Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3078/17.4T8ACB.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: DECISÃO DE FACTO
SUA ALTERAÇÃO PELA RELAÇÃO
Data do Acordão: 09/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – JUÍZO LOCAL CÍVEL DE ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 662º, Nº 1 DO NCPC.
Sumário: 1. A Relação poderá/deverá alterar a decisão de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (art.º 662º, n.º 1 do CPC).

2. Todas as espécies de prova têm como finalidade única formar a convicção do juiz a respeito dos factos que interessam à solução do litígio.

3. A prova documental é uma prova real que põe o juiz em presença dum objeto material que lhe representa o facto a averiguar.

4. Questionando-se, nomeadamente, a existência e o pagamento de despesas médicas e hospitalares relacionadas com uma cirurgia, tendo o Réu impugnado a correspondente listagem (rol) de faturas e o seu pagamento, impõe-se juntar aos autos tais faturas (discriminando as despesas) e comprovar o seu pagamento, sendo claramente insuficiente a simples menção da sua existência, em audiência de julgamento, por profissional de seguros, funcionário da Seguradora A., gestor na área de reembolsos de sinistros, que, referenciando o “n.º do sinistro interno”, se limita a corroborar/ler o que consta daquela listagem e concretiza/discrimina as despesas considerando elementos/documentos que a A. recusou ou não se dignou juntar aos autos.

5. Sendo de admitir que, antes do pagamento às entidades prestadoras desses serviços e cuidados de saúde, os serviços administrativos e financeiros da A. possam ter analisado e verificado detidamente toda a documentação em causa, tal não exime o Tribunal de igual ou superior grau de exigência na análise e ponderação da realidade, e, obviamente, de observar e fazer cumprir o contraditório (art.º 3º, n.ºs 1 e 3 do CPC).

Decisão Texto Integral:




            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:         

I. Em 19.12.2017, S..., S. A. intentou a presente ação declarativa comum contra M..., pedindo que seja condenado a pagar-lhe a quantia de €32.777,66, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento.

Alegou, em síntese, que o Réu deu causa ao acidente de viação de 20.11.2013 descrito na petição inicial (p. i.) e que de acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 27º do DL n.º 291/2007, de 21.8, a A. goza de direito de regresso contra aquele no montante peticionado, liquidado pelos danos sofridos pelo sinistrado C... em consequência do referido evento.

Aludindo a “extractos” discriminativos de valores, datas e recebedores, juntos a fls. 20 a 25 da p. i., pediu, ainda, “prazo não inferior a 30 dias para vir juntar aos autos os respectivos documentos de suporte[1]” (art.º 30º da p. i.).

O Réu contestou, invocando a exceção de prescrição do direito de regresso da A. quanto à totalidade dos valores pagos, por entre o pagamento e a citação para a presente acção terem decorrido mais de 3 anos (art.º 498º, n.º 2 do Código Civil/CC), e impugnou os factos articulados pela A., inclusive, quanto aos ferimentos sofridos pelo passageiro/sinistrado – C... - e custos suportados pela A..

A A. respondeu, concluindo pela improcedência da matéria de exceção e como na p. i..

Porque os “documentos de suporte” mencionados no art.º 30º da p. i. não constavam dos autos, foi a A. notificada para os juntar - despachos de 29.6.2018, 20.9.2018 e 26.10.2018, neste, com a advertência contida no art.º 417º, n.º 2 do Código de Processo Civil/CPC (cf. fls. 75, 80 e 81).

Na sequência dos referidos despachos, a A. não juntou quaisquer documentos e nada disse.

Considerando, nomeadamente, que “tal omissão” apenas prejudicava “a posição processual da A., devendo as consequências processuais ser retiradas em termos probatórios”, a Mm.ª Juíza a quo, por saneador-sentença, julgou procedente a exceção da prescrição do direito de regresso da A. contra o Réu, absolvendo-o do pedido.

Inconformada com o decidido, a A. interpôs recurso para a Relação de Coimbra, que veio a ser julgado procedente, determinando-se o prosseguimento dos autos.

Foi proferido despacho saneador, que firmou o objeto do litígio e enunciou os temas de prova.

 Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal a quo, por sentença de 20.10.2020, julgou a ação parcialmente procedente, condenando o Réu a pagar à A. a quantia de €5.367,17, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4 %, desde a citação até integral pagamento; julgou parcialmente procedente a excepção peremptória de prescrição, absolvendo o Réu do pedido de condenação no pagamento da quantia de €24.985,50 (€21.104,40 + €3.881,10); absolveu o Réu do demais peticionado.

Inconformado, o Réu apelou formulando as seguintes conclusões:

...

9ª - A sentença padece de vício de contradição na factualidade dada como provada, pois o ponto 14.3) contém valores todos eles prescritos por inoperância da A. e a decisão de direito que veio a ser proferida deveria ter levado isso em consideração, pelo que deverá ser revogada e substituída por decisão que absolva o Ré.

A A./recorrida respondeu e interpôs recurso subordinado, concluindo:

...

e) E, deste modo, ser revogada a sentença, condenando o Réu também no pagamento das referidas quantias, a acrescer ao montante de €5.367,17.

            Rematou pugnando pela improcedência do recurso principal/independente e a procedência do recurso subordinado.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objeto dos recursos, importa apreciar e decidir: a) impugnação da decisão sobre a matéria de facto (erro na apreciação da prova); b) decisão de mérito (direito de regresso e eventual verificação da excepção de prescrição - tudo, dependente da eventual alteração da decisão de facto).

            II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

...

            2. E deu como não provado:

...

3. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

No acórdão de 22.10.2019 (fls. 109), proferido pelo mesmo coletivo, foi analisado e ponderado:

- A A. não comprovou o que decorre do “extracto/resumo documental” de fls. 20, 22 e 24 (ainda que aí mencionados, nomeadamente, o n.º do sinistro, as datas dos - pretensos - pagamentos/recebimentos, os valores em causa e os respectivos destinatários/beneficiários), o que terá desencadeado o subsequente processado e o saneador-sentença de fls. 88.

- No dito “extracto”, no período compreendido entre 22.4.2015 e 31.5.2017, em dez ocasiões, indicam-se pagamentos ao sinistrado e/ou a entidades prestadoras de serviços de saúde, de transporte ou de outros serviços relacionados com a recuperação/reparação.

- Se a descrita acção omissiva da A. era incompreensível, censurável e passível de adequada sanção, todavia, perspectivando-se a apreciação e a decisão de uma excepção peremptória / art.º 498º, n.ºs 1 e 2 do CC, sempre se poderia considerar que ainda lhe era “lícito” juntar a pertinente prova documental até 20 dias antes da data da audiência final, sem prejuízo da eventual aplicação de adequada sanção tributária (art.º 423º, n.º 2 do Código de Processo Civil/CPC).

- O estado do processo não permitia conhecer imediatamente do mérito.

4. a) O Réu/recorrente, visando a plena afirmação das consequências do decurso do invocado prazo prescricional (previsto no n.º 2 do art.º 498º do CC),  insurge-se contra a seguinte factualidade dada como provada: «Pagamentos de tratamentos médicos, consultas e despesas hospitalares (n.º sinistro interno 6664206), na soma global de € 5 367,17: (…) -  € 4 821,53 (€ 146,25 + € 2 492,97 + € 52 + € 963,15 + € 213,64 + € 128,25 + € 825,27), a Hospital da Luz, S. A., referente a atos médicos relacionados com a cirurgia para tratamento da fractura da coluna, incluindo honorários de cirurgião e equipa médica, «piso de sala», e outros, pago a 22/4/2015. (fls. 226 e ss e 139 e ss).»

Concluiu que a referida matéria devia ser dada como não provada, “pois não existem nos autos quaisquer documentos probatórios que permitam concluir com segurança que, se referem ao sinistro em causa”, sendo que a testemunha da A., C..., explicou “o teor dos extratos juntos aos autos, como doc. 18, 19 e 20, entre outros, com documentos que só o mesmo tem em seu poder, nunca foram entregues nos autos, nem estiveram na disposição das partes, para sobre os mesmos se pronunciarem”.

b) Sem quebra do respeito sempre devido por entendimento contrário, afigura-se que a prova documental junta aos autos, conjugada com o dito depoimento, não permite, com suficiente segurança e no respeito pelas regras probatórias, dar como provada a matéria em causa, objecto da presente impugnação, como se explicitará de seguida.

5. As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos (art.º 341º do CC).

Prova documental é a que resulta de documento; diz-se documento qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto (art.º 362º do CC).

Essencial à noção de documento é a função representativa ou reconstitutiva do objecto.[2]

Todas as espécies de prova têm como finalidade única formar a convicção do juiz a respeito de determinados factos (os que interessam à solução do litígio); a prova documental é uma prova real que põe o juiz em presença dum objecto material que lhe representa o facto a averiguar, é a prova mediante um objecto material destinado a dar ao juiz a representação dum facto.[3]

A distinção entre o documento e a declaração (que o documento representa) serve para esclarecer a eficácia probatória do documento narrativo, que constitui sempre prova indirecta do facto narrado - assim, por exemplo, o recibo (documento) que o credor passa ao devedor não prova directamente o pagamento, só prova que o credor escreveu ou mandou escrever a declaração; esta é que, por sua vez, prova o pagamento.[4]

O devedor (ou o terceiro) que cumpre tem sempre direito de exigir quitação ou recibo, documento particular no qual o credor declara ter recebido a prestação (art.º 787º do CC) - supõe, portanto, a indicação do crédito, a menção da pessoa que cumpre, a data do cumprimento e a assinatura do credor.[5] [6]

6. De entre os “temas da prova” elencados a fls. 120 e seguinte, os últimos respeitavam às seguintes matérias: “Valores pagos pela A. para regularização dos danos emergentes do sinistro, referentes a tratamentos médicos, deslocações, consultas, despesas hospitalares, honorários e indemnização ao lesado, no montante global de € 32 777,66” e “Data da realização desses pagamentos”.

 O Réu impugnou o teor dos documentos juntos a fls. 136 e seguintes, dizendo que “não se mostram adequados a fazer a prova nos autos, por se tratar de documento genérico de pagamentos efectuados”, em Março de 2015, “sem qualquer documento de suporte” (fls. 164 e seguinte); e a Mm.ª Juíza a quo salientou que “os mesmos não constituirão os «documentos de suporte» a que alude no art.º 30º da p. i.” (fls. 165).

Depois, juntos os documentos de fls. 200 e seguintes, 215 e seguintes, 226 e seguintes, 237 e seguintes, 246 e seguintes, 258 e seguintes, 265 e seguintes, 277 e seguintes e 288 e seguintes, o Réu impugnou-os “quanto ao seu teor, datas de emissão apostas nos mesmos” e actos “a que possam dizer respeito”, considerando que a A. “limita-se a requerer a junção aos autos de extratos de contas correntes, referentes a pagamentos, por si realizados, a diferentes entidades, não juntando qualquer documento que permita identificar a que se referem” (fls. 294).

Quanto a estes documentos, a Mm.ª Juíza a quo veio a referir que “são tais documentos admitidos, por abstractamente úteis à boa decisão da causa, sendo a junção tardia tributada (…)” (fls. 297).

7. a) Esta Relação procedeu à audição da prova pessoal produzida em audiência de julgamento (máxime, do depoimento prestado pela testemunha C...), conjugando-a com a prova documental.

            Pese embora a maior dificuldade na apreciação da prova (pessoal) em 2ª instância, designadamente, em razão da não efetivação do princípio da imediação[7], afigura-se, no entanto, que tal não obstará a que se verifique se o depoimento foi apreciado de forma razoável e adequada, inclusive, quando conjugado com os demais meios de prova, e se, em tais circunstâncias, ainda se poderia concluir que a formação da convicção da Mm.ª Juíza a quo era suficientemente sólida ou assentava em padrões de probabilidade[8], capaz de afastar a situação de dúvida razoável.

b) Partindo da fundamentação da decisão relativa à matéria de facto e tendo em atenção o objeto dos recursos, destacamos os seguintes excertos:

            «(…) Os pagamentos efetuados pela autora, suas datas, montantes e entidades beneficiárias, resultaram do teor dos documentos juntos a fls. 200 e ss, conjugados com o depoimento sério, isento e seguro da testemunha C... (profissional de seguros, funcionário da autora desde 2016, há cerca de 5 anos gestor especialista na área de reembolsos de sinistros) que, com o conhecimento adveniente do seu exercício funcional e da consulta dos registos informáticos internos da autora, os explicitou detalhada e circunstanciadamente, nos moldes dados como provados.

Todavia, foram considerados não provados os alegados pagamentos relativamente aos quais não foi apresentado qualquer «documento de suporte» (factura do prestador do serviço e/ou recibo comprovativo do pagamento), por se entender que o depoimento da testemunha, por si só, não confere garantia da sua efectiva realização, nem do respectivo montante, data do pagamento e natureza da despesa em causa.

Neste particular, quanto à importância de €104, alegadamente paga ao Hospital da Luz, S. A., na data de 30/01/2017, importa precisar que, apesar de mencionada nos documentos juntos a fls. 136 e a fls. 152 e ss, página 6 deste documento, essa referência não discrimina a que respeita tal importância, o que não foi explicitado pela testemunha, nem decorre de outros elementos probatórios juntos, não se sabendo, assim, se tem qualquer correlação com o tratamento médico prestado ao sinistrado em virtude do acidente de viação em mérito, desde logo, atento o interregno temporal desde a data do último acompanhamento médico dado como provado nessa entidade hospitalar.

(…)

A factualidade não provada foi assim considerada mercê da ausência de prova segura e bastante no sentido da respectiva afirmação, mormente quanto a parte dos alegados pagamentos, como acima se deixou explicitado.»

c) Vejamos, pois, o que decorre do depoimento destacado na alegação de recurso:

Testemunha C... (“gestor especialista de reembolsos”):

- Sessão de 30.6.2020 (fls. 166)

Eu só não consegui reunir documentos (de despesas/pagamentos referentes ao sinistro em causa) no valor de cerca de mil, cento e tal euros; todos os outros, estão documentados” e foram remetidos para os serviços jurídicos da A..

Tendo começado por indicar/ler os pagamentos da «listagem» junta a fls. 20 e seguintes e depois da M.ª Juíza afirmar que “temos que ver donde é que isto vem!”, a testemunha afirmou ter os “documentos de suporte” dos pagamentos “no (seu) telemóvel”…

- Sessão de 13.7.2020 (fls. 296)

            Esclareceu os pagamentos ao sinistrado C... (n.º de sinistro ...) a que respeitam os documentos de fls. 200 a 206; concretizou as parcelas que integraram a indemnização final de €19.000, paga em 22.12.2014; o valor pago em 19.5.2014, no montante de €1.431,04, correspondeu a “perdas salariais” do período de incapacidade; e que os reembolsos ao sinistrado das despesas hospitalares e de despesas com medicamentos têm “sempre uma factura-recibo e a respectiva prescrição”.

            Os serviços prestados pela empresa de táxis, mencionados nos documentos de fls. 207, 211 (que não o de fls. 209), 215 e 217 envolveram outros sinistrados além do sinistrado C...; referiu que os pagamentos indicados a fls. 208, 210, 212, 216 e 218 (mormente, relativos ao sinistro ...) foram-no nas datas aí mencionadas (“Data Movimento”) e que “nós temos em nosso poder todas as facturas-recibo desta empresa…”.

            A A. pagou à sociedade “S..., Lda.” a importância de €73,14 respeitante à “cinta lombo-estática” que o mesmo sinistrado usou, correspondendo-lhe a “factura ...” (fls. 219 a 223).

Relativamente a pagamentos ao Hospital da Luz por tratamentos ao mesmo sinistrado (fls. 226 e seguintes) disse, nomeadamente: a A. “pagou respeitante à cirurgia o montante de €4.821,53 (…); eu tenho os detalhes da factura se for necessário, (…) honorários do cirurgião (…) factura NH ..., no valor de €4.821,53”, paga em “13.3.2015” (discriminou as parcelas que integrarão aquela factura, datada de “17.01.2014” e paga - como afirmou adiante (de forma não coincidente com o que já havia dito) - a “22.4.2015”; esclareceu que “terá havido uma primeira factura que foi objecto de correcção e substituída por esta segunda”, mas, depois de tentar esclarecer essa “circunstância”, acabou por afirmar: “não estou a conseguir localizar…

Quanto ao documento de fls. 246 e seguintes afirmou que foi realizado um pagamento de €190 por despesas hospitalares com o mesmo sinistrado (factura liquidada a 19.3.2014).

No que concerne aos elementos de fls. 265 e seguintes e 277 e seguintes, aludiu à “factura ...”, no montante de €65 (“corresponde à soma de diversas parcelas”, de exames realizados a 09.01.2014 e pagos ao prestador a 24.01.2014) e com as demais menções de fls. 283.

Pronunciando-se sobre os documentos de fls. 288 e seguintes, afirmou que a A. fez um pagamento de €30 (consulta de avaliação da clínica de ortopedia) e outro de €187,50 (tratamentos de fisioterapia), limitando-se a corroborar/ler o que consta desse “rol de facturas”.

            Relativamente aos cheques e pagamentos reproduzidos ou aludidos a fls. 200 e seguintes, afirmou, que, atendendo aos dados existentes e por si elaborados do “sistema informático (da A) para controlo dos pagamentos e recebimentos”, os pagamentos foram a 11.12.2013 (fls. 200), 14.7.2014 (fls. 201), 22.12.2014 (fls. 202/203), 19.5.2014 (fls. 204), 24.01.2014 (fls. 205), 07.3.2014 (fls. 206), 04.3.2014 (fls. 207/208), 02.9.2014 (fls. 209/210), 02.8.2014 (fls. 211/212), 04.6.2014 (fls. 215/216), 03.5.2014 (fls. 217/218), 14.5.2014 (fls. 219 e seguintes), 22.4.2015 (fls. 226 e seguintes), 19.3.2014 (fls. 246 e seguintes), 20.02.2014 (fls. 265 e seguintes), 04.02.2014 (fls. 288 e seguinte) e 07.10.2014 (fls. 290 e seguintes).

            “Todos os documentos, todas as facturas existem, (…) mas há faturas que são devolvidas porque não estão corretas”; “todos os pagamentos são conferidos por mais do que uma pessoa”; depois de conferidos e validadostodos esses documentos”, se for o caso, são remetidos para o serviço de contencioso da A.; “(…) os valores são inalteráveis, o sistema informático não admite falhas”; todas as entidades prestadoras de serviços “deram quitação, porque não voltaram a pedir nada…”.

d) Como vimos, a Mm.ª Juíza a quo referiu que “foram considerados não provados os alegados pagamentos relativamente aos quais não foi apresentado qualquer «documento de suporte» (factura do prestador do serviço e/ou recibo comprovativo do pagamento), por se entender que o depoimento da testemunha, por si só, não confere garantia da sua efetiva realização, nem do respetivo montante, data do pagamento e natureza da despesa em causa.”

Ora, sendo este entendimento correcto, não se vê razão para não o estender à documentação, manifestamente insuficiente (ainda que conjugada com aquele depoimento), de 139 e seguintes e fls. 226 e seguintes.

Se nas missivas trocadas entre a A. e, por exemplo, a entidade de saúde identificada a fls. 139, poderá bastar a simples menção das fcturas e dos recibos emitidos pela segunda - documentos do seu conhecimento mútuo e tendo a primeira, através dos seus serviços administrativos, financeiros, e outros, procedido à sua detida análise e verificação -, não vemos como seja possível pretender que o Tribunal possa prescindir de uma análise e verificação com um igual ou superior grau de exigência!

O Réu, e bem, impugnou a documentação mediante a qual se quis demonstrar a factualidade em causa nesta apelação.

A A., sucessivamente advertida para a necessidade de juntar aos autos a pertinente prova documental, decidiu continuar a juntar aos autos, apenas, os “extractos/róis” suficientes, tão-só, para quem já não podia duvidar da existência e do teor dos documentos neles mencionados!

Obviamente, sem a junção dos documentos (de “suporte”) enumerados nos ditos “extratos” (faturas, recibos e demais meios comprovativos do pagamento), o Réu estava impossibilitado de exercer eficazmente o contraditório (art.º 3º, n.ºs 1 e 3 do CPC).

Ademais, como bem se refere na resposta à alegação de recurso, o depoimento da indicada testemunha “incide sobre documentos (máxime, facturas que lhe serviram de base) que só o mesmo possui e que são desconhecidos” nos autos; os documentos juntos “são meros extratos que foram impugnados, porque pela análise dos mesmos não se sabe a que pertencem”; “os documentos juntos aos autos são extratos que, têm um número de fatura associado e um número de sinistro, (…) essas faturas concretamente não estão juntas no processo!

8. A A. bem sabe que não basta alegar e que é necessário provar, e também bem sabe a forma adequada de o fazer, tanto mais que se tratava de factualidade impugnada pela parte contrária!

Ter-se-á, pois, de concluir que não são inteiramente claras as circunstâncias de tais pretensos pagamentos/liquidações e que as dúvidas mais se adensam quando se pretende indagar os concretos serviços médicos e hospitalares objecto de pagamento, pela simples razão de que nada do que foi junto aos autos o podia comprovar!

Por outro lado, tal insuficiência não foi suprida pela prova pessoal produzida em audiência de julgamento, em regra, inadequada para atingir tal desiderato.

Por último, nas descritas circunstâncias, nada justificaria (por excessiva e potencialmente inútil[9]) a realização de qualquer diligência probatória suplementar, ao abrigo do disposto nos art.ºs 652º, n.º 1, alínea d) e 662º, n.º 2, alínea b) do CPC.

Assim, porque a Relação poderá/deverá alterar a decisão de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (art.º 662º, n.º 1, do CPC), considera-se não provada toda a factualidade impugnada, aludida em II. 4. a) e nas conclusões “1ª, 5ª e 8ª”, ponto I., supra.

Atende-se, pois, a impugnação deduzida pelo Réu/apelante contra a decisão da matéria de facto.

9. Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado (art.º 342º, n.º 1 do CC). A prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita (n.º 2). [10]

Estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição (art.º 298º, n.º 1 do CC).

Completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito (art.º 304º, n.º 1 do CC).

O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso (art.º 498º, n.º 1 do CC). Prescreve igualmente no prazo de três anos, a contar do cumprimento, o direito de regresso entre os responsáveis (n.º 2).

10. O Réu, face ao regime jurídico aplicável, insurgiu-se, apenas, quanto à factualidade dada como provada no último segmento do ponto II. 1.14.3), supra, e que esta Relação considerou não provada.

Por conseguinte, ainda que se pudesse concluir pelo direito de regresso previsto no art.º 27º, n.º 1, alínea c) do Regime Jurídico aprovado pelo DL n.º 291/2007, de 21.8, e não suscitando as partes o menor reparo sobre o enquadramento jurídico plasmado na sentença recorrida (v. g., em relação à contagem do prazo de prescrição do direito de regresso da A.), dúvidas não restam de que transcorrera na íntegra (antes da interposição da presente acção) o prazo prescricional do n.º 2 do art.º 498º do CC, assistindo ao Réu/recorrente “a faculdade de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito” (art.º 304º, n.º 1 do CC).

O Réu invocou a exceção de prescrição e demonstrou o decurso do dito prazo de três anos sobre todos os pagamentos que se consideraram provados (facto extintivo alegado), impedindo o efeito jurídico do direito da A. - cf., sobretudo, II. 1. 14), 14.1), 14.2) e 14.3), 15) e 16) e II. 8., supra, e, ainda, o disposto no art.º 323º, n.º 2 do CC -, com as consequências legais daí decorrentes, in casu, a total absolvição do pedido.

11. Procedem, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso independente, improcedendo as do recurso subordinado.

III. Pelo exposto, na procedência da apelação/recurso independente (e improcedência do recurso subordinado), modifica-se a decisão sobre a matéria de facto como se indica em II. 8., supra, e revoga-se a decisão recorrida, absolvendo-se o Réu do pedido.

Custas pela A. (cf., ainda, fls. 297).

                                                                                              22.9.2021




[1] Sublinhado nosso, como o demais a incluir no texto.
[2] Vide Pires de Lima e A. Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, 1982, pág. 319.
[3] Vide Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. III, 4ª edição (reimpressão), Coimbra Editora, 1985, págs. 352 e seguinte.
[4] Ibidem (considerando a lição de Carnelutti), págs. 355 e seguinte.
[5] Vide Pires de Lima e A. Varela, CC Anotado, Vol. II, 4ª edição, Coimbra Editora, 1997, págs. 38 e seguinte.  

[6] Sobre todo o ponto., cf. o acórdão da RC de 23.02.2021-processo 2343/18.8T8ACB-A.C1 (do mesmo colectivo), publicado no “site” da dgsi.

[7] Vide, entre outros, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 284 e 386 e Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. II, 4ª edição, 2004, págs. 266 e seguinte.
[8]Refere-se no acórdão da RP de 20.3.2001-processo 0120037 (publicado no “site” da dgsi): A prova, por força das exigências da vida jurisdicional e da natureza da maior parte dos factos que interessam à administração da justiça, visa apenas a certeza subjectiva, a convicção positiva do julgador. Se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação da justiça.   
[9] Cf., nomeadamente, pontos I., II. 3. e II. 6., supra.
[10] Porém, em linha com o afirmado em I., in fine, supra, podemos concluir que o significado essencial do ónus da prova (art.º 342º do CC) não está tanto em saber a quem incumbe fazer a prova do facto como em determinar o sentido em que deve o tribunal decidir no caso de se não fazer prova do facto - vide, a propósito, Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, cit., pág. 304 e Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. III, cit., pág. 271.