Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
161/12.6TXCBR-E.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
Data do Acordão: 06/19/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DE PENAS DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 61º Nº 2 CP
Sumário: A concessão da liberdade condicional, verificados os requisitos formais, depende do juízo que se puder fazer quanto à satisfação das finalidades preventivas da pena. Prevenção especial de socialização e prevenção geral de integração, não dependendo, tão só, do comportamento do arguido.
Decisão Texto Integral:      Acordam  no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.

     No processo supra identificado foi proferida decisão na qual se concluiu pela não concessão da liberdade condicional ao arguido/condenado.

Inconformado, o arguido A..., apresenta recurso para esta Relação.

Na sua motivação, apresenta as seguintes conclusões, que delimitam o objeto do recurso:

1. A decisão recorrida, ao ter apenas em consideração o tipo de crimes praticado pelo recorrente e a sua participação nos mesmos, esqueceu que aquele já foi julgado, violando, assim, o princípio ne bis in idem.

2. Não atendeu também ao facto de o recorrente ter cumprido durante três anos e meio a medida de coação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, sem registo de falhas, e exercendo em simultâneo, durante esse período, atividade laboral remunerada numa empresa de cerâmica.

3. Acima de tudo a decisão recorrida não tomou em consideração a verdadeira dimensão do arrependimento demonstrado desde cedo pelo recorrente e a enorme e relevante colaboração nas e com as diversas instâncias e entidades judiciais, a qual ainda hoje em dia se mantém.

4. Arrependimento e colaboração essas que foram reconhecidas no Acórdão proferido pelo Tribunal de Olhão, no proc. nº 201/08.3JELSB, ao ponto de lhe ter sido concedida a atenuação especial prevista no art. 31 do Decreto-Lei 15/93, de 22 de Janeiro e de até há muito pouco tempo dispor de proteção policial, prestada por elementos do corpo de segurança da PSP.

5. Pode-se argumentar, como faz a decisão recorrida, que o recorrente teve um papel preponderante nos factos, mas até por isso a sua colaboração se mostrou mais relevante, além de que, o seu papel foi de mero transportador, não se destinando a droga a si.

6. Em face do arrependimento e da excecional colaboração prestados pelo recorrente, não poderá deixar de considerar-se que a comunidade já se encontra tranquilizada pelo cumprimento da metade da pena por parte do mesmo, pelo que, já não existem razões de prevenção geral - ou pelo menos as mesmas são muito diminutas - que impeçam a concessão da liberdade condicional.

7. A outros coarguidos no mesmo processo, que já atingiram, como o recorrente, o meio da pena, e que não tiveram a mesma atitude de colaboração que o recorrente teve, foi-lhes concedida a liberdade condicional.

8. Para além de que, como resulta provado na decisão recorrida, o impacto na comunidade em que o agregado familiar habita é inexistente, não sendo percetíveis manifestações de rejeição ou de hostilidade à presença do recorrente.

9. Por outro lado, o Conselho Técnico e o relatório social, emitiram parecer maioritariamente favorável à concessão da liberdade condicional ao recorrente.

10. Encontra-se assente na decisão recorrida que o recorrente, durante o período de reclusão, tem mantido conduta adequada e cumpridora, sem registo disciplinar,

11. Avalia de modo critico o seu comportamento, com sinais exteriores de arrependimento e conformação com a execução da pena, características essas que já em sede de julgamento lhe tinham sido reconhecidas.

12. Beneficiou de licença de saída jurisdicional que decorreu sem notícia de anomalias.

13. Conta com o apoio familiar e tem assegurado projeto de colocação laboral.

 14. Sendo que os factos relacionados com a não participação em atividades culturais, inatividade laboral e não incremento da sua formação académica se ficam a dever a fatores que não lhe são a si imputáveis mas ao estabelecimento prisional onde se encontra a cumprir pena.

15. Pelo que, inexistem também razões de prevenção especial que impeçam de ser concedida ao recorrente a liberdade condicional.

DEVE O RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, SER REVOGADA A DECISÃO RECORRIDA E CONSEQUENTEMENTE SER A MESMA SUBSTITUIDA POR OUTRA QUE CONCEDA AO RECORRENTE A LIERDADE CONDICIONAL.

Na resposta apresentada, a Magistrada do Mº Pº conclui:

1- A decisão recorrida mostra-se coerente e fundamentada e, havendo apreciado os respetivos requisitos formais e materiais, recusou, por não verificados os últimos, a colocação do recluso recorrente em adaptação à liberdade condicional.

2- Como resulta da fundamentação dessa decisão, a acrescer às acentuadas exigências de prevenção especial, que tornam inviável um juízo de prognose favorável à libertação condicional, há intensas exigências de prevenção geral, que não permitem compatibilizar a pretensão do recluso, com a defesa da ordem e da paz social.

3- A decisão recorrida não atenta, por isso, contra o disposto no artigo 61 n.º 2, do Código Penal, ou qualquer outro preceito legal; bem pelo contrário, faz correta interpretação e aplicação do disposto nesse normativo, onde estão estabelecidos os pressupostos cumulativos exigidos para a concessão da liberdade condicional pelo cumprimento do meio da pena.

Deve ser julgado improcedente o recurso.

­Nesta Relação, o Ex.mº P.G.A., em parecer emitido sustenta que o recurso não merece provimento.

Foi cumprido o art. 417 nº 2 do CPP.

Foi apresentada resposta onde se reitera tudo o explanado na motivação e conclusões do recurso.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir:


***

     É do seguinte teor o despacho recorrido (no que ao recurso respeita):

     2 - OS FACTOS E O DIREITO

O instituto da liberdade condicional assume "um carácter de última fase de execução da pena a que o delinquente foi condenado e, assim, a natureza jurídica -que ainda hoje continua a ser-lhe predominantemente assinalada - de um incidente (ou de uma medida) de execução da pena privativa de liberdade. O agente, uma vez cumprida parte da pena de prisão a que foi condenado (pelo menos metade em certos casos, dois terços noutros casos) vê recair sobre ele um juízo de prognose favorável sobre o seu comportamento futuro em liberdade, eventualmente condicionado pelo cumprimento de determinadas condições -substancialmente análogas aos deveres e regras de conduta que vimos fazerem parte das penas de substituição da suspensão da execução da prisão e do regime de prova - que lhe são aplicadas.

Foi, desta forma, uma finalidade especifica de prevenção especial positiva ou de socialização que conformou a intenção politico-criminal básica da liberdade condicional desde o seu surgimento" Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Noticias, 1993, pág. 528.

A aplicação da liberdade condicional assenta em vários pressupostos, de natureza formal e material.

São pressupostos de natureza formal de tal instituto os seguintes:

a) O consentimento do condenado (artigo 61, nº 1 do Código Penal (CP);

b) O cumprimento de, pelo menos, seis meses da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas (artigos 61, n° 2 e 63, n° 2, do CP);

c) O cumprimento de 1/2, 2/3 ou 5/6 (em penas superiores a 6 anos) da pena de prisão ou da soma das penas de prisão que se encontram a ser executadas (artigos 61, nºs 2, 3 e 4 e 63, n° 2, do CP).

A liberdade condicional quando referida a 1/2 ou a 2/3 da pena (liberdade condicional facultativa) consiste num poder-dever do tribunal vinculado à verificação de todos os pressupostos formais e materiais estipulados na lei, sendo que estes últimos são em número diferente consoante estejamos perante o final do primeiro ou do segundo dos supra referidos períodos de execução da pena de prisão.

São pressupostos de natureza material da aplicação de tal instituto a 1/2 da pena:

a) O supra referido juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado quando colocado em liberdade (als. a) e b), do artigo 61, do CP), o qual assenta, de forma determinante, numa apreciação sobre a evolução da personalidade do condenado durante o tempo de execução da prisão (juízo atinente à prevenção especial positiva ou de ressocialização);

b) Um juízo de prognose favorável sobre o reflexo da libertação do condenado na sociedade (juízo atinente à prevenção geral positiva), ou seja, sobre o seu impacto nas exigências de ordem e paz social.

Estão aqui bem presentes na liberdade condicional as exigência de prevenção geral e especial a que já aludimos supra, devendo o julgador, para decidir pela concessão da liberdade condicional julgar que o condenado está preparado para se reintegrar na sociedade, sem cometer crimes (artigo 42, n° 1, do CP),

In casu, o recluso A... cumpre a pena única de 8A de prisão, resultante de cúmulo jurídico das respetivas penas parcelares de 5A, de 4A e 6M e de 2A de prisão, ditadas no PCC n° 628/12.6TBOLH - 2° Juízo de Olhão, pela prática, em coautoria material, de dois crimes de tráfico de estupefacientes e, em autoria material, de um crime de corrupção ativa.

O cumprimento do meio da pena única determinada foi atingido em 10 de Novembro de 2012, estando o cumprimento dos dois terços e dos cinco sextos previsto para 10 de Março de 2014 e para 10 de Julho de 2015, respetivamente, alcançando-se o termo do cumprimento integral dessa pena em 10 de Novembro de 2016.

Por decisão de 2 de Outubro de 2012, foi rejeitado pedido de colocação em adaptação à liberdade condicional, formulado pelo recluso.

Decorre agora a instância para apreciação de liberdade condicional, ultrapassado que está o cumprimento do meio da pena.


*

No caso em apreço, tendo em conta o teor dos relatórios da DGRS e dos Serviços de Educação e Ensino, das certidões das decisões proferidas, sendo que não houve produção de prova a requerimento do condenado e que os elementos apurados se fazem através do contacto com os técnicos da SE e DGRS que elaboram os relatórios referidos e que detém o dever funcional de avaliação, considera-se que:

1) O recluso A... cumpre a pena única de 8A de prisão, resultante de cúmulo jurídico das respetivas penas parcelares de 5A, de 4A e 6M e de 2A de prisão, ditadas no PCC nº 628/12.6TBOLH – 2º Juízo de Olhão, pela prática, em coautoria material, de dois crimes de tráfico de estupefacientes e, em autoria material, de um crime de corrupção ativa.

2) O cumprimento do meio da pena única determinada foi atingido em 10 de Novembro de 2012, estando o cumprimento dos dois terços e dos cinco sextos previsto para 10 de Março de 2014 e para 10 de Julho de 2015, respetivamente, alcançando-se o termo do cumprimento integral dessa pena em 10 de Novembro de 2016.

3) O recluso mantém conduta adequada e cumpridora, sem registo disciplinar.

4) Encontra-se laboralmente inativo e não revela motivação para dar continuidade à sua formação académica ou profissional.

5) Não participa em atividades socioculturais e não se encontra inserido em programa específico.

6) Relativamente aos crimes cometidos, assume a prática dos mesmos, avaliando de modo crítico o seu comportamento, exteriorizando sinais de arrependimento e mostrando conformação com a execução da pena.

7) Tem antecedentes criminais.

8) Beneficiou recentemente de licença de saída jurisdicional que decorreu sem notícia de anomalias.

9) Conta com apoio familiar e tem assegurado projeto de colocação laboral.

10) O agregado familiar do recluso transferiu-se, em Novembro de 2008, para Leiria, para zona urbana, em habitação propiciadora "de algum anonimato e fracas relações de vizinhança", evitando o impacto dos crimes nesse meio comunitário, não sendo percetíveis, nessa localidade, manifestações de rejeição ou de hostilidade à presença do ora recluso, como o não foram antes, no decurso do período de execução da medida de coação de obrigação de permanência na habitação.


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Reunidos os factos assentes importa proferir decisão, tendo-se sempre presente que a apreciação feita nestes autos corresponde a uma nova fase processual, a da execução, sendo que a libertação antecipada, ainda que condicionalmente, dependerá do percurso do condenado ao longo da execução, avaliados pelos técnicos que o acompanham sendo que a personalidade do condenado, revelada no facto, poderá constituir, também, um fator a considerar, não no mesmo sentido da condenação mas na perspetiva da personalidade do agente e da sua evolução. Na verdade, não sendo a liberdade condicional um "prémio", não se baseia exclusivamente no bom comportamento prisional ou na existência de apoio no exterior.

Da matéria que foi apurada resulta que o recluso reúne um conjunto de condições favoráveis à sua reintegração social, designadamente bom comportamento institucional, reconhecimento, com autocrítica, dos seus crimes, atitude contrita, apoio familiar e projeto para o futuro.

No entanto, não poderá ignorar-se que o recluso tem antecedentes criminais significativos (praticou dois crimes de falsificação de documento, um crime de fraude para obtenção de subsídio e um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social).

Além disso, os factos praticados pelo recluso assumiram uma acentuada gravidade, sendo as necessidades de prevenção geral, na situação em apreço, muito elevadas.

O recluso participou, em posição de liderança em dois crimes de tráfico de estupefacientes, com dimensão transnacional e praticou ainda um crime de corrupção ativa.

A natureza e a gravidade deste tipo de crimes geram alarme na comunidade -não apenas na comunidade local, onde o agregado do recluso atualmente vive e este não é associado à prática de tais infrações criminais, mas na comunidade em geral.

Assim, na perspetiva do Tribunal, as necessidades de prevenção geral, não permitem, por ora, admitir que a libertação do recluso, pelo cumprimento do meio da pena, seja compatível com a ordem e a paz social, sendo ainda acentuadas as exigências de prevenção especial e geral, também por referência ao percurso de vida do recluso e ao modus operandi demonstrado na execução dos últimos factos pelos quais foi condenado.

3- DECISÃO

Por todo o exposto, em conformidade com as disposições legais supra referidas, decide-se não conceder ao condenado A... a liberdade condicional.


***

            Cumpre decidir:

     A questão a decidir no recurso é a de saber se se verificam, ou não, os pressupostos substanciais (materiais) para a concessão, ao recorrente, da liberdade condicional, na apreciação ao 1/2 da pena.

     O meio da pena ocorreu em 10-11-2012, pelo que até essa data se haviam de verificar os requisitos do art. 61 nº 2 para que a liberdade condicional fosse concedida.

     No que se refere aos requisitos substanciais (em relação ao requisito formal, o mesmo não é colocado em causa): o recluso apenas deve ser colocado em liberdade condicional, como exige o artº 61º nº 2 CP se:

“a)For fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes; e

b)A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem e paz social”.

Os quais foram considerados não verificados, razão porque foi negada a concessão da liberdade condicional ao recluso no meio da pena. Essencialmente em causa o requisito da al. b, entendendo-se, e bem, que a liberdade condicional para o arguido ao meio da pena era geradora de alarme social e não compatível com a ordem e paz social.

Desta disposição, art. 61 nº 2, resulta com clareza que a concessão da liberdade condicional quando se encontrar cumprida metade da pena depende, não só da possibilidade de se formular um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado uma vez restituído à liberdade, mas também do alarde social que a colocação do arguido em liberdade condicional ao meio d apena, atentos os crimes praticados, poderia provocar.

É o próprio recorrente que na motivação refere, “no que respeita a motivos de prevenção geral, não se negando os seus antecedentes criminais e a gravidade dos crimes que praticou, bem como o alarme social que aquele tipo de crimes provoca…” (sublinhado nosso).

E, os antecedentes criminais só são avaliados na medida em que os mesmos consubstanciam os crimes graves cometidos pelo condenado e que são causadores da perturbação da ordem e paz social.

Se o recurso entende que a decisão recorrida assenta quase em exclusivo na não verificação do requisito da al. b), diremos que a motivação do recurso assenta em exclusivo no entendimento de que se verifica o requisito da al. a).

Mas, como se verifica do preceito, os requisitos das als. a) e b) do nº 2 do art. 61, do CP, são cumulativos, não bastando verificar-se um deles.

Basta verificar-se o da al. a), quando requerida a liberdade condicional aos 2/3 do cumprimento da pena.

Ou seja, a concessão da liberdade, verificados os requisitos formais, depende do juízo que se puder fazer quanto à satisfação das finalidades preventivas da pena. Prevenção especial de socialização e prevenção geral de integração.

E, não depende, tão só, do comportamento do arguido. Neste sentido, a Exposição de Motivos da Lei nº 65/98, de 2-09, que alterou o CP: “Definitivamente ultrapassada a sua compreensão como medida de clemência ou de recompensa por boa conduta, a libertação condicional serve, na política do código, um objetivo bem definido: o de criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão.”

Já assim entendia o Prof. Figueiredo Dias in, Direito Penal Português – Parte Geral II, As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 538 e 539, que no juízo de prognose para efeito de liberdade condicional “decisivo deveria ser, na verdade, não o «bom» comportamento prisional «em si» ─ no sentido da obediência aos (e do conformismo com) os regulamentos prisionais ─ mas o comportamento prisional na sua evolução, como índice de (re)socialização e de um futuro comportamento responsável em liberdade”.

E, como se refere no Ac. desta Relação, 8-08-2008, no Proc. 16482/02.3TXLSB-A.C1, “o juiz tem a obrigação de olhar criticamente para essa evolução sem olvidar a necessidade de valoração conjunta com os demais critérios legalmente estabelecidos e supra expostos. Não é qualquer evolução que justifica a libertação condicional e mesmo havendo evolução da personalidade durante a execução da pena de prisão a libertação condicional só se justifica depois de devidamente ponderados os demais critérios legalmente consignados” e, “a existência de alguma evolução da personalidade durante a execução da pena pode não bastar para justificar a libertação condicional se a avaliação das circunstâncias concretas do caso, da vida anterior do agente e da sua personalidade impuserem um juízo de prognose desfavorável” (sublinhado nosso).

Não basta pois, verificar-se o requisito substancial enunciado na referida al. a).

Por outro lado, O que tem de estar fundamentado é a decisão do juiz que concede ou nega a liberdade condicional.

Os demais elementos são apenas pareceres não vinculativos e que serão seguidos ou não, podendo até a decisão ser em sentido contrário desses pareceres. No Ac. desta Relação, citado, se refere que “afirmar que o Tribunal não pode chegar a conclusão diferente ou oposta da que é expressa nos pareceres dos vários técnicos que compõem o Conselho Técnico e do Digno Magistrado do Ministério Público (informações auxiliares do juiz) é esquecer que os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei (art. 203 da Constituição da República Portuguesa)”, por isso se concluiu que, “Os relatórios e pareceres da DGRS, dos Serviços de Educação, do Diretor do Estabelecimento, do Ministério Público e do Conselho Técnico não são vinculativos, constituindo apenas informação auxiliar do juiz. O juiz pode valorar livremente a prova resultante da audição do recluso nos termos do art. 94 nº 2 do Decreto-Lei 783/76” –atualmente art. 176 do CEPMPL.

Há pois que fazer um juízo antecipado devidamente fundado, que permita poder concluir que o arguido, uma vez colocado em liberdade, virá a adotar um comportamento socialmente responsável, sob o ponto de vista criminal que permita antever que de futuro não voltará a cometer crimes e que, essa situação de liberdade, ainda que condicional e eventualmente condicionada (deveres de conduta) se revela compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social.

Ora tratando-se a concessão da liberdade condicional ao arguido ao meio da pena de uma medida excecional, só fortes razões a podem justificar.

Se assim não fosse tal concessão deixaria de ser facultativa e passaria a integrar a modalidade de obrigatória.

Assim, apesar de se verificar uma evolução positiva em relação ao comportamento do arguido, as exigências de prevenção geral não se mostram satisfeitas.

E, só se se verificar este requisito (sendo necessário verificar-se pela positiva) é que incide sobre o tribunal o poder-dever de colocar o condenado em liberdade condicional, um poder-dever ou um poder funcional dependente da verificação dos pressupostos formal e material fixados na lei.

Como se refere no Ac. da Rel. do Porto de 31-10-2012, no processo 3536/10.1TXPRT-H.P1, “Para poder emitir ou formular um tal juízo, como manda a lei, tem o juiz de execução das penas de ponderar o passado do arguido, pois só assim o pode conhecer e avaliar o seu progresso, para o que necessariamente tem de analisar os dados existentes no processo, como os factos que praticou, e essa analise é necessária para conhecer o arguido, tendo bem presente que este arguido foi condenado numa pena e não em metade dela (…), e que a lei apenas lhe concede o beneficio de sair da prisão antes de cumprir a pena, por o merecer e não ter mais necessidade de ali se encontrar: poder ser útil á sociedade, por ser capaz de conduzir a sua vida sem cometer crimes.

Por outro lado não basta, nem a lei exige, a existência de pareceres favoráveis á concessão da liberdade, não apenas porque “I - Os pareceres emitidos pelas entidades competentes não são vinculativos, constituindo, apenas, um importante contributo informativo sobre aspetos relativos às condições pessoais do recluso, à sua personalidade, à evolução durante o período de reclusão, a projetos futuros de vida, etc., que habilita o tribunal a fazer uma avaliação global orientada pelos princípios jurídicos que regem esta matéria.” in Ac. R.P. de 22/9/2010 www.dgsi.pt/jtrp Des, Mª Leonor Esteves, mas porque a avaliação a efetuar é uma avaliação global (e não parcelar como a dos pareceres) e a decisão compete apenas ao juiz e não aos autores dos pareceres”.

E no Ac. da Rel. de Lisboa de 28/10/2009, Proc. nº 3394/06.TXLSB-3, em www.dgsi.pt, “em caso de conflito entre os vetores da prevenção geral e especial, o primado pertence à prevenção geral. No caso de se encontrar cumprida apenas metade da pena, a prevenção geral impõe-se como limite, impedindo a concessão de liberdade condicional quando, não obstante o prognóstico favorável sobre o comportamento futuro do condenado, ainda não estiverem satisfeitas as exigências mínimas de tutela do ordenamento jurídico”, sob pena de se fazer tábua rasa da tutela dos bens jurídicos, se banalizar a prática de crimes (incluindo os de gravidade significativa) e, no fundo, se defraudarem as expectativas da comunidade, criando nos seus membros forte sentimento de insegurança, potenciando a perda de confiança dos cidadãos no próprio Estado como principal regulador da paz social” in ac. R.P.14.07.2010, no Rec. n.º 2318/10.5TXPRT-C.P1, (v., também, em www.dgsi.pt).

Como se refere na decisão recorrida, tendo sido o arguido condenado pela prática, em autoria material, de dois crimes de tráfico de estupefacientes e um crime de corrupção ativa, nas penas de 5ª, 4ª e 6M e 2ª, e m cúmulo jurídico na pena única de 8A de prisão, as necessidades de prevenção geral não permitem admitir a libertação do arguido ao fim de metade da pena, por não ser compatível com a ordem jurídica e paz social.

Seria algo incompreensível para a Comunidade e transmitiria um enfraquecimento da ordem jurídica potenciador de novos delitos e não dissuasor da sua pratica.

E no Ac. desta Rel. de 18-04-2012, no proc. 1404/10.6TXCBR-I.C1 se refere que a não ser que se “verifiquem razões muito ponderosas, que no caso se não postulam, - seria atentatória da necessidade estratégica nacional e internacional de combate a esses tipos de crimes e faria desacreditar as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e não serviria os imperativos de prevenção geral” (em causa crime de homicídio e de trafico de estupefacientes).

Face aos crimes cometidos pelo arguido, tráfico (dois) e corrupção ativa, é manifesto que se mostram acentuadas as exigências de prevenção geral que conferem carácter excecional à libertação antecipada, pelo meio da pena.

E, o Ac. desta Rel. de 12-12-2012, citado na resposta do Mº Pº, no proc. 1354/10.6TXCBR-J.C1, “O requisito da defesa da ordem e da paz social que a libertação não pode colocar em crise não se pode analisar simplesmente na possibilidade da ocorrência de tumultos por força da libertação, devendo antes ter interpretação compaginável com o disposto no artigo 40º, nº 1 do Código Penal. Ou seja, o que deve ser ponderado é se a pena já cumprida protege suficientemente o bem jurídico violado, tendo e conta o facto cometido e a personalidade do agente que o cometeu na sua evolução em face da pena sofrida ou se defraudará as expectativas comunitárias na validade da norma. Trata-se sobretudo de uma paz interior que deve ser avaliada, de uma paz jurídica (no dizer de Figueiredo Dias acima citado) entre o cidadão e o seu sentimento de que a norma violada foi suficientemente defendida através da pena já cumprida”.

Face ao exposto julgam-se improcedentes as conclusões do recurso e, consequentemente, este.

Decisão:

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam no Tribunal da Relação de Coimbra e 4ª Secção Criminal, em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido A..., mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 Ucs.

      

Jorge Dias (Relator)

Brizida Martins