Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
335/01.5TBTNV-H.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: INFRACÇÕES TRIBUTÁRIAS
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
PRORROGAÇÃO DO PERÍODO DE SUSPENSÃO
Data do Acordão: 11/10/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TORRES NOVAS
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: 50º, 55º DO CP E 14º, Nº2, AL. B) DO RGIT
Sumário: 1 O período de suspensão da execução da pena fixado em sentença condenatória por prática de infracção tributária pode ser prorrogado uma única vez até metade do prazo de suspensão inicialmente fixado, mas sem que exceda o prazo máximo (5 anos) de suspensão admissível.
Decisão Texto Integral: pág. 14
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado foi proferido despacho no qual se decidiu prorrogar o prazo da suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido A por mais um ano.
Inconformado, o Magistrado do Mº Pº apresentou recurso para esta Relação, formulando as seguintes conclusões, as quais delimitam o objecto do mesmo:
1. O artigo 55.°, alínea d) do Código Penal remete para o artigo 50.°, n.º 5 do mesmo diploma.
2. A interpretação de que a remissão operada pelo artigo 55.°, alínea d) do Código Penal é para o artigo 50.º, n.º 1 do mesmo diploma não tem fundamento legal.
3. O período de suspensão da execução da pena de prisão, só pode ser prorrogado até metade do prazo inicialmente fixado, mas nunca por prazo inferior a um ano.
4. Uma pena de prisão de dezoito meses, suspensa pelo período de dois anos e seis meses não pode ser prorrogada sucessivamente por períodos que excedam um ano e três meses.
5. O Tribunal a quo ao decidir prorrogar o prazo da suspensão da execução da pena de prisão por mais um ano, quando tal suspensão já havia sido prorrogada por um ano e seis meses violou, por erro de interpretação o disposto no artigo 55.°, alínea d), conjugado com o artigo 50.º, n.º 5, ambos do Código Penal.
6. Pelo que, deverá a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que extinga a pena aplicada ao arguido.
Não foi apresentada resposta.
Nesta Relação, o Ex.mº Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Foi cumprido o art. 417 nº 2 do CPP.
Não foi apresentada resposta.
Cumpre decidir:
***
É do seguinte teor o despacho recorrido:
Conforme deixamos expresso no despacho de fls. 3.021 e 3.022, o arguido A foi condenado nos presentes autos, através de sentença, entretanto transitada em julgado, na pena de 18 meses de prisão. Esta pena foi suspensa pelo prazo de 2 anos e 6 meses, com a condição do arguido proceder ao pagamento ao Estado de metade do valor do IVA que se encontra ainda em dívida, no valor total de 189.149,25 euros no prazo de 2 anos e 6 meses a contar do trânsito em julgado da decisão, que ocorreu em 7-2-2005. Deveria assim o arguido proceder ao pagamento da quantia de 94.574,25 euros como condição para a suspensão da pena de prisão. Ficou ainda o arguido obrigado a fazer prova de que cumpriu a condição, designadamente demonstrando que procedeu ao pagamento do valor em causa dentro do prazo que tinham para o fazer.
O arguido não cumpriu essa determinação, não fazendo prova do cumprimento dessa condição no prazo fixado na decisão.
Posteriormente, e através de despacho proferido a fls. 2.916 e 2.917, conceder um prazo adicional de 6 meses para o arguido vir proceder ao cumprimento daquela condição, efectuando o pagamento daquele valor de impostos em dívida. Decidiu-se ainda prorrogar prazo da suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido pelos mesmos 6 meses.
Após o decurso desse prazo de 6 meses e devidamente notificado para vir aos autos apresentar o comprovativo de ter procedido ao pagamento daquela quantia na íntegra, ou esclarecer a razão pela qual não procedeu ao cumprimento da condição, veio o arguido A declarar que ainda não conseguiu pagar toda aquela quantia, alegando dificuldades económicas para justificar esse incumprimento. Contudo, veio apresentar a fls. 3.012 documento comprovativo de ter procedido ao pagamento à Fazenda Nacional da quantia de 8.000 euros para amortizar aquele valor do IVA que constitui a condição para a suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada nos autos. Vem ainda alegar que retomou a sua actividade de TOC e que se encontra a fazer um esforço para amealhar os meios financeiros necessários que lhe permitam cumprir a condição que lhe foi imposta. Que pretende entregar o remanescente do valor em dívida no prazo que prevê de doze meses. Vem assim solicitar que se considere justificado o seu incumprimento e ainda solicitar que se prorrogue o prazo da suspensão a fim de proceder ao pagamento da quantia em dívida durante esse período.
Veio entretanto a Fazenda Nacional confirmar o pagamento pelo arguido A daquele montante de 8.000 euros, através da comunicação de fls. 3.013. Valor esse que serviu para amortizar parte do imposto em dívida.
Através do despacho proferido a fls. 3.021 e 3.022, decidiu-se conceder nova oportunidade para que ele procedesse ao cumprimento da condição para a suspensão da pena de prisão, procedendo ao pagamento da quantia referida supra. Para o efeito decidiu-se conceder ao arguido um novo prazo de 1 ano para que ele efectuasse esse pagamento. Para além disso, decidiu-se prorrogar mais uma vez o prazo de suspensão da pena de prisão por mais 1 ano.
Passado esse ano verifica-se que o arguido continua sem cumprir aquela condição, não tem efectuado o pagamento da quantia referida supra. Na verdade, o arguido procedeu ao pagamento apenas da quantia de 1.000 euros, conforme se extrai de fls. 3.158. Deste modo, ao fim de mais de 5 anos desde o trânsito em julgado da sentença proferida nos autos, o arguido A. apenas pagou uma quantia insignificante em relação ao valor total a que está obrigado a título de condição para a suspensão.
Refira-se ainda que se considera que existe culpa por parte do arguido no incumprimento da referida condição. Na verdade, o arguido tem ocupado, ao longo desses 5 anos, o cargo de gestor ou de contabilista em várias empresas. Tal terá levado a que o mesmo tenha beneficiado de um rendimento com algum relevo que lhe teria permitido proceder ao pagamento de uma quantia superior a 9.000 euros ao fim de 5 anos. Actualmente, o arguido ocupa novamente uma função de contabilista numa empresa de calçado de que é dona a sua esposa. Tendo em conta a média do rendimento das pessoas que exercem esta actividade profissional, calcula-se que o seu rendimento mensal não seja inferior a 750 euros.
Acresce que resulta dos autos que o arguido se encontra a pagar mensalmente a quantia de 250 euros para a amortização do valor em dívida que constitui a condição para a suspensão. Se o arguido tivesse procedido ao pagamento dessa quantia de 250 euros desde o início da sua obrigação, ou seja há cerca de 5 anos, certamente que actualmente já teria pago um valor muito maior do que aquele que se encontra entregue actualmente.
Aliás, o próprio arguido veio admitir no depoimento que prestou quando foi ouvido nos termos do artigo 495°, nº 2, do Código de Processo Penal, para justificar o seu incumprimento, que poderia já ter efectuado o pagamento de uma quantia maior se o tivesse efectuado em prestações ao longo destes 5 anos. Alegou, no entanto, que não procedeu a esse pagamento em prestações porque considerava que não tinha que pagar tal quantia, na medida em que a arguida C PA também não o estaria. Daí ter efectuado o pedido de reembolso de IVA à Fazenda Pública, cuja cópia se encontra junta de fls. 3.144 a 3.147. Todavia, o arguido encontra-se efectivamente obrigado a proceder ao pagamento de tal quantia, pois tal constitui a condição para a suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada nos presentes autos.
Logo esta obrigação do cumprimento da condição é alheia e independente em relação à discussão que o mesmo possa fazer quanto à existência da dívida de impostos à Fazenda Nacional.
Refira-se ainda que o arguido está efectivamente obrigado a cumprir tal condição da suspensão da pena de prisão, consistente no pagamento da dívida de impostos, sob pena de revogação da suspensão, e independentemente de culpa no incumprimento, nos termos do artigo 14°, nº 2, do RGIT.
De outro modo, nenhum arguido cumpriria a condição imposta no artigo 14°, nº 1, do RGIT, designadamente o pagamento dos impostos em dívida, na medida em que lhe bastaria invocar dificuldades económicas para o não fazer, nem sequer em parte, ainda que tivesse condições, como acontece no caso concreto para pagar uma parte em prestações. Tal perspectiva estaria manifestamente a incentivar ao incumprimento das decisões judiciais e à violação da Lei.
Consequentemente, atento o incumprimento por parte do arguido, poderia suscitar-se a hipótese de se proceder à revogação da suspensão da pena de prisão, nos termos do artigo 56º, nº 1, alínea a), do Código Penal e 14°, nº 2, alínea c), do RGIT. Contudo, esta norma apenas determina essa revogação quando o arguido infringir grosseira ou repetidamente os deveres que lhe foram impostos. Atentos os factos referidos supra, não poderemos considerar que houve uma infracção grosseira do dever de pagamento do montante dos impostos imposto ao arguido como condição para a suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada nos autos, na medida em que ele veio agora mostrar interesse em cumprir essa condição. Designadamente, referiu no seu depoimento que existe a possibilidade de conseguir proceder ao pagamento de uma parte mais significativa do valor que se encontra em dívida, designadamente através de um empréstimo por parte dos seus pais.
Além disso, o arguido tem vindo ultimamente a procederam ao pagamento, em prestações, de uma parte do valor que se encontra em dívida, demonstrando vontade e empenho na realização desse pagamento e, consequentemente, no cumprimento da condição. Logo não existe fundamento para proceder a essa revogação de imediato.
Considera-se assim adequado dar outra oportunidade ao arguido para efectuar o cumprimento da condição, procedendo ao pagamento, senão de toda, pelo menos de uma parte significativa do valor que está obrigado a pagar.
Deste modo, atenta a situação actual do arguido irá proceder-se à modificação do dever imposto ao mesmo de pagamento daqueles valores, nos termos do nº 3, do artigo 51°, e alínea c), do artigo 55º, ambos do Código Penal. Decide-se ainda prorrogar ainda o prazo da suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido nos presentes autos, nos termos da alínea d), do artigo 55°, do Código Penal.
Refira-se que o prazo da suspensão poderá ser prorrogado até ao período máximo de 5 anos, conforme consta no artigo 50°, nº 1, do Código Penal. Na verdade, a remissão para o prazo do nº 5, do artigo 50°, do Código Penal, que consta na parte final da alínea d), do artigo 55º, consiste manifestamente num lapso do legislador que não soube adaptar devidamente estas normas quando procedeu à alteração do Código Penal através da Lei nº 59/2007, de 4-9. As alterações legislativas precipitadas, como aconteceu no caso concreto, têm normalmente este resultado.
Na verdade, verifica-se que anteriormente já a alínea d), do artigo 55° fazia remissão para o nº 5, do artigo 50°. Esta última norma, antes da alteração introduzida pela Lei n° 59/2007 determinava que o período de suspensão da pena de prisão variaria entre 1 e 5 anos.
Com a redacção que lhe deu a Lei nº 59/2007, o nº 5, do artigo 50°, passou a determinar que o período da suspensão da pena de prisão será igual ao da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano. Esqueceu-se, no entanto, o legislador de alterar igualmente o disposto na alínea d), do artigo 55°, do Código Penal, de forma a que este passasse a remeter para o nº1, do artigo 50°, e não para o nº 5 deste último preceito, como acontecia.
Como o legislador não se apercebeu do lapso cometido, caberá ao julgador realizar interpretação de acordo com o espírito da norma. Ora, o que esta pretende é que a prorrogação do prazo da suspensão da pena de prisão tenha como limite máximo o de 5 anos conforme previsto no nº 1, do artigo 50°, e como estava previsto na antiga redacção do nº 5, do artigo 50º. Não poderá a norma ter como objectivo estabelecer como limite da prorrogação do prazo o previsto na actual redacção do nº 5, do artigo 50°, ou seja o correspondente à pena de prisão que foi aplicada ao arguido. Na verdade, se aplicar este limite previsto no nº 5, do artigo 50º, tal norma da alínea d), do artigo 55°, tornar-se-á impraticável e inútil, nunca podendo ser aplicada. De facto, a pena de prisão aplicada ao arguido será sempre suspensa pelo período correspondente, atento o disposto no nº 5, do artigo 50°. Logo se este também fosse o limite da prorrogação do prazo nos termos da alínea d), do artigo 55°, essa prorrogação nunca seria viável, na medida em que o limite já tinha alcançado com a decisão da suspensão da pena.
Consequentemente, a interpretação que se enquadrará no espírito da norma, e será mais favorável ao arguido, é que a prorrogação do prazo da suspensão da pena de prisão, prevista na alínea d), do artigo 55°, do Código Penal, não tenha como limite o previsto no nº 5, do artigo 50°, mas sim o nº 1, deste preceito, ou seja o de 5 anos.
Em conformidade, e pelo exposto, ter-se-á que concluir que será possível ainda prorrogar o prazo da suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido A nos presentes autos, na medida em que não foi ainda ultrapassado aquele prazo máximo de suspensão de 5 anos, previsto no artigo 50°, nº 1, do Código Penal. Tendo em conta as prorrogações efectuadas verifica-se que o prazo de suspensão decorrido nos autos foi de 4 anos. Logo ainda será possível fazer uma última prorrogação daquele prazo por mais 1 ano.
Em conformidade, e conforme promovido, decide-se prorrogar de novo e pela última vez o prazo para o cumprimento da condição da suspensão imposta ao arguido A. pelo período temporal por mais 1 ano.
Determina-se assim, nos termos do artigo 55°, alínea c), do Código Penal, que nesse prazo de 1 ano o arguido proceda ao pagamento do valor remanescente dos impostos que permanece em dívida, ou, pelo menos de uma parte significativa dos mesmos, que constitui a condição para a suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada, e que documente nos autos tal cumprimento.
Consequentemente, nos termos do artigo 55°, alínea d), do Código Penal, decide-se prorrogar o prazo da suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido A. nos presentes autos por mais 1 ano.
Deverá ainda a secção estar atenta para verificar se o arguido tem vindo a cumprir a condição estabelecida supra no prazo indicado e se apresenta comprovativo desse cumprimento.
Notifique.
E é do seguinte teor o despacho de sustentação:
Consideramos que os argumentos apresentados pela recorrente nas suas alegações de recurso de forma alguma abalam o teor do despacho recorrido, e a decisão aí tomada.
Na verdade, não se compreende com que base legal o Ministério Público vem dizer que apenas é possível uma única prorrogação do prazo para a suspensão da pena de prisão e que essa única prorrogação não pode exceder metade do prazo inicialmente fixado para essa suspensão. Designadamente, não se compreende de onde o Ministério Público retira que o limite máximo do prazo da prorrogação é essa metade do prazo inicialmente fixado para a suspensão da pena de prisão. Designadamente, que como a suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido A foi estabelecida pelo prazo de 2 anos e 6 meses a prorrogação do prazo para a mesma não poderia exceder um ano e 3 meses. Designadamente, na alínea d), do artigo 55°, do Código Penal não consta qualquer indicação e que esse será o prazo máximo para a prorrogação da suspensão da pena de prisão.
Até porque se assim fosse, o Ministério Público entra em manifesta contradição em entre a posição que agora veio apresentar e aquela que resulta da sua conduta nos autos principais. Na verdade, aqui vem dizer que o prazo máximo para a prorrogação da suspensão da pena de prisão é de 1 ano e 3 meses. Contudo, conforme se refere no despacho recorrido, a suspensão da pena de prisão do arguido A foi prorrogada pelo período total de 1 ano e 6 meses, na medida em que esse prazo de suspensão da pena já se prolongou no seu total por 4 anos ( ou seja os 2 anos e 6 meses originais e posteriormente 1 ano e 6 meses de prorrogação) sem que o Ministério Público tivesse qualquer reacção ou esboçasse qualquer oposição. Deste modo, nos autos principais, segundo a tese sustentada agora pelo Ministério Público, já foi violado o disposto naquela alínea d), do artigo 55°, na medida em que a prorrogação do prazo da suspensão da prisão ultrapassou aquele limite máximo, ou seja o e 1 ano e 3 meses. Contudo, não obstante essa violação da norma, segundo a perspectiva agora sustentada, o Ministério Público não veio na altura insurgir-se quanto a essa alegada violação, nem veio opor-se à prorrogação do prazo de suspensão por esse período de 1 ano seis meses.
Deste modo, a solução mais adequada é aquela que sustentamos no despacho recorrido, ou seja que é possível prorrogar o prazo da suspensão da pena de prisão até ao limite máximo previsto no artigo 50°, nº1, do Código Penal. Consequentemente, no caso concreto, como o prazo da suspensão já se tinha prolongado por 4 anos, obviamente que apenas poderia ser prorrogado por mais um ano, conforme foi determinado no despacho recorrido, pois de outro modo ultrapassaria aquele limite máximo. Tal não viola manifestamente o artigo 55°, alínea d), na medida em que aí consta que pode ser prorrogado o prazo da suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, ou seja não tem de ser de 1 ano e 3 meses no caso concreto, mas de 1 ano, como se determinou, e de forma a não exceder o prazo máximo de suspensão, ou seja aqueles 5 anos.
Aliás, refira-se que, quer antes, quer depois da alteração do Código Penal introduzida pela Lei nº 59/2007, de 4-9, a jurisprudência dos tribunais superiores sempre sustentou que o prazo da suspensão poderia ser prorrogado mais que uma vez, nos termos da alínea d), do artigo 55°, até metade do prazo inicialmente fixado, desde que não ultrapasse o limite máximo dos 5 anos previsto no artigo 50°, nº 1, do Código Penal. Aliás, o Dr. Maia Gonçalves, in Código Penal anotado, 18ª edição, Almedina, pág. 231, sustenta igualmente esta perspectiva para a actual redacção do artigo 55°, alínea d), quando refere que: fixação do limite do prazo máximo da prorrogação do período de suspensão, constante da alínea d), in fine, que pode agora ir até metade do prazo inicialmente fixado mas não por menos de 1 ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão, que é de 5 anos, quando anteriormente a prorrogação só podia ir até metade do prazo inicialmente fixado.
Designadamente, num Acórdão recente proferido pelo Tribunal da Relação em relação a um recurso instaurado no processo nº 70/00.11 DSTR, que corre termos neste 1° Juízo deste Tribunal de Torres Novas, e cuja cópia consta da certidão junta aos presentes autos de recurso, tendo em conta que já tinha sido aí prorrogado o prazo da suspensão da pena de prisão aplicada, mas como ainda não tinha sido atingido o limite máximo dos 5 anos, determinou-se que se efectuasse nova prorrogação do prazo de suspensão até atingir aquele limite.
Por outro lado, não se compreende de que forma o Ministério Público pretende que se declare desde já, em sede de recurso, a extinção da pena de prisão que foi aplicada ao arguido A. Na verdade, poderá o arguido ter praticado algum crime durante o período da suspensão da pena de prisão e haver fundamento para a revogação daquela, nos termos do artigo 56°, alínea b), do Código Penal. Haverá assim que verificar se o arguido cometeu ou não algum crime antes de ser viável determinar a extinção da pena de prisão.
Pelo exposto, e nos termos do artigo 414°, nº 4, do Código de Processo Penal, decide-se sustentar a decisão recorrida.
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Analisando:
As questões suscitadas no recurso respeitam:
- Ao prazo total de suspensão da pena de prisão;
- Possibilidade de mais que uma prorrogação.
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Nos termos do art. 14 nº 2 al. b), do RGIT, aqui aplicável, “ - Na falta do pagamento das quantias referidas no número anterior, o tribunal pode:
- Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas sem exceder o prazo máximo de suspensão admissível”.
A questão parece-nos linear, ou seja, um único período de prorrogação e que apenas se pode estender até metade do prazo de suspensão inicialmente fixado, sem que ultrapasse o prazo máximo de suspensão admissível.
Assim o entende igualmente o Ac. da Rel. Lx. de 25-02-2009, Proc. 797/09.2YRLSB 3ª Secção quando refere, “de harmonia com o art. 55 al. d) do CP, o Tribunal a quo dispunha ainda da possibilidade de prorrogar o período de suspensão até metade do prazo fixado de 20 meses” (a pena ali era de 20 meses suspensa por igual período) e, “a prorrogação do período da suspensão não pode agora ser inferior a 1 ano, nem superior a metade do prazo inicial, com o limite máximo de 5 anos”.
Ou seja:
- O prazo normal da prorrogação da suspensão é até metade do prazo inicialmente fixado;
- Sendo necessário que essa metade corresponda ao mínimo de 1 ano;
(Sendo que nos termos do art. 14 do RGIT não se coloca a questão do prazo mínimo de prorrogação).
- E que o prazo da suspensão acrescido da prorrogação não exceda o prazo máximo da suspensão.
E, o prazo máximo de suspensão admissível é o de cinco anos.
Este prazo máximo era o do art. 50 nº 5 do CP, antes da redacção dada pela L. 59/07. António Tolda Pinto e Jorge Reis Bravo, in “Regime Geral das Infracções Tributárias”, anotação ao art. 14 dizem que a referência a prazo máximo de suspensão admissível é inequivocamente o período de duração previsto no art. 50 nº 5 do CP, fixado entre 1 e 5 anos, a contar do trânsito em julgado da decisão.
Porém, a referida Lei nº 59/07 alterou o nº 5 do art. 50 do CP, deixando o período da suspensão de ser fixado entre 1 e 5 anos e passando a ser de duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a 1 ano.
Mas, não o dizendo expressamente, tem de se entender como prazo máximo da suspensão admissível o de 5 anos, ou seja, se nos termos do nº 1 do art. 50 pode ser suspensa a pena de prisão até cinco anos, logo esse será o prazo máximo já que o período da suspensão tem duração igual ao da pena fixada na sentença –art. 50 nº 5 do CP.
Neste sentido, Ac. Rel. Lx de 25-02-2009, Proc. 797/09.2YRLSB 3ª Secção “I. Formalmente, a Lei 59/2007 de 04SET não terá compatibilizado o art.º 55.º n.º 5 com a nova redacção do art.º 50.º n.º 5, ambos do CP.
Na versão anterior, o período da suspensão da pena poderia ir até 5 anos, independentemente da duração da pena determinada. Porém, agora é igual ao daquela pena de prisão, pelo que a redacção do actual art.º 50.º n.º 5 do CP/revisto não fixa directamente um “prazo máximo da suspensão”, até onde pode ser prorrogado o prazo inicialmente fixado.
II. Contudo, esse máximo resulta da conjugação do n.º 5 e n.º1 da mesma disposição de lei: se as penas não superiores a 5 anos podem ser suspensas (por igual período) então 5 anos é o “prazo máximo” da suspensão (nesse sentido, M. Simas Santo e L. Henriques, Noções Elementares de Dº Penal, pag 203 e 204)
Com efeito, não nos diz directamente o art.º 50.º, n.º5, do Código Penal qual o “prazo máximo da suspensão”, até onde pode ser prorrogado o prazo inicialmente fixado, mas ele resulta também da consideração do n.º1: 5 anos de duração máxima.
III. Assim, a prorrogação do período da suspensão não pode agora ser inferior a 1 ano, nem superior a metade do prazo inicial, com o limite máximo de 5 anos”.
Este era já o entendimento anterior à revisão operada ao CP pelo Dl. 48/95 de 15 de Março. Na redacção originária do CP, então art. 50 al. c), o Tribunal podia “prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano”, ou seja, não fazia qualquer remissão para o então art. 48 nº 4 que fixava o prazo da suspensão entre 1 e 5 anos. Porém, já então se entendia que deveria fazer-se a remissão para o então art. 48 nº 4, cfr. Maia Gonçalves em anotação ao então art. 50 do seu CP Português anotado e comentado, “o período de prorrogação da suspensão, nos termos da al. c), não pode, em nosso parecer, exceder cinco anos. A lei não o diz claramente, mas esta solução deduz-se do nº 4 do art. 48”.
Assim como à mesma solução se chegaria por via do art. 14 nº 1 do RGIT que refere que “a suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação”. Ora, não se afigura correcto haver discrepância entre o prazo da suspensão e o prazo do pagamento que a condiciona.
Mas, a questão in casu não é propriamente essa, pois não podemos entender, como no despacho recorrido, que a prorrogação da suspensão (seja qual for o prazo inicial de suspensão) pode ir até ao limite do máximo do prazo da suspensão, ou seja, 5 anos.
Quer nos termos do art. 14 nº 2 al. b) do RGIT, quer nos termos do art. 55 al. d) do CP, a prorrogação só pode ir “até metade do prazo inicialmente fixado”, ou seja, no caso como o dos autos, em que a suspensão inicial foi pelo prazo de 2 anos e 6 meses, a prorrogação máxima seria pelo prazo de 1 ano e 3 meses.
Assim como não faria nenhum sentido haver várias prorrogações de prazo de suspensão. A ser isso possível poderíamos ter prorrogações por período muito superior ao da suspensão que o legislador quis que correspondesse ao da pena determinada, com o mínimo de um ano.
O arguido que deixe de cumprir os deveres ou regras de conduta impostos, ou não cumprir o plano de inserção, deve ser ouvido e consoante os motivos demonstrados o Tribunal pode decidir pela advertência, exigir garantias de cumprimento, introduzir novos deveres, regras ou novo plano de reinserção, prorrogar o período de suspensão (art. 55 do CP), ou decidir pela revogação da suspensão (art. 56 do CP). Temos que, sendo concedido um prazo de prorrogação não há motivo nem justificação legal para em caso de incumprimento se voltar a conceder nova prorrogação. O preceito refere que o Tribunal pode prorrogar e não que pode fazer prorrogações.
Assim, entendemos que apenas haverá possibilidade de uma prorrogação. Entendendo que era mais claro neste aspecto a redacção original, então art. 50 do CP, ao referir que o Tribunal podia “prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano”. Donde se inferia uma única prorrogação.
E, o contrário não resulta, quer da redacção do art. 14 do RGIT, quer do actual art. 55 al. d) do CP vigente.
Neste sentido o Ac. da Rel. do Porto de 5-07-1995, in Col. Jurisp. Tomo IV, pág. 224, que refere, “sendo o período de suspensão decretado o de dois anos… só poderia determinar uma prorrogação de tal período inicialmente fixado (um ano portanto), como decorre do teor da al. c) do art. 50, do CP” (hoje art. 55 al. d) do CP).
Como no processo já houve prorrogações (em nosso entender a primeira só não era ilegal na terminologia daquele acórdão da Rel. Porto porque o art. 14 do RGIT não impõe prazo mínimo e a segunda era ilegal porque só uma é legalmente permitida) de 6 meses, despacho de 14-02-08, fls. 2916 e 2917 e de 1 ano, despacho de 17-10-08, fls. 3021 a 3022, em prazo superior ao legalmente permitido (metade do prazo inicialmente fixado), não poderia haver nova prorrogação pelo despacho ora em recurso.
E, do Ac. desta Relação de 25-03-2010, fls. 105 e segs. de que se juntou fotocópia não resulta o contrário do exposto. Nesse acórdão o Exm.º PGA suscita a questão de se “saber se não tendo decorrido integralmente o período de suspensão fixado após prorrogação, será de decretar desde já a revogação da suspensão da execução da pena”, sendo obvia a resposta dada no mesmo acórdão, “ o facto de não se encontrar ainda esgotado o prazo total da suspensão justificam uma renovação da advertência para as consequências do seu alheamento relativamente aos deveres que lhe foram impostos”, considerando-se “prematura a revogação da suspensão da execução da pena”. Parece-nos que de tal acórdão não resulta que aí se determina que se efectuasse nova prorrogação do prazo de suspensão, mas apenas se deixasse terminar o prazo em curso.
Assim, que com os fundamentos expostos, se julga procedente o recurso e se revoga o despacho.
Decisão:
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra e Secção Criminal em, julgar procedente o recurso interposto pela recorrente Magistrada do Mº Pº e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido.
Sem custas.
Coimbra,
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