2º parágrafo não se reporta à, ou apenas à, velocidade do vento do 1º parágrafo.

Em nenhum passo deste 1º paragrafo se plasma qualquer concreta  velocidade, que, em função da prova produzida, possa resultar duvidosa.

Na verdade, a responsabilização dele emergente resulta apenas da prova da  existência de «tufões, ciclones ou tornados» e/ou a prova de «ventos fortes»,  aqui, ou, concedendo, mesmo em relação aos tufões e ciclones, com a prova cumulativa da existência de danos em habitações, objectos ou arvores existentes num raio de 5km do objecto segurado.

Assim, as dúvidas reportam-se a estes elementos constitutivos da responsabilidade da  seguradora, rectius,  aos  ventos fortes que destruam ou danifiquem edifícios objectos ou árvores num raio de 5Km dos bens seguros.

Efetivamente, e considerando que, tal, como defende a recorrente, na dúvida, deve ser operada a exegese mais favorável ao aderente das clausulas contratuais gerais – artº 11º do DL 446/85 de 25 de outubro - nem sequer se deve entender que a exigência cumulativa desta destruição ou dano com a existência de ventos fortes, se reporte aos  tufões ciclones e tornados.

Pois que estes fenómenos são de cariz extremo, os quais, só por si, fazem presumir aquela destruição.

Na verdade, tomando como critério orientador a tabela  Saffir-Simpson, em homenagem aos engenheiros Herbert Saffir e Robert Simpson, elaborada nos anos de 1970, e aceite na comunidade científica,  a qual comporta cinco graus, sendo que o grau 1 é o mais moderado e o grau 5 o mais intenso, os ventos que soprem a partir de 118Km/h já integram a  categoria de furacão ou tufão naquele grau 1, subsumindo-se no grau 5 os ventos superiores a 249km/h.

E há que convir que ventos desta magnitude provocam, em termos de normalidade, danos e danos avultados, cuja maior ou menor  gravidade naturalmente que depende da maior ou menor resistência  estrutural  dos edifícios e da maior ou menor implantação dos objectos ou árvores.

Nesta conformidade, reitera-se, as dúvidas reportam-se ao conceito genérico de «ventos fortes».

Ventos fortes «grosso modo»,  são,  ou é aceitável que possam ser,  desde logo pelo senso comum e experiência da vida, aqueles que sopram a partir  dos 50, 60, 70 Km/h.

Impulsionados por estas velocidades, é admissível que  os ventos provoquem danos.

Mas também é possível que os não provoquem. Tudo dependendo das aludidas maiores ou menores resistência e implantação.

E é exactamente em função deste dilema ou dúvida que se não se provar a velocidade do vento - ainda que ele, em face da prova produzida, possa ser, considerado, por aproximação e/ou intuitiva e subjetivamente como «forte», ou, inclusive, se prove com rigor ou objectivamente, uma velocidade de até 90Km/h -, a cláusula do contrato exija que, cumulativamente,  se prove a ocorrência de danos à volta do objecto seguro.

Porém, em caso de dúvida quanto à ocorrência de ventos fortes que tenham provocado danos, o passo seguinte da cláusula estabelece um critério/elemento de dissipação das mesmas: é que o lesado prove - e, note-se que não por qualquer meio, mas antes apenas por prova taxada ou tarifada, qual seja, por documento eivado de verdade cientifica rigorosa,  ie., o emitido pela  estação meteorológica mais próxima – que «no momento do sinistro os ventos atingiram  velocidade excepcional ( velocidade superior a 90Km/h).»

Ora lógica e  sagazmente interpretado este passo da cláusula, dela dimana que - quer pela exigência de prova  científica, fiável e rigorosa, quer pela sua própria classificação da velocidade superior a 90km/h como excepcional,  a qual inculca que, por este jaez, é tida pela  própria seguradora como claramente susceptível de provocar danos -, a simples prova desta velocidade, é o bastante para a fazer incorrer em responsabilidade,  mesmo que os danos à volta do objecto seguro não se provem.

Ou seja, e em resumo, este passo da cláusula, reporta-se a uma situação de especial/especifica  responsabilização da seguradora, valendo por si, e só por si, i.e., responsabilizando se estiver provado o  seu elemento nuclear: ventos excepcionais superiores a 90km/h; e, assim, sem ser exigível a prova dos danos em redor do objecto seguro, a qual, como se viu, apenas emerge no passo anterior para quanto se provem ventos fortes inferiores a 90m/h.

No caso vertente provou-se que os ventos chegaram a atingir a velocidade de 110km/h a qual, como  dimana do supra  exposto, muito se aproxima da  velocidade exigível para a classificação do fenómeno meteorológico como furacão ou tufão, fenómenos estes muito provavelmente danosos.

Assim, e se mais não houvesse, e versus o entendido pela julgadora, a responsabilidade  da seguradora desde logo  dimanaria do presente passo da cláusula em dilucidação.

2.2.2.

Dos argumentos exceptivos invocados pela ré eximentes da sua responsabilidade.

Apurada esta liminar subsunção responsabilizante da ré, urge avaliar, perante os factos provados, os seus dois argumentos exceptivos eximentes da sua responsabilidade, a saber: falta de colaboração da autora no apuramento das causa do sinistro e inexistência de nexo  causal entre a intempérie e os danos.

Quanto ao primeiro.

Dos pontos 31 a 42 dos factos apurados resulta  que a autora não apresentou, de uma vez e, quiçá, com a celeridade desejável,  todas as informações e elementos que lhe foram solicitados pela ré.

Mas foi-os apresentando, pelos vistos na medida e no tempo das suas disponibilidades/possibilidades- cfr. fls. 69 e verso.

De tais factos não se pode retirar a conclusão de que ela, deliberadamente,  impediu o apuramento das causas do sinistro, ou se recusou a colaborar com a ré de sorte a que esta falta de colaboração inelutavelmente impedisse ou intoleravelmente tivesse dificultado tal apuramento.

Ora as pertinentes cláusulas do contrato, quais sejam, as provadas nos pontos 52 a 56, apontam no sentido da exigência de uma certa gravidade na postura não colaborante do segurado.

Mais exige, na economia do contratado e da justa e equilibrada perspetivação dos interesses em presença, que a seguradora prove o dolo ou a negligência grave do segurado no incumprimento ou clamoroso deficiente cumprimento do dever de colaboração por banda do segurado.

Tal  ónus a ré não cumpriu.

Ademais é de notar que está plasmado no contrato  - ponto 54 – que « O Segurador pode mandar inspecionar, por representantes credenciado e mandatado, os bens seguros».

Deve entender-se que tal direito pode ser exercido mesmo contra   a vontade   do segurado.

Tanto assim, que – ponto 55 - «A recusa injustificada do Tomador do Seguro ou do segurado, ou de quem os represente, em permitir o uso da faculdade mencionada, confere ao segurador o direito de proceder à resolução do contrato a titulo de justa causa…»

Isto para dizer que mesmo que a segurada não colaborasse, sempre a seguradora poderia, se tal considerasse imperioso para o apuramento das causas dos danos, mais precocemente vistoriar o aerogerador, com meios por si fornecidos, podendo, depois, eventualmente, pedir o reembolso dos gastos havidos.

E que, se aquela, injustificadamente, se recusasse – ou seja, emitisse uma declaração adrede nesse sentido ou, ao menos, praticasse atos inequivocamente demonstrativos da recusa -  a permitir a inspecção, assistir-lhe-ia o direito à resolução do contrato.

Mais uma vez não se antolham factos – a provar pela seguradora -  que provem a impossibilidade daquela inspecção por recusa injustificada da segurada.

No atinente ao segundo.

Dimana do supra expendido em 2.2.1. que a simples prova de que ocorreram ventos de 110km/hora, os quais a seguradora  considera idóneos para se atingir uma velocidade que ela - aliás acertadamente, pois que, como se viu, esta velocidade muito  já se aproxima daquela que permite classificar o fenómeno como tufão ou furacão -  taxa de «excepcional», constitui uma causa autónoma ou especifica que, só por si, clama, nos termos contratuais, a responsabilização da seguradora.

Este entendimento é reforçado pela prova, nesta instancia recursiva, que tais ventos  destruíram objectos e arvores nas redondezas do aerogerador.

Tanto basta para se poder concluir que os ventos foram a causa, ou uma causa, e causa adequada, dos danos.

A ré pretende que a causa foi a deficiente manutenção do aparelho.

Tal não dimana dos factos apurados; antes pelo contrário, se prova, ou indicia suficientemente, que ele estava vigiado  no sentido do seu bom funcionamento -  pontos 15 a 17.

Não obstante, e mesmo que se concluísse que existiu uma concausalidade, – e esta possibilidade o  próprio perito por si escolhido admitiu -, tal não desresponsabilizava a ré, mas apenas, quando muito, poderia  levar a uma co responsabilização com a autora.

Efetivamente, urge ter presente que a nossa lei – artº 563º do CC, - consagrou a teoria da causalidade adequada para os casos em que a obrigação de indemnização procede de facto ilícito culposo, quer se trate de responsabilidade extracontratual, quer contratual, na formulação negativa de  Enneccerus-Lehman, segundo a  qual «o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente para a verificação do mesmo, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercederam no caso concreto»

Ademais:

 «Esta doutrina … não pressupõe a exclusividade da condição, no sentido de que esta tenha só por si determinado o resultado».

« …nem exige que a causalidade tenha de ser directa e imediata, pelo que admite:

-- não só a ocorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não;

-- como ainda a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano» -Cfr. entre outros, os Acs. do STJ de 06.11.2002, 29.06.04, 20.10.2005, 07.04.2005 e 13-03-2008 in dgsi.pt, ps. 02B1750, 03B4474, 05B2286, 05B294 e 08A369 e A. Varela, ob. cit. ps. 746/756. 

2.2.3.

Do quantum indemnizatório pelos danos materiais.

2.2.3.1.

A causa do sinistro é apenas abrangida pelo capital da cobertura base, o qual ascende a € 206.000,00 (duzentos e seis mil euros).

A este valor deve deduzir-se a franquia de 1%, o que perfaz a quantia de 203.940,00 euros.

É, pois, este o valor máximo da responsabilidade da ré.

A título de danos emergentes diretos do sinistro a autora  impetra a totalidade do capital segurado – 206 mil euros.

Já se viu que só lhe pode ser concedido 203.940. euros.

Ademais,  fundamenta  o seu pedido na perda total e na irrecuperabilidade do aparelho.

Mas tal não se provou.

O que se provou foi que ele é reparável e que a reparação ascende a € 164.388,12.

Destarte, à autora assiste jus ao recebimento deste valor.

2.2.3.2.

No que tange aos danos emergentes decorrentes da falta de produção de energia ex vi do aerogerador  avariado.

Neste particular conspeto a pretensão da autora apenas poderia singrar se se provasse o atraso injustificado/mora da ré  na reparação do aparelho.

Neste sentido ela alegou que entregou à S ( ..) documentos que teriam permitido efectuar a peritagem e à ré permitido proceder à regularização do sinistro – artº 43º da pi.

Mas não logrou provar tal.

Ora estatui o artº 805º do CPC:

1. O devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.

2. Há, porém, mora do devedor, independentemente de interpelação:

a) Se a obrigação tiver prazo certo;

b) Se a obrigação provier de facto ilícito;

c) Se o próprio devedor impedir a interpelação, considerando-se interpelado, neste caso, na data em que normalmente o teria sido.

No caso vertente queda  inverificado qualquer dos requisitos do nº2 e improvada a interpelação extrajudicial.

Quanto a esta última indicia-se até suficientemente – e sem prejuízo, pois que são subsunções diversas que postulam uma exigência hermenêutica diferenciada, de se ter considerado que a atuação da autora não preenche a clausula contratual  relativa à  sua falta de colaboração para com a ré para a reparação – que a conduta da demandante, de algum modo e em maior ou menor grau, contribuiu para que uma solução/decisão, unilateral ou por acordo, tendente à reparação, não tivesse já sido encontrada/tomada.

Por conseguinte à autora assistiria o direito de ser ressarcida pela energia produzida a partir da data da citação da ré.

Para este efeito provou-se que

«5.48 - Desde a data do sinistro que o aerogerador não funciona, não produzindo energia eléctrica»

 e que

5.49 - Em cada ano decorrido desde a data do sinistro, o aerogerador teria produzido energia cuja grandeza não foi possível apurar»

A questão está em saber se, perante estes factos há que condenar no que se liquidar no respectivo incidente ou há que absolver por falta de prova do montante do prejuízo.

Prescreve o artº 609º nº2 do CPC:

2 - Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.

Ora esta possibilidade legal não pode servir para  conceder uma segunda oportunidade de prova  a quem anteriormente não cumpriu  o seu ónus neste particular conspeto.

É este o entendimento da hodierna jurisprudência mais abalizada aquando da sua  intervenção hermenêutica sobre o aludido segmento normativo.

Assim:

«A possibilidade de condenação “no que vier a ser liquidado”, prevista no nº 2 do artigo 661º do Código de Processo Civil, não tem cabimento quando não foram oportunamente alegados factos que sustentem a condenação, ou quando se não conseguiu fazer prova de tais factos. Destina-se a permitir a quantificação de danos que não seja viável no momento da sentença, seja por estar dependente de cálculos a efectuar, seja por não terem ainda cessado os danos a ressarcir.» -  Ac. do STJ de  15.03.2012, p. 925/08.5TBSJM.P1.S1 in dgsi.pt.

Razões de auto responsabilidade, e, ainda, diremos nós, o fito de obviar a posturas dilatórias, oportunísticas e de menor boa fé, vg. quanto à obtenção da prova, estão nos alicerces desta interpretação.

No caso vertente a autora alegou  estimar o prejuízo anual decorrente da falta de produção de energia em 18.500,00 euros.

Ou seja, alegou um concreto valor pelo que lhe era exigível convencer sobre ele ou, ao menos, sobre outro aproximado.

Como se viu não logrou cumprir este seu ónus probatório.

Ademais ela não alegou que, à data da audiência de julgamento, lhe fosse impossível, por motivo a ela não imputável, operar prova sobre tal facto.

Logo, não lhe assiste jus a, mediante exagerada concessão de segunda, repetida e dilatória oportunidade, poder prová-lo.

2.2.4.

Finalmente os danos não patrimoniais.

A questão de se saber se a esfera jurídica das pessoas colectivas é suscetível de integrar o direito a serem compensadas por danos morais/não patrimoniais, tout court, tem sido dilucidada de modos diversos e até díspares.

Para uns tal é possível -  cfr. Acs. do STJ de 8-03-2007,  27-09-2007 e 12-02-2008 ; Ac. da RL de 03-11.2009, p. 1448/05.0TCLRS.L1-1; Ac. da RC de   27.04.2017, p. 289/14.8T8FND.C1;  todos in dgsi.pt.

Expende-se, neste último aresto que:

«A ofensa ao bom nome e reputação das pessoas coletivas não releva apenas como dano patrimonial indireto, refletido na diminuição da potencialidade de lucro, podendo relevar ainda enquanto dano não patrimonial.

Se o ato ilícito puser em causa o prestígio e a credibilidade da pessoa coletiva a tal ponto que afete gravemente a sua capacidade de prossecução do seu fim e se esse dano não for avaliável em dinheiro, aí sim, podemos falar de um dano não patrimonial.»

Para outros tal indemnização/compensação não é possível – cfr.  Acs. do STJ de 30-11-2004 e de 23/01/2007; Ac. da RL de 18.02.2014, p. 366/12.0TVLSB.L1-7 e Ac. da RC de 24.02.2015, p. 7825/08.7TBOER.C2, relatado pelo aqui 2º adjunto.

Naquele Ac. da RL expende-se:

«I – A essência do dano não patrimonial está na repercussão que a ofensa recebida tem no espírito do lesado, traduzindo-se no sofrimento, físico ou moral, nele infligido.

II – As pessoas coletivas gozam de direito a indemnização pelos danos sofridos com a afirmação ou difusão de facto que seja suscetível de prejudicar o seu crédito ou bom nome, bens de natureza imaterial – art. 484º do C. Civil;

III – Importando distinguir entre o bem jurídico atingido e o dano que resulta dessa lesão, a afetação do crédito ou do bom nome de sociedade comercial é insuscetível de provocar nela, enquanto entidade destituída de personalidade física e moral, qualquer reflexo negativo de natureza psicológica;

IV – Daí que a ofensa perpetrada só releve, para efeitos de indemnização, na medida em que cause um dano indireto, sendo assim qualificado aquele que, embora atingindo bens jurídicos imateriais, como o bom nome ou o crédito, se reflete negativamente no património do lesado.»

Já neste último aresto desta Relação defende-se:

«1. Independentemente da questão de saber se as pessoas colectivas, e, em particular, as sociedades comerciais, enquanto realidade técnico-jurídica, têm personalidade moral que possa ser atingida, é inequívoco que podem ser lesadas na sua boa imagem, no seu crédito comercial, reclamado como prestígio da sua actuação negocial perante o mercado dos seus clientes, na aquisição dos seus produtos ou na prestação dos seus serviços, o que leva a estabelecer a ligação de uma tal realidade com os danos de natureza patrimonial, a indemnizar, porquanto toda a ofensa ao bom nome comercial, acaba por se projectar num dano patrimonial, revelado pelo afastamento da clientela e na consequente frustração de vendas, a partir da repercussão negativa no mercado que à sociedade advém por causa da má imagem que se propaga.

2.- A ofensa do bom nome, reputação e imagem comercial de uma sociedade comercial apenas pode produzir um dano patrimonial indirecto reflectido na diminuição da potencialidade de lucro, não sendo, por isso, susceptível de indemnização por danos não patrimoniais.»

Inclinamo-nos para este último entendimento pelas razões em tais arestos expostas.

As pessoas colectivas são uma realidade – há quem diga ficção – jurídica, as quais, ipso facto,  não encerram todas as qualidades das pessoas físicas  necessárias à atribuição de certos direitos.

E a verdade é que o direito à compensação por danos morais/não patrimoniais tem na sua génese e essência a capacidade de, a pessoa invocante de tal direito, por si própria, e   subjectiva, racional, física e até fisiologicamente, entender/querer/sentir/intuir/sofrer;  requisito  que, naturalmente, pela natureza das coisas, falha às pessoas jurídicas.

Destarte,  a  extensão deste  direito às pessoas colectivas, apenas pode  manifestar-se reflexa e indirectamente, não porque tenham aquela capacidade, mas antes porque, sejam, ainda objectivamente, lesadas no seu bom nome  ou imagem comercial,  lesão esta que acarrete prejuízos materiais.

A tese do citado aresto desta Relação de 27.04.2017, sdr., não colhe.

Pois que,  a afectação do  prestígio e da credibilidade da pessoa coletiva a tal ponto que afete gravemente a sua capacidade de prossecução do seu fim e se esse dano não for avaliável em dinheiro, não coloca a questão no âmago e âmbito dos danos não patrimoniais.

Bem vistas as coisas, a  afectação  da capacidade  da pessoa colectiva para  prossecução do seu fim situa-se ainda no domínio dos danos patrimoniais.

Pois que tal incapacidade naturalmente, apenas pode ser perspectivada em termos objectivos atinentes à, ou consubstanciados na, afectação da  sua organização e estrutura, que não já  vislumbrada em termos  subjectivos e físico pessoais, como é exigível em sede de danos não patrimoniais.

Ademais, a colocação da questão em sede de danos não patrimoniais,  quando estes danos não são avaliáveis em dinheiro, acarretaria uma impossibilidade ou grave dificuldade em ressarcir/compensar, ou uma indemnização intoleravelmente arbitrária, pois que a sua justa determinação sempre se apresentaria como uma tarefa de diabólica consecução.

 E esta dificuldade sempre se colocaria mesmo que a decisão fosse efetivada no campo do juízo équo, pois que, como é consabido, equidade não pode corresponder a arbitrariedade, pelo que a decisão tomada por esta via tem de estar sempre amparada e respaldada por circunstâncias e dados objectivos que a possam justificar ou, ao menos, tolerar.

No caso vertente provou-se – ponto 50 -  que a falta de produção de energia:

«causou incómodos e preocupações à autora que viu sucessivamente adiada, a reparação do aerogerador, impedindo-a de continuar a cumprir os compromissos que tinha com os seus associados cooperadores»

Como se viu, a autora, ela própria, como pessoa jurídica, não pode ter incómodos e preocupações.

Pelo que, por esta via, a ela não assiste jus a danos não patrimoniais.

No seguimento das tese supra  exposta que sufragamos, o seu direito apenas poderia  emergir se ela provasse que o incumprimento dos compromissos denegriram o seu bom nome, prestígio, reputação ou credibilidade perante tais clientes e que,  decorrentemente, ela teve prejuízos.

Ora nada disto foi alegado e provado.

Procede, parcialmente, o recurso.

6.

Sumariando – artº 663º nº7 do CPC.

I - Verbalizando duas testemunhas que, na manhã seguinte a uma tempestade, viram  estragos na zona provocados pela mesma, o seu depoimento deve prevalecer sobre o de outra que,  passando pela zona  mais de três semanas após a intempérie, disse que não os viu.

II - O recorrente da decisão sobre a matéria de facto deve, sob pena de indeferimento liminar na parte afetada, indicar os concretos meios probatórios que, sobre cada um dos pontos impugnados, impunham decisão diversa da recorrida, e, ainda, especificar a decisão concreta a proferir sobre cada um  de tais factos.

III – Invocada a prescrição de direito disponível, existindo omissão de pronúncia na sentença, e não colocando o recorrente tal nulidade no recurso,  a exceção e a nulidade, mesmo existentes, ficam sanadas –– artºs 615º nº 4 do CPC  e 303º do CC.

IV- Devidamente interpretada, tem de entender-se que a seguinte cláusula de contrato de seguro:

"Esta cobertura garante as perdas ou danos directamente causados aos bens seguros em consequência de:

a) Tufões, ciclones, tornados e toda a ação direta de ventos fortessempre que a sua violência destrua ou danifique vários edifícios de boa construção…objetos ou árvores num raio de 5 Km envolventes dos bens seguros.

Em caso de dúvida, poderá o Segurado fazer prova, por documento emitido pela estação meteorológica mais próxima que, no momento do sinistro, os ventos atingiram velocidade excecional (velocidade superior a 90 Km/hora);

consagra dois casos autónomos de responsabilização da seguradora: o 1º, se existirem ventos fortes (sem  exigência de prova da velocidade) desde que causem danos na envolvência do objecto segurado; o 2º se se provar que a velocidade do vento é superior a 90kM/h, não sendo necessária, neste caso, a prova dos danos.

V - Às pessoas colectivas, porque  apenas entes jurídicos e não seres sensíveis, não assiste jus à compensação por danos não patrimoniais, tout court, mas apenas ao ressarcimento de prejuízos que, por força do denegrimento do seu bom nome, prestígio, reputação ou credibilidade, possam sofrer na sua atividade.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda julgar o recurso parcialmente procedente e, agora, condenar a ré a pagar à autora a quantia de € 164.388,12., acrescida dos juros de mora comerciais vencidos, desde a citação, e vincendos, até integral pagamento.

Custas na proporção da presente sucumbência.

Coimbra, 2019.01.22.

Carlos Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo ( vencido)

Fonte Ramos

Voto parcial de vencido

Discorda-se da interpretação do art.609 nº2 do NCPC uma vez que provado o dano mas não apurado o seu montante, nunca pode ser proferida decisão de absolvição do pedido, mas sim ordenar-se a respectiva liquidação de sentença. Como é, aliás, a interpretação da larga maioria da jurisprudência. Assim, face ao facto provado 49 provado o dano teria necessariamente apurar-se no respectivo incidente de liquidação.

Moreira do Carmo