Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
128/05.0IDAVR.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOSÉ NOGUEIRA
Descritores: FRAUDE FISCAL
CRIME QUALIFICADO
NÃO PUNIBILIDADE
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
CIRCUNSTÂNCIAS MODIFICATIVAS COMUNS
Data do Acordão: 12/03/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA: BAIXO VOUGA (JUÍZO DE INSTÂNCIA CRIMINAL DE ALBERGARIA-A-VELHA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 103.º, N.º 2, E 104.º DO RGIT; ARTIGO 118.º, N.º 2, DO CP
Sumário: I - Não é aplicável à fraude qualificada, p. e p. no artigo 104.º do RGIT (Regime Geral das Infracções Tributárias) o limite de € 15.000,00 previsto no artigo 103.º, n.º 2, do mesmo diploma legal.

II - Em matéria de prescrição do procedimento criminal, em ordem à determinação do máximo da pena aplicável, relevam as atenuantes ou agravantes que na parte especial do CP ou em legislação avulsa derem origem a novos tipos, privilegiados ou qualificados, mas não as circunstâncias comuns, modificativas ou não, integradas na parte geral.

Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência os juízes na 5.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório

1. No âmbito do processo comum n.º 128/05.0IDAVR, da Comarca do Baixo Vouga, foram pronunciados os arguidos A..., B..., “ C..., L.da”, D..., “ E..., SA” e “ F..., L.da”, todos melhor identificados nos autos, sendo-lhes, então, imputada a prática dos crimes referidos no despacho de pronúncia de fls. 515 e ss. [o qual, em termos fácticos remete para a acusação pública de fls. 388 a 407], concretamente: a A... a autoria material de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. à data dos factos pelo artigo 105.º, n.ºs 1, 2 e 4 do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05 de Junho e actualmente pelo artigo 105.º, n.ºs 1, 2 e 4, alíneas a) e b) do RGIT (na redacção da Lei n.º 60-A/2005, de 30.12; da Lei n.º 53 – A/2006, de 29.12 e da Lei n.º 64 – A/2008, de 31.12) e, ainda, em co-autoria de três crimes de fraude fiscal qualificada, na forma continuada, p. e p. à data dos factos pelos artigos 103.º, n.º 1, alíneas a) e c), e n.º 2, e 104.º, n.º1, alíneas d) e e), e n.º 2 do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05 de Junho (actualmente na redacção da Lei n.º 60 – A/2005, de 30.12, da Lei n.º 53 – A/2006, de 29.12 e da Lei n.º 64 – A/2008, de 31.12), conjugadamente com o disposto no artigo 30.º, n.º 2, Do Código Penal; a D... a co-autoria de um crime de fraude fiscal qualificada, na forma continuada, p. e p. à data dos factos pelos artigos 103º, n.º 1, alíneas a) e c), e n.º 2, e 104.º, n.º 1, alíneas d) e e), e n.º 2, do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 05 de Junho (actualmente na redacção da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, e da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro), conjugadamente com o disposto no artigo 30º, nº 2, do Código Penal; a E..., SAum crime de fraude fiscal qualificada, na forma continuada, p. e p. à data dos factos pelos artigos 7º, 15º, 103º, n.º 1, alíneas a), c), e n.º 2, e 104º, nº 1, alíneas d) e e), e n.º 2, do RGIT, aprovado pela Lei n.º 15/2001, (actualmente na redacção da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, da lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro, e da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro), conjugadamente com o disposto no artigo 30º, nº 2, do Código Penal.

2. Realizado o julgamento, por acórdão do Tribunal Colectivo, de 13.06.2011, foram todos os arguidos condenados, tendo sido o arguido A... pela prática, em concurso efectivo, de três crimes de fraude fiscal qualificada, na forma continuada, p. e p. pelos artigos 103.º, n.º 1 e 104.º, n.ºs 1 e 2 do RGIT, aprovado pela Lei n.º 5/2001, de 05.06), na pena, por cada um deles, de 2 [dois] anos de prisão e ainda pelo sobredito crime de abuso de confiança fiscal na pena de 1 [um] ano de prisão e, em cúmulo jurídico na pena de única de 4 [quatro] anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 [quatro] anos, mediante a condição de pagar o IVA e acréscimos legais, no referido prazo, sendo ¼ em cada dos anos, a contar do trânsito em julgado e a comprovar nos autos; D... pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 103.º, n.º 1, e 104.º, nºs 1 e 2, do RGIT, na pena de 2 (dois) anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos e a arguida E..., SA” pela prática de um crime de fraude fiscal qualificada, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 7º, 15º, 103º, nº 1, e 104º, nºs 1 e 2, do RGIT na pena de 450 [quatrocentos e cinquenta] dias de multa, à taxa diária de € 25,00, no total de € 11.250,00 [onze mil duzentos e cinquenta euros].

3. Inconformados, recorreram, então, os arguidos D... e “ E..., SA”, recurso, esse, objecto de apreciação pelo acórdão do TRC de 25.01.2012, o qual, na procedência do recurso, julgou verificado o vício da contradição insanável previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b) do CPP, determinando o reenvio do processo para novo julgamento a incidir sobre os aspectos tendentes à sanação do identificado vício [cf. fls. 690 a 709].

4. Remetidos os autos à 1.ª instância, finda a audiência de discussão e julgamento, no decurso do qual o tribunal a quo procedeu à comunicação da alteração da qualificação jurídica dos factos [cf. fls. 1243/1244], por acórdão do Colectivo da Comarca do Baixo Vouga – Juízo de Instância Criminal de Albergaria – A – Velha, de 20.09.2013, foi deliberado [transcrição parcial]:

«Pelo exposto, decide-se:

A. Julgar improcedente a invocada prescrição do procedimento criminal relativamente a todos os crimes imputados aos arguidos.

B. Quanto ao arguido A..., condená-lo pela prática, em concurso efetivo, de

- dois (2) crimes de fraude fiscal qualificada, como coautor com B... e C..., Lda., previsto e punido pelos artigos 103.º, n.º 1, al. a) e c) e n.º 2, 104.º, n.º 1, al. d) e e) e n.º 2 do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena de um (1) ano e nove (9) meses de prisão;

- três (3) crimes de fraude fiscal qualificada, como coautor com D... e E..., S.A., previsto e punido pelos artigos 103.º, n.º 1, al. a) e c) e n.º 2, 104.º, n.º 1, al. d) e e) e n.º 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de um (1) ano e nove (9) meses de prisão;

- três (3) crimes de fraude fiscal qualificada, como coautor com F..., Lda., previsto e punido pelos artigos 103.º, n.º 1, al. a) e c) e n.º 2, 104.º, n.º 1, al. d) e e) e n.º 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de um (1) ano e nove (9) meses de prisão; e

- um (1) crime de abuso de confiança fiscal, previsto e punido pelo artigo 105.º, n.º 1 e n.º 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena de um (1) ano de prisão

condenando-o, em cúmulo destas, na pena única de quatro (4) anos de prisão, cuja execução se suspende por igual período,

a) mediante a condição de pagar o IVA e acréscimos legais, em falta no referido prazo, sendo ¼ em cada um dos anos, a contar do trânsito em julgado, comprovando tal pagamento nos autos; e

b) fazendo acompanhar a referida suspensão da execução da pena de prisão de regime de prova respeitando-se o plano de reinserção social a ser delineado pela Direção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais e impondo desde já os seguintes deveres:

- De resposta a todas as convocatórias do juiz responsável pela execução do plano e do técnico de inserção social;

- De recebimento de visitas do técnico de reinserção social e de comunicação ou colocação à sua disposição, com a máxima prontidão possível, de informações e documentos comprovativos dos seus meios de subsistência;

- De informação ao técnico de reinserção social sobre alterações de residência e de emprego, bem como sobre qualquer deslocação com duração superior a oito dias, indicando a data previsível de regresso; e

- De obtenção de autorização prévia do juiz responsável pela execução do plano para se deslocar ao estrangeiro;

C. Quanto ao arguido B..., condená-lo pela prática, em concurso efetivo, de dois (2) crimes de fraude fiscal qualificada, como coautor com A..., previsto e punido pelos artigos 103.º, n.º 1, al. a) e c) e n.º 2, 104.º, n.º 1, al. d) e e) e n.º 2 do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena, por cada um deles, de um (1) ano e nove (9) meses de prisão, condenando-o, em cúmulo destas, na pena única de dois (2) anos de prisão, cuja execução se suspende por igual período;

D. Quanto à arguida C..., Lda., condená-la pela prática, em concurso efetivo, de dois (2) crimes de fraude fiscal qualificada, como coautor com A..., previsto e punido pelos artigos 103.º, n.º 1, al. a) e c) e n.º 2, 104.º, n.º 1, al. d) e e) e n.º 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias, na pena, por cada um deles, de trezentos e cinquenta (350) dias de multa, condenando-a, em cúmulo destas, na pena única de quatrocentos e cinquenta (450) dias de multa à taxa diária de quinze euros (€ 15), perfazendo o montante global de seis mil setecentos e cinquenta euros (€ 6 750);

E. Quanto ao arguido D..., condená-lo pela prática, em concurso efetivo, de dois (2) crimes de fraude fiscal qualificada, como coautor com A..., previsto e punido pelos artigos 103.º, n.º 1, al. a) e c) e n.º 2, 104.º, n.º 1, al. d) e e) e n.º 2 do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena, por cada um deles, de um (1) ano e nove (9) meses de prisão, condenando-o, em cúmulo destas, na pena única de dois (2) anos de prisão, cuja execução se suspende por igual período;

F. Quanto à arguida E..., S.A., condená-la pela prática, em concurso efetivo, de três (3) crimes de fraude fiscal qualificada, como coautor com A..., previsto e punido pelos artigos 103.º, n.º 1, al. a) e c) e n.º 2, 104.º, n.º 1, al. d) e e) e n.º 2 do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena, por cada um deles, de trezentos e cinquenta (350) dias de multa, condenando-a, em cúmulo destas, na pena única de quatrocentos e cinquenta (450) dias de multa à taxa diária de vinte e cinco euros (€ 25), perfazendo o montante global de onze mil duzentos e cinquenta euros (€ 11 250); e

G. Quanto à arguida F..., Lda., condená-la pela prática, em concurso efetivo, de três (3) crimes de fraude fiscal qualificada, como coautor com A..., previsto e punido pelos artigos 103.º, n.º 1, al. a) e c) e n.º 2, 104.º, n.º 1, al. d) e e) e n.º 2 do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena, por cada um deles, de trezentos e cinquenta (350) dias de multa, condenando-a, em cúmulo destas, na pena única de quatrocentos e cinquenta (450) dias de multa à taxa diária de dez euros (€ 10), perfazendo o montante global de quatro mil e quinhentos euros (€ 4 500)».

5. Uma vez mais inconformados, recorrem os arguidos D... e “ E..., SA” [o que fazem conjuntamente], extraindo da motivação as seguintes conclusões:

1.ª Mesmo entendendo que foi praticado um crime (o que os recorrentes não aceitam) deveria ter sido considerado que de um crime continuado se trata (e não de dois ou três crimes).

2.ª O valor mais alto que integra a continuação não atinge os 15.000€ (quinze mil euros) o que determina a extinção do procedimento criminal.

3.ª O Tribunal a quo não respeitou a razão pela qual foi ordenada a anulação do anterior julgamento.

4.ª A junção das faturas, cheques e depoimentos testemunhais apresentados pelos arguidos, ora recorrentes, permitiram chegar à conclusão de que não há faturas totalmente falsas, como, aliás, resultou do primeiro julgamento.

5.ª O Tribunal a quo entendeu ser prova bastante as declarações de um co-arguido em inquérito, proferidas antes da constituição como arguido em violação clara do disposto no artigo 58.º n.º 5 do Código de Processo Penal, o que constitui prova proibida.

6.ª O depoimento das testemunhas H..., I... e J... foi erradamente desconsiderado, tanto mais quanto haviam sido consideráveis credíveis no primeiro julgamento.

7.ª O Tribunal a quo não atendeu, nem aplicou o artigo 22.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT).

8.ª Se o tivesse feito, como devia, os arguidos poderiam ser dispensados de pena ou ver as suas penas especialmente atenuadas e até substituídas por admoestação.

Sem prescindir,

9.ª Mesmo que assim se não entendesse nunca a taxa diária da multa aplicada poderia ser superior a 10 € (dez euros) diários.

10.ª De todo o modo a aplicação do artigo 22º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT) é obrigatória, decorre da lei e a diferente moldura penal dele decorrente permite concluir estar já prescrita a responsabilidade criminal dos arguidos, ora recorrentes.

11.ª O acórdão de que se recorre violou as seguintes normas: artigos 40.º, 47.º, 70.º, 71.º, 72.º, 73.º, 79.º, 118.º n.º 1 alínea c) e 121.º nº 3 do Código Penal, artigo 58º nº 5 do Código de Processo Penal e artigos 103º n.º 3, 104.º e 22º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT).

Assim decidindo Vossas Excelências farão Justiça.

6. Por despacho exarado a fls. 1391 foi o recurso admitido, fixado o respectivo regime de subida e efeito.

7. Ao recurso respondeu a Exma. Procuradora da República, concluindo:

«… todas as questões suscitadas no presente recurso foram alvo de cuidada e exaustiva análise e de assertiva decisão no acórdão visado, a dispensar qualquer argumento externo em sua defesa, tendo o julgamento decorrido com estreita obediência ao que nesse Venerando Tribunal se determinou.

O percurso que o Tribunal a quo fez na apreciação da prova produzida em julgamento e na sua qualificação jurídica está, transparentemente, traduzido no acórdão sub judice.

Razões pelas quais, Senhores Desembargadores, somos de opinião que o recurso deverá ser considerado improcedente, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida.

Porém Vossas Excelências melhor apreciando e ponderando, decidirão com Justiça» [cf. fls. 1402 a 1405].

8. Remetidos os autos à Relação o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer junto a fls. 1422 a 1430, concluindo:

1) Os recorrentes não especificam os pontos de facto tidos por mal julgados, assim como as provas que impõem decisão diversa da recorrida, como é exigido pelo art. 412.º, n.ºs 2, 3 e 4, do CPPenal.

2) Não se verifica, de todo, qualquer vício na apreciação da prova produzida e na fixação da matéria de facto, provada e não provada, sobretudo a relativa à questão que se tornou central ao longo da audiência de discussão e julgamento, no seguimento do reenvio do processo por anterior Acórdão deste TRC (fls. 690 a 710), e em cumprimento deste: apurar se o arguido A..., relativamente a cada uma das faturas, prestou os serviços que nelas se mostram discriminados, ou prestou só alguns dos serviços, ou não prestou quaisquer serviços.

3) O erro na apreciação da prova tem que ser notório, o que só ocorre quando é utilizado um processo de raciocínio irracional e ilógico, arbitrário e violador das regras da experiência comum, o que não se verificou neste caso.

4) Não se verificam os pressupostos da dispensa da pena, previstos no n.º 1, do art. 22.º, do RGIT, na sua primitiva redação (junho de 2001, em vigor à data dos factos), ou seja, e para além da reposição da verdade sobre a situação tributária, com o pagamento da prestação tributária e demais acréscimos legais, que: (1) o crime seja punível com pena de prisão igual ou inferior a 3 anos; (2) a ilicitude do facto e a culpa do agente não forem muito graves; e (3) à dispensa da pena se não opuserem razões de prevenção.

5) Porém, quanto à determinação da medida da pena, os arguidos aqui recorrentes e a arguida, não recorrente, “ F..., Lda”, beneficiam da atenuação especial das penas, nos termos das disposições conjugadas do art. 22º, nº 2, do RGIT, e 73º, do CPenal, uma vez que ficou provado que pagaram os impostos apurados, como lhes foi exigido pela Administração Tributária.

9. Cumprido o disposto no artigo 417.º, nº 2 do CPP nenhum dos sujeitos processuais interessados reagiu.

10. Realizado o exame preliminar e colhidos os vistos foram os autos à conferência, cumprindo, agora, apreciar.

II. Fundamentação

1. Delimitação do objecto do recurso

De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 412.º do CPP e conforme jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal de Justiça o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas da respectiva motivação, só cabendo ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer oficiosamente mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito – [cf. acórdão do Plenário das Secções Criminais do STJ de 19.10.1995, DR, I Série – A, de 28.12.1995].

No presente caso são as seguintes as questões suscitadas:

- Violação do artigo 58.º, n.º 5 do CPP;

- Erro de julgamento;

- Verificação do crime continuado;

- Descriminalização das condutas;

- Atenuação especial da pena/dispensa da pena;

- Extinção, por prescrição, do procedimento criminal;

- Medida das penas e aplicação da admoestação.

2. A decisão recorrida

Ficou a constar do acórdão recorrido [transcrição parcial]:

III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

6. Factos provados

Instruída e discutida a causa, com relevo para a decisão, mostram-se provados apenas os seguintes factos:


I

1) O arguido A... (doravante designado, apenas por facilidade de exposição, por A...), como empresário em nome individual, exerce a atividade de serralharia civil e mecânica desde 16.04.1992, tendo como domicílio profissional e fiscal a Rua (...), Albergaria-a-Velha;

2) Em termos de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), o arguido A... encontrava-se enquadrado no regime normal de periodicidade trimestral;

3)No âmbito de tal atividade, o arguido A... mantinha relações comerciais, além do mais, com as sociedades arguidas:

– “ C..., Lda.”, legalmente representada pelo arguido B... (doravante, e simplesmente por facilidade de exposição, designado simplesmente por B...);

– “ E..., Lda.”, legalmente representada pelo arguido D... (doravante, e apenas para facilidade de exposição, designada simplesmente por D...); e

– “ F..., Lda.”, legalmente representada por L... e então gerida por P... (entretanto falecido);

cujas empresas pertenciam ao ramo da construção civil, obras públicas e mecânica e a quem aquele primeiro prestava serviços de serralharia civil e mecânica;

4) A sociedade “ C..., Lda.”, tem por objeto social a construção e reparação de edifícios;

5) Para efeitos de IVA, estava à época dos factos enquadrada no regime normal de periodicidade trimestral e no regime geral para efeitos de IRC;

6) O arguido B... era, ao tempo dos factos descritos, seu sócio-gerente;

7)A sociedade “ E..., SA”, tem por objeto social montagens técnicas, reparações, construções, metalomecânicas, reparações industriais e comerciais às empresas no âmbito mecânico, elétrico, construções e obras públicas;

8)Para efeitos de IVA, a referida sociedade estava, na altura dos factos, enquadrada no regime normal de periodicidade mensal e no regime geral para efeitos de IRC;

9)O arguido D... era, à época dos factos, seu sócio-gerente e, atualmente, integra o seu Conselho de Administração;

10)A sociedade “ F..., Lda.”, atualmente designada por “ F..., Lda.”, tem por objeto social a prestação de serviços a empresas nas áreas de mecânica, eletricidade, instrumentação, cedência temporária de trabalhadores para utilização de terceiros utilizadores, construção civil e obras públicas e manutenção industrial;

11) Para efeitos de IVA, estava, à época dos factos, enquadrada no regime normal de periodicidade mensal e no regime geral para efeitos de IRC;

12) L... era, na altura dos factos, seu sócio-gerente, sendo apenas gerente de direito;

13) Porém, em 11.08.2005, foi nomeado gerente da aludida sociedade o falecido P..., o qual, ao tempo dos factos e desde a constituição da mesma, exercia as funções de gerente de facto;

14) No âmbito das funções de gerente que exercia, o P... assinava os contratos, orçamentos, expediente, dava ordens aos trabalhadores, lidava com os clientes e geria a empresa, nomeadamente no que respeitava à fiscalidade;


II

A


15) A partir do ano de 2001, o arguido A... e cada um dos arguidos B... e D..., bem como o referido P..., congeminaram um plano para as referidas empresas apresentarem, para efeitos fiscais, resultados do exercício em valores inferiores aos realmente obtidos, de molde a que, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) e de IVA, pagassem menos impostos, ao declararem perante a Administração Tributária esses valores como custos, o que implicava redução do lucro tributável;

16) Para o efeito, os arguidos B..., na qualidade de gerente da arguida “ C..., Lda.”, e D..., na qualidade de gerente da arguida “ E..., Lda.”, solicitaram ao arguido A... que, além das faturas por este emitidas e correspondentes a transações comerciais ou prestações de serviços efetivamente havidas ou realizados, lhes emitisse e entregasse outras, que não correspondiam a transações reais;

17) De igual modo, o falecido P..., na qualidade de administrador de facto da arguida “ F..., Lda.”, solicitou ao arguido A... que emitisse e lhe entregasse faturas que não correspondiam a transações efetivas ou a prestações de serviços;

18) Perante tal solicitação, e bem conhecendo que o intuito dos demais arguidos e do P... era o de pagar impostos em valor inferior aos devidos, o arguido A... acedeu a tal pedido e emitiu para aqueles e para as empresas por eles administradas, no período compreendido entre os anos de 2001 a 2004, inúmeras faturas, relativas serviços prestados e/ou materiais por si fornecidos, mas que não se realizaram, nem foi pago o preço nelas inscrito;

19) O arguido A... aceitou tais pedidos com o objetivode receber dos demais arguidos e do P... determinadas quantias a título de contrapartida monetária cujo quantitativo não se apurou;


B

a


20) No quadro e âmbito do plano e acordo a que se alude em 15) a 19) partir do ano de 2002, e de forma reiterada e sucessiva, o arguido B..., no exercício dessas funções e no interesse da empresa, com vista a contabilisticamente aumentar os custos de exercício da mesma, sem que correspondessem na sua totalidade a serviços efetivamente prestados e/ou materiais fornecidos à mesma, e em execução do plano por ambos delineado, recebeu do arguido A... as seguintes faturas seguintes:

a) Fatura n.º 656, datada de 20.02.2002, no valor de € 4 393, acrescida de IVA, no montante de € 746,81, sendo a base tributável falsa, no valor de € 2 893;

b) Fatura n.º 666, datada de 10.03.2002, no valor de € 2 094, acrescida de IVA, no montante de € 355,98, sendo a base tributável falsa, no valor de € 2 094;

c) Fatura n.º 679, datada de 28.06.2002, no valor de € 2 400, acrescida de IVA, no montante de € 456, sendo a base tributável falsa, no valor de € 2 400;

d) Fatura n.º 702, datada de 28.08.2002, no valor de € 4 000, acrescida de IVA, no montante de € 760, sendo a base tributável falsa, no valor de € 4 000;

e) Fatura n.º 705, datada de 30.08.2002, no valor de € 3 750, acrescida de IVA, no montante de € 712,50, sendo a base tributável falsa, no valor de € 3 750;

f) Fatura n.º 713, datada de 30.09.2002, no valor de € 2 910, acrescida de IVA, no montante de € 552,90, sendo a base tributável falsa, no valor de € 2 910;

g) Fatura n.º 715, datada de 30.09.2002, no valor de € 12 100, acrescida de IVA, no montante de € 2 299,00, sendo a base tributável falsa, no valor de € 7 535;

h) Fatura n.º 726, datada de 24.10.2002, no valor de € 6 633, acrescida de IVA, no montante de € 1 260,27, sendo a base tributável falsa, no valor de € 2 718;

i) Fatura n.º 731, datada de 20.11.2002, no valor de € 11 598, acrescida de IVA, no montante de € 2 203,62, sendo a base tributável falsa, no valor de € 11 598;

j) Fatura n.º 736, datada de 3.12.2002, no valor de € 8 133,00, acrescida de IVA, no montante de € 1 545,27, sendo a base tributável falsa, no valor de € 8 133;

k) Fatura n.º 741, datada de 30.12.2002, no valor de € 5 800, acrescida de IVA, no montante de € 1 102,00, sendo a base tributável falsa, no valor de € 2 960;

l) Fatura n.º 745, datada de 23.01.2003, no valor de € 7 940, acrescida de IVA, no montante de € 1 508,60, sendo a base tributável falsa, no valor de € 2 920;

m) Fatura n.º 748, datada de 26.02.2003, no valor de € 11 560,00, acrescida de IVA, no montante de € 2 196,40, sendo a base tributável falsa, no valor de € 6 960;

n) Fatura n.º 754, datada de 2.03.2003, no valor de € 10 400, acrescida de IVA, no montante de € 1 976, sendo a base tributável falsa, no valor de € 9 550;

o) Fatura n.º 756, datada de 26.03.2003, no valor de € 8 210, acrescida de IVA, no montante de € 1 559,90, sendo a base tributável falsa, no valor de € 8 210;

p) Fatura n.º 764, datada de 3.04.2003, no valor de € 8 978, acrescida de IVA, no montante de € 1 705,82, sendo a base tributável falsa, no valor de € 8978;

q) Fatura n. 773, datada de 20.04.2003, no valor de € 8 100, acrescida de IVA, no montante de € 1 539, sendo a base tributável falsa, no valor de € 8 100;

r) Fatura n.º 776, datada de 16.05.2003, no valor de € 10 130, acrescida de IVA, no montante de € 1 924,70, sendo a base tributável falsa, no valor de € 2 830;

s) Fatura n.º 782, datada de 10.06.2003, no valor de € 14 200, acrescida de IVA, no montante de € 2 698, sendo a base tributável falsa, no valor de € 14 200;

t) Fatura n.º 786, datada de 28.06.2003, no valor de € 3 400, acrescida de IVA, no montante de € 646, sendo a base tributável falsa, no valor de € 3 400;

u) Fatura n.º 798, datada de 28.07.2003, no valor de € 14 250, acrescida de IVA, no montante de € 2 707,50, sendo a base tributável falsa, no valor de € 14 250;

v) Fatura n.º 806, datada de 16.08.2003, no valor de € 8 200, acrescida de IVA, no montante de € 1 558, sendo a base tributável falsa, no valor de € 6 200;

w) Fatura n.º 854, datada de 6.02.2004, no valor de € 2 780, acrescida de IVA, no montante de € 528,20, sendo a base tributável falsa, no valor de € 1 615;

x) Fatura n.º 859, datada de 10.03.2004, no valor de € 4 341,00, acrescida de IVA, no montante de € 824,79, sendo a base tributável falsa, no valor de € 3 241;

y) Fatura n.º 864, datada de 20.04.2004, no valor de € 3 120, acrescida de IVA, no montante de € 592,80, sendo a base tributável falsa, no valor de € 3 120;

z) Fatura n.º 875, datada de 20.06.2004, no valor de € 6 171, acrescida de IVA, no montante de € 1 172,49, sendo a base tributável falsa, no valor de € 4 350;

aa) Fatura n.º 877, datada de 30.06.2004, no valor de € 6 210, acrescida de IVA, no montante de € 1 179,90, sendo a base tributável falsa, no valor de € 6 210;

bb) Fatura n.º 885, datada de 20.08.2004, no valor de € 5 800, acrescida de IVA, no montante de € 1 102, sendo a base tributável falsa, no valor de € 3 310;

cc) Fatura n.º 895, datada de 30.08.2004, no valor de € 8 100, acrescida de IVA, no montante de € 1 539, sendo a base tributável falsa, no valor de € 3 600;

dd) Fatura n.º 897, datada de 28.09.2004, no valor de € 5 660, acrescida de IVA, no montante de € 1 075,40, sendo a base tributável falsa, no valor de € 5 660; e

ee) Fatura n.º 920, datada de 16.11.2004, no valor de € 6 820, acrescida de IVA, no montante de € 1 295,80, sendo a base tributável falsa, no valor de € 6 820;

21) Contudo, o arguido A..., nas faturas descritas nas alíneas a), g), h), k), 1), m), n), r) v), w), x), z), bb), cc), dd) e ee) acima referidas, não prestou a totalidade dos serviços ou forneceu todos os materiais que correspondem ao valor aí referido, designadamente, não prestou os serviços ou forneceu materiais que correspondem ao valor aí referido como sendo a base tributável falsa;

22) E, nas restantes faturas referidas em 20), o arguido A... não forneceu qualquer material ou prestou qualquer serviço que justificasse a emissão das respetivas faturas;

23) Por seu lado, a sociedade arguida “ C..., Lda.”, nas faturas descritas nas alíneas a), g), h), k), 1), m), n), r) v), w), x), z), bb), cc), dd) e ee) acima referidas, não pagou a totalidade do preço nem liquidou o montante total de IVA que nessas faturas surge como pago e liquidado ao arguido A..., nomeadamente não pagou o preço e respetivo IVA relativo aos serviços e materiais fornecidos que correspondem ao valor aí referido como sendo a base tributável falsa;

24) E, nas restantes faturas referidas em 20), sociedade arguida “ C..., Lda.” não pagou qualquer preço nem liquidou qualquer IVA que nessas faturas surge como pago e liquidado ao arguido A...;

25) Não obstante saber do descrito em 20) a 24), o arguido B... fez registar tais faturas na contabilidade da sociedade arguida “ C..., Lda.”, considerando-as como custos dos exercícios relativos aos anos de 2002 a 2004;

26) Por referência aos exercícios de 2002 e 2003, em sede de imposto sobre o rendimento, foram os valores dos bens ou serviços apostos nas faturas, a título de bases tributáveis, inscritos como custos, nas respetivas declarações de IRC apresentadas pela sociedade arguida “ C..., Lda.”, perante a Administração Tributária;

27) Assim, a sociedade arguida nas suas declarações de IRC relativas aos exercícios de 2002 e 2003 apresentou matéria coletável inferior à real, respetivamente, nos valores de € 50 991 e de € 85 598;

28) Com base nos resultados assim declarados pela sociedade arguida “ C..., Lda.”, para os exercícios de 2002 e 2003, os Serviços da Administração Fiscal liquidaram-lhe IRC a pagar em valores inferiores ao realmente devido, nos montantes, respetivamente, de € 16 827,03 e de € 28 247,34, imposto que devia ter entrado e não entrou nos cofres do Estado;


B

29) O arguido A... e B... atuaram em conjugação de esforços e intenções, executando conjuntamente plano previamente delineado por ambos;

30) O arguido A... estava perfeitamente ciente que emitia faturas que não correspondiam a qualquer negócio efetivamente celebrado com a sociedade arguida “ C..., Lda.”, ou a transações que não correspondiam ao descritos nas aludidas faturas nos termos que acima se mostram referidos, bem como sabia que o respetivo gerente pretendia registá-las na sua contabilidade e apresentar os valores às mesmas correspondentes à Administração Fiscal, para efeitos de tributação de IRC em valores inferiores aos efetivamente devidos, admitindo que o arguido B... e a própria sociedade que este administrava obtivesse de tal conduta vantagens patrimoniais, com o que se conformou;

31) Todavia, agindo livre, voluntária e conscientemente, agiu do modo acima descrito, o que quis;

32) O arguido B..., agindo sempre no seu interesse e no da sociedade arguida que representava, sabia que usava faturas que, nos termos acima descritos, não correspondiam a qualquer transação efetivamente realizada ou transações que não se mostravam realizadas nos termos descritos nas mesmas com o arguido A...;

33) Estava também o arguido B... ciente que alterava os valores que apresentava e registava na sua contabilidade, fazendo-o com o intuito de, em sede de IRC, pagar menos impostos, ao declarar perante a administração tributária esses valores como custos, o que implicava redução do lucro tributável;

34) Não obstante isso, agindo livre voluntária e conscientemente, agiu do modo acima descrito, o que quis;

35) Os arguidos A... e B... agiram conscientes que as suas condutas eram ilícitas e reprováveis, proibidas e punidas por lei;


c

36) Entretanto, detetadas as desconformidades referidas em 20) a 28), procedeu a Administração Tributária à correção do lucro tributável declarado, do seguinte modo:

Descrição20022003Total
Lucro tributável corrigido€ 50 991€ 85 598€ 136 589
IRC em falta€ 16.827,03€ 28.247,34€ 45.074,37

                      37) No decurso da ação inspetiva que deu origem aos presentes autos, a sociedade arguida “ C..., Lda.”, entregou as declarações de substituição para efeitos de IRC, em conformidade com o assim apurado, tendo liquidado os valores apurados pela Administração Fiscal;


C

a


          38) No quadro e âmbito do acordo a que se alude em 15) a 19), partir do ano de 2001, de forma reiterada e sucessiva, o arguido D..., no exercício das suas funções de gerente da sociedade arguida “ E...” e no interesse desta, com vista a contabilisticamente aumentar os custos de exercício da mesma, sem que correspondessem na sua totalidade a serviços efetivamente prestados e/ou materiais fornecidos à mesma, e em execução do plano por ambos delineado, recebeu do arguido A... as seguinte faturas:

          a) Fatura n.º 574, datada de 12.01.2001, no valor de € 8 030,65, acrescida de IVA, no montante de € 1 365,21, sendo a base tributável falsa, no valor de € 8 030,65;

           b) Fatura n.º 578, datada de 20.02.2001, no valor de € 11 746,69, acrescida de IVA, no montante de € 1 996,94, sendo a base tributável falsa, no valor de € 11 746,69;

            c) Fatura n.º 581, datada de 29.03.2001, no valor de € 7.382,21, acrescida de IVA, no montante de € 1.254,98, sendo a base tributável falsa, no valor de € 7.382,21;

             d) Fatura n.º 595, datada de 20-05-2001, no valor de € 6.993,15, acrescida de IVA, no montante de € 1.188,83, sendo a base tributável falsa, no valor de € 2.204,69;

              e) Fatura n.º 598, datada de 15.06.2001, no valor de € 6 160,15, acrescida de IVA, no montante de € 1 047,23, sendo a base tributável falsa, no valor de € 6 160,15;

              f) Fatura n.º 614, datada de 27.07.2001, no valor de € 6 810,75, acrescida de IVA, no montante de € 1 157,83, sendo a base tributável falsa, no valor de € 4 676,23;

             g) Fatura n.º 617, datada de 16.08.2001, no valor de € 4 339,54, acrescida de IVA, no montante de € 737,72, sendo a base tributável falsa, no valor de € 4 339,54;

             h) Fatura n.º 619, datada de 29.08.2001, no valor de € 6 833,53, acrescida de IVA, no montante de € 1 161,70, sendo a base tributável falsa, no valor de € 5 486,78;

             i) Fatura n.º 623, datada de 07.09.2001, no valor de € 9 128, acrescida de IVA, no montante de € 1 551,76, sendo a base tributável falsa, no valor de € 9 128;

             j) Fatura n.º 625, datada de 28.09.2001, no valor de € 4 040,26, acrescida de IVA, no montante de € 686,84, sendo a base tributável falsa, no valor de € 4 040,26;

             k) Fatura n.º 627, datada de 10.10.2001, no valor de € 3 506,55, acrescida de IVA, no montante de € 596,11, sendo a base tributável falsa, no valor de € 3 506,55;

             l) Fatura n.º 630, datada de 27.10.2001, no valor de € 7 781,25, acrescida de IVA, no montante de € 1 322,81, sendo a base tributável falsa, no valor de € 5 611,48;

             m) Fatura n.º 636, datada de 12.11.2001, no valor de € 9 227,76, acrescida de IVA, no montante de € 1 568,72, sendo a base tributável falsa, no valor de € 9 227,76;

              n) Fatura n.º 641, datada de 22.12.2001, no valor de € 9 302,58, acrescida de IVA, no montante de € 1 581,44, sendo a base tributável falsa, no valor de € 9 302,58;

               o) Fatura n.º 653, datada de 30.01.2002, no valor de € 6 983,17, acrescida de IVA, no montante de € 1 187,14, sendo a base tributável falsa, no valor de € 6 983,17;

               p) Fatura n.º 658, datada de 22.02-2002, no valor de € 7 083, acrescida de IVA, no montante de € 1 204,11, sendo a base tributável falsa, no valor de € 7 083;

              q) Fatura n.º 664, datada de 25.03.2002, no valor de € 6 292, acrescida de IVA, no montante de € 1 069,64, sendo a base tributável falsa, no valor de € 6 292;

              r) Fatura n.º 671, datada de 29.04.2002, no valor de € 10 722, acrescida de IVA, no montante de € 1 822,74, sendo a base tributável falsa, no valor de € 10 722;

              s) Fatura n.º 680, datada de 28.05.2002, no valor de € 9 689,15, acrescida de IVA, no montante de € 1 647,16, sendo a base tributável falsa, no valor de € 9 689,15;

              t) Fatura n.º 686, datada de 22.06.2002, no valor de € 12 469,95, acrescida de IVA, no montante de € 2 369,29, sendo a base tributável falsa, no valor de € 12 469,95;

             u) Fatura n.º 690, datada de 25.07.2002, no valor de € 5 985,57, acrescida de IVA, no montante de € 1 137,26, sendo a base tributável falsa, no valor de € 5 985,57;

              v) Fatura n.º 694, datada de 12.08.2002, no valor de € 7 048,02, acrescida de IVA, no montante de € 1 339,12, sendo a base tributável falsa, no valor de € 7 048,02;

             w) Fatura n.º 706, datada de 28.08.2002, no valor de € 3 840, acrescida de IVA, no montante de € 729,60, sendo a base tributável falsa, no valor de € 3 840;

             x) Fatura n.º 709, datada de 30.09.2002, no valor de € 12 469,95, acrescida de IVA, no montante de € 2 369,29, sendo a base tributável falsa, no valor de € 12 469,95;

               y) Fatura n.º 720, datada de 25.10-2002, no valor de € 8 978,36, acrescida de IVA, no montante de € 1 705,89, sendo a base tributável falsa, no valor de € 8 978,36;

               z) Fatura n.º 725, datada de 25.11.2002, no valor de € 11 602,04, acrescida de IVA, no montante de € 2 204,39, sendo a base tributável falsa, no valor de € 11 602,04;

              aa) Fatura n.º 730, datada de 04.12.2002, no valor de € 4 239,78, acrescida de IVA, no montante de € 805,56, sendo a base tributável falsa, no valor de € 4 239,78;

             bb) Fatura n.º 734, datada de 30.12.2002, no valor de € 12 469,95, acrescida de IVA, no montante de € 2 369,29, sendo a base tributável falsa, no valor de € 12 469,95;

              cc) Fatura n.º 742, datada de 31.12.2002, no valor de € 6 733, acrescida de IVA, no montante de € 1 279,27, sendo a base tributável falsa, no valor de € 4 003;

          dd) Fatura n.º 744, datada de 23.01.2003, no valor de € 10 500, acrescida de IVA, no montante de € 1 995, sendo a base tributável falsa, no valor de € 10 500;

             ee) Fatura n.º 747, datada de 25.02.2003, no valor de € 6 110,28, acrescida de IVA, no montante de € 1 160,95, sendo a base tributável falsa, no valor de € 2 618,69;

             ff) Fatura n.º 759, datada de 20.03.2003, no valor de € 9 200, acrescida de IVA, no montante de € 1 748, sendo a base tributável falsa, no valor de € 9 200;

             gg) Fatura n.º 772, datada de 24.04.2003, no valor de € 8 500, acrescida de IVA, no montante de € 1 615, sendo a base tributável falsa, no valor de € 8 500;

hh) Fatura n.º 781, datada de 28.05.2003, no valor de € 10 574, acrescida de IVA, no montante de € 2 009,06, sendo a base tributável falsa, no valor de € 10 574;

ii) Fatura n.º 788, datada de 22.06.2003, no valor de € 9 500, acrescida de IVA, no montante de € 1 805, sendo a base tributável falsa, no valor de € 9 500;

jj) Fatura n.º 793, datada de 07.07.2003, no valor de € 6 500, acrescida de IVA, no montante de € 1 235, sendo a base tributável falsa, no valor de € 6 500;

kk) Fatura n.º 797, datada de 30.07.2003, no valor de € 7 350, acrescida de IVA, no montante de € 1 396,50, sendo a base tributável falsa, no valor de € 7 350; e

             ll) Fatura n.º 799, datada de 20.08.2003, no valor de € 11 000, acrescida de IVA, no montante de € 2 090, sendo a base tributável falsa, no valor de € 11 000;

              39) Contudo, o arguido A..., nas faturas descritas nas alíneas d), f), h), l), cc) e ee) acima referidas, não prestou a totalidade dos serviços ou forneceu todos os materiais que correspondem ao valor aí referido, designadamente, não prestou os serviços ou forneceu materiais que correspondem ao valor aí referido como sendo a base tributável falsa;

              40) E, nas restantes faturas referidas em 38), o arguido A... não forneceu qualquer material ou prestou qualquer serviço que justificasse a emissão das respetivas faturas;

               41) Por seu lado, a sociedade arguida “ E..., S.A.”, nas faturas descritas nas alíneas d), f), h), l), cc) e ee) acima referidas, não pagou a totalidade do preço nem liquidou o montante total de IVA que nessas faturas surge como pago e liquidado ao arguido A..., nomeadamente não pagou o preço e respetivo IVA relativo aos serviços e materiais fornecidos que correspondem ao valor aí referido como sendo a base tributável falsa;

                42) E, nas restantes faturas referidas em 38), sociedade arguida “ C..., Lda.” não pagou qualquer preço nem liquidou qualquer IVA que nessas faturas surge como pago e liquidado ao arguido A...;

              43) Não obstante saber do descrito em 38) a 42), o arguido D...fez registar tais faturas na contabilidade da sociedade arguida “ E..., S.A.”, considerando-as como custos dos exercícios relativos aos anos de 2001 a 2003;

              44) Por referência aos exercícios de 2001, 2002 e 2003, em sede de imposto sobre o rendimento, foram os valores dos bens ou serviços apostos nas faturas, a título de bases tributáveis, inscritos como custos, nas respetivas declarações de IRC apresentadas pela sociedade arguida “ E..., S.A.”, perante a Administração Tributária;

              45) Assim, a sociedade arguida “ E..., S.A.” nas suas declarações de IRC relativas aos exercícios de 2001, 2002 e 2003 apresentou matéria coletável inferior à real, respetivamente, nos valores de € 90 369,73, € 96 973,20 e € 75 742,69;

              46) Com base nos resultados assim declarados pela sociedade arguida “ E..., S.A.”, para os exercícios de 2001, 2002 e 2003, os Serviços da Administração Fiscal liquidaram-lhe IRC a pagar em valores inferiores ao realmente devido, nos montantes, respetivamente, de € 31 810,14, € 32 001,16 e € 24 995,09, imposto que devia ter entrado e não entrou nos cofres do Estado;


b.

             47) O arguido A... e D...atuaram em conjugação de esforços e intenções, executando conjuntamente plano previamente delineado por ambos;

              48) O arguido A... estava perfeitamente ciente que emitia faturas que não correspondiam a qualquer negócio efetivamente celebrado com a sociedade arguida “ E..., S.A.” ou a transações que não correspondiam ao descritos nas aludidas faturas nos termos que acima se mostram referidos, bem como sabia que o respetivo gerente pretendia registá-las na sua contabilidade e apresentar os valores às mesmas correspondentes à Administração Fiscal, para efeitos de tributação de IRC em valores inferiores aos efetivamente devidos, admitindo que o arguido D...e a própria sociedade que este administrava obtivesse de tal conduta vantagens patrimoniais, com o que se conformou;

          49) Todavia, agindo livre, voluntária e conscientemente, agiu do modo acima descrito, o que quis;

           50) O arguido D..., agindo sempre no seu interesse e no da sociedade arguida que representava, sabia que usava faturas que, nos termos acima descritos, não correspondiam a qualquer transação efetivamente realizada ou transações que não se mostravam realizadas nos termos descritos nas mesmas com o arguido A...;

              51) Estava também o arguido D...ciente que alterava os valores que apresentava e registava na sua contabilidade, fazendo-o com o intuito de, em sede de IRC, pagar menos impostos, ao declarar perante a administração tributária esses valores como custos, o que implicava redução do lucro tributável;

            52) Não obstante isso, agindo livre voluntária e conscientemente, agiu do modo acima descrito, o que quis;

              53) Os arguidos A... e D...agiram conscientes que as suas condutas eram ilícitas e reprováveis, proibidas e punidas por lei;


c

             54) Entretanto, detetadas as desconformidades referidas em 38) a 46), procedeu a Administração Tributária à correção do lucro tributável declarado, do seguinte modo:

Descrição200120022003Total
Lucro tributável corrigido € 90 369,73€ 96 973,20€ 75 742,69€ 263 085,62
IRC em falta € 31 810,14€ 32 001,16€ 24 995,09€ 88 806,39

            55) No decurso da ação inspetiva que deu origem aos presentes autos, a arguida “ E..., S.A.”, entregou as declarações de substituição para efeitos de IRC, em conformidade com o assim apurado, tendo liquidado os valores apurados pela Administração Fiscal;


D

a


             56) No quadro e âmbito do plano e acordo a que se alude em 15) a 19), a partir do ano de 2001, e de forma reiterada e sucessiva, P..., no exercício dessas funções de administração e no interesse da sociedade arguida “ F..., Lda.”, com vista a contabilisticamente aumentar os custos de exercício da mesma, sem que correspondessem a serviços efetivamente prestados e/ou materiais fornecidos à mesma, e em execução do plano por ambos delineado, recebeu do arguido A... as seguintes faturas:

           a) Fatura n.º 573, datada de 12.01.2001, no valor de € 12 769,23, acrescido de IVA no montante de € 2.170,77, sendo a base tributável falsa no valor de € 12 769,23 e o valor total da fatura de € 14 939,99;

             b) Fatura n.º 575, datada de 23.01.2001, no valor de € 15 063,70, acrescido de IVA no montante de € 2 560,83, sendo a base tributável falsa no valor de € 15 063,70 e o valor total da fatura de € 17 624,52;

             c) Fatura n.º 576, datada de 31.01.2001, no valor de € 8 788,82, acrescido de IVA no montante de € 1 494,10, sendo a base tributável falsa no valor de € 8 788,82 e o valor total da fatura de € 10 282,92;

             d) Fatura n.º 642, datada de 22.12.2001, no valor de € 12 295,37, acrescido de IVA no montante de € 2 090,21, sendo a base tributável falsa no valor de € 12 295,37 e o valor total da fatura de € 14 385,58;

              e) Fatura n.º 655, datada de 2.02.2002, no valor de € 8 130, acrescido de IVA no montante de € 1 382,10, sendo a base tributável falsa no valor de € 8 130 e o valor total da fatura de € 9 512,10;

              f) Fatura n.º 660, datada de 26.02.2002, no valor de € 7 800, acrescido de IVA no montante de € 1 326, sendo a base tributável falsa no valor de € 7 800 e o valor total inscrito na fatura de € 9 126;

              g) Fatura n.º 665, datada de 25.03.2002, no valor de € 13 218, acrescido de IVA no montante de € 2 247,06, sendo a base tributável falsa no valor de € 13 218e o valor total da fatura de € 15 465,06;

            h) Fatura n.º 670, datada de 19.04.2002, no valor de € 17 579,40, acrescido de IVA no montante de € 3 340,09, sendo a base tributável falsa no valor de € 17 579,40 e o valor total da fatura de € 20 919,49;

            i) Fatura n.º 673, datada de 28.06.2002, no valor de € 5 400, acrescido de IVA no montante de € 1 026, sendo a base tributável falsa no valor de € 5 400 e o valor total inscrito na fatura de € 6 426;

           j) Fatura n.º 716, datada de 29.09.2002, no valor de € 5 730, acrescido de IVA no montante de € 1 088,70, sendo a base tributável falsa no valor de € 5 730 e o valor total da fatura de € 6 818,70;

            k) Fatura n.º 735, datada de 20.12.2002, no valor de € 4 987,98, acrescido de IVA no montante de € 947,72, sendo a base tributável falsa no valor de € 4 987,98 e o valor total da fatura de € 5 935,70;

             l) Fatura n.º 770, datada de 17.04.2003, no valor de € 6 000, acrescido de IVA no montante de € 1 140, sendo a base tributável falsa no valor de € 6 000 e o valor total inscrito na fatura de € 7 140;

            m) Fatura n.º 808, datada de 29.08.2003, no valor de € 15 000, acrescido de IVA no montante de € 2 850, sendo a base tributável falsa no valor de € 15 000 e o valor total inscrito na fatura de € 17 850;

             n) Fatura n.º 821, datada de 16.10.2003, no valor de € 12 814, acrescido de IVA no montante de € 2 434,66, sendo a base tributável falsa no valor de € 12 814 e o valor total da fatura de € 15 248,66;

              o) Fatura n.º 833, datada de 30.12.2003, no valor de € 23 100, acrescido de IVA no montante de € 4 389, sendo a base tributável falsa no valor de € 23 100 e o valor total inscrito na fatura de € 27 489;

              p) Fatura n.º 876, datada de 26.06.2004, no valor de € 10 170, acrescido de IVA no montante de € 1 932, sendo a base tributável falsa no valor de € 10 170 e o valor total inscrito na fatura de € 12 102,30; e

               q) Fatura n.º 918, datada de 25.11.2004, no valor de € 6 000, acrescido de IVA no montante de € 1 140, sendo a base tributável falsa no valor de € 6 000 e o valor total inscrito na fatura de € 7 140;

             57) Contudo, o arguido A... não forneceu qualquer material ou prestou qualquer serviço que justificasse a emissão das faturas descritas em 56);

              58) Por seu lado, a sociedade arguida “ F..., Lda.” não pagou qualquer preço nem liquidou qualquer IVA que nessas faturas surge como pago e liquidado ao arguido A...;

              59) Não obstante saber do descrito em 56) a 58), o P... fez registar tais faturas na contabilidade da sociedade arguida “ F..., Lda.”, considerando-as como custos dos exercícios relativos aos anos de 2001 a 2004;

              60) Por referência aos exercícios de 2001, 2002 e 2003, em sede de imposto sobre o rendimento, foram os valores dos bens ou serviços apostos nas faturas, a título de bases tributáveis, inscritos como custos, nas respetivas declarações de IRC apresentadas pela sociedade arguida “ F..., Lda.”, perante a Administração Tributária;

              61) Assim, a sociedade arguida “ F..., Lda.” nas suas declarações de IRC relativas aos exercícios de 2001, 2002 e 2003 apresentou matéria coletável inferior à real, respetivamente, nos valores de € 48 917,11, € 62 845,38 e € 56 914;

              62) Com base nos resultados assim declarados pela sociedade arguida “ F..., Lda.”, para os exercícios de 2001, 2002 e 2003, os Serviços da Administração Fiscal liquidaram-lhe IRC a pagar em valores inferiores ao realmente devido, nos montantes, respetivamente, de € 17 218,82, € 20 738,98 e € 18 781,62, imposto que devia ter entrado e não entrou nos cofres do Estado;


b

           63) O arguido A... e o falecido P... atuaram em conjugação de esforços e intenções, executando conjuntamente plano previamente delineado por ambos;

           64) O arguido A... estava perfeitamente ciente que emitia faturas que não correspondiam a qualquer negócio efetivamente celebrado com a sociedade arguida “ F..., Lda.”, bem como sabia que o respetivo gerente as pretendia registar na sua contabilidade e apresentar os valores às mesmas correspondentes à Administração Fiscal, para efeitos de tributação de IRC em valores inferiores aos efetivamente devidos, admitindo que o referido P... e a própria sociedade que este administrava obtivesse de tal conduta vantagens patrimoniais, com o que se conformou;

           65) Todavia, agindo livre, voluntária e conscientemente, agiu do modo acima descrito, o que quis;

            66) O P..., agindo sempre no seu interesse e no da sociedade arguida que representava, sabia que usava faturas que, nos termos acima descritos, não correspondiam a qualquer transação efetivamente realizada com o arguido A...;

              67) Estava também o P... ciente que alterava os valores que apresentava e registava na sua contabilidade, fazendo-o com o intuito de, em sede de IRC, pagar menos impostos, ao declarar perante a administração tributária esses valores como custos, o que implicava redução do lucro tributável;

            68) Não obstante isso, agindo livre voluntária e conscientemente, agiu do modo acima descrito, o que quis;

           69) O arguido A... e o P... agiram conscientes que as suas condutas eram ilícitas e reprováveis, proibidas e punidas por lei;


c

         70) Entretanto, detetadas as desconformidades referidas em 56) a 62), procedeu a Administração Tributária à correção do lucro tributável declarado, do seguinte modo:

Descrição200120022003Total
Lucro tributável corrigido € 48 917,11€ 62 845,38€ 56 914€ 168 676,49
IRC em falta € 17 218,82€ 20 738,98€ 18 781,62€ 56 739,42

           71) No decurso da ação inspetiva que deu origem aos presentes autos, a arguida “ F..., Lda.”, entregou as declarações de substituição para efeitos de IRC, em conformidade com o assim apurado, tendo liquidado os valores apurados pela Administração Fiscal;


E

a


         72) Em data concretamente não apurada, o arguido A... decidiu fazer suas e não entregar nos cofres do Estado as quantias em dinheiro provenientes de IVA por transações ou prestação de serviços que efetivamente efetuou;

         73) Após inspeção, e relativamente aos serviços que efetivamente prestou ou materiais que forneceu ou transações que realizou, o arguido A... liquidou o IVA correspondente a essas transações comerciais, no 4.º trimestre de 2004, no montante de € 9 066,48;

         74) O montante referido em 73) foi efetivamente recebido pelo arguido;

         75) Todavia, o arguido não efetuou o pagamento daquela quantia, antes dela se apropriou fazendo-a sua;


b

         76) O arguido A... agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punidas por lei, atuando com o propósito, conseguido, de se apropriar dos montantes que foram faturados e que correspondiam a serviços efetivamente prestados ou a fornecimentos efetivamente feitos ou a transações comerciais efetivamente realizadas, quantia que sabia dever entregar nos cofres da Administração Fiscal, atuando, ao invés, com o propósito, conseguido, de não entregar o montante de imposto arrecadado;

        77) O arguido bem sabia que as suas condutas eram ilícitas e reprováveis, proibidas e punidas por lei;


c

         78) Já no âmbito da ação inspetiva que deu, depois, origem ao presente processo, o arguido A... remeteu aos serviços de cobrança do IVA a respetiva declarações periódica de imposto da sociedade, mas não a fez acompanhar do respetivo meios de pagamento do imposto liquidado e recebido, nem procedeu ao seu pagamento até à data, tendo feito sua tal quantia;

         79) O arguido A... foi notificado para proceder ao pagamento da quantia acima descrita, acrescida dos juros respetivos e do valor da coima, no dia 28 de agosto de 2008;

           80)Todavia, o arguido A... não procedeu ao pagamento de tal quantia;


III

            81) Os arguidos foram constituídos nessa qualidade nas seguintes datas:

                        – o arguido A... a 20 de novembro de 2007;

                        – o arguido B... a 20 de novembro de 2007;

                        – a arguida C..., Lda. a 20 de novembro de 2007;

                        – o arguido D...a 25 de junho de 2008;

                        – a arguida E..., S.A. a 25 de junho de 2008;

                        – a arguida F..., Lda. a 20 de novembro de 2007;

              82) Os arguidos foram da acusação nas seguintes datas:

                        – o arguido A... a 18 de setembro de 2010;

                        – o arguido B... a 18 de setembro de 2010;

                        – a arguida C..., Lda. a 14 de setembro de 2010;

                        – o arguido D...a 18 de setembro de 2010;

                        – a arguida E..., S.A. a 13 de setembro de 2010;

                        – a arguida F..., Lda. a 14 de outubro de 2010;


IV

A


         83) O arguido A... é casado há cerca de 30 anos, tendo dois descendentes, (uma filha, mãe solteira, com 22 anos de idade, empregada fabril; e um filho, solteiro, com 28 anos de idade, a exercer funções na Q...;

          84) Vivem numa moradia, própria, situada em região eminentemente rural, que se encontra em bom estado de conservação e que dispõe de adequadas condições de habitabilidade e conforto para todos os elementos, incluindo a menor;

         85) Acresce que os pais do arguido residem numa habitação junto à sua casa, tipo anexos, havendo bom relacionamento e apoio entre todos;

         86) O arguido, serralheiro de profissão, prestava serviços à Empresa “ E...”, bem como a outras empresas do ramo, referindo relacionar-se positivamente com os funcionários e clientes, ocupando o tempo livre a conviver com família, em casa, e/ou nos trabalhos hortícolas junto da família nuclear;

        87) Considerando-se uma pessoa humilde, o arguido A... subsistia desde os 16 anos desta mesma atividade, sendo que presentemente se encontra desempregado, beneficiando do apoio da família (de ambos os filhos, empregados) e dos pais, reformados que também apoiam na satisfação das suas necessidades diárias;

        88) O arguido A... executa alguns trabalhos esporádicos, quando surgem biscates na área da serralharia ou construção civil;

         89) No meio de residência, o arguido é tido como uma pessoa trabalhadora, afável, dedicada à família e com hábitos de vida regrados, sendo considerado um homem de princípios e valores sociais;

          90) Apesar dos factos que estão na origem deste processo, a sua imagem social no meio de residência, não parece ter sido afetada, não sendo percetível qualquer sentimento de culpabilização ou estigmatização em relação à sua pessoa;

           91) O arguido, anteriormente ou posteriormente à data dos factos deste processo, não teve quaisquer problemas desta ou de outra tipologia criminal em que se tenha envolvido com as instâncias judiciais;

          92) A família e o arguido referem-se aos factos como sendo ocasionais na sua vida;

          93) O arguido A... revela-se intimidado em relação às consequências do presente processo;

        94) Em termos de perspetivas futuras, o arguido A... projeta um modo de vida pró-ativo, consubstanciado no trabalho e cumprimento dos seus deveres enquanto cidadão e enquanto trabalhador, pretende exercer as mesmas funções laborais de serralheiro, ou outra, de biscateiro, no futuro;

         95) O arguido A..., ao tempo dos factos, não tinha capacidade produtiva nem dispunha de estrutura empresarial que lhe permitisse prestar os serviços e fornecer os bens correspondentes à totalidade das faturas emitidas e acima descritas;

         96) O local onde a sua empresa laborava corresponde a uma garagem anexa à sua residência, a qual se encontrava degradada;

          97) Nesse local, o arguido A... não tinha máquinas e ferramentas adequadas e suficientes para o exercício de toda essa atividade, nem lhe eram conhecidos trabalhadores regulares por sua conta;

          98) O arguido A... deve € 16 442,57 à Segurança Social;

          99) Tem ainda o montante de € 77 866,53 de dívidas fiscais;

         100) O arguido A... apresentou os seguintes rendimentos para efeitos fiscais:

                        – em 2009, € 900, enquanto a sua esposa € 1 454;

                        – em 2010, € 262, enquanto a sua esposa € 985,77; e

                        – em 2011, € 8 408,25, enquanto a sua esposa € 905,65;

                    101) O arguido A... não tem antecedentes criminais;


B

       102) O arguido B..., atualmente com 60 anos de idade, é natural de Angeja e originário de um meio familiar estável e estruturado;

      103) Inserido num meio rural, o desenvolvimento psicossocial do arguido B... decorre num contexto de estabilidade familiar, de acordo com valores tradicionais, socialmente ajustados ao meio e época;

      104) Os pais agricultores, de condição social modesta, asseguraram condições de supervisão e um modelo de vivência familiar positivo;

        105) O arguido B... frequenta a escola até aos 11 anos de idade, tendo concluído a 4.ª classe;

        106) As difíceis condições de vida da época e as necessidades específicas da sua família exigiram a sua integração no mercado de trabalho cerca dos 12 anos, iniciando, então, uma ocupação laboral regular como ajudante de pedreiro, atividade que irá manter até à sua incorporação no serviço militar obrigatório, vindo a cumprir na sua maioria nas ex-colónias em África;

         107) Aos 20 anos, o arguido B... casa-se com Deolinda, existindo desta relação conjugal quatro filhos;

         108) Após o regresso a Portugal, o arguido mantém a residência em Angeja, localidade onde decorre o seu percurso de vida até ao presente, retoma a atividade laboral no setor da construção civil, nesta fase já por sua conta;

        109) Ao longo dos anos seguintes, o arguido B... vai construindo por meios próprios uma empresa familiar sólida, essencialmente vocacionada para obras públicas;

         110) No meio, o arguido B... é referenciado como um individuo empreendedor, educado, de carácter reservado, não existindo referencias a problemas significativos associados à sua pessoa;

         111) O arguido B... apresentava, à data dos factos, condições de vida idênticas às atuais, em particular as que se reportam ao enquadramento familiar e profissional;

          112) Integra o agregado familiar do qual faz parte G..., mulher, 57 anos, doméstica;

          113) O casal reside em casa própria, do tipo vivenda rural, com boas condições de habitabilidade e conforto;

          114) O arguido tem uma vida familiar estável, assente numa relação conjugal de 40 anos que é gratificante e decisiva na sua estabilidade e realização pessoal;

          115) O arguido B... está presentemente reformado e afastado da construção civil, (os filhos terão assumido a continuidade da empresa;

        116) No entanto, mantém uma ocupação laboral diária, dedicando-se em exclusivo a trabalhos em terrenos agrícolas próprios e a uma pequena exploração pecuária;

         117) No plano económico, o arguido B... reconhece que se encontra numa situação estável, tem uma reforma de € 250 e algumas poupanças que lhe permitem dar resposta às necessidades do agregado;

         118) O arguido B... aparentemente não dispõe de tempos livres, organizando a sua rotina diária de uma forma simples, numa ocupação permanente com os trabalhos de agricultura e pecuária e, por outro lado, procurando preservar proximidade e apoio aos filhos;

        119) O arguido manifesta preocupação com as eventuais consequências que resultem da resolução do presente processo, nomeadamente, as que ponham em causa o seu rigor profissional e o seu bom nome;

        120) Não tem dívidas à Segurança Social;

        121) O arguido B... tem o montante de € 1 610,37 de dívidas fiscais, tendo pedido para proceder ao seu pagamento em prestações;

        122) O arguido B... apresentou, para efeitos fiscais,os seguintes rendimentos:

                        – em 2010, € 6 8656,20, enquanto a sua esposa € 5 754,80;

                        – em 2011, € 9 000, enquanto a sua esposa € 5 884,62; e

                        – em 2012, € 4 547,69, enquanto a sua esposa € 6 000;

          123) O arguido B... não tem antecedentes criminais;


C

         124) A arguida C..., Lda. tem em dívida, perante a Segurança Social, € 658,52;

        125) Não tem quaisquer dívidas fiscais;

        126) Declarou, para efeitos fiscais, nos anos de 2010, 200 e 2012, prejuízos;

       127) Não tem antecedentes criminais;


D

        128) O arguido D...vive com a esposa, numa relação de mais 40 anos de casamento – tendo dois filhos com 34 e 35 anos de idade, já com vida autónoma formada -, numa moradia nova, própria, situada em região eminentemente rural, que se encontra em bom estado de conservação e que dispõe de adequadas condições de habitabilidade e conforto;

        129) É presentemente e desde a sua fundação, em 1995, administrador e proprietário da Empresa “ E...”, com cerca de 160 funcionários/colaboradores, sendo sedeada em Aveiro;

        130) O arguido D...dedica o seu quotidiano à gestão da empresa, relacionando-se positivamente com os seus funcionários e clientes;

         131) Ocupa o tempo livre a conviver com família e com os amigos;

         132) O arguido D...subsiste do seu ordenado de sócio-gerente, no valor de € 3000, líquidos, montante que considera mais que suficiente para suas necessidades diárias e da sua família;

          133) No meio de residência, o arguido D...é tido como uma pessoa trabalhadora, afável, dedicada à família, aos seus funcionários, com hábitos de vida regrados;

         134) Assume a Presidência da Associação Desportiva e Recreativa de (...), com sede no lugar onde habita, desde há vários anos, sendo considerado um homem de princípios e valores comunitários;

         135) Apesar dos factos que estão na origem deste processo, a sua imagem social no meio de residência não parece ter sido afetada, não sendo percetível qualquer sentimento estigmatização em relação à sua pessoa;

         136) À data dos factos que deram origem ao presente processo, O arguido D...assumia mesmas funções de gestão que ainda hoje assume, não havendo, posteriormente, nem anteriormente, quaisquer problemas desta ou de outra tipologia criminal em que se tenha envolvido com as instâncias judiciais;

         137) A família e o arguido refere-se aos factos como sendo ocasionais na sua vida;

         138) O arguido D...encontra-se intimidado face às consequências deste processo judicial na sua vida;

         139) Em termos de perspetivas futuras, o arguido D...projeta um modo de vida pró-ativo, consubstanciado no e cumprimento dos seus deveres enquanto cidadão e enquanto empresário, pretendendo continuar a exercer as mesmas funções laborais na sua empresa, no futuro, empresa esta que abarca novos projetos para o pais e para o estrangeiro;

         140) O arguido D...não tem quaisquer dívidas perante a Segurança Social nem perante o fisco;

         141) O arguido D...apresentou, para efeitos fiscais, os seguintes rendimentos:

                        – em 2010, € 70 930;

                        – em 2011, € 77 870, acrescido de € 5 781,27 de rendimentos obtidos no estrangeiro; e

                        – em 2012, € 69 860, acrescido de € 3 315,76 de rendimentos obtidos no estrangeiro;

                       142) O arguido D...não tem antecedentes criminais;


E

            143) A arguida E..., S.A. tem a sua situação contributiva, relativamente às contribuições para a Segurança Social, regularizada;

               144) Não tem dívidas fiscais de qualquer natureza;

               145) A Câmara Municipal de Aveiro atribuiu à sociedade arguida E..., S.A. o “Reconhecimento de Interesse Económico para o Concelho”;

             146) A arguida declarou, para efeitos fiscais, os seguintes montantes como lucro tributável:

                        – em 2010, € 185 800,75;

                        – em 2011, € 505 980,43 a título de prejuízo; e

                        – em 2012, € 217 067,19;

          147) Não tem antecedentes criminais;


F

           148) A arguida F..., Lda. tem € 20 738 de dívidas à Segurança Social;

149) Não tem dívidas fiscais;

            150) A arguida declarou, para efeitos fiscais, os seguintes montantes como lucro tributável:

                        – em 2010, € 79 369,31;

                        – em 2011, € 60 721,91; e

                        – em 2012, € 68 675,06.

            151) Não tem antecedentes criminais;

7. Factos não provados

                        Com relevo para a boa decisão da causa, não se provaram quaisquer outros que estejam em contradição com os dados como provados.

                        Designadamente, não se provaram os seguintes factos:

            a) Sem prejuízo do descrito em 8) dos factos provados, o arguido A... recebia dos demais arguidos, do falecido P... e das sociedades por eles administradas, normalmente, uma percentagem do valor real aposto em cada uma e/ou a adjudicação de outros serviços, por forma a minorar as dificuldades económicas por que passava;

             b) O arguido A... prestou, ao menos parcialmente, os serviços referidos nas faturas referidas em 22), 40) e 56) dos factos provados;

            c) Os trabalhos e serviços prestados pelo arguido A... nas faturas referidas em 21) e 39) dos factos provados, são de valor superior ao que nessas faturas consta como base tributável falsa;

8. Motivação

(…)

3. Apreciação

a.

Da análise do acórdão constata-se incorrer o mesmo em lapso de escrita quando, no dispositivo, condena o arguido/recorrente D... pela prática, em concurso efectivo, de dois crimes de fraude fiscal qualificada, como coautor com A... [ponto E.], pois resulta inequívoco da sua leitura integrada pretender reportar-se a três crimes de idêntica natureza, conforme se alcança dos pontos B. e F. [do dispositivo] e, bem assim, a propósito da subsunção dos factos ao direito, de fls. 1340/1341/1353/1359 onde se conclui pela prática, pelo arguido, em coautoria, de três crimes de fraude fiscal qualificada, e ainda, em sede de determinação da medida da pena, de fls. 1368.

Nesta conformidade, impõe-se, de acordo com o disposto no artigo 380.º, n.º 1, alínea b) e n.º 2, do CPP, proceder à correcção do acórdão, passando a constar do ponto E. do dispositivo: «Quanto ao arguido D..., condená-lo pela prática, em concurso efetivo, de três (3) crimes de fraude fiscal qualificada …», mantendo-se inalterado quanto ao mais que no mesmo se mostra consignado, devendo a correcção ser, oportunamente, registada/anotada no local próprio [no dito ponto E. do dispositivo].

De igual forma, ocorre, ainda, lapso de escrita no ponto 42. dos factos provados, o qual nos termos sobreditos necessário se torna corrigir no que respeita à referência a “ C..., Lda” - quando é manifesto querer o tribunal a quo reportar-se à “ E..., SA”, passando, assim, a constar do ponto 42.: «E, nas restantes faturas referidas em 38), a sociedade arguida “ E..., SA” não pagou qualquer preço nem liquidou qualquer IVA que nessas faturas surge como pago e liquidado ao arguido A...», devendo a correcção ser, oportunamente, registada/anotada no local próprio [no dito ponto 42. dos factos provados].

b.

No ponto 5. das conclusões afirmam os recorrentes haver o Tribunal a quo entendido ser prova bastante as declarações de um co-arguido em inquérito, proferidas antes da constituição como arguido em violação clara do disposto no artigo 58.º do Código de Processo Penal, o que constitui prova proibida [sic.].

Posta a coisa nestes termos parece constituir seu propósito fazer passar a ideia de haver o Colectivo formado a sua convicção nas declarações de um co-arguido – produzidas quando ainda não o era -, aspecto que não encontra eco na circunstanciada fundamentação e análise crítica da prova, da qual decorre, sem sofisma, quais as provas de natureza pessoal e documental, bem como os juízos de inferência [presunções naturais] que, uma vez lidos em articulação, conduziram à adopção, no plano dos factos, da tese da acusação em detrimento dos argumentos apresentados pelos arguidos/recorrentes, circunstância que contradiz frontalmente a asserção.

Por outro lado, convém não olvidar que cabe aos elementos dos serviços de inspecção/fiscalização – na qualidade de OPC no tipo de criminalidade em questão -, mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária competente, praticarem os actos cautelares para assegurar os meios de prova, nomeadamente examinar os vestígios do crime, colher informações que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição, proceder a apreensões, enfim levar a efeito uma série de diligências que se inscrevem no âmbito das medidas cautelares com assento no artigo 248.º e ss. do CPP.

Acresce não decorrer da decisão haver o Tribunal ponderado – do modo como os recorrentes o referem – as declarações dos arguidos, prestadas numa fase em que não revestiam tal qualidade, valorando, antes – o que é coisa diferente – os depoimentos das testemunhas M...e N..., Inspectores dos Serviços de Inspecção e Fiscalização, enquanto se reportam aos passos percorridos no sentido da «recolha de informação» sobre eventuais condutas criminosas e, a ser o caso, sobre os respectivos agentes, sem escamotear, naturalmente, os contactos ocorridos com alguns dos arguidos que ainda o não eram – nem se vê que devessem ter sido enquanto não fossem convocados, por via de suspeita fundada da prática de crime, para prestar declarações – sem que, no caso em apreço, nisso se detecte um protelamento intencional – com o propósito de mais tarde se virem a servir de informações, assim, recolhidas para os incriminar - da «atribuição» de tal qualidade [de arguido], desde logo em função da dificuldade, em situações de contornos similares, de um imediatismo que, sem mais, aponte quer para uma cabal identificação dos factos, quer para os seus eventuais agentes, sendo de crer que caso tivesse ocorrido, por parte dos serviços competentes, alguma precipitação na atribuição do estatuto de arguido, a reacção dos recorrentes – denunciadora de uma tal leviandade – não se fizesse esperar.

Concluindo: Não resulta, assim, violado o artigo 58.º, n.º 5 do CPP, não se assistindo, em consequência, à valoração de prova proibida.

c.

Ressuma das conclusões, lidas em articulação com a respectiva motivação, pretenderem os recorrentes questionar a matéria de facto, insurgindo-se, no fundamental, contra a circunstância de o tribunal a quo ter considerado as facturas em questão integralmente «falsas», convocando, para o efeito, os depoimentos de H..., I... e J..., na parte, cujos segmentos transcreve, indicando as passagens do correspondente registo audio, onde, em suma, teriam afirmado que o arguido A... prestou serviços para a E... e, bem assim, a prova documental [v.g. faturas, cheques], sem que, contudo, neste caso, a cuidem de identificar nos termos legalmente exigíveis.

Nesta sede dir-se-á que tendo sido documentada, através de gravação, as declarações prestadas oralmente na audiência de julgamento pode, efectivamente, este tribunal conhecer de facto [artigos 363.º e 428.º do CPP], posto que se mostrem cumpridos os ónus previstos no artigo 412.º do CPP.

Nos termos do n.º 3 do citado preceito, quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente especificar:

a. Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b. As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; e, eventualmente

c. As provas que devem ser renovadas, preceituando por seu turno o n.º 4 que: Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação.

Com efeito, o nível de exigência do recurso em sede de matéria de facto, reforçado com a Reforma de 2007, tem de ser lido à luz do entendimento, sistematicamente, afirmado pelos tribunais superiores, de que os recursos constituem remédios jurídicos destinados a corrigir erros de julgamento, não configurando, como tal, o recurso para a Relação um novo julgamento em que o tribunal aprecia toda a prova produzida na 1.ª instância como se o julgamento ali realizado não existisse [cf., entre outros, os acórdãos do STJ de 15.12.2005, de 09.03.2006 e de 04.01.2007, proferidos respectivamente nos procs. n.ºs 05P2951, 06P461 e 4093/06 – 3.ª].

A especificação dos “concretos pontos de facto” só se mostra cumprida com a indicação do facto individualizado que consta da sentença recorrida … que considera incorrectamente julgado, sendo insuficiente a alusão a todos ou parte dos factos compreendidos em determinados números ou itens da sentença, sendo que A exigência legal de especificação das “concretas provas” só se queda satisfeita com a indicação do conteúdo específico do meio de prova [cf., por todos, o acórdão do TRC de 22.10.2008, proferido no proc. n.º 1121/03.3TACBR.C1].

Significa, pois, que o labor do tribunal de 2.ª Instância num recurso da matéria de facto não é uma indiscriminada expedição destinada a repetir toda a prova (…), mas sim um trabalho de reexame da apreciação da prova (e eventualmente a partir dos) nos pontos incorrectamente julgados, segundo o recorrente, e a partir das provas que, no seu entender, impõem decisão diversa da recorrida – [cf. acórdão do STJ de 24.10.2002 (proc. n.º 2124/2)] – (destaque nosso).

Aspecto que não se confunde com a eventualidade de uma outra aproximação à prova, pois caso a mesma consinta duas ou mais decisões de facto e o julgador, fundamentadamente, optar por uma delas em detrimento das outras, a decisão sobre a matéria de facto é, em princípio, inatacável.

Ora, no caso em apreço, não dão os recorrentes, na dimensão legalmente exigível, cumprimento integral aos supra identificados ónus, aspecto que transparecendo claro das conclusões, é transversal à respectiva motivação, designadamente ao nível da indicação do facto individualizado [o «concreto ponto de facto»], enveredando, antes, por uma impugnação generalizada, por conseguinte, inedónea a responder adequadamente ao que se vem designando por impugnação alargada da matéria de facto, comprometendo, assim, a esse nível, a sindicância.

Debruçando-nos sobre a decisão de facto vertida no acórdão, compreende-se, contudo, a dificuldade dos recorrentes na execução de tal tarefa, uma vez que a prova testemunhal a que se reportam – a documental, por não concretamente identificada, nem sequer merece a nossa atenção – foi ponderada pelo Colectivo sem que, por via dos factos objectivos no mesmo expostos, mas também dos juízos de inferência que com base naqueles foram levados a cabo - juízos, esses, donde não transparecem arbitrariedades, raciocínios ilógicos, irrazoáveis em contramão com as regras da experiência comum [bem pelo contrário!] – lograsse ser valorada em benefício da tese dos recorrentes, porquanto se apresentaram aos julgadores – no confronto com a demais prova [directa e indirecta] sobejamente dissecada na fundamentação e apreciação crítica - não credíveis [cf. v.g. das seguintes passagens: «(…) torna-se claro que o Tribunal deu pouca credibilidade às declarações dos arguidos. Estes afinaram as suas declarações pelo mesmo diapasão: embora não conseguissem quantificar ou distinguir a parte falsa da verdadeira, afirmaram que as faturas referidas no despacho de pronúncia correspondiam, todas, sem exceção, a trabalhos efetivamente efetuados pelo A..., existindo apenas um empolamento dos valores. A abonar tal versão (…), apresentaram-se as testemunhas H..., I... e J.... Todavia, as declarações dos arguidos não convenceram. (…) As testemunhas H..., I... e J... de pouco préstimo serviram. I..., empregada da E... (…), afirmou que o arguido A... fez trabalhos para a sociedade arguida, sem saber distinguir quais, limitando-se a testemunha a passar as faturas. Também H... e J... são funcionários da E... (…) e não deixam de referir que o arguido A... realizou trabalhos para a dita sociedade (e até identificaram alguns). Mas ofereceram pouca credibilidade. Desde logo, é de estranhar que se recordem com rigor dos trabalhos realizados pelo arguido A... passados tantos anos … Isto se tivermos em conta que na sociedade arguida trabalham cerca de 150 pessoas, a que acrescem prestadores de serviços externos à sociedade. Depois, referem que o A... tinha trabalhadores, mas o mais estranho é que não há o mínimo rasto deles … Aliás, não explicam como é que empresas de grande dimensão e que eram (a acreditar nos próprios arguidos (…) essencialmente D...) muito cuidadosas com o cumprimento da legalidade, permitam que nas suas instalações se desenvolvessem trabalhos por pessoas (os trabalhadores do A...) que não tinham segurança social, não tinham seguro de acidentes de trabalho … ou até que entrassem nas instalações servindo-se de cartões de outras pessoas»] – (destaques nossos).

Na verdade, convém ter presente que na livre apreciação, subordinada à razão e à lógica, desempenham um papel relevante as presunções naturais – que mais não são do que «o produto das regras da experiência que permitem ao juiz retirar de um facto conhecido ilações para adquirir um facto desconhecido, quando um facto é a consequência típica de outro» - [cf. acórdão do STJ de 09.02.2005 (proc. n.º 04P4721)], não sendo demais assinalar o que a propósito vem decidindo o Supremo Tribunal de Justiça, tal como, a título exemplificativo, decorre do acórdão de 23.11.2006 (proc. n.º 06P4096) onde se lê: «As normas dos artigos 126.º e 127.º do CPP podem ser intepretadas de modo a que possam ser provados factos sem que exista prova directa deles. Basta a prova indirecta, conjugada e interpretada no seu todo», acrescentando que tal interpretação «não ofende quaisquer princípios constitucionais, como o da legalidade, ou das garantias de defesa, ou da presunção de inocência e do contraditório, consagrados no art. 32º, n.ºs 1, 2, 5 e 8 da Constituição da República Portuguesa, desde que haja uma fundamentação crítica dos meios de prova …».

Por outro lado, em sede de apreciação pelo tribunal superior, os recorrentes não lhe poderão opor a sua convicção e reclamar que sobre ela se opte ou a sufrague, em detrimento e atropelo do princípio da livre apreciação da prova, pois – reafirma-se - terão de ter presente que «Sempre que a convicção seja uma convicção possível e explicável pelas regras da experiência comum, deve acolher-se a opção do julgador, até porque o mesmo beneficiou da oralidade e imediação da recolha da prova» - [cf. acórdão do STJ de 27.05.2010 (proc. n.º 11/04.7GCABT.C1.S1].

Assistindo-se a uma exposição densificada da prova – testemunhal e documental - que conduziu à formação da convicção do Colectivo, a qual foi objecto de análise crítica, exercício que não deixa margem para dúvida sobre a credibilidade que mereceu o depoimento das testemunhas M...e N... [Inspectores Tributários], mas também de O...[ficando quanto ao último consignado: «O Tribunal valorou ainda o depoimento de O..., arrolada pelo arguido A.... Pareceu credível, procurando informar com objectividade o Tribunal sobre os factos que conhecia. Deu do arguido A... a imagem de um autêntico pobre coitado, a viver numa situação muito difícil e que nunca lhe conheceu grande capacidade produtiva, dizendo mesmo que não apresentava a mínima capacidade para realizar os trabalhos que estavam descritos nas faturas (e anote-se que foi esta testemunha que ajudou o arguido a resolver este problema e, por isso, dele tinha conhecimento”). Mais, ao invés do que referiram os arguidos A..., B... e D...e algumas testemunhas ( H... e J...), foi perentório na afirmação de que o arguido A... não tinha empregados ao seu serviço. Rectius: só lhe conheceu um empregado, mas foi há mais de 15 anos …] e, bem assim, em conjugação com estes, a força que assumiu a prova documental, objecto de identificação [respigando-se da decisão: «Em conjugação com os depoimentos de M...e de N... , o Tribunal valorou um conjunto de documentação donde resulta (…) à luz das mais elementares regras da experiência, a admissão por parte dos arguidos da prática dos factos (…) provados. Esta documentação, muito embora os arguidos tivessem procurado (sem sucesso, adiante-se) dar-lhe uma interpretação diversa daquela que foi acolhida pelo Tribunal, não foi minimamente colocada em causa ou contestada por quem quer que fosse. Referimo-nos especificamente (as folhas indicadas referem-se ao Anexo apenso aos autos): - fls. 1: quadro elaborado pelos serviços de finanças onde constam os valores inicialmente declarados pela E..., S.A. quer de IVA quer de IRC e, também, as datas em que foram apresentadas as declarações de substituição/retificação, os seus montantes e as datas em que se efetuaram os seus pagamentos; fls. 2 a 13: declarações Modelo 22 (declarações de substituição) relativas aos rendimentos de 2001, 2002 e 2003 e respetivas liquidações; fls. 14 a 108: declarações periódicas de IVA de substituição apresentadas pela E... e respectivos comprovativos de pagamento (assinalando-se que os pagamentos vão assinados pelo arguido D...); fls. 110 a 124: informações fiscais relativas ao pagamento de IRC pela arguida E..., SA dos anos de 2001, 2002 e 2003»] (destaques nossos), constatada a razoabilidade dos juízos de inferência, para cuja formação muito contribuíram as condições do arguido A..., designadamente ao nível da logística – ou, melhor, da falta dela – incapaz de dar resposta a semelhantes «trabalhos» e/ou prestação de «serviços», não merece censura, por lógico e lúcido, o racíocinio, percorrido no processo de convição que surge a suportar a decisão.

Concluindo: Mostrando-se prejudicada a sindicância ampla da matéria de facto, desde logo em consequência da falta de cumprimento, na dimensão legalmente exigível, dos ónus que impendiam sobre os recorrentes, incompatíveis com uma impugnação generalizada e que, no essencial, radica na ausência de conformação com a não atribuição, por parte do Colectivo, de credibilidade a determinada prova, a qual não tendo deixado de ser objecto de ponderação, no confronto com a demais prova [directa e indirecta] produzida e analisada em audiência de julgamento, apresentou-se-lhe destituída de semelhante qualidade, resta-nos, nesta vertente, a sindicância por via dos vícios do n.º 2 do artigo 410.º do CPP.

Vícios, esses, que como esclarece Germano Marques da Silva, « … tem de dimanar da complexidade global da própria decisão recorrida, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso portanto a quaisquer elementos que à dita decisão sejam externos, salientando-se, ainda, que as regras da experiência comum “não são senão as máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece”– [cf. “Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo, 2000, Vol. III, págs. 338/339].

Trata-se, por conseguinte, «de vícios ao nível da lógica jurídica da matéria de facto, da confecção técnica do decidido, apreensíveis a partir do seu texto, a denunciar incoerência interna com os termos da decisão» - [cf. acórdão do STJ de 07.12.2005, CJ, ASTJ, 2005, T. III, pág. 224].

Neste âmbito, da análise da motivação, afigura-se-nos ser intenção dos recorrentes imputar à decisão a insuficiência da matéria de facto provada, vício, esse, que, tal como deve ser configurado, não se detecta no acórdão não se vislumbrando a omissão de quaisquer factos relevantes que do mesmo devessem constar e não constem, inviabilizadoras da decisão jurídica.

Bem vistas as coisas, o que uma vez mais resulta do requerimento recursório é vir o «vício» sustentado numa diferente convicção não coincidente com a que, claramente, ressalta da fundamentação/análise crítica da prova ter sido a do Colectivo.

Por outro lado, não tem fundamento a insinuação levada a efeito pelos recorrentes no sentido de não haver o Colectivo interpretado devidamente o anterior acórdão deste tribunal, posto que o vício, então, afirmado foi o da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, cuja sanação – adiantou-se - poderia vir a conduzir à verificação do vício da alínea a), do n.º 2, do artigo 410.º do CPP, sem que, contudo, se haja concluído pela respectiva ocorrência.

Ora, tendo a decisão de facto ultrapassado o vício, então, em questão, ficando, agora, claro que as facturas relativamente às quais se suscitava o problema não correspondem a qualquer trabalho, material fornecido ou serviços prestados, sendo, como tal, integralmente «falsas» [cf. v.g. os pontos 39., 40, 41 e 42 dos factos provados e correspondente fundamentação/análise crítica da prova], não tem cabimento a afirmação de que tudo ficou na mesma porque, na verdade, a apreciação é exactamente a oposta, ou seja nada de relevante ficou na mesma!

Conclui-se, pois, por via do incumprimento, na dimensão legalmente exigida, dos ónus de impugnação especificada [artigo 412.º, n.º 3 do CPP] pela impossibilidade de sindicância da matéria de facto na vertente alargada, a qual, em consequência se rejeita e, bem assim, pela inverificação de qualquer dos vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2 do CPP, tão pouco pela valoração de prova proibida, resultando, antes, vir a decisão fundamentada em prova directa e juízos de inferência, tudo em execução do princípio da livre apreciação da prova com assento no artigo 127.º do CPP, o que conduz à imodificabilidade da matéria de facto, a qual - tal como acolhida no acórdão recorrido – se tem por definitivamente fixada.

d.

Defendem os recorrentes a subsunção dos factos a um só crime, na forma continuada, de fraude fiscal qualificada e não já a três crimes de idêntica natureza como decidiu o Colectivo, não sem que antes, no decurso da audiência de discussão e julgamento, haja comunicado a correspondente alteração da qualificação jurídica [artigo 358.º, n.ºs 1 e 3 do CPP].

Como ensina Eduardo Correia, para a afirmação do crime continuado deverá: ser plúrima a realização do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico; a realização criminosa deve ser executada por forma essencialmente homogénea e deve ser executada no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.

Significa, pois, que ocorre crime continuado quando, através de várias acções criminosas, se repete o preenchimento do mesmo tipo legal ou de tipos que protegem o mesmo bem jurídico, adoptando-se um procedimento que se reveste de uma certa uniformidade e aproveita um condicionalismo exterior que propícia a repetição, fazendo, assim, diminuir consideravelmente a culpa do agente, sendo que o fundamento desta diminuição da culpa tem de ir encontrar-se, no momento exógeno das condutas, na disposição exterior das coisas para o facto. Como adianta o Autor o pressuposto da continuação criminosa será, verdadeiramente, a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa «tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito» - [cf. “Direito Criminal”, 1965, II, pág. 209].

Também nas palavras de Faria e Costa «… o ataque sucessivo pode ser contra o mesmo bem jurídico ou contra bens jurídicos fundamentalmente idênticos (…)

(…) Mas para que estejamos frente a um crime continuado não basta que a realização plúrima preencha os pressupostos atrás apontados, é necessário ainda que “seja executada por forma essencialmente homogénea que diminua consideravelmente a culpa do agente”.

Têm deste modo de se conjugar todos os elementos anteriores apontados não só com uma certa homogeneidade que pode ganhar relevância à luz de um critério espácio-temporal, pelo menos como ponto de referência negativo, mas também com o circunstancialismo exógeno que faça consideravelmente diminuir a culpa do agente. E é neste específico ponto que se toca o essencial. É justamente em homenagem a uma ideia de menor exigibilidade que o crime continuado ganha solidez dogmática …» - [cf. “Formas do Crime”, Jornadas de Direito Criminal, págs. 182/183].

Ainda a propósito refere Pinto de Albuquerque: «A diminuição sensível da culpa só tem lugar quando a ocasião favorável à prática do crime se repete sem que o agente tenha contribuído para essa repetição. Isto é, quando a ocasião se proporciona ao agente e não quando ele activamente a provoca. No caso de o agente provocar a repetição da ocasião criminosa (…), não há diminuição sensível da culpa (…). Ao invés, a culpa pode até ser mais grave, por revelar firmeza e persistência do propósito criminoso» - [cf. “Comentário do Código Penal”, Universidade Católica Editora, pág. 139].

E se ao nível da doutrina não se conhecem vozes discordantes quanto à exigência de que só circunstâncias exógenas podem relevar para o juízo da diminuição sensível da culpa tendente à unificação das várias condutas criminosas, não podendo, pois, o mesmo assentar em factores endógenos propiciadores e facilitadores das sucessivas condutas do agente – caso em que é de afastar a figura do crime continuado – também da jurisprudência dos tribunais superiores não se extrai outra conclusão.

Neste sentido lê-se no acórdão do STJ de 23.01.2008 [proc. n.º 07P4830]: «Nos termos do art. 30.º, n.º 2 do CP, constitui um único crime a prática repetida do mesmo tipo legal de crime, executada de forma essencialmente homogénea, e no quadro de uma solicitação exterior que diminua a culpa do agente.

Este último elemento constitui o fundamento da unificação criminosa: a diminuição da culpa do agente, resultante da “cedência” a uma solicitação exterior. Por isso sempre que a repetição da conduta criminosa seja devida a uma tendência da personalidade do agente, a quaisquer razões de natureza endógena, ou sempre que ocorra independentemente de qualquer situação externa, ou que decorra de oportunidade provocada ou procurada pelo próprio agente, haverá pluralidade de crimes e não crime continuado.

O elemento unificador das condutas consiste na diminuição da culpa do agente, e não na unidade de resolução criminosa ou na homogeneidade da actuação delitiva. Esta última, assim como a proximidade temporal das condutas, é um elemento meramente indiciário da continuação criminosa, que deverá ser confirmado pela verificação de uma solicitação exterior mitigadora da culpa. Por sua vez, a unidade de resolução criminosa nem sequer existe no crime continuado, pois o que caracteriza esta figura é precisamente a renovação de tal resolução perante as solicitações externas exercidas sobre o agente» - [destaque nosso].

De modo idêntico se pronunciou o acórdão do STJ de 20.05.2014 [CJ, ASTJ, Ano XXII, T. II, pág. 194 e ss.], do qual se extracta: «Na base do crime continuado encontra-se, como bem se sabe e melhor resulta do disposto no artigo 30.º do Código Penal, que adoptou, na sua formulação, um critério teleológico, a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executados de forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua de forma considerável a culpa do agente.

(…).

Quer isto dizer que, subjacente ao crime continuado, encontram-se razões que, atinentes à culpa do agente, diminuem-na consideravelmente, em face das solicitações que, advindas de uma situação exterior, como que o impelem à reiteração do seu comportamento criminoso, e já não por razões de carácter endógeno.

Diminuição da culpa do agente que, a verificar-se, entende o legislador reclamar a formulação de um só juízo de censura, e não vários, como seria suposto acontecer quando em causa estejam comportamentos violadores de várias normas incriminatórias ou da mesma norma incriminadora, por mais de uma vez.

Porém, voltando ao caso dos autos e passando em revista o elenco dos factos provados, não se vislumbra a ocorrência de uma qualquer situação que, exógena ao arguido, o houvesse determinado a delinquir de forma reiterada e, como assim, tendente a tornar cada vez menos exigível que se comportasse de acordo com a norma.»

Na mesma linha discorre o acórdão do STJ de 19.04.2006 [proc. n.º 06P0807], enquanto refere: «O crime continuado pressupõe, no plano externo, uma série de acções que integrem o mesmo tipo legal de crime ou tipos legais próximos que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, às quais presidiu e que foram determinadas por uma pluralidade de resoluções. O fundamento da diminuição da culpa que justifica a unidade está no momento exógeno das condutas e na disposição exterior das coisas para os factos (…) Não se verificam os pressupostos do crime continuado se dos factos apurados resulta que em cada actuação integrada por um conjunto encadeado de factos, a recorrente não se limitou a aproveitar uma situação exterior que se lhe apresentasse e perante a qual revelasse imediatamente um «fracasso psíquico», mas, bem diversamente, renovou exponencialmente a intenção, e construiu, pensada e complexamente, por meio de vários actos, as plúrimas componentes de diversas situações (…), de modo a revelar, não uma diminuição de culpa, mas o recentramento e um adensar da posição subjectiva»

À luz dos contornos traçados - sendo pacífica a aplicação da figura e regime do crime continuado aos crimes tributários lato sensu – o que importa perguntar é se errou o Colectivo ao afastar, no caso dos autos, a figura do crime continuado.

Não o cremos!

Com efeito, muito embora o arguido/recorrente, na qualidade de gerente da arguida « E...», em nome e no interesse desta, tenha repetido o mesmo tipo legal, a verdade é que não resulta do acervo factual provado esse pressuposto essencial, traduzido na considerável diminuição da culpa assente em circunstâncias exógenas, isto é de parte alguma ressuma que a repetição criminosa haja decorrido de uma renovação de oportunidades para o arguido, que lhe facilitasse a repetição da conduta anterior, antes, colocando os factos a descoberto a procura e a criação pelo mesmo de novas situações, planeadas e organizadas para praticar novas infracções concretizadas na inveracidade, determinada pela vontade de empolar os custos da empresa e, assim, conseguir – como conseguiu – diminuir em cada um dos exercícios [2001-2002-2003] o montante devido ao Fisco a título de IRC, em cada uma das três declarações anuais entregues, nas quais integrou os montantes inscritos nas respectivas «facturas falsas», identificadas nos factos provados, assistindo-se, portanto, à realização plúrima do mesmo tipo de crime sem que se detectem circunstâncias exteriores [v.g. que tenham o(s) arguido(s)/recorrido(s) agido por pressão de alguma circunstância exterior que tenha produzido uma diminuição da culpa] que tivessem levado o(s) arguido(s)/recorrente(s) a um repetido sucumbir, mas antes ao defraudar através de condutas sucessivas, anualmente renovadas com a realização de renovados actos materiais, acompanhados da correspondente resolução porquanto manifesto se torna que tiverem de vencer em cada ano fiscal – durante três anos - novos obstáculos para consumar os novos desígnios criminosos, o Fisco.

Concluindo: Não revelando os factos provados o pressuposto essencial da considerável diminuição da culpa [artigo 30.º, n.º 2 do C. Penal], nada demonstrando que praticada a primeira acção criminosa ficaram criadas condições que favoreceram e facilitaram a repetição das condutas posteriores, tornando cada vez menos exigível que o(s) arguido(s)/recorrente(s) se tivesse(m) abstido dos novos actos criminosos, nenhuma censura nos merece o acórdão recorrido ao afastar o crime continuado, considerando, antes, os arguidos/recorrentes incursos na prática, em concurso efectivo, de três crimes de fraude fiscal qualificada.

e.

Lidos articuladamente os pontos 2.º e 11.º das conclusões resulta defenderem os recorrentes a aplicação ao crime de fraude qualificada do artigo 103.º, n.º 2 do RGIT, razão pela qual – aduzem – se assistiria à descriminalização das condutas que lhes vem imputadas e, assim, à extinção do procedimento criminal, pois que «O valor mais alto que integra a continuação não atinge os 15.000 €» [sic.].

Independentemente da confirmação já levada a efeito do acórdão recorrido enquanto decidiu pela prática por parte dos arguidos/ recorrentes de três crimes de fraude qualificada, sempre os fundamentos subjacentes a tal posição surgem infundados.

Pretendemos, assim, realçar dois aspectos que, na nossa perspectiva, contrariam o pensamento dos recorrentes, com efeito

a. Não desconhecendo, embora, a problemática gerada em torno da aplicação, ou não, do n.º 2, do artigo 103.º do RGIT ao crime de fraude qualificada, não queremos deixar, muito sucintamente, de dizer que perfilhamos a tese – ao que tudo indica minoritária, mesmo à luz da doutrina conhecida – dos que defendem não ser aplicável à fraude qualificada, mormente quando a execução do crime passa pela utilização de facturas falsas – n.º 2 do artigo 104.º -, o limite de € 15.000,00 previsto no citado artigo 103.º

Os dados da questão estão lançados e tem sido objecto de decisões divergentes, designadamente por parte dos tribunais.

Só acrescentaremos que continuamos a adoptar o entendimento vertido no acórdão do TRG de 18.05.2009 [proc. n.º 352/02.8IDBRG.G1], o qual pela singeleza que encerra, na parte agora pertinente, se recupera, transcrevendo:

A técnica legislativa é bem clara.

Os recorrentes não praticaram apenas factos previstos em “números anteriores” do art. 103º nº 2. Praticaram esses e mais outros que qualificam o crime (utilizaram facturas falsas – art. 104º nº 2). Os factos não puníveis são apenas os previstos nos “números anteriores”, não existindo nenhuma razão, literal ou outra, para suspeitar que o legislador quis também abranger os factos previstos nos «artigos seguintes».

São realidades de gravidades distintas. Uma coisa é a fraude consistir unicamente na comunicação da existência de um negócio simulado. Outra, bem mais grave, é forjar documentos para convencer que o negócio efectivamente existiu, tornando mais difícil a descoberta do crime. Foi apenas o primeiro comportamento que o legislador pretendeu beneficiar com a norma do art. 103.º nº 2 do RGIT.

No mesmo sentido se pronunciaram v.g. os acórdãos do TRG de 28.05.2012 e do TRC de 07.03.2012 [cf. em sentido contrário v.g. os acórdãos TRC de 19.01.2011 de do TRP de 28.09.2011].

b. Decisivos, porém, são os valores, no caso, em questão, os quais, relativamente a cada um dos exercícios, correspondentes ao ano fiscal, considerados, ultrapassam os ditos 15.000,00, conforme decorre do acervo factual apurado [cf. pontos 45., 46. e 54. dos factos provados].

É que diferentemente do que parece constituir entendimento dos recorrentes o momento de consumação dos crimes no que ao IRC concerne ocorre – o que nos surge relativamente seguro, pelo menos, quanto ao sujeito que recebe a factura falsa e inclui a «falsa operação» na declaração fiscal - quando as declarações [Modelo 22] relativas aos exercícios de 2001, 2002 e 2003, integrando os elementos falsos, foram entregues à Administração Tributária [Serviço de Finanças] - e não já com a emissão das ditas facturas -, interpretação consentânea com o n.º 3 do artigo 103.º do RGIT, que se mostra espelhada, entre outros, no acórdão do TRP de 19.03.2003 [proc. n.º 0210683].

Como tal, não nos suscita reparo a passagem do acórdão recorrido onde vem consignado: «Nem se tente argumentar que o crime se consuma com a emissão e/ou entrega da fatura falsa para poder ser utilizada e, por isso, é o montante da mesma que deve ser tido em conta para apurar o valor da vantagem patrimonial ilegítima.

Tal modo de ver as coisas, além de frontalmente esquecer o teor do artigo 103.º, n.º 3 do Regime Geral das Infracções Tributárias, não tem ainda em consideração, como afirmámos, que o crime de fraude fiscal se consuma, no que toca aos impostos relativos ao IRC, no momento em que há o cumprimento do dever de declaração de rendimentos, o mesmo é dizer, no momento de proceder à entrega da declaração de rendimentos da pessoa coletiva (o Modelo 22).»

Concluindo: Ainda que se entendesse – o que não é o caso – verificar-se um só crime de fraude qualificada na forma continuada, já porque temos por inaplicável ao tipo do artigo 104.º do RGIT o montante da vantagem patrimonial ilegítima a que se reporta o artigo 103.º do mesmo diploma [inferior a € 15.000,00], circunstância que encaramos como condição objectiva de punibilidade [e não já como elemento do tipo], já porque o valor a considerar sempre seria o correspondente aos valores «falseados», em cada uma das três declarações anuais apresentadas ao Fisco, suportados em facturas falsas [e não já, como sugerem os arguidos, o montante correspondente a cada uma das facturas] nunca a(s) conduta(s) em causa se poderiam ter por descriminalizadas, como pretendem os recorrentes.

Significa, pois, não ocorrer violação dos artigos 103.º e 104.º do RGIT, apenas convocados nesta dimensão.

f.

Insurgem-se os recorrentes contra o facto de não haver o acórdão recorrido procedido à atenuação especial da pena, em derrogação do n.º 2 do artigo 22.º do RGIT, certo, porém, terem os mesmos, à luz do acervo factual apurado [cf. ponto 55. dos factos provados], reposto a verdade fiscal e pago a prestação tributária e demais acréscimos legais «até à decisão final …».

Funcionando a atenuação especial da pena no âmbito do n.º 2 do citado preceito ope legis e mostrando-se verificados os respectivos pressupostos, a saber: a prática de qualquer crime tributário lato sensu; a reposição da verdade sobre a situação tributária e o pagamento da prestação tributária e demais encargos legais, assiste-lhes, nesta parte, razão.

Já não assim quanto à almejada dispensa da pena [cf. ponto 8.º das conclusões] por falecerem os pressupostos cumulativos previstos no n.º 1 do artigo 22.º do RGIT [na redacção anterior à introduzida pela Lei n.º 83/C/2013, de 31.12], preceito que, desde logo, faz depender a aplicação do «instituto» da circunstância do crime ser punível com pena de prisão igual ou inferior a três anos.

Concluindo: Tem, no caso, lugar a atenuação especial da pena, assunto que retomaremos – se entretanto não ficar prejudicado – a seu tempo, porquanto estamos, agora, em condições de enfrentar a matéria da prescrição do procedimento criminal que, não obstante dever, em princípio, ser encarada como questão prévia, assim não o podia ter sido no caso como de seguida melhor resultará.

g.

Pretendem os recorrentes extrair da atenuação especial da pena, contemplada no n.º 2 do artigo 22.º do RGIT, a extinção, por prescrição, do procedimento criminal por via da «alteração» da moldura penal abstracta correspondente ao crime de fraude qualificada, cujo limite máximo desce de 5 [cinco] anos para 3 [três] anos e 4 [quatro] meses de prisão [ex vi do artigo 73.º do C. Penal] - sendo certo que se o procedimento respeitar a pessoa colectiva ou entidade equiparada, os prazos de prescrição previstos no n.º 1 do artigo 118.º do C. Penal são determinados tendo em conta a pena de prisão [cf. o n.º 3 do citado preceito] – o que, na sua óptica, conduziria ao afastamento do prazo de 10 [dez] anos previsto na alínea b) do n.º 2 do artigo 118.º do C. Penal [cf. artigo 21.º, n.º 2 do RGIT], logo, à aplicação do prazo de prescrição de 5 [cinco] anos e, em consequência, à constatação, no caso, da extinção do procedimento criminal.

Com o devido respeito, afigura-se-nos não lhes assistir razão, já que, conforme decorre da lei, para efeito do disposto no n.º 1 do artigo 118.º do C. Penal «… na determinação do máximo da pena aplicável a cada crime são tomados em conta os elementos que pertençam ao tipo de crime mas não as circunstâncias agravantes ou atenuantes».

Resulta assim que, em matéria de prescrição, em ordem à determinação do máximo da pena aplicável relevam as atenuantes ou agravantes que na parte especial derem origem a novos tipos, privilegiados ou qualificados, mas já não as circunstâncias comuns, modificativas ou não, integradas na parte geral, as quais não fazem parte dos tipos, não pertencendo aos mesmos como seus elementos constitutivos.

Assim se pronunciam Simas Santos e Leal Henriques quando referem: «… como resulta claramente do n.º 2 do art. 118.º, para os efeitos do n.º 1, ou seja para determinar o máximo da pena aplicável, consideram-se as atenuantes ou agravantes que, previstas na Parte Especial, deram origem a novos tipos legais (…), mas já não se consideram as agravantes ou atenuantes modificativas comuns, como v.g., a atenuante resultante da simples tentativa (…)» - [cf. “Noções Elementares de Direito Penal”, Editora Rei dos Livros, 2009, pág. 349].

Transpondo para o caso concreto a circunstância prevista no n.º 2 do artigo 22.º do RGIT, conduzindo embora à atenuação especial da pena, operando, assim, sobre a respectiva moldura geral abstracta – funcionando como circunstância modificativa – não faz parte do tipo de crime em causa, não tendo, pois, a virtualidade de se repercrutir no prazo de prescrição de 10 [dez] anos aplicável ao procedimento criminal no que respeita ao crime de fraude qualificada.

Significa, pois, considerando que o momento da consumação do crime em questão, no que ao IRC concerne, ocorre quando as declarações relativas aos exercícios de 2001, 2002 e 2003 [Modelo 22], incluindo os elementos falsos, foram entregues à Administração Tributária [Serviço de Finanças], não desprezando as causas de suspensão e de interrupção dos prazos de prescrição previstos no C. Penal [artigos 120.º e 121.º], aplicável ex vi do disposto no n.º 4 do artigo 21.º do RGIT, que vieram a ocorrer nos autos – [cf. pontos 81 e 82 do acervo factual], que não se mostra decorrido o prazo de prescrição do procedimento criminal, acrescentando-se que outra não seria a solução se se tivesse concluído – e não se concluiu – pela verificação de um crime continuado de fraude qualificada já que, nesse caso, o aludido prazo só se iniciaria desde o dia da prática do último acto – [cf. artigo 119.º, n.º 2, alínea b) do C. Penal], ou seja, da data da apresentação da última declaração, correspondente ao exercício de 2003.

Concluindo: Por a alteração operada, por via da atenuação especial em consequência da aplicação do n.º 2 do artigo 22.º do RGIT, na moldura penal abstracta da pena colher o seu fundamento numa circunstância modificativa que não faz parte do tipo, não pertencendo, por conseguinte, aos seus elementos constitutivos, nenhuma repercussão pode ter na definição do prazo de prescrição do procedimento criminal correspondente a cada um dos ilícitos em questão, o qual, sem olvidar as causas de interrupção e suspensão do respectivo procedimento criminal, não se mostra esgotado em relação a nenhum dos crimes.

Não resultam, assim, violadas as normas constantes dos artigos 118.º, n.º 1, alínea c) e 121.º, n.º 3 do C. Penal.

h.

Assente que está terem os arguidos/recorrentes incorrido na prática dos três crimes de fraude qualificada pelos quais sofreram condenação em 1.ª instância, resta enfrentar a questão da medida concreta das penas – parcelares e conjunta – não sem que antes, por via da atenuação especial resultante da aplicação do artigo 22.º, n.º 2 do RGIT, se encontre a moldura penal abstracta correspondente a cada um dos três crimes de fraude qualificada.

Previamente, porém, dois esclarecimentos:

O primeiro no sentido de não poder a atenuação especial da pena beneficiar os arguidos não comparticipantes nos crimes imputados aos recorrentes, como é o caso das demais sociedades arguidas e seus gerentes/administradores ou legais representantes [relativamente aos quais o acórdão da 1.ª instância se mostra transitado], o mesmo sucedendo com o arguido A..., o qual sendo, embora, coautor com os recorrentes no que concerne ao(s) crime(s) de fraude qualificada, não lhe pode aproveitar a dita atenuação especial porquanto o fundamento que conduz à mesma assenta, no caso, em motivos que tem de ser encarados como «estritamente pessoais», entroncando na reposição [pela « E...» e seu gerente D...] da verdade fiscal com o correspondente pagamento da prestação tributária e demais encargos legais, circunstância que, por definição, não estava ao alcançe do arguido A... - [cf. artigo 402.º, n.º 2, alínea a) do CPP].

O segundo reportado à incidência da atenuação especial, a qual, à luz do Código Penal, se encontra prevista para a pena individual correspondente a cada crime e não já para a pena conjunta - cf. artigos 72.º e 77.º do Código Penal – [cf. v.g. o os acórdãos do STJ de 20.06.2002 (proc. n.º 1857/02 – 5) e de 17.12.2009 (proc. n.º 2956/07.3TDLSB.S2)].

Em consequência da atenuação especial as molduras penais abstractas a considerar para cada um dos três crimes fraude qualificada oscilam entre o mínimo de um mês e o máximo de três anos e quatro meses de prisão no que ao arguido D...concerne e entre o mínimo de vinte dias e o máximo de oitocentos dias de multa quanto à arguida « E...» - [cf. artigos 104.º, 22.º, n.º 2, 12.º e 3.º do RGIT, 41.º, n.º 1 e 73.º, n.º 1, als. a), b) e c) do C. Penal].

Na fixação da medida concreta da pena tem o tribunal de atender ao disposto nos artigos 40.º e 71.º do C. Penal e, bem assim, no artigo 13.º do RGIT.

Consabidamente a aplicação das penas e medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Como ensina Figueiredo Dias Culpa e prevenção são assim os dois termos do binómio com o auxílio do qual há-de ser construído o modelo da pena (…).

Através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências da prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à ressocialização in casu das finalidades da pena. Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime (…) limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção – [cf. “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 215].

Como decorre do acórdão do STJ de 08.06.2011 [proc. n.º 87/09.0PARGR.L1.S1] As circunstâncias e critérios do art. 71º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação de valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.

As imposições de prevenção geral devem, pois, ser determinantes na fixação da medida das penas, em função de reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, para fortalecer as bases de coesão comunitária e para aquietação dos entimentos afectados na perturbação difusa dos pressupostos em que assenta a normalidade da vivência do quotidiano.

Porém tais valores determinantes têm de ser coordenados, em concordância prática, com outras exigências, quer de prevenção especial de reincidência, quer para confrontar alguma responsabilidade comunitária no reencaminhamento para o direito do agente do facto, reintroduzindo o sentimento de pertença na vivência social e no respeito pela essencialidade dos valores afectados.

Retomando o caso concreto – não sendo, agora, sob pena de se incorrer em «dupla valoração», de considerar [como pretendem os recorrentes] a «regularização total da situação fiscal» - é de ponderar ter o arguido/recorrente D... actuado sempre com dolo directo, revelando-se a ilicitude dos factos – entendida como juízo de desvalor da ordem jurídica sobre o comportamento do agente – moderada, atenta a grandeza da vantagem patrimonial que por referência a cada um dos crimes pretendia alcançar ilegitimamente, a saber: € 31 810,14, € 32.001,16 e € 24.995,09, correspondente, respectivamente ao exercício de 2001, 2002 e 2003.

Em benefício do arguido D..., destacam-se a sua integração familiar, social e profissional, transparecendo da decisão tratar-se de pessoa trabalhadora e empreendedora, com intervenção em actividades sociais relevantes, respeitada no meio em que se insere, onde é considerado uma pessoa de princípios e valores comunitários.

Ainda a seu favor a ausência de antecedentes criminais, resultando do acórdão a admissão – ainda que de forma mitigada – dos factos.

As exigências de prevenção especial de ressocialização, pese embora o recorrente prossiga à frente da empresa, apresentam-se, em função do que acima se disse, não muito significativas, o que já não sucede ao nível das exigências de prevenção geral, tendo em conta a frequência deste tipo de crimes, sobretudo numa conjuntura em que os cidadãos sentem o apelo do Estado no sentido de combater a evasão fiscal, contribuindo, dessa forma, para uma maior justiça fiscal, revelando-se, em consequência, as condutas em apreço nos autos motivo de forte censura por parte da comunidade.

Sendo este o contexto, considera-se que a pena especialmente atenuada de 10 [dez] meses de prisão, por cada um dos três crimes de fraude qualificada, responde adequadamente às exigências de prevenção, sem ultrapassar a medida da culpa.

No que respeita à recorrente “ E...”, ponderada a ilicitude dos factos – nos termos supra descritos - a respectiva dimensão – conta com cerca de 160 funcionários/colaboradores -, os valores declarados como lucro tributável nos anos 2010 a 2012, a circunstância de não ter dívidas fiscais de qualquer natureza, de a sua situação contributiva relativamente à Segurança Social se mostrar regularizada, sopesando, ainda, o seu reconhecimento, por parte da Câmara Municipal de Aveiro, de «Interesse Económico para o Concelho», não registando qualquer infracção criminal, à luz dos artigos 13.º e 15.º do RGIT tem-se por adequada a pena especialmente atenuada de 100 [cem] dias de multa, por cada um dos três crimes de fraude qualificada, à taxa diária de € 25,00 [vinte e cinco euros].

Com efeito, nenhuma razão assiste à recorrente [ E...] quando invoca o «exagero» do montante diário fixado - em € 25,00 -, bastando que, para o reconhecimento da falta de fundamento da alegação, se tivesse debruçado nos «valores» previstos no artigo 15º do RGIT [norma especial relativamente ao artigo 47.º do C. Penal], e, simultaneamente, não olvidasse que o «montante diário da pena de multa não deve ser doseado por forma a que tal sanção não represente qualquer sacrifício para o condenado, sob pena de se estar a desacreditar esta pena, os Tribunais e a própria justiça, gerando um sentimento de injustiça, de insegurança, de inutilidade e de impunidade» - cf. o acórdão TRC de 13.07.95, CJ, Ano XX, T. 4, pág. 48].

Resta, pois, determinar a pena conjunta a aplicar a cada um dos arguidos/recorrentes.

Na concretização da regra estabelecida no nº 1 in fine, do artigo 77º do Código Penal, de acordo com o qual na medida da pena - no que à punição do concurso concerne - são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, tem sido pacífico, designadamente ao nível da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, que essencial na formação da pena conjunta é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação desse bocado de vida criminosa com a personalidade, de tal forma que a pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares [cf. Ac. STJ de 05.07.2012, Proc. n.º 145/06.SPBBRG.S1], o que, contudo, não dispensa o recurso às exigências de prevenção geral e especial, encontrando, também, a pena conjunta o seu limite na medida da culpa.

Traçadas, no essencial, as coordenadas relevantes na matéria, retornando à situação em apreço em concretização do n.º 2 do artigo 77.º do C. Penal a moldura penal a atender para efeitos de concurso de crimes, no seio da qual há-de ser encontrada a pena conjunta, situa-se:

a. No caso do arguido D... entre um limite mínimo de 10 [dez] meses de prisão [as penas parcelares são coincidentes] e um limite máximo [correspondente à soma das penas ditas parcelares] de 2 [dois] anos e 6 [seis] meses de prisão;

b. No que concerne à arguida E... entre um limite mínimo de 100 [cem] dias de multa [as penas parcelares coincidem entre si] e um limite máximo [correspondente à soma das ditas penas parcelares] de 300 [trezentos] dias de multa.

Pretendendo-se com a fixação da pena conjunta sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas especialmente pelo seu conjunto enquanto tradutor da dimensão e da gravidade global do comportamento delituoso, na determinação da mesma importa averiguar se ocorre ou não conexão entre os factos em concurso, se existe ou não, qualquer relação entre uns e outros, indagar da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e a gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderado em conjunto com a personalidade do agente, com vista à obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos … de modo a decidir se o ilícito global é ou não produto de uma tendência criminosa do agente e a fixar a medida concreta da pena dentro da moldura do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que a pena irá exercer sobre ele – [cf. Acórdão do STJ de 27.06.2012, Proc. n.º 151/08.3PAGDM – A.S1].

 Na concretização dos elementos determinadores da pena conjunta – os factos e a personalidade do agente, considerados no seu conjunto como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpretado - é de ponderar estar em causa o mesmo tipo de crime, logo a identidade do bem jurídico ofendido por qualquer deles; o período temporal durante o qual se desenvolveram – por três anos consecutivos: 2001/2002 e 2003 –, bem como a grandeza da correspondente vantagem patrimonial que ilegitimamente pretendiam alcançar, surgindo a medida da gravidade do ilícito global significativa se considerada a dimensão, intensidade e persistência na prática dos sobreditos crimes.

Por outro lado, as circunstâncias apuradas apontam para uma situação de pluriocasionalidade – pese embora as condutas hajam ocorrido em três anos consecutivos – e não já para motivos que radiquem na personalidade do recorrente D... – cuja história [pessoal] deixa transparecer uma pessoa trabalhadora, empreendedora, socialmente considerada, capaz de desenvolver um projecto empresarial envolvendo cerca de 160 trabalhadores/colaboradores, com intervenção relevante na comunidade – não sendo, igualmente, de desconsiderar o reconhecimento da « E...» por parte da Câmara Municipal de Aveiro, como empresa de «Interesse Económico para o Concelho».

Acresce que decorridos mais de dez anos sobre os factos nenhum dos recorrentes regista condenações.

Olhando a imagem global dos factos, não existindo fundamento para concluir por uma personalidade fortemente desconforme com as normas, tem-se por adequado fixar a pena única em:

aa. 15 [quinze] meses de prisão relativamente ao arguido D..., mantendo-se, naturalmente, a suspensão na respectiva execução, agora pelo período de 15 [quinze] meses [cf. artigos 14.º do RGIT e 50.º do C. Penal];

bb. 150 [cento e cinquenta] dias de multa à taxa diária de € 25,00 [vinte e cinco euros] no que respeita à arguida « E..., SA”.

Sem que necessário se torne enfrentar a questão de saber se a admoestação pode ser equacionada no âmbito dos crimes tributários lato sensu, razões de prevenção geral, que se se fazem sentir sobremaneira - como já acima evidenciado - no tipo de criminalidade em causa, sempre conduziriam a que fosse excluída [no que concerne à arguida “ E...”] a respectiva aplicação, por não responder de forma adequada e suficiente às finalidades da punição - [cf. artigos 40.º e 60.º do C. Penal].

III. Decisão

Termos em que, julgando parcialmente procedente o recurso, acordam os juízes que integram este tribunal em:

a. Proceder à correcção do lapso de escrita constante do ponto E. do dispositivo do acórdão recorrido passando a constar do mesmo: «Quanto ao arguido D..., condená-lo pela prática, em concurso efetivo, de três (3) crimes de fraude fiscal qualificada …», mantendo-se inalterado quanto ao mais que no mesmo se mostra consignado, devendo a correcção ser, oportunamente, registada/anotada no local próprio [no dito ponto E. do dispositivo] – cf. artigo 380.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, do CPP;

b. Proceder à correcção do lapso de escrita constante do ponto 42. dos factos provados, passando do mesmo a constar: «E, nas restantes facturas referidas em 38), a sociedade arguida “ E..., SA” não pagou qualquer preço nem liquidou qualquer IVA que nessas faturas surge como pago e liquidado ao arguido A...», devendo a correcção ser, oportunamente, registada/anotada no local próprio [no dito ponto 42. dos factos provados] – cf. artigo 380.º, n.º 1, al. b) e n.º 2, do CPP;

c. Condenar o arguido D... pela prática, em concurso efectivo, de três crimes de fraude qualificada, p. e p. pelos artigos 103.º, n.º 1, al. a) e c) e n.º 3, 104.º, n.º 1, al. d) e e) e n.º 2 do RGIT, na pena especialmente atenuada, por cada um deles, de 10 [dez] meses de prisão, e em cúmulo das penas parcelares na pena única de 15 [quinze] meses de prisão, cuja execução se suspende por igual período [quinze meses], revogando, em correspondência, o acórdão recorrido;

d. Condenar a arguida “ E..., S.A” pela prática, em concurso efectivo, de três crimes de fraude qualificada, p. e p. pelos artigos 103.º, n.º 1, al. a) e c) e n.º 3, 104.º n.º 1, al. d) e e) e n.º 2, do RGIT, na pena especialmente atenuada, por cada um deles de 100 [cem] de multa, à taxa diária de € 25,00 [vinte e cinco euros], e em cúmulo das penas parcelares na pena única de 150 [cento e cinquenta] dias de multa, à mesma taxa diária, revogando, em correspondência, o acórdão recorrido;

e. No mais manter o acórdão recorrido.

Condena-se cada um dos recorrentes em 3 [três] UCs de taxa de justiça [artigo 87.º do CCJ].

Coimbra, 3 de Dezembro de 2014

(Maria José Nogueira - relatora)

(Isabel Valongo - adjunta)