Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1301/09.8TBTNV-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO BEÇA PEREIRA
Descritores: NULIDADE PROCESSUAL
RECLAMAÇÃO
CONTRATO-PROMESSA
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
Data do Acordão: 02/15/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TORRES NOVAS 1º
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 201.º DO CPC E 830.º DO CC
Sumário: I- Sendo cometida alguma nulidade processual, para a sanar, deve, em regra, apresentar-se reclamação, não constituindo, em princípio, o recurso o meio próprio para esse fim.

II- Encontrando-se o promitente vendedor impossibilitado de efectuar a venda prometida, por não estar realizado o destaque da parcela de 48.000 m2 que constitui o objecto do negócio e que se integra num imóvel com uma área total de 58.720 m2, não poderá, igualmente, o tribunal proferir sentença que produza os efeitos da declaração negocial dessa pessoa, o que significa que, independentemente de estarem preenchidos os restantes requisitos, não é possível a execução específica do contrato-promessa.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra


I

Na acção declarativa, com processo ordinário, que corre termos na comarca da Torres Novas, em que é autora L.da e réus B... e C..., foi proferido despacho saneador em que se julgou improcedente o pedido formulado por aquela de execução especifica do contrato-promessa celebrado com estes, prosseguindo a acção tendo em vista a apreciação dos restantes pedidos, para o que se fixaram os factos assentes e elaborou-se a base instrutória.

Inconformada com a decisão que julgou esse pedido improcedente, a autora dela interpôs recurso, que foi recebido como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo, findando a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:

1.ª O despacho recorrido violou frontalmente o disposto nos arts. 3.º, 264.º, 265.º, 513.º e 513.º do CPC, pois admitiu e atribuiu relevância probatória aos documentos de fls. 167 a 170 e 173 a 180 dos autos, decidindo do mérito do pedido de execução específica com base nos referidos documentos, sem possibilitar nem permitir que a ora recorrente se pronunciasse sobre os referidos documentos e/ou apresentasse qualquer contra-prova - cfr. texto n.os 1 a 3;

2.ª O douto despacho em análise violou claramente o princípio do contraditório (v. arts. 3.º e 517.º do CPC), o direito de acesso aos Tribunais da ora recorrente, bem como o princípio da proibição de indefesa (v. art. 20.º da CRP) – cfr. texto n.os 3 a 5;

3.ª O despacho saneador em análise julgou improcedente o pedido de execução específica do contrato oportunamente deduzido pela recorrente, "independentemente de se entrar na questão do incumprimento, por parte dos Réus", com base nos Docs. de fls. 167 e segs. dos autos e sem aguardar o decurso do prazo para a ora recorrente se pronunciar acerca do teor dos referidos documentos e oferecer contra-prova (v. arts. 3.º e 517.º do CPC) - cfr. texto n.os 6 e 7;

4.ª O despacho recorrido, de 2010.07.22, não podia conhecer imediatamente do mérito do pedido de execução específica, pois o estado do processo não o permitia, sendo necessária a instrução do processo e a consequente produção de prova, por subsistirem factos controvertidos e relevantes para a decisão da causa, segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito (v. art. 510.º/1/b) do CPC);

5.ª Pelo contrato-promessa sub judice os recorridos obrigaram-se especificadamente a proceder ao destaque da parcela de 48.000 m2 prometida vender à recorrente que, mesmo considerando-se a prova que consta dos autos, apenas não terá sido possível porque o requerimento do recorrido, de 2009.03.31, não estava minimamente fundamentado e apresentava diversos erros e inexactidões que levaram a Câmara Municipal de .... a classificar a respectiva pretensão de "processo de licenciamento de obras particulares n.º 404/09" (v. fls. 168 dos autos) - cfr. texto n.º 9;

6.ª O destaque da parcela em causa era possível e admissível (v. arts. 2.º, 4.º e 6.º do RJUE e Portaria 202/70, de 21 de Abril), está isento de licença (v. art. 6.º/1/j), 4 e 5 do RJUE, alterado pela Lei 60/2007, de 4 de Setembro) e não constitui uma operação de loteamento, pelo que nunca poderia ser indeferido nos termos do art. 20.º/1 do DL 166/08, de 22 de Agosto, e do art. 24.º/1/a) do RJUE- cfr. texto n.º 10;

7.ª Os ora recorridos não procederam de boa fé nem assumiram, como era sua obrigação, todas as posições necessárias à concretização da venda prometida pois, além dos erros e inexactidões do pedido de destaque, que lhes são exclusivamente imputáveis, requereram a anexação dos prédios n.os ....e .... após a celebração do contrato, não solicitaram o reconhecimento do deferimento tácito do pedido de destaque, nem impugnaram administrativa e/ou contenciosamente a decisão de indeferimento da CMTN (v. arts. 334.º e 762.º do C. Civil; cfr. arts. 69.º/1, 111.º/c), 114.º e 115.º do RJUE e arts. 51.º e segs. e 58.º e segs. do CPTA) - cfr. texto n.º 10;

8.ª O despacho recorrido violou assim frontalmente o disposto no art. 510.º/1/b) do CPC, pois era e é manifesta a necessidade de produção de prova relativamente, além do mais, ao alcance, sentido e admissibilidade dos documentos de fls. 167 e segs. dos autos, ao incumprimento contratual dos recorridos, que originou o indeferimento do requerimento, de 2009.03.31, e à admissibilidade do destaque em causa - cfr. texto n.os 6 a 11.

Termina pedindo que seja dado provimento ao presente recurso, revogando-se o douto despacho recorrido, com as legais consequências.

Os réus contra-alegaram, defendendo a manutenção da decisão recorrido.

Face ao disposto nos artigos 684.º n.º 3 e 685.º-A n.os 1 e 3 do Código de Processo Civil[1], as conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir consiste em saber se o processo já reúne os elementos necessários para que, no despacho saneador, se possa julgar improcedente o pedido da autora de execução específica do contrato promessas, tendo que, previamente, se apurar se, antes da decisão recorrida se cometeu alguma nulidade, que cumpra conhecer, por, então, se não ter respeitado o princípio do contraditório.


II

1.º


A autora considera que o despacho recorrido violou frontalmente o disposto nos arts. 3.º, 264.º, 265.º, 513.º e 513.º do CPC, isto porque atribuiu relevância probatória aos documentos de fls. 167 a 170 e 173 a 180 dos autos, decidindo do mérito do pedido de execução específica com base nos referidos documentos, sem possibilitar nem permitir que a ora recorrente se pronunciasse sobre os referidos documentos e/ou apresentasse qualquer contra-prova[2].

O n.º 1 do artigo 201.º estabelece o princípio de que a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.

Então, se as coisas se processaram como a autora as descreve, estamos na presença de uma nulidade processual, pois, para além da regra geral em matéria de contraditório contida no n.º 3 do artigo 3.º, o n.º 1 do artigo 517.º é absolutamente claro quando determina que, salvo disposição em contrário, as provas não serão admitidas nem produzidas sem audiência contraditória da parte a quem hajam de ser opostas.

Neste contexto, não há dúvida de que não se pode valorar quaisquer documentos juntos aos autos, sem que aquele ou aqueles que os não juntaram tenham a oportunidade de se pronunciarem quanto a eles. E, se não se conceder essa possibilidade para a parte se pronunciar, omite-se um acto que a lei processual prescreve, o mesmo é dizer que se comete uma nulidade.

Ora, o artigo 202.º dispõe que das nulidades mencionadas nos artigos 193.º e l94.º, na segunda parte do n.º 2 do artigo 198.º e nos artigos 199.º e 200.º pode o tribunal conhecer oficiosamente, a não ser que devam considerar-se sanadas. Das restantes só pode conhecer sobre reclamação dos interessados, salvos os casos especiais em que a lei permite o conhecimento oficioso.

Percebe-se, assim, o famoso postulado de que dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se. Na verdade, face a uma nulidade processual o interessado tem que contra ela reclamar[3] e a reclamação é apresentada e julgada[4] no tribunal perante o qual a nulidade ocorreu, ou o tribunal a que a causa estava afecta no momento em que a nulidade se cometeu[5].

As nulidades processuais que não se reconduzam a alguma das nulidades previstas no art. 668.º, als. b) a e), estão sujeitas a um regime de arguição ou preclusão que não é compatível com a sua invocação apenas no recurso da decisão final. A impugnação que neste recurso eventualmente se possa enxertar deve restringir-se à decisões que tenham sido proferidas sobre reclamações oportunamente deduzidas com base na omissão de certo acto, da prática de outro que a lei não admita ou da prática irregular de acto que a lei previa[6].

Deste modo, se a autora entende que a decisão recorrida está afectada por uma nulidade ocorrida imediatamente antes, tem que dela reclamar no tribunal a quo e, julgada essa questão, se discordar da respectiva decisão poderá, então, questioná-la em sede de recurso[7]. Se, uma vez arguida a nulidade, for depois reconhecida razão à autora, anular-se-á o processado que, à luz do disposto no n.º 2 do artigo 201.º, se encontre por ela contaminado. Nesse cenário teria, pois, que se apurar se o despacho recorrido está inquinado. E, concluindo-se que sim, ele seria anulado.

Ora, acontece que, ainda antes da interposição do presente recurso, a autora arguiu[8] no processo esta nulidade e, entretanto, já foi proferido despacho sobre tal questão, onde se decidiu indeferir a arguição de nulidade invocada pela A.[9].

Nestes termos, não tem cabimento neste recurso saber se a decisão recorrida foi antecedida por alguma nulidade[10], que, a existir, a afecte.


2.º

Foram considerados provados os seguintes factos:

1- Em 7 de Outubro de 2008, foi assinado um documento escrito, intitulado "Contrato-promessa de compra e venda", por B... e C, na qualidade de primeiros outorgantes, e de A..., Lda., na qualidade de segunda outorgante;

2- Consta da cláusula 1.ª do referido contrato que «Os primeiros outorgantes são donos e legítimos possuidores do prédio rústico sito em ..., freguesia de ...., Concelho de ...., inscrito na matriz cadastral pelo artigo ...., Secção I, da freguesia de ...., com a área de 58.720,00 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de .... sob o n.º .... e inscrito a favor dos primeiros outorgantes. Deste prédio rústico consta uma parcela, urbana, correspondente à casa de habitação dos 1.os outorgantes, nele implantada

3- Da cláusula 2.ª do aludido contrato consta que «Pelo presente contrato, os primeiros outorgantes prometem vender à segunda outorgante, ou a quem esta indicar, e esta promete comprar, uma parte do prédio rústico acima identificado, com a área de 48.000,00 m2, a destacar do todo, a qual confrontará de Norte com Herdeiros de ...., de Sul com Estrada, Nascente .... e .... e Poente com B... e ....»;

4- Consta da cláusula 3.ª, por seu turno, que «Esta venda é feita pelo valor de € 465.000,00 (quatrocentos sessenta e cinco mil euros), cujo pagamento será efectuado da seguinte forma:

1- Com a assinatura do presente contrato a quantia de € 30.000,00 como sinal e início de pagamento;

2- O valor remanescente de € 435.000,00 será entregue aos 1.os outorgantes promitentes vendedores, no acto da escritura através de cheque visado»;

5- Na cláusula 4:ª escreveu-se que «1- A escritura de compra e venda será celebrada logo que se encontre pronta toda a documentação necessária para o efeito, e dentro de um prazo máximo de doze meses sobre a presente data. 2- Os 1.os outorgantes obrigam-se a comunicar à 2.ª outorgante, através de carta registada com aviso de recepção, com a antecedência mínima de 15 dias a data e Cartório para celebração da escritura»;

6- Da cláusula 6.a consta que «Os 1.os Outorgantes permitem que a 2.ª outorgante entre de imediato na posse da parte do prédio objecto do presente contrato, não lhe sendo permitido proceder a obras ou benfeitorias até à outorga do contrato definitivo, com excepção da permissão para vedar com rede a parcela objecto do presente contrato.»;

7- Consta da cláusula 7.ªque «Na impossibilidade de se proceder à venda da parte do prédio nos termos constantes do presente contrato, por motivos legais, totalmente alheios à vontade dos promitentes vendedores, haverá a promitente compradora a restituição do sinal ora prestado a título de início do pagamento, em singelo, cessando a sua posse da parcela, a devolver aos proprietários de imediato»;

8- Na cláusula 8.a diz-se que «Convencionaram as partes outorgantes sem prejuízo de existência de sinal, a possibilidade de recurso à execução especifica nos termos do artigo 830.º do Código Civil»:

9- Em 2 de Outubro de 2009, foi assinado um documento escrito, intitulado "Adenda ao Contrato-promessa de 07.10.2008 (Acordo de Prorrogação de prazo de contrato-promessa de compra e venda)", por B... e C e A..., Lda;

10- Do acordo referido em 9) consta, designadamente, que as partes decidem «prorrogando o prazo limite para celebração de escritura, estabelecido na cláusula quarta do referido contrato, até ao dia 19 de Outubro de 2009»;

11- Por carta expedida pelos Réus à Autora, por via de correio registado, em 19-10-2009, por esta recebida, foi comunicado que:

«Constatamos que se mantêm à presente data, os impedimentos à divisão do prédio rústico sito em ...., objecto de contrato-promessa de compra e venda, entre nós outorgado em 07 de Outubro de 2008.

Confirmada junto dos Serviços do Instituto Geográfico Cadastral em Santarém, a impossibilidade de proceder à divisão cadastral do prédio em duas parcelas, nos termos definidos no contrato, face ao seu enquadramento em reserva ecológica, requereu-se junto da Câmara Municipal de ...., certidão de destaque da parcela, de forma a autonomizar a parcela urbana com a área de 10.720 m2 e permitir a venda, nos termos acordados com V Exas. do remanescente rústico de 48.000 m2. A operação de destaque foi indeferida por deliberação camarária de 25.05.2009, com o mesmo fundamento de que o terreno se encontra todo qualificado como Reserva Ecológica Nacional, não permitindo intervenções urbanísticas públicas ou privadas. (...)

Assim, vimos pela presente proceder à resolução do contrato-promessa de compra e venda outorgado em 07 de Outubro de 2008, sobre parte do prédio rústico sito em...., inscrito na matriz da freguesia de .... pelo artigo .... sec. I, nos termos constantes da cláusula sétima do referido contrato-promessa (...), dando sem efeito os seus termos, por impedimento legal.

Vamos ainda proceder de imediato à restituição à promitente compradora do sinal recebido com a assinatura do contrato-promessa, a título de início de pagamento, no montante de € 30.000,00.

A fim de evitar risco de extravio do cheque, será o mesmo entregue no escritório do ilustre mandatário de Vª. Exas. dr.R ...., em ...., amanhã dia 20.10»

12-No âmbito do processo de licenciamento de obras particulares n.º 404/09, organizado a requerimento de B... para destaque de uma parcela de terreno, em.... - ...., consta deliberação, na qual se escreveu que o requerimento foi «acompanhado da informação do DAU/DGU n.º 206/MF/09, que se transcreve:

«Analisado o processo com base na legislação em vigor, verifica-se tratar-­se do pedido de destaque de parcela de um prédio rústico, sito na freguesia da ...., prédio com 58.720 m2.

De acordo com as cartas de ordenamento do PDM, o terreno se encontra abrangido totalmente pela Reserva Ecológica Nacional, sujeito ao regime jurídico do DL 166/08, de 22 de Agosto e do domínio hídrico no âmbito do DL 226-A/2007 de 21 de Março.

Portanto, nos termos do n.º 1 do artigo 20.º do DL 166/08, nas áreas incluídas na REN são interditas acções urbanísticas de iniciativa pública ou privada.

Como a intervenção também não se enquadra nas acções de carácter excepcional previstos pelos n.os 2 e 3 do mesmo articulado acima citado, a pretensão é merecedora de indeferimento nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 24.º do RJUE na nova redacção da Lei n.º 60/07, de 04 de Setembro.

Para além deste aspecto é ainda de se referir que o número do artigo matricial descrito na certidão da conservatória não corresponde ao artigo matricial referido na memória descritiva e justificativa, muito embora coincida com a localização."

Após análise, a Câmara deliberou, por unanimidade (cinco votos), indeferir a operação de destaque em questão, com os fundamentos constantes da informação dos serviços.»;

13- O prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia da ...., concelho de .... com o n.º ...., sito na...., encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de .... - ...., com o n.º ..../19890816, tendo sido anotada a inutilização da descrição, através da apresentação n.º .... de 2009/03/06, por anexação ao prédio n.º ..../20060518;

14- O prédio referido em 13) encontrava-se inscrito, através da apresentação n.º ... de 16-08-1989, em nome de B... e C;

15- O prédio rústico inscrito na matriz predial da freguesia da ...., concelho de .... com o n.º 5, Secção I sito na...., encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de .... - ...., com o n.º ..../20060518, tendo sido anotada a inutilização da descrição, através da apresentação n.º .... de 2009/03/06, por anexação do prédio n.º ..../19890816, que deu origem ao prédio ..../20090306;

16- O prédio referido em 15) encontrava-se inscrito, através da apresentação n.º .... de 18-05-2006, em nome de B..., casado com C no regime de comunhão geral, por motivo de divisão por usucapião;

17-Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de .... freguesia da ...., com o n.º ..../20090306, o prédio misto sito na...., composto de Horta, olival, cultura arvense solo subjacente, mato e casa de rés­-do-chão para habitação e barracão para arrumas, resultante da anexação dos prédios n.os ..../19890816 e ..../20060518, inscritos na matriz com sob os artigos .... (urbano) e 5-I (rústico), da freguesia da ....:

18- A aquisição do prédio descrito em 17) encontra-se inscrita, através da apresentação n.º .... de 16-08-1989, em nome de B... e C e através da apresentação n.º .... de 18-05-2006, em nome de B... casado com C;


3.º

Desta matéria de facto resulta que os réus prometeram vender à autora, que por sua vez lhes prometeu comprar, uma parte do prédio rústico (…) com a área de 48.000,00 m2 a destacar do todo do imóvel que identificam, que tem a área total de 58.720 m2, pelo preço de 465.000 €[11].

É, assim, certo que as partes, como elas próprias reconhecem, celebraram um contrato-promessa, pois, nos termos do disposto no artigo 410.º n.º 1 do Código Civil, este consiste na convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato.

Na decisão recorrida afirmou-se que:

Face ao incumprimento contratual definitivo, o promitente contraente não faltoso pode recorrer à execução específica do contrato, ao abrigo do artigo 830.º do CC.

«A chamada execução especifica é, no plano funcional, a mesma coisa que a acção de cumprimento: apenas esta se dirige à condenação do devedor no adimplemento da prestação, enquanto aquela produz imediatamente os efeitos da declaração negocial de faltoso, ou seja, o credor obtém o que poderemos chamar cumprimento funcional, isto é, o resultado prático de cumprimento, independentemente e mesmo contra a vontade do promitente faltoso, em via imediata e sem ter de recorrer à sentença de condenação, nem obviamente, ao processo executivo» - neste sentido, Calvão da Silva[12].

Não obstante, e conforme escreveram Pires de Lima e Antunes Varela[13] «Aos requisitos já referidos, para a procedência da execução especifica, é de acrescentar ainda o de o contrato prometido ser possível. Se, por ex., um proprietário se compromete a arrendar um prédio, e ele está arrendado a outrem, se alguém se obriga a vender coisa pertencente a terceiro, e o promitente-vendedor não consegue a propriedade dela, etc., o tribunal não pode intervir, substituindo-se à parte, porque, nestes casos, nem a parte poderia realizar o negócio».

Sendo impossível a prestação do promitente faltoso a contemplar no contrato definitivo, inviável se mostra a sua celebração, sob pena de nulidade (art. 280.º, n.º 1 do CC).

Ora, face à factualidade que já conta dos autos, temos que a Câmara Municipal de .... indeferiu o pedido de destaque da parcela prometida vender.

Assim, neste momento, não seria possível ao Tribunal substituir-se a um dos promitentes e proferir sentença que produzisse efeitos da declaração do faltoso simplesmente porque o próprio faltoso não poderia, face ao indeferimento do destaque, que redunda na falta de autonomia da parcela que se pretende vender/adquirir, enquanto unidade predial passível de ser objecto de negócios jurídicos.

O objecto da declaração a proferir é, pois, impossível, não podendo o pedido efectuado proceder, nos sobreditos termos, independentemente de se entrar na questão do incumprimento, por parte dos Réus, ser ou não culposo.

Tanto basta para se concluir que a Autora não pode prevalecer-se da execução específica do contrato-promessa e obter sentença que fizesse proceder o seu pedido.

Com efeito, está precludido o recurso ao artigo 830.º (do Código Civil) sempre que, por impossibilidade física ou legal, esteja impedido inelutavelmente o cumprimento espontâneo. A lei não refere este aspecto, nem tem de o fazer, evidente como é que, seja qual for a obrigação, se está impossibilitado o respectivo cumprimento voluntário, do mesmo modo impedida se encontra a realização coactiva da prestação[14].

Como já se disse, o que os réus se obrigaram a vender à autora foi (somente) uma parte de um prédio rústico, não a sua totalidade; a área da parcela a vender é de 48.000 m2, tendo o imóvel onde ela se integra uma área total de 58.720 m2. É por isso que na cláusula 2.ª se faz alusão à necessidade de se destacar do todo a parte objecto do negócio. E, tendo presente o disposto nos artigos 54.º, 57.º e 58.º, do Código do Notariado, esse destaque é, de facto, uma condição necessária para a realização da venda daquilo que hoje ainda constitui uma parte de um só prédio; os 48.000 m2 que a autora pretende comprar têm que se transformar numa unidade, visto que não podem ser vendidos enquanto que constituírem uma parcela de uma realidade maior, de 58.720 m2.

Ora, a relação obrigacional comporta, muitas vezes, funcionalmente conexos com o dever da prestação principal e dele instrumentais, deveres acessórios deste, destinados a preparar a respectiva execução ou a assegurar a sua integral realização[15]. Nessa medida, recai sobre os réus, na sua qualidade de proprietários do prédio, o dever acessório de realizar as diligências tendentes a obter o destaque dos 48.000 m2 que se pretende vender, sendo certo que, pelo que já se disse, sem esse destaque a venda não se pode efectuar.

Está assente o facto objectivo de que o destaque ainda não se concretizou, o que acarreta a impossibilidade de os réus (mesmo que queiram) venderem à autora os 48.000 m2. E se, face a este circunstancialismo, aqueles não podem vender, não poderá, igualmente, o tribunal proferir sentença que produza os efeitos da declaração negocial dos réus, o mesmo é dizer que, conforme decidiu a Meritíssima Juíza, independentemente de estarem preenchidos os restantes requisitos, o obstáculo existente é, por si, só suficiente para que não seja possível a execução específica do contrato-promessa[16].

Portanto, para a improcedência deste pedido, não é relevante conhecer os motivos por que os réus não obtiveram o destaque dos 48.000 m2; para esse efeito não importa saber se há culpa por parte dos réus por não terem formulado devidamente o pedido que dirigiram à entidade competente[17] ou porque, podendo, não atacaram judicialmente a decisão que indeferiu essa pretensão ou por qualquer outro motivo.

As razões por que o destaque não se concretizou interessam, sim (e apenas), para se determinar se os réus devem responder por algum dano que daí possa ter resultado para a autora e para saber se há da parte deles mora ou incumprimento de alguma das obrigações que assumiram, dado que a inviabilidade da tutela específica não prejudica evidentemente o direito de indemnização do credor que a este caiba por culpa in contrahendo ou incumprimento obrigacional, se estiverem preenchidos os pressupostos de uma ou de outra dessas responsabilidades[18].

Aqui chegados, conclui-se que, perante os factos que já estão assentes e os fundamentos de direito acima expostos, não é possível a execução específica do contrato-promessa.

Então, dispondo o artigo 510.º n.º 1 b) que findos os articulados (…) o juiz profere (…) despacho saneador destinado a conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidas deduzidos, não há dúvidas de que, tal como considerou a Meritíssima Juíza, estão reunidas as condições necessárias para que, como sucedeu, se julgue improcedente o pedido da autora relativo à execução específica.


III

Com fundamento no atrás exposto, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.

Custas pela autora.


António Beça Pereira (Relator)
Nunes Ribeiro
Hélder Almeida


[1] São do Código de Processo Civil todos os artigos adiante mencionados sem qualquer outra referência.
[2] Cfr. conclusão 1.ª.
[3] Há algumas excepções como é, por exemplo, a prevista na parte final do n.º 4 do artigo 668.º do Código de Processo Civil.
[4] Também aqui há excepções, nomeadamente no caso das nulidades mencionadas no n.º 2 do artigo 204.º do Código de Processo Civil.
[5] Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. II, 1945, pág. 513. Isso também resulta do artigo 205.º.
[6] Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil Novo Regime, pág. 187.
[7] Neste sentido veja-se os Ac. da Rel. Lisboa de 19-2-2009 e 25-3-2010 nos Proc., respectivamente, 169/2002.L1-1 e 594/2002.L1-6, em www.gde.mj.pt.
[8] Cfr. folhas 121 a 123.
[9] Cfr. folhas 181 a 183.
[10] Importa referir que a nulidade que a autora diz ter havido não é nenhuma das mencionadas na primeira metade do artigo 202.º, o que significa que não é de conhecimento oficioso.
[11] Cfr. cláusulas 1.ª, 2.ª e 3.ª do contrato.
[12] Cfr. Sinal e Contrato Promessa, Coimbra Editora, pág. 97.
[13] Cfr. Código Civil Anotado, Vol. II, Coimbra Editora, 4.ª edição, 1997, pág. 107 e ss.
[14] Ana Prata, O Contrato-Promessa e Seu Regime Civil, 2.ª Reimpressão, pág. 935 e 936.
[15] Ana Prata, Dicionário Jurídico, Vol. I, 5.ª Edição, pág. 487. No mesmo sentido veja-se Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7.ª Edição, pág. 17.
[16] Neste sentido veja-se Ac. Rel. Porto de 24-10-2006 no Proc. 0623772 em www.gde.mj.pt e Gravato Morais, Contrato-Promessa em Geral Contratos-Promessa em Especial, pág. 112 e 123.
[17] Nesta parte a autora, como bem salientam os réus nas contra-alegações, alega em sede de recurso um conjunto de factos que não alegou nos seus articulados, nomeadamente na réplica. Na verdade, tendo os réus referido nos artigos 22.º a 29.º da sua contestação que a Câmara Municipal de .... indeferiu o pedido que tinham apresentado para o destaque dos 48.000 m2 e junto, como documento n.º 2, cópia do requerimento que apresentaram para esse efeito, a autora, na réplica, reportando-se a esse requerimento, faz uma alusão genérica e vaga a erros e inexactidões, a falta de fundamentação, dizendo também que os elementos apresentados foram tecnicamente mal elaborados e que a deliberação da Câmara Municipal de .... violou diversas disposições legais (artigos 15.º a 17.º da réplica). Neste capítulo a autora só alegou, como factos concretos, o que se encontra nos artigos 12.º a 14.º e 18.º da réplica, que é bem menos do que agora consta nas alegações de recurso. Naturalmente que os factos que não foram alegados no local próprio, os articulados (artigo 151.º n.º 1), não podem ser considerados.
[18] Ana Prata, O Contrato-Promessa e Seu Regime Civil, 2.ª Reimpressão, pág. 936.