Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
772/06.9TBLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: TELES PEREIRA
Descritores: MARCA
ELEMENTO CONSTITUTIVO
CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS
CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO
CONCORRÊNCIA DESLEAL
Data do Acordão: 02/09/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA – 5º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 3º, Nº 3, DA “PRIMEIRA DIRECTIVA” COMUNITÁRIA DAS MARCAS (DIRECTIVA DO CONSELHO Nº 89/104/CEE, DE 21 DE DEZEMBRO DE 1988).
Sumário: I – A obrigatoriedade de os elementos integrantes de uma marca assumirem capacidade distintiva, exclui, em princípio, quando uma marca é integrada por palavras, o uso de expressões genéricas, meramente descritivas ou equívocas, porque referenciáveis a mais entidades partilhando a mesma natureza.

II – A expressão “CAIXA”, não obstante corresponder a uma designação partilhada por diversas entidades bancárias (desde logo a Caixa Geral de Depósitos e as diversas Caixas de Crédito Agrícola), adquiriu, ao longo do tempo, na sua referenciação à Caixa Geral de Depósitos, uma tal exuberância significativa, que passou a ser intuitivamente associada a esta última instituição e não a qualquer outra cujo nome integre.

III – Este processo de associação da expressão “CAIXA” à Caixa Geral de Depósitos corresponde à situação designada no Direito industrial como “secondary meaning”, correspondendo a um efeito modificativo sobre a compreensão originária de uma palavra ou símbolo, em termos de propiciar uma outra compreensão desses elementos que ultrapasse o carácter (original) descritivo, genérico ou ambivalente, passando a identificar uma entidade ou produto em concreto.

IV – A relevância do princípio do “secondary meaning” decorre do artigo 3º, nº 3 da “Primeira Directiva” comunitária das marcas (Directiva do Conselho nº 89/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988).

V – Esta Directiva, relativamente à aquisição de um “secondary meaning” que seja anterior ao registo da marca, impõe directamente aos Estados-membros a consideração (o registo como marca) desse elemento particularizador da expressão ou símbolo.

VI – A determinação do surgimento de um “secondary meaning” faz-se alargando o processo de aferição do carácter distintivo à ponderação de todas as circunstâncias de facto relevantes para a caracterização do uso do elemento proposto como marca.

VII – Traduz um acto de concorrência desleal, determinada a existência de uma relação de concorrência entre duas empresas, o emprego por uma delas de um elemento referenciável como marca à outra.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – A Causa


1. Em Fevereiro de 2006[1], a Caixa Geral de Depósitos, S.A. (A. e nesta instância Apelante) demandou a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Leiria, CRL (R e aqui Apelada), imputando a esta o uso da expressão “CAIXA DE LEIRIA”, em diversas circunstâncias comunicacionais com incidência pública (na fachada do seu estabelecimento em Leiria; num anúncio publicado numa revista), sendo que esse procedimento da R. consubstancia, cumulativamente, na visão das coisas da A., um “uso ilegal de firma ou denominação”, uma “violação do direito à marca”, um acto de “concorrência desleal” e um acto de “publicidade enganosa”.

Com efeito – e disto decorrem os referidos desvalores comportamentais atribuídos à R. –, a A. é titular do registo de marca nacional consubstanciado na expressão “CAIXA”, no domínio dos serviços e negócios bancários, não correspondendo a referida expressão empregue pela R. a nenhum sinal distintivo cujo registo esta tenha obtido em seu nome. Daí – afirma-o a A. – o carácter “ilegal, ilícit[o] e danos[o]” (fls. 6) da utilização dessa expressão nos contextos mencionados, devendo cessar tal uso.

Em função destes argumentos, formula a A. os seguintes pedidos:


“[…]
1) Condenar-se a R. a abster-se de usar e a cessar o uso da expressão «CAIXA DE LEIRIA», nomeadamente no exterior ou no interior dos seus estabelecimentos, em publicidade e quaisquer outros documentos ou materiais de carácter comercial e/ou promocional.
2) Condenar-se a R. a pagar uma quantia de €500,00 a título de sanção pecuniária compulsória, por cada dia de atraso no cumprimento do pedido anterior, desde a data de citação até prova de total cumprimento, nos termos do artigo 829º-A, nºs 1, 2 e 3 do Código Civil.
3) Condenar-se a R. a pagar à A. a indemnização a título de responsabilidade civil extracontratual que se liquidar em execução de sentença acrescida de juros vencidos e vincendos, com todas as legais consequências.
[…]”
            [transcrição de fls. 17]

            1.1. Citada em 07/02/2006 (fls. 48), apresentou-se a R. a contestar pugnando pela improcedência da acção, negando qualquer propósito de, com o emprego da expressão “CAIXA DE LEIRIA”, se ver confundida com a A.. Invoca, todavia, a falta de carácter distintivo do termo “CAIXA” e, alicerçada em tal asserção, afirma a inadequação legal desse termo a constituir uma marca e a impossibilidade de através dele se originar algum tipo de confusão entre a R. e a A..

            Adicionalmente, invoca a R. a ineptidão, por falta de causa de pedir, relativamente ao pedido indemnizatório referido em 3) do pedido da A..

            1.2. Findo o julgamento[2], fixados os factos provados por referência à base instrutória (despacho de fls. 183/185) e produzidas, por escrito, as alegações de direito da A. (fls. 187/196), proferiu o Tribunal de Leiria (Juiz de Círculo) a Sentença de fls. 201/210 vº – constitui esta a decisão objecto do presente recurso –, julgando a acção improcedente e absolvendo a R. do pedido. In itinere deste pronunciamento decisório julgou a mesma Sentença improcedente a alegação da R. respeitante à ineptidão da petição inicial no que respeita ao pedido indemnizatório[3].    

            1.3. Inconformada reagiu a A. através do presente recurso de apelação, motivando-o a fls. 215/262, nele formulando as conclusões que aqui se transcrevem:

            [………………………………………………………………..]


II – Fundamentação


2. Encetando a apreciação da apelação, importa ter presente que as conclusões formuladas pela Apelante na sua motivação operaram a delimitação temática do objecto do recurso [artigos 684º, nº 3 e 690º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil (CPC)].

Começando pelos factos, sublinha-se que a Apelante os não discute – rectius, não suscita a reapreciação destes por referência aos poderes de controlo desta instância previstos no artigo 712º, nºs 1 e 2 do CPC –, devendo os factos fixados no Tribunal a quo terem-se por definitivamente estabelecidos, nos exactos termos em que a Sentença recorrida, conjugando o teor dos despachos de fls. 73/75 e 183/185, os indicou no seu texto. É esse elenco fáctico que aqui reproduzimos visando propiciar a total compreensão da situação através do texto do presente Acórdão:


“[…]
1. A A. [a Caixa Geral de Depósitos] é uma sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos que se dedica à actividade bancária – alínea A) da especificação.
2. No preâmbulo do Decreto-lei n.º 287/93, de 20 de Agosto (diploma que aprovou os estatutos da autora), consta escrito que a Caixa Geral de Depósito «chegou aos nossos dias com uma posição de grande destaque no conjunto das instituições de crédito portuguesas, já não dependendo dos depósitos públicos, actuando como um banco universal e sendo a matriz do maior grupo financeiro português» – alínea B) da especificação.
3. A A. detém uma rede de balcões que se estende por todo o território nacional, incluindo uma agência em Leiria (na Praça Goa, Damão e Diu), um gabinete de empresas em Leiria (ao Largo Santana, 14) e outras agências no distrito de Leiria, a saber, na Caranguejeira e na Marinha Grande – alínea C) da especificação.
4. A R. [a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Leiria]  é uma caixa de crédito agrícola mútuo e uma instituição de crédito cujo objecto é o exercício de funções de crédito agrícola em favor dos seus associados, bem como a prática dos demais actos inerentes à actividade bancária – alínea D) da especificação.
5. Para além da sua sede em Leiria, a R. tem também delegação noutras localidades do distrito de Leiria, a saber, na Caranguejeira e na Marinha Grande – alínea E) da especificação.
6. A denominação completa da R. é «Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Leiria, C.R.L.» – alínea F) da especificação.
7. A R. utiliza na fachada do seu estabelecimento em Leiria a expressão «Caixa de Leiria» – alínea G) da especificação.
8. Na referida fachada não se visualizam quaisquer outras palavras ou expressões – alínea H) da especificação.
9. A mesma expressão, «Caixa de Leiria», surgiu, pelo menos, num anúncio publicado na revista Invest de Julho de 2005 – alínea I) da especificação.
10. Nesse anúncio, a expressão «Caixa de Leiria» é reproduzida duas vezes: a primeira com letras de pequena dimensão, sublinhadas e acompanhadas pela denominação integral Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Leiria, C.R.L. e pelo símbolo do crédito agrícola; e a segunda, na parte inferior do anúncio, em letras de grande dimensão, por cima da frase «90 anos ao Serviço da Comunidade» – alíneas J) e L) da especificação.
11. No mesmo anúncio lêem-se, na parte superior, as frases «Cada vez mais perto de si» e «Cada vez mais o Banco da Terra» – alínea M) da especificação.
12. A A. é titular do registo da marca nacional n.º 357.310 «CAIXA», o seu registo foi requerido ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial em 10 de Julho de 2001 e foi concedido em 25 de Setembro de 2002 para serviços e negócios bancários, incluindo os serviços de crédito, serviços e negócios financeiros – alínea N) da especificação.
13. A A. é titular do registo da marca nacional n.º 357.311 «CAIXA», requerido em 10 de Julho de 2001 e concedido em 7 de Outubro de 2002 para serviços e negócios bancários, incluindo os serviços de crédito, serviços e negócios financeiros – alínea O) da especificação.
14. A expressão «Caixa de Leiria» não corresponde a nenhum sinal distintivo que a R. tenha registado em seu nome – alínea P) da especificação.
15. A mesma abreviatura, «Caixa», era já utilizada para referir a autora desde pelo menos 1969, no diploma que constituía a lei orgânica vigente até 1 de Setembro de 1993, isto é, o Decreto-Lei n.º 48953, de 5 de Abril de 1969 – alínea Q) da especificação.
16. O símbolo colocado na frontaria dos estabelecimentos da R. é o do Crédito Agrícola Mútuo, usado por todas as caixas de crédito agrícola mútuo, pela Federação Nacional das Caixas de Crédito Agrícola Mútuo e pela Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo – resposta ao quesito 7.º.
17. O uso, pela R., da expressão «de Leiria» visa efectuar a destrinça relativamente às demais caixas de crédito agrícola mútuo – resposta ao quesito 8.º.
18. A R. não se quer ver confundida com a A. ou ver esta confundida consigo – respostas ao quesitos 9.º, 10.º e 11.º.
19. A R., como todas as demais caixas de crédito agrícola mútuo, esteve entre 1919 e 1982 sujeita e subordinada à A., que a tutelava, nomeadamente dando ordens e autorizando ou proibindo a realização de actos do seu comércio – respostas aos quesitos 12.º, 10.º e 11.º.
[…]”
            [transcrição de fls. 203/204]

            2.1. A Sentença apelada delimitou adequadamente o thema decidendum da acção, sendo que tal objecto, face ao pronunciamento da primeira instância no sentido da improcedência do pedido, e tendo em conta o carácter abrangente das conclusões – introduzem elas, com efeito, a rediscussão dos próprios fundamentos da acção –, se transfere agora, nos seus exactos termos, para esta Relação, passando a corresponder ao tema do presente recurso. Assim, utilizando a caracterização feita pelo Exmo. Juiz a quo quanto ao objecto da acção que se lhe deparou, diremos que a apreciação do recurso implica “[v]erificar se ocorrem os pressupostos que justificam a pretendida condenação da R. a abster-se de usar e a cessar o uso da expressão «CAIXA DE LEIRIA», sendo que isso […]” pressupõe a determinação da “[…] relevância dos registos de marca nacional [«CAIXA»] de que a A. é titular […]”[4], enquanto elemento integrador da proibição da R. de utilizar, nos contextos aqui em causa e noutros, a referida designação  «CAIXA DE LEIRIA».

Uma resposta positiva a este elemento (central) da pretensão da A., ou seja a afirmação do exclusivo da marca «CAIXA», conduzir-nos-á, complementarmente, à apreciação das questões correspondentes aos pontos 2) e 3) do pedido transcrito supra no final do item 1. (sanção pecuniária compulsória; responsabilidade civil extracontratual da R. por violação do direito da A. consubstanciado na marca). De facto, estes elementos do pedido da A. só não foram apreciados por prejudicialidade determinada pela resposta negativa afirmada quanto ao primeiro pedido. 

             

2.2. Estamos, pois – e assim entramos na apreciação da questão do exclusivo da A. sobre a marca «CAIXA» –, no domínio da adjectivação pela A. do seu direito a essa “marca”, assente na exclusividade desta, derivada do registo da mesma em seu favor[5]. Tal adjectivação corresponde ao exercício de um direito de acção (artigo 20º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa e artigo 2º, nº 2 do CPC) referido à faculdade concedida ao detentor da exclusividade de uma marca de impedir a terceiros não detentores (aos não legitimados por um acto do detentor da exclusividade) o uso dessa realidade[6].

Reporta-se tal faculdade – repetimos, a de impedir o uso por terceiros – à efectivação do que se encontra no âmago do Direito Industrial ou da chamada “propriedade industrial”: um direito de exclusivo (um direito à exclusividade do uso), que, como tal, convoca na sua concretização relacional o que descritivamente se nos apresentam como “razões absolutas”[7]. Expressa esta particular feição do Direito industrial – aquela que a A. aqui exerce – o que é usual caracterizar-se como correspondendo a um “exercício negativo”:


“[…]
A constituição ou o reconhecimento de direitos de propriedade industrial atribui ao respectivo titular o direito exclusivo de explorar esse bem imaterial, através dos objectos, dos processos ou dos usos em que ele se materializa. Atribui-lhe, na verdade, o direito dessa exploração exclusiva por um certo período temporal […], o que se traduz, do ponto de vista do exercício negativo desta faculdade, no ius prohibendi: impedir que terceiros, sem o consentimento do titular, pratiquem ou exercitem todos os actos ou actividades que a lei reserva a esse titular […].”[8]

            Representa a presente acção, pois, este tipo de exercício negativo[9], sendo ela dirigida contra quem usou, usa e se arroga o direito de continuar a usar, um elemento verbal que a A. entende abrangido no círculo protectivo correspondente a uma marca da qual é titular, por dispor do registo da mesma em seu favor.

            2.2.1. Com efeito, como resulta dos documentos de fls. 28 a 35, dispõe a A. de registos como marca nacional respeitantes ao elemento verbal «CAIXA», acompanhado ou não do logótipo da Caixa Geral de Depósitos consistente nas três iniciais do nome entrelaçadas[10], sendo que a R. utiliza tal elemento verbal (a expressão «Caixa») acrescentando-lhe a indicação geográfica correspondente à sua sede, identificando-se, pois, nos contextos comunicacionais recolhidos nos itens 7 a 11 do elenco fáctico, como «Caixa de Leiria».

            Tenha-se presente, como ponto de partida da subsequente indagação, estarem em causa registos de marca nacional ocorridos em 2002 (Setembro e Outubro), sendo que, então, vigorava o Código da Propriedade Industrial aprovado pelo Decreto-Lei nº 16/95, de 24 de Janeiro[11] (CPI/95), que continha, e referimo-nos a disposições gerais respeitantes à caracterização positiva e negativa de uma “marca”[12], enquanto objecto do Direito industrial, os artigos 165º e 166º:

Artigo 165º
Constituição da marca
1 – A marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.
2 – A marca pode igualmente ser constituída por frases publicitárias para produtos ou serviços a que respeitem, independentemente do direito de autor, desde que possuam carácter distintivo.
Artigo 166º

Excepções

1 – Não satisfazem as condições do artigo anterior:
a) Os sinais constituídos exclusivamente pela forma imposta pela própria natureza do produto, pela forma do produto necessária à obtenção de um resultado técnico ou pela forma que confira um valor substancial ao produto;
b) Os sinais constituídos exclusivamente por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos;
c) Os sinais ou indicações que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio;
d) As cores, salvo se forem combinadas entre si ou com gráficos, dizeres ou outros elementos por forma peculiar e distintiva.
2 – Os elementos genéricos referidos na alínea b) e c) do número anterior que entrem na composição de uma marca não serão considerados de uso exclusivo do requerente, excepto quando na prática comercial os sinais tiverem adquirido eficácia distintiva.


            Entretanto, em 2003 (recorda-se que a presente acção foi intentada em 2006), foi publicado o Decreto-Lei nº 36/2003, de 5 de Março, introduzindo um novo Código da Propriedade Industrial (CPI/2003), contendo este, como disposições sucessoras dos artigos 165º e 166º do CPI/95, os artigos 222º e 223º:
Artigo 222º

Constituição da marca

1 – A marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, a forma do produto ou da respectiva embalagem, desde que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.
2 – A marca pode, igualmente, ser constituída por frases publicitárias para produtos ou serviços a que respeitem, desde que possuam carácter distintivo, independentemente da protecção que lhe seja reconhecida pelos direitos de autor.
Artigo 223º
Excepções
1 – Não satisfazem as condições do artigo anterior:
a) As marcas desprovidas de qualquer carácter distintivo,
b) Os sinais constituídos, exclusivamente, pela forma imposta pela própria natureza do produto, pela forma do produto necessária à obtenção de um resultado técnico ou pela forma que confira um valor substancial ao produto;
c) Os sinais constituídos, exclusivamente, por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica, a época ou meio de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos;
d) As marcas constituídas, exclusivamente, por sinais ou indicações que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio;
e) As cores, salvo se forem combinadas entre si ou com gráficos, dizeres ou outros elementos de forma peculiar e distintiva.
2 – Os elementos genéricos referidos nas alíneas a), c) e d) do número anterior que entrem na composição de uma marca não serão considerados de uso exclusivo do requerente, excepto quando, na prática comercial, os sinais tiverem adquirido eficácia distintiva.
3 – A pedido do requerente ou do reclamante, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial indica, no despacho de concessão, quais os elementos constitutivos da marca que não ficam de uso exclusivo do requerente.


            Neste Diploma (no texto do próprio Decreto-Lei que aprova o CPI/2003) cumpre sublinhar, dado o seu interesse para a hipótese vertente, a seguinte disposição de direito transitório:

Artigo 12º
Marcas registadas
---------------------------------------------------------------------------------------
5 – Os direitos resultantes de registos de marcas de base efectuados antes da entrada em vigor deste Código mantêm-se nos termos em que foram concedidos.

            Finalmente, já posteriormente à propositura da presente acção, foi publicado o Decreto-Lei nº 143/2008, de 25 de Julho, que introduziu alterações profundas no Código da Propriedade Industrial (podemos mesmo referir o texto emergente destas alterações como CPI/2008[13]), mantendo incólume, todavia, no que diz respeito à marca, a redacção dos artigos 222º e 223º antes transcritos e aqui em causa directamente (embora, nunca é demais dizê-lo, articuladamente com os artigos 165º e 166º do CPI/95 enquanto lei vigente ao tempo do registo)[14].

            Esta perspectivação diacrónica do enquadramento legal do regime da marca pretende sublinhar, quanto à questão central do presente recurso – identificamos como tal, por referência à dialéctica argumentativa do processo, o carácter distintivo de um registo referido a um elemento com as características do aqui em causa: a expressão “CAIXA” –, a permanência, enquanto elemento estruturante do conceito de marca, de uma aptidão diferenciadora (distintiva na terminologia legal) do sinal ou dos sinais constitutivos desta.

Constitui a capacidade distintiva um elemento estrutural da teleologia da protecção das marcas. Estas, visando identificar, servem prevalentemente para distinguir, afirmam uma individualidade por diferenciação de elementos identitários alheios ou não apropriáveis e, por isso, descartam (não assumem, portanto, como elemento identitário) aquilo que sendo genérico, usual ou necessariamente partilhado por todos ou por um grupo, não serve para afirmar – ou não afirma suficientemente – uma identidade[15]. Este elemento funcional, verdadeiro “código genético” da marca, foi integrado logo no primeiro instrumento de protecção internacional desta, a “Convenção de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial, de 20 de Março de 1883” (“Convenção de Paris”)[16], cujo artigo 6º, quinquies, B), 2º, estabelece que “[s]ó poderá ser recusado ou anulado registo das marcas de fábrica ou de comércio […]”, entre outras situações, “[q]uando forem desprovidas de qualquer carácter distintivo ou então exclusivamente compostas por sinais ou indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, o lugar de origem dos produtos ou a época da produção, ou que se tenham tornado usuais na linguagem corrente ou nos hábitos leais e constantes do comércio do país em que a protecção é requerida”.  

Esta essência originária e já secular da construção protectiva da marca – a capacidade distintiva e a exclusão de que assente em elementos desprovidos dessa capacidade – foi transmitida pela “Convenção de Paris” à generalidade das legislações nacionais, foi integrada desde o seu começo, como adiante veremos, no Direito comunitário, e tem uma evidente presença no regime do CPI/2003 (referimo-nos a este e ao de 1995, cingimo-nos ao enquadramento legal nos períodos que aqui apresentam relevância), através da formulação (positiva) integrada no nº 1 do artigo 222º (“[…] adequados a distinguir os produtos […]”) e, muito particularmente, por via da formulação negativa recolhida no artigo 223º, nº 1, alínea a) do mesmo Diploma (“[n]ão satisfazem as condições […] marcas desprovidas de qualquer carácter distintivo”). Aliás, para recuarmos apenas ao regime vigente ao tempo dos registos de marca aqui em causa, verificamos a inequívoca presença do elemento a que nos vimos referindo (a capacidade de diferenciar, dentro das mesmas classes de produtos ou serviços, daqueles que provenham de outras empresas) no CPI/95 na formulação (positiva) do seguinte trecho do artigo 165º, nº1: “[…] que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outra empresa”.

Isto mesmo sempre foi enfatizado pela doutrina[17], pois, já o dissemos, sempre correspondeu à essência profunda do conceito de marca[18], enquanto verdadeiro sinal distintivo prototípico do comércio. Esta essência foi, aliás, expressamente recolhida por referência à “Convenção de Paris”, na chamada “Primeira Directiva” comunitária respeitante às marcas (“Directiva do Conselho Nº 89/104/CEE, de 21 de Dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas” – “Directiva das Marcas”)[19], Directiva esta que o legislador nacional assumiu estar a transpor para o Direito interno aquando da edição do CPI/95[20].

Este fenómeno de absorção pelo Direito comunitário da construção do direito das marcas condensado na “Convenção de Paris” (desenvolvido pelos trabalhos da “União para a protecção da propriedade industrial”, a chamada União de Paris”, criada pela Convenção) determinou que o conjunto formado pelo Direito comunitário das marcas, as legislações nacionais e a “Convenção”, viessem a formar uma espécie de protecção por “sobreposição de camadas” com uma origem comum e logicamente articuladas. Esta realidade da protecção à marca no âmbito comunitário é sugestivamente caracterizada nas conclusões do Advogado-Geral que informaram o Acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias de 12/02/2004 (Caso Postkantoor), nos seguintes termos: “[…] salient[amos] a estrutura peculiar do ordenamento jurídico comunitário sobre marcas, que apresenta, como se tratasse de uma «cebola», diferentes camadas que se vão sobrepondo umas às outras. A primeira, exclusivamente interna [do ponto de vista comunitário], é o âmbito próprio do regulamento sobre a marca comunitária. A segunda é constituída pelas legislações dos Estados-Membros, harmonizadas por força da Directiva. A terceira, e última, representa a camada em que se encontram os compromissos internacionais sobre marcas assumidos por todos os Estados-Membros”[21].

2.2.2. A essência distintiva de uma marca – e debruçamo-nos directamente sobre o objecto do presente litígio –, não permitiria o emprego, e consequentemente o registo[22], no domínio da prestação de serviços bancários, de uma designação como “CAIXA”, dada a associação desta à própria actividade bancária em si mesma e, dentro desta, a diversas entidades (tradicionalmente a designação “Caixa” corresponde a entidades bancárias de natureza pública, mutualista ou cooperativa, diferenciadas através desta particular origem da banca privada na acepção tradicional). Seria como – é o que sugestivamente afirma a R. – registar, isoladamente, a expressão «Banco».

É este argumento que importa aqui analisar.

 A função distintiva constitui, como se disse, um pressuposto essencial da existência de uma marca. Esta, descontada alguma confusão que a nova caracterização da figura do logótipo emergente do CPI/2008 é susceptível de induzir (remete-se aqui para o que se disse na nota 15, supra), mantém a sua essência de “[…] diferenciar a origem empresarial do produto ou serviço proposto ao consumidor”[23]. É esta “origem empresarial” referenciada à A., enquanto entidade bancária, da palavra «CAIXA» que a R. nega.

A construção do desvalor da falta de capacidade diferenciadora de uma realidade que se pretende alcandorar à categoria de marca, arranca, na letra da lei, como antes se indicou, de uma expressão (afirmação) positiva plasmada no nº 1 do artigo 222º do CPI/2003 (“adequados a distinguir”), e de uma expressão negativa, assumida como integradora de excepções, presente nas diversas alíneas do nº 1 do artigo 223º do mesmo CPI. Referem-se estas excepções a um aprofundamento compreensivo da capacidade distintiva, subtraindo ao conceito (em termos práticos à possibilidade de registo como marcas) elementos cuja natureza diferenciadora ora fica aquém ora está para além da teleologia distintiva que subjaz ao conceito expresso no nº 1 da referida disposição.

É neste sentido que se fala, a propósito da essência distintiva de uma marca, de um carácter “exclusiva e directamente” descritivo – a expressão é particularmente feliz e é empregue no Acórdão do STJ de 10/09/2009 referido na nota 23 –, excluindo designações genéricas, correspondentes ao próprio nome da actividade ou do serviço prestado, ou meramente descritivas de um aspecto ou elemento particular dessa actividade ou serviço (seria o caso da pretensão de registar a marca: “Banco”, “Oculista”, “Cheque”, “Financiamento”, “Empréstimo” ou “Crédito Hipotecário”).

É também neste sentido que se exclui que possam corresponder a marcas (no sentido de serem insusceptíveis de apropriação[24]) expressões vocabulares e designações sociologicamente usuais na linguagem comum e na actividade comercial, como – e reproduzimos aqui, por falta de imaginação, muitos dos exemplos fornecidos no Acórdão do STJ de 10/09/2009 indicado na nota 23 – “bica”, “cimbalino”, “fino”, “imperial”, “tisana”, “queque”, “Galo de Barcelos”, “light”, “extra”, “super”, “mini”, etc.[25].

2.2.2.1. Não podemos excluir a presença na expressão “CAIXA”, usada no contexto aqui em causa, de alguma vocação de generalidade no sector da banca, não tanto no sentido de particularizar algum elemento identitário comum a diversas entidades, presente numas e ausente noutras no seio da actividade bancária[26], mas mais no sentido de aparecer referenciada à designação de mais de uma entidade – não só da Caixa Geral de Depósitos – no quadro geral dessa actividade.

Esta questão coloca-se efectivamente e deve, por razões de rigor argumentativo, ser equacionada e resolvida, testando a adequação das razões, fundamentalmente ligadas a essa vocação de alguma generalidade, que conduziram o Tribunal a quo a negar a pretensão da A. ao uso exclusivo dessa designação.

Vale isto por dizer que, à primeira vista, apresenta alguma consistência o argumento segundo o qual a expressão “Caixa” – não tanto a expressão a “CAIXA” aqui em causa –, empregue em determinados contextos comunicacionais, pode ter uma abrangência mais ampla que a propiciada pela referenciação à Caixa Geral de Depósitos. Existem, com efeito outras “Caixas”, no sentido de que existem outras entidades que partilham com a Caixa Geral de Depósitos, no seu nome ou designação, a palavra “Caixa”, e isso constitui um dado de facto que não pode ser escamoteado.

Queremos com isto significar que o elemento aqui em causa – a expressão “Caixa” – não começou nem acabou na referenciação à A., mas adquiriu ao longo dos tempos uma tal exuberância identificativa relativamente a ela (à Caixa Geral de Depósitos identificada como a “Caixa”) que acabou por conduzir à identificação da própria A. através dessa palavra, sendo que o registo da mesma em 2002 (requerido que foi em 2001), veio dar expressão a uma realidade comunicacional esmagadora, gerada através de uma associação intuitiva da palavra “Caixa”, isoladamente considerada[27], à identificação de um banco em particular – a Caixa Geral de Depósitos – e não de qualquer outra entidade que ostente o mesmo nome “Caixa”. Vale aqui, a título de abonação muito expressiva, o elemento documental junto pela A. a fls. 126/171 (“Estudo da associação do nome CAIXA à Caixa Geral de Depósitos”), mas vale, bem mais do que isso, a realidade sociológica expressa nesse estudo. Referimo-nos à expressividade da constatação, que se nos afigura corresponder a um domínio praticamente coincidente com o que é público e notório, de que se alguém for questionado sobre qual é o seu Banco e disser, sem mais, que é a “Caixa”, ninguém pretenderá que essa indicação se refira a um Banco diferente da Caixa Geral de Depósitos e, concretamente, que se refira a alguma Caixa de Crédito Agrícola. Com ou sem estudos de opinião, a realidade da associação do nome Caixa à A. é tão simples de descrever quanto isto.

2.2.3. Esta mesma realidade, nos termos acabados de caracterizar, é juridicamente relevante no Direito industrial, no que se refere à caracterização de uma marca. Trata-se daquilo que o Direito anglo-saxónico, onde teve origem, refere como um “Secondary Meaning[28], significando – e citamos a definição de Luís M. Couto Gonçalves – a “[…] conversão de um sinal originariamente privado de capacidade distintiva num sinal distintivo de produtos ou serviços, reconhecido como tal, no tráfico económico, através do significado secundário, por consequência do uso e de mutações semânticas ou simbólicas”[29]. Este efeito – pois de um efeito modificativo sobre a compreensão originária de uma palavra ou símbolo se trata – pode ser caracterizado nos seguintes termos:


“[…]
Em qualquer caso, a depuração evolutiva para um significado distintivo de expressões que, na sua origem, eram puramente descritivas, pode verificar-se […] como efeito de uma «efectiva duração do uso ou referenciação de um determinado sinal relativamente a um produto concreto, suportado tal uso por uma ampla publicidade», que conduza a uma efectiva mutação do significado desse sinal (de genérico em específico) na percepção do público, em termos tais que tende a afastar ou, pura e simplesmente, a relegar para um segundo plano o valor semântico intrínseco da palavra”[30]

            A relevância distintiva do “Secondary Meaning”, foi expressamente assumida, como anteriormente dissemos por importação do Direito anglo-saxónico, pelo Direito comunitário das marcas, constando do texto da “Directiva das Marcas” uma referência a uma aquisição de carácter distintivo por sobreposição a um significado originário:

Artigo 3º
(Motivos de recusa ou de nulidade)
---------------------------------------------------------------------------------------
3 – Não será recusado o registo de uma marca ou este não será declarado nulo nos termos do nº 1, alínea b), c) ou d), se, antes da data do pedido de registo e após o uso que dele foi feito, a marca adquiriu um carácter distintivo. Os Estados-membros podem prever, por outro lado, que o disposto no primeiro período se aplicará também no caso em que o carácter distintivo tiver sido adquirido após o pedido de registo ou o registo.

            A incidência prática deste regime é caracterizada por Luís M. Couto Gonçalves, nos seguintes termos:


“[…]
Este fenómeno pode emergir em duas situações distintas: antes do registo ou depois do registo.
O nº 3 do artigo 3º da [Directiva das Marcas], que consagra o princípio do secondary meaning, estabelece soluções diferentes em relação às duas situações. Enquanto para a primeira impõe aos Estados-membros a aplicação do princípio aos sinais desprovidos de carácter distintivo, descritivos e usuais, para a segunda, limita-se a propor esse princípio.
[…]”[31]

            Ora, na presente situação, detectada a referenciação evolutiva da expressão “Caixa”, de pendor originário mais ou menos generalizante, à A., “Caixa Geral de Depósitos”, constatamos que o registo da marca foi posterior à ao dado histórico consistente nessa referenciação (não foi, tão-só, de 2001 para cá que se generalizou à referência à A. como a “Caixa”). Vale isto pela afirmação, que no processo argumentativo deste Acórdão desde já assumimos, que qualquer dos registos aqui invocados pela A., vale como legítimo objecto de um registo de marca, originador de um direito de exclusivo, e vale como tal por aplicação directa do trecho inicial do nº 3 do artigo 3º da “Directiva das Marcas”. Não se trata, com efeito, de um âmbito de protecção sugerido ao legislador, trata-se de um comando claro fixando o sentido do Direito comunitário, e que os tribunais nacionais devem aplicar directamente[32]. Aliás, para sermos precisos, poderíamos até referir a consagração do princípio do secondary meaning no nosso Código da Propriedade Industrial, desde o texto de 1995 até ao presente, através dos trechos finais iguais dos artigos 165º, nº 2 (CPI/95) e 223º, nº 2 (CPI/2003 e CPI/2008) – “[o]s elementos genéricos referidos nas alíneas […] do número anterior que entrem na composição de uma marca não serão considerados de uso exclusivo do requerente, excepto quando, na prática comercial, os sinais tiverem adquirido eficácia distintiva” (sublinhado acrescentado).

            2.2.3.1. A questão que a este respeito complementarmente se suscita – embora na anterior exposição já a tenhamos pressuposto como resolvida –, prende-se com a forma de consideração do processo de sobreposição do secondary meaning a um sentido originário generalizante.

Afigura-se-nos intuitiva uma resposta que remeta para a consideração de elementos como aqueles que se incluem no Estudo apresentado pela A. a fls. 126/171. E esta é, com efeito, a resposta fornecida pela jurisprudência comunitária, quando confrontada, a título de reenvio prejudicial, com a seguinte questão (colocada por um Tribunal holandês e que para facilidade de compreensão enunciamos aqui na sua formulação original ligada ao caso concreto):


“[o] Serviço de Marcas do Benelux, ao qual o protocolo de 2 de Dezembro de 1992, que alterou a lei uniforme sobre marcas, confiou o exame dos motivos absolutos de recusa dos depósitos de marca, […] conjugado com o artigo 2º da [Directiva das Marcas], deve não somente tomar em conta o sinal tal como é depositado, mas também todos os factos e circunstâncias pertinentes que sejam do seu conhecimento, entre os quais os que o depositante lhe tenha comunicado (por exemplo, que, antes do depósito, o depositante já tinha usado o sinal como marca em grande escala para os produtos em questão ou que resulte de um inquérito que o uso do sinal para os produtos e/ou serviços mencionados no depósito não poderá induzir em erro)?[33]

            Originou a colocação desta questão (em conjunto com outras que aqui não apresentam interesse directo) o Acórdão do TJCE de 12 de Fevereiro de 2004 (conhecido por “Caso Postkantoor”), sendo a seguinte a resposta fornecida à jurisdição do Estado-membro questionante:


“[…]
A resposta à [questão] é a de que o artigo 3º da Directiva deve ser interpretado como significando que a autoridade encarregue do registo de marcas deve ter em conta, adicionalmente à marca tal qual foi depositada, todos os factos e circunstâncias relevantes.
[…]” [34]

            Assentou a fixação deste entendimento pelo TJCE na consideração da regra contida no artigo 6º, quinques, C), 1, da “Convenção de Paris”, estabelecendo este que, “[p]ara apreciar se a marca é susceptível de protecção deverão ter-se em conta todas as circunstâncias de facto, principalmente a duração do uso da marca”. Estamos perante uma indiscutível aplicação prática do princípio do secondary meaning, no sentido de atendimento à incidência que um uso reiterado de uma expressão associada a uma determinada entidade pode ter no entendimento dessa expressão. Com efeito, é em função da consideração do conjunto das circunstâncias envolventes da situação que é possível alcançar essa mutação de significado, isto tomando por referência – e também aqui recorremos à jurisprudência do TJCE – “o consumidor médio desta categoria de produtos ou serviços no território para o qual é pedido o registo” e que “se presume «normalmente informado e razoavelmente atento e advertido»”[35].

            2.2.4. A conclusão que ora se alcança, culminando o processo argumentativo acabado de empreender, é distinta da fixada na primeira instância quanto à relevância distintiva do registo da marca “CAIXA” referido à A.. Com efeito, considerando-se legítimo, nos termos expostos, esse registo, constatamos que as práticas da R. recolhidas nos números 7 a 11 do elenco fáctico transcrito no item 2., supra, traduzem uma clara violação do exclusivo da marca “CAIXA” por parte da A., sendo de condenar a R. – e repetimos aqui a enunciação feita na ponto 1) do pedido transcrito no item 1. – a abster-se de usar e a cessar o uso da expressão «CAIXA DE LEIRIA», designadamente nas circunstâncias indicadas no elenco fáctico.

            No final deste Acórdão, haverá que conferir expressão decisória a este elemento.

            2.2.4.1. Complementarmente, não deixará de se sublinhar o claro pendor de comparação emulativa que o uso da expressão “CAIXA DE LEIRIA” apresenta no confronto com a referenciação da A. como “CAIXA”. Com efeito, por associação de ideias (e é por associação de ideias que o processo comunicacional publicitário actua), poderíamos dizer que ser a R., como pretende ser, a “CAIXA DE LEIRIA” aspira notoriamente à sugestão de que outrem, ostentando esse nome – desde logo a Caixa Geral de Depósitos –, o não é.

            Vale esta asserção para efeito de qualificação do comportamento da R. como concorrência desleal. Note-se que a violação de um direito industrial de exclusivo e a concorrência desleal constituem institutos autónomos. No primeiro caso, sugestivamente referido como algo aparentado a um “tipo formal”[36], que se basta (esgota-se) com um uso que contrarie o direito exclusivo. Já o preenchimento da facti species da concorrência desleal assenta numa valoração comportamental, expressa na exigência de uma conduta contrária a um determinado padrão (“usos honestos de qualquer ramo de actividade económica”) e pressupõe a existência de uma relação de concorrência (v. o corpo do artigo 317º do CPI).

            Ora, sendo evidente a relação de concorrência existente entre dois bancos – e, consequentemente, a integração deste pressuposto – não deixamos de ver no contexto comunicacional induzido pela referência indevidamente usada pela R. (eu é que sou a «CAIXA DE LEIRIA», traduz a essência significativa da mensagem pretendida transmitir), uma actuação não conforme a padrões de correcção comportamental dos agentes actuantes no mercado, quanto à não apropriação de elementos concorrencialmente relevantes que sejam legitimamente referenciáveis a outrem.

            Estamos, no quadro do artigo 317º, perante uma técnica jurídica muito próxima dos chamados exemplos-padrão[37], em que um conceito valorativo geral, que vale por si, é concretizado indiciariamente através da indicação de uma série de situações prototípicas. Nestes casos, a integração do conceito geral tanto pode ocorrer fora do quadro dos exemplos, como a presença indiciária dos exemplos pode afastar, não obstante, numa valoração global referida aos usos honestos de qualquer ramo de actividade económica, a integração desse conceito geral[38]. Com efeito, o uso da expressão nomeadamente, no final do corpo do artigo 317º do CPI, traduz uma indicação inequívoca da técnica dos exemplos-padrão.

            De qualquer forma, mesmo atendendo aos exemplos de situações prototípicas elencadas nas seis alíneas do referido artigo 317º, não deixamos de ver, expresso no comportamento da R. – e parafraseamos a alínea c) da disposição –, uma invocação ou referência não autorizada feita com o fim de beneficiar do crédito ou da reputação de uma marca alheia.

            É, pois, correcta, não obstante inconsequente neste processo, a qualificação do comportamento da R. como concorrência desleal.

            2.2.5. A consideração da relevância do registo da marca «CAIXA» em favor da A., associada à constatação da violação pela R. do exclusivo dessa marca, coloca a questão da sanção pecuniária compulsória correspondente ao ponto 2) do pedido (fls. 17), omitida por prejudicialidade na decisão da primeira instância.

            Mostra-se agora, em função da decisão a proferir no final deste Acórdão, plenamente integrada a facti species do nº 1 do artigo 829º-A do Código Civil (remete-se aqui para o Acórdão do STJ de 10/09/2009 (v. nota 23, supra)[39], sendo que o valor indicado pela A. (€500,00/dia) nos parece perfeitamente adequado à natureza das instituições em presença.

            Haverá, pois, que fixar uma sanção pecuniária compulsória no valor de €500,00/dia, contada do trânsito desta decisão e até eliminação dos elementos persistentes que correspondam às situações elencadas nos itens 7 a 11 dos factos.

            2.2.6. Finalmente, considerando o pedido indemnizatório formulado pela A., relegado para liquidação da sentença – não para execução da sentença –, nos termos do artigo 661º, nº 2 do CPC (interessa aqui a redacção introduzida pelo Decreto-Lei nº 38/2003, de 8 de Março), importa ter presente a não prova de qualquer dano concreto. O mecanismo previsto no nº 2 do referido artigo 661º pressupõe a inquantificação do dano, não, como aqui sucede, a indeterminação quanto à sua existência. O artigo 483º, nº 1 do Código Civil, que o mesmo é dizer a imputação delitual, pressupõe a existência de danos a indemnizar, apresentando-se estes como condição essencial da responsabilidade civil[40]. Ora, não se detectando, não obstante a violação do exclusivo da marca associada à prática de um acto de concorrência desleal, alguma situação que tenha, em função desses comportamentos, incidido desvaliosamente no património da A. (designadamente através da detecção de algum desvio de clientela), faltam-nos elementos – a prova deles incumbia à A. (artigo 487º, nº 1 do Código Civil) – que possibilitem afirmar a existência de um dano.

            Improcede, pois, nesta parte, o pedido indemnizatório da A..


III – Decisão


            3. Assim, em função das antecedentes considerações, revogando-se a Sentença apelada, decide-se:


A) Condenar a R. Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Leiria, CRL a abster-se de usar e a cessar o uso da expressão «CAIXA DE LEIRIA», nomeadamente no exterior ou no interior dos seus estabelecimentos, em publicidade e quaisquer outros documentos ou materiais de carácter comercial e/ou promocional.
B) Condenar a mesma R. a pagar à A. Caixa Geral de Depósitos, S.A., a título de sanção pecuniária compulsória, a quantia de €500,00 por cada dia de atraso, a partir do trânsito desta decisão, no cumprimento da obrigação indicada na antecedente alínea.

No mais (absolvição implícita do pedido indemnizatório) confirma-se a decisão da primeira instância.

Custas em ambas as instâncias pela R. (90%) e pela A. (10%).


[1] Por se tratar de processo iniciado anteriormente a 1 de Janeiro de 2008 (v. fls. 2), está em causa o regime de recursos anterior à reforma introduzida pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto (v. os respectivos artigos 9º, alínea a), 11º, nº 1 e 12º, nº 1). Note-se que, pela mesma razão, qualquer disposição do Código de Processo Civil citada neste Acórdão, cujo texto tenha sido alterada pelo DL 303/2007, referir-se-á à versão anterior a este.
[2] Antecedentemente, na fase condensatória, foi o processo saneado tabelionicamente (sem referência expressa à questão da ineptidão), fixados os factos provados e elaborada a base instrutória, tudo isto através do despacho de fls. 73/77.
[3] “Destarte afirma-se a improcedência da arguição de ineptidão, apresentando-se o processo isento de nulidades que o invalidem” (transcrição de fls. 202 vº).
[4] As transcrições são de fls. 202 vº da Sentença.
[5] O registo assume aqui – estamos a falar de uma marca – natureza constitutiva (v. o artigo 258º do Código da Propriedade Industrial de 2003; cfr. Carlos Olavo, Propriedade Industrial, vol I, 2ª ed., Coimbra, 2005, pp. 40/42).
[6] Tem aqui interesse referir a afirmação por alguma doutrina constitucional de um conceito abrangente de propriedade. Este, como referem J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, “[…]  não se limita ao universo das coisas. Parece seguro que ele não coincide com o conceito civilístico tradicional, abrangendo, não apenas a propriedade de coisas (mobiliárias e imobiliárias), mas também a propriedade científica, literária ou artística (artigo 42º - 2) e outros direitos de valor patrimonial (direitos de autor, direitos de crédito, partes sociais), etc. O alargamento do conceito de propriedade a outros bens, para além da proprietas rerum, representa uma extensão da garantia constitucional e traduz, por um lado, uma diversificação do objecto do direito de propriedade para fora do seu paradigma oitocentista […]” [CRP Constituição da República Portuguesa anotada, Vol I, 4ª ed., Coimbra, 2007, p. 800; contestando esta asserção no que respeita aos sinais distintivos do comércio, falando em protecção derivada de um interesse público e não da construção como direito de propriedade, v. José de Oliveira Ascenção, “Nome de Edifício: Conflito com Marca, Insígnia ou Logótipo?”, in Direito Industrial, Vol. V, Coimbra, 2008, p. 44; negando a protecção constitucional, no quadro do artigo 62º da Constituição (direito de propriedade privada), de quaisquer direitos de carácter patrimonial existentes na ordem jurídica portuguesa, v. Jorge Miranda, Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada Tomo I, Coimbra, p. 627]. 
[7] Esta expressão – “razões absolutas” – ligada ao direito de propriedade sobre coisas corpóreas, é empregue por José de Oliveira Ascenção a propósito da acção de reivindicação, enquanto “acção real prototípica”, referida às “razões absolutas” ligadas à específica natureza do direito de propriedade como direito absoluto [v. “Acção de Reivindicação”, in Estudos em Memória do Professor Doutor João de Castro Mendes, Lisboa, s. d. (o Estudo aqui em causa está datado de Julho de 1994), pp. 16/42].
Convém, no entanto, e para sermos inteiramente fieis ao pensamento do Professor Oliveira Ascenção, matizar esta aparente proximidade aos direitos reais e à propriedade, fundamentalmente induzida pelo artigo 1303º do Código Civil, sublinhando que “[…] os bens intelectuais não são objecto de propriedade, mas de direitos de exclusivo”, acrescentando que “[n]enhum dos preceitos aplicáveis à propriedade, que não sejam resultantes de características comuns a todos os direitos absolutos, se aplica aos direitos intelectuais” (José de Oliveira Ascenção, Direito Civil Reais, 5ª ed., Coimbra, 2000, p. 39). É em função deste carácter que se estrutura a faculdade de impedir e fazer cessar, pura e simplesmente e independentemente da verificação de um dano concreto, o uso por terceiros. Com efeito, este tipo de direitos (aqui a propriedade industrial) conferem ao seu titular o monopólio do aproveitamento de certo bem, com afastamento de terceiros. É neste sentido que J. P. Remédio Marques qualifica os direitos de propriedade intelectual como “direitos subjectivos privados absolutos essencialmente de natureza patrimonial” [Licenças (Voluntárias e Obrigatórias) de Direitos de Propriedade Industrial, Coimbra, 2008, p. 18].
[8] J. P. Remédio Marques, Licenças…, cit., p. 17.
[9] Por diferenciação de um exercício positivo correspondente à dimensão negocial dos direitos de propriedade industrial.
[10] Trata-se neste caso (referimo-nos ao registo certificado pelo documento de fls. 28, registo nº 357310) de um logótipo incluído na marca (talvez pudéssemos mesmo dizer adicionado à marca) dado que esse elemento apresenta, quando considerado isoladamente – e isso era relevante no regime legal em vigor à data dos registos de marca aqui em causa – carácter figurativo (esta questão será adiante apreciada na nota 15).
[11] Com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 141/96, de 23 de Agosto, e pelo artigo 7º do Decreto-Lei nº 375-A/99, de 20 de Setembro.
[12] Referimo-nos aos elementos de caracterização que apresentam relevância na situação colocada na presente acção.
[13] Entrou em vigor em 1 de Outubro de 2008 (artigo 16º, nº 1 do DL nº 143/2008).
[14] O aspecto mais relevante do regime introduzido pelo CPI/2008 traduziu-se numa alteração substancial da figura do logótipo, agora tratado nos artigos 304º-A a 304º-S, que passa a abranger, em ruptura com o sistema do CPI/2003 (v. o artigo 301º do CPI/2003) e algo ao arrepio da mesma figura (do logótipo) no direito comparado, além de elementos figurativos, elementos nominativos exclusivos ou combinados com os figurativos. Esta inovação do legislador de 2008 é susceptível de induzir situações de alguma confusão entre marcas e logótipos, nomeadamente quando o logótipo é aposto numa marca (v., quanto à caracterização do novo regime nesta concreta incidência, David Teles Pereira, O Logótipo: novo conceito e regime, 2009, relatório apresentado no âmbito do VIII Curso de Pós-Graduação de Direito da Propriedade Industrial da Faculdade de Direito de Lisboa, pp. 32/34).
Embora estejamos a referir-nos a uma questão não directamente convocada pela presente acção (está aqui em causa uma marca, como tal registada e cuja protecção como tal permanece activa), sublinharemos que os elementos em causa nos dois registos de marca que a A. aqui faz valer poderiam originar, no regime actual, registos como logótipos. Aliás, esta concorrência (sobreposição) de âmbitos de protecção entre o logótipo e a marca é, em certo sentido, assumida pelo legislador de 2008 no artigo 304º-I, nº 1, alínea b), ao estabelecer que constitui fundamento de recusa do registo como logótipo “[a] reprodução ou imitação, no todo ou em parte, de marca anteriormente registada por outrem para produtos ou serviços idênticos ou afins aos abrangidos no âmbito da actividade exercida pela entidade que se pretende distinguir, se for susceptível de induzir o consumidor em erro ou confusão ou se criar o risco de associação com a marca registada” (v. David Teles Pereira, O Logótipo…, cit., p. 38). Com efeito, o CPI/2008 lança alguma perturbação na distinção entre marcas e logótipos, nos termos em que no regime agora pretérito (CPI/2003) essa distinção se tinha cimentado e era caracterizada pela doutrina:
“[…]
A distinção do logótipo da marca afigura-se como relativamente simples de efectuar, na medida em que, apesar da sua representação gráfica poder coincidir, o seu objecto é distinto. A marca visa distinguir produtos ou serviços e não referenciar sujeitos, pelo que ab initio não se verificarão dificuldades de diferenciação entre as duas figuras.
Não obstante, o cruzamento entre as mesmas figuras pode ocorrer, divisando-se pelo menos duas vias para que tal suceda.
Em virtude do princípio geral do uso facultativo da marca registada, é admissível a aposição de um logótipo no produto. Este desempenhará as funções de marca de facto, numa clarividente manifestação do fenómeno de «interferência contínua entre os signos». O mesmo é aliás confirmado pela alínea b) do nº 2 do artigo 234º e pela alínea f) do artigo 239º [CPI/2003], que fazem depender a marca posterior da não colisão com o logótipo anteriormente registado.
Em sentido inverso, pode a marca ser aposta na documentação mercantil ou na publicidade do sujeito, desempenhando uma função que lhe caberia não a si mas ao logótipo.
Noutro prisma […], pode ser admitida uma marca que funcione multiclasse, para mais de uma categoria de produtos, mas que vigore para todas as 45 categorias de produtos, ultrapassando inclusive a barreira do princípio da especialidade. A aproximação da marca ao logótipo parece também aqui inequívoca, produzindo-se a unificação não material mas funcionalmente” [Nuno Aureliano, “O Logótipo – Um Novo Sinal Distintivo do Comércio (Parte I)”, in Direito Industrial, Vol. IV, Coimbra, 2005, p. 422/423]. 
[15] Na doutrina italiana fala-se de “marca forte” e de “marca fraca” (marchi forti; marchi deboli), para distinguir a auto-suficiência individualizadora da marca (marca forte) da construção da mesma por ligação entre um elemento individualizador (com aptidão distintiva directa) e uma denominação genérica ou usual do produto através de uma modificação de um nome comum (marca débil), constituindo exemplo desta última a marca “Swatch”. Da “força” ou da “fraqueza” da marca deriva a possibilidade de uma maior ou menor cobertura negativa da protecção – tomando a indicada marca “Swatch”, e recorrendo a um exemplo considerado na jurisprudência italiana, nada impede o registo de uma marca de relógios “J-Watch”. Esta realidade é caracterizada na doutrina nos seguintes termos: “[d]a «força» ou «fraqueza» [debolezza] de uma marca deriva a possibilidade de se impedir com maior ou menor abrangência um concorrente de se aproximar à esfera de clientela do detentor da marca” [Niccolò Abriani, Gastone Cottino, Marco Ricolfi, “Diritto Industriale”, in Trattato Di Diritto Commerciale (dir. Gastone Cottino), vol. II, Pádua, 2001, p. 43].  
[16] Esta, na versão consolidada actual, resultante da acumulação de diversas revisões (a última delas designada como revisão de Estocolmo, de 14 de Julho de 1967) e no que tange à nossa ordem jurídica, foi aprovada para ratificação pelo Decreto nº 22/75, de 22 de Janeiro.
[17] Cfr. Carlos Olavo, Propriedade Industrial, cit., p. 73 e José Mota Maia, Propriedade Industrial, Vol. I, Coimbra, 2003, p.25.
[18] Ferrer Correia, referindo-se ao regime do Código da Propriedade Industrial aprovado pelo Decreto nº 30679, de 24 de Agosto de 1940, referia que “[…] sendo a marca um sinal distintivo de coisas, há-de ela ser dotada, para o bom desempenho da sua função, de eficácia e capacidade distintiva, isto é, há-de ser apropriada para diferenciar o produto marcado de outros idênticos ou semelhantes (artigo 79º). Nos seus parágrafos, o artigo 79º refere várias expressões ou sinais que não satisfazem a este requisito” (Lições de Direito Comercial, vol. I, Coimbra, 1973, pp. 323/324).
[19] Consta do preâmbulo da Directiva:
“[…]
Considerando que todos os Estados-membros da Comunidade estão vinculados pela Convenção de Paris para a protecção da propriedade industrial; que é necessário que as disposições da presente directiva estejam em harmonia completa com as da Convenção de Paris; que as obrigações dos Estados-membros decorrentes dessa Convenção não são afectadas pela presente directiva; que, se necessário, é aplicável o segundo parágrafo do artigo 234º do Tratado […]”.   
[20] No preâmbulo do Decreto-Lei nº 16/95, refere-se, como uma das “causas da lei”, “[…] a necessidade de transpor para o direito interno a Directiva […]”.
Interessam-nos nesta Primeira Directiva os artigos 2º (os artigos 165º, nº 1 do CPI/95 e 222º, nº 1 do CPI/2003 transcrevem-no integralmente) e 3º:

Artigo 2º
(Sinais susceptíveis de constituir uma marca)
Podem constituir marcas todos os sinais susceptíveis de representação gráfica, nomeadamente as palavras, incluindo os nomes de pessoas, desenhos, letras, números, a forma do produto ou a respectiva embalagem, na condição de que tais sinais sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outra empresa.
Artigo 3º
(Motivos de recusa ou de nulidade)
1 – Será recusado o registo ou ficarão sujeitos a declaração de nulidade, uma vez efectuados, os registos relativos:
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
b) Às marcas desprovidas de carácter distintivo;
-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
[21] O texto das conclusões está disponível em http://eur-lex.europa.eu/Notice e o texto do Acórdão Postkantoor em http://curia.eu.int/jurisp/cgi-bin/gettext.pl?lang.
[22] Embora nesta acção a R. não tenha formulado qualquer pedido reconvencional de declaração de nulidade dos registos apresentados pela A., contrariamente ao que sucedeu, com uma outra Caixa de Crédito Agrícola, num processo paralelo deste («Caixa da Chamusca») mencionado pela A., referente a uma situação substancialmente idêntica a esta e que originou o Acórdão do STJ de 10/09/2009 (Santos Bernardino), proferido no processo nº 118/09.4YFLSB, disponível, nestes campos,  no sítio do ITIJ em: http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/87bf377d3022a5f78025762d00558222.
[23] Carlos Olavo, Propriedade Industrial, cit., p. 71. José de Oliveira Ascenção refere a este respeito que “[…] a marca distingue séries, não caracteriza indivíduos. Ou, se quisermos, distingue indivíduos pela sua integração numa série, e não pela sua singularidade” (“Nome de edifício…”, cit., p. 43).
[24] Note-se – e isto vale para o sentido de outras exclusões – que a língua é um bem comum, mesmo na sua actuação entre operadores comerciais. A ideia de algum tipo de “apropriação” de elementos desta funciona, assim, numa lógica muito restritiva.
[25] Diz-se no citado Acórdão a propósito de exclusões referidas ao carácter usual de uma indicação:
“[…]
Podem configurar-se três espécies de sinais usuais:
1ª – Os sinais usuais verbais ou figurativos indicadores dos produtos ou serviços, de que costumam indicar-se, como exemplos clássicos, entre outros,
Bica, Fino, Imperial (no caso de sinais verbais) e, no caso de sinais figurativos, as figuras da lebre para artigos de caça ou do peixe para artigos de pesca.
O caso em apreço não é recondutível a esta hipótese: a expressão «Caixa» não é um sinal nominativo que, pelo uso reiterado, se tenha tornado um sinal usual identificativo, exclusivamente, de serviços bancários. As pessoas não utilizam a dita expressão para se referirem aos Bancos em geral, como usam a expressão
bica para se referirem ao café ou as expressões fino e imperial para aludirem à cerveja.
2ª – Os sinais usuais descritivos de características de produtos ou serviços
Seria,
v.g., o caso […] das marcas figurativas descritivas de origem dos produtos: Chaminé do Algarve e Galo de Barcelos, ou das marcas Lights e Slims para tabaco, estas por se tratar de expressões usuais e correntes na linguagem e nos hábitos leais e constantes do comércio para descrever tipos de tabaco […].
Ora, considerada isoladamente, a expressão «Caixa» é uma expressão comum, de significação vária, que designa várias actividades e realidades, não se tratando de um sinal – repete-se e sublinha-se, quando isoladamente considerada – que se haja tornado usual para descrever actividades relacionadas com a actividade bancária.
E é esta variedade significativa que faz do dito vocábulo um sinal nominativo registável, «porque não se pode afirmar que tenha uma utilização corrente para descrever uma, e só uma, realidade concreta e, no caso presente, para descrever, exclusivamente, a actividade bancária.»
3ª - Os sinais usuais banais esvaziados de conteúdo diferenciador e descritivo pelo uso generalizado e indiscriminado em relação a qualquer tipo de produto ou serviço.
Aqui se incluem expressões como «Super», «Extra», «Superfino», etc.
São sinais que, pelo uso, perderam o originário significado descritivo: não servem para
descrever produtos ou serviços, mas antes para os promover e publicitar.
[…]”.
[26] A caracterização da designação “Caixa”, presente no nome de algumas instituições bancárias, caracterização que antes efectuámos no texto deste Acórdão – dissemos então: tradicionalmente a designação “Caixa” corresponde a entidades bancárias de natureza pública, mutual ou cooperativa, diferenciadas da banca privada na acepção tradicional –, tal caracterização, dizíamos, limita-se a descrever características de uma série de instituições, não indicando algo de comum a elas que propicie o seu agrupamento conceptual. O mais que poderíamos dizer (e nem sequer é seguro que estivéssemos a ser totalmente precisos) é que se tratam, as “Caixas”, de entidades bancárias cuja origem é exterior à banca comercial assente na iniciativa privada (no sentido de excluir a iniciativa pública e “corporativa”). Não obstante, e isto cimenta o carácter inapropriado da designação “Caixa” para referenciar uma qualquer característica específica da actividade bancária de determinadas instituições, existem entidades que também partilham essa origem ou pedigree, que adoptaram, desde sempre, a designação “Banco”. Estamos a pensar no “Banco Nacional Ultramarino”, fundado em 1864, por iniciativa pública, para gerir as transacções com as colónias e no Crédito Predial Português, fundado em 1865, também por iniciativa pública, para a criação de crédito hipotecário assente na emissão de obrigações [v. a entrada “Caixa Geral de Depósitos” (Pedro Lains), no Dicionário de História de Portugal, António Barreto, Maria Filomena Mónica (Coordenadores), Vol. VII, Suplemento A/E, Lisboa, 1999, pp. 217/218; ].
Esta distinção tinha algum reflexo na estrutura do sector bancário prevista no Decreto-Lei nº 41403, de 27 de Novembro de 1957 e no Decreto-Lei nº 42041, de 12 de Novembro de 1959, ao prever a categoria dos “bancos comerciais” por contraposição a outras realidades, bancárias em sentido amplo, nas quais se integrariam, entre muitas outras entidades, a Caixa Geral de Depósitos e o que viria a originar as Caixas de Crédito Agrícola hoje existentes (v. António Menezes Cordeiro, Manual de Direito Bancário, 3ª ed., Coimbra, 2006, pp. 829 e ss.).  
[27] Considerada num contexto expressivo isolado do restante nome ou que não o identifique cabalmente. É o que sucede com a R. que usa a expressão “Caixa de Leiria”, subtraindo os restantes elementos do seu nome que, esses sim, a identificariam inequivocamente: “Caixa Agrícola de Leiria”, “Caixa de Crédito Agrícola de Leiria”, e outras combinações possíveis que não tendam a isolar como elemento identificativo a expressão “Caixa”.
[28] A expressão teve origem na Decisão da “Câmara dos Lordes” de 1896, Frank Reddaway Ltd. v. George Banham (Camel Hair Belting), isolando a afirmação de Lord Herschell, o Relator da decisão: “the words [Camel Hair Belting] had acquired a secondary meaning through its broad notoriety” (v. http://encycl.opentopia.com/term/Reddaway_v._Banham; Black’s Law Dictionary, 6ª ed., St. Paul, Minnesota, 1990, p. 1351; Luís M. Couto Gonçalves, Função Distintiva da Marca, Coimbra, 1999, p. 86, nota 137).
[29] Função Distintiva…, cit., p. 85; cfr. Niccolò Abriani, Gastone Cottino, Marco Ricolfi, “Diritto Industriale”, cit., pp. 45/50.
[30] Niccolò Abriani, Gastone Cottino, Marco Ricolfi, “Diritto Industriale”, cit., p. 48.
[31] Função Distintiva…, cit., pp. 85/86.
[32] V., entre outros, o Acórdão do TJCE de 06/10/1982 (Srl CILFIT and Lanificio di Gavardo SpA v Ministry of Health), disponível em: http://www.ena.lu. (cfr., quanto à chamada aplicabilidade directa das Directivas, João Mota de Campos, João Luiz Mota de Campos, Manual de Direito Comunitário, 4ª ed., Lisboa, 2004, pp. 383/385).
[33] V. o segundo local de consulta indicado na nota 22, supra.
[34] Estava em causa o registo como marca, referida a artigos de papelaria, da expressão “Postkantoor”, que em língua neerlandesa significa “Estação de Correios”, por parte de uma empresa que utilizou essa designação à longo tempo nos seus produtos, tendo-se alcançado uma associação da expressão a esses mesmos produtos.
[35] As citações referem-se, pela respectiva ordem, aos Acórdãos do TJCE de 4 de Maio de 1999 (“Windsurfing Chiemsee”) e de 16 de Julho de 1998 (“Gut Spingenheide e Tursky”).
[36] A expressão é empregue por José de Oliveira Ascensão, “Nome de edifício…”, cit. p. 56.

[37] V. a caracterização desta técnica, a propósito do artigo 20º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (o CIRE, aprovado pelo Decreto-Lei nº 53/2004, de 18 de Março), no Acórdão desta Relação de 20/11/2007, proferido no processo nº 1124/07.9TJCBR-B.C1, disponível no sítio do ITIJ em: http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/463569572d1e35cf8025739f00432b9.
[38] Apontando neste sentido (embora sem uma referência expressa à técnica dos exemplos-padrão), v. José de Oliveira Ascenção, Concorrência Desleal, Coimbra, 2002, p. 153: “[a] cláusula geral permite por si qualificar actos como de concorrência desleal, independentemente de qualquer tipificação desses actos”.
[39] V., quanto aos pressupostos do estabelecimento de uma sanção pecuniária compulsória, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. II, 3ª ed., pp. 273/274 e Acórdão do STJ de 12/09/2006 (Azevedo Ramos), Colectânea de Jurisprudência – STJ, 2006/III, pp. 53/55.
[40] Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, 4ª ed., Coimbra, 2005, p. 313.