Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
469/11.8T2ILH.P1.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: VENDA DE COISA DEFEITUOSA
CONSUMIDOR
FALTA DE CONFORMIDADE
PRESUNÇÕES
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 05/28/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:
COMARCA DO BAIXO VOUGA - OVAR - JUÍZO DE MÉDIA E PEQ. INSTÂNCIA CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: DL Nº 67/2003 DE 4/4, ARTS.563, 762, 798, 914, 921 CC
Sumário: 1.- Beneficiando o comprador consumidor das presunções estabelecidas nos números 2 dos artigos 2º e 3º do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8.4, cabe ao vendedor o ónus da prova de que a falta de conformidade do bem se deve a causa externa e ulterior ao momento da sua entrega, nomeadamente resultante de acto de terceiro ou do próprio comprador.

2.- Conferidas as presunções, o consumidor tem direito à reparação do bem, sem depender da culpa do vendedor.

3.- Tem ainda direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais mas, neste particular, nos termos gerais da responsabilidade contratual, impondo-se a consideração da culpa presumida (artigo 12.º, n.º 1, da Lei de Defesa do Consumidor, na redacção do DL n.º 67/2003 e artigos 798º, 799º e 563º do Código Civil).

Decisão Texto Integral:             Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

            F (…) intentou acção contra J (…), pedindo que este seja condenado a reparar a viatura de marca Opel, com a matrícula X (...) , e a indemnizar a Autora pela impossibilidade de utilização da referida viatura desde 15 de Fevereiro de 2011 até que a mesma lhe seja entregue devidamente reparada e apta à normal circulação rodoviária, equitativamente.

            Alegou em síntese: comprou ao Réu o mencionado veículo e que em 15 de Fevereiro de 2011 este apresentou um ruído anormal proveniente da zona do motor e dificuldade na engrenagem das mudanças; em 15 de Fevereiro entregou-o junto da oficina representante da marca Opel na zona de Aveiro para vistoria e eventual reparação, tendo comunicado tal facto ao Réu; o Réu informou-a que deveria fazer a participação do sinistro junto de uma companhia de seguros que indicou, para quem tinha transferido por contrato de seguro a responsabilidade civil decorrente do dever de garantia devida pela venda da viatura; a oficina veio a diagnosticar avaria na caixa de velocidades resultante de rolamentos gripados que causaram folgas danificando os vedantes e uma fuga de óleo para cima da embraiagem com o seu consequente dano, esclarecendo que para a reparação seria necessária a substituição da caixa de velocidades por não existir kit de reparação para tal dano; em virtude da avaria, a viatura encontra-se parada e sem reparação desde 15 de Fevereiro de 2011, sendo que a avaria impede a sua utilização regular, o que não permite à Autora nela se deslocar.

            O Réu contestou, em síntese: na data da contratação foi estudado o veículo que, como habitualmente, em todas as vendas, foi objecto de inspecção rigorosa por dois mecânicos; a caixa de velocidades apresentava-se em perfeitas condições, como também os níveis de fluidos do motor, caixa de velocidades e diferencial; o veículo à data da avaria tinha nove anos de uso e tinha percorrido, pelo menos quatro mil kms, sem que os respectivos compradores ou utilizadores por alguma vez tivessem referido qualquer queixa sobre o respectivo funcionamento ou referido qualquer barulho; os adquirentes promoveram, em oficina não indicada pelo vendedor, a alteração do veículo, após a sua entrega, nomeadamente revestindo o interior do furgão de isolamento térmico para o adequar ao transporte de peixe, o que necessariamente se reflecte na planta do veículo e constitui uma modificação não legalizada; a avaria no veículo resulta da má utilização e do desgaste, do seu mau ou negligente uso, da modificação da viatura ou de outra causa não imputável ao Réu.

            Realizado o julgamento, foi proferida sentença a julgar a acção improcedente, porque o defeito teria origem ulterior à venda e, em consequência, absolveu-se o Réu do pedido.


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            Inconformada, a Autora recorreu e apresentou as seguintes conclusões:

            1) Provada que está a ocorrência de avaria da viatura, verificada dentro dos dois anos seguintes à sua compra, é de presumir que tal desconformidade é contemporânea à data da entrega da viatura pelo recorrido à recorrente, pelo que é este responsável pela sua reparação e ressarcimento dos danos daí decorrentes.

            2) Para afastar tal presunção impunha-se ao recorrente provar que a desconformidade não existia à data da entrega da viatura ou que ocorreu por causa ulterior que não lhe é imputável, o que não decorre adequadamente da matéria de facto julgada como provada, atenta, desde logo, a prova da causa da avaria (“rolamentos gripados” - facto nº 9);

            3) Impor-se-ia ao recorrido provar que os rolamentos não estavam gripados à data da entrega da viatura e que a causa de tal avaria resultava de facto imputável a terceiro ou a factor externo à sua vontade, o que não conseguiu.

            4) A douta sentença em crise não deu aplicação à norma do art.2º, nº 2, al. d) e 3º, n º2 do DL. 63/2007, de 04 de Abril, na sua actual redacção, como devia.

            5) Sem conceder, do elenco dos factos julgados como provados (factos 5, 6, 9 e 10) permite concluir que a viatura foi vendida com um defeito oculto e não aparente, que levou adequadamente à avaria denunciada;

            6) Ao vender a viatura à recorrente com tal defeito, o recorrido incumpriu os seus deveres contratuais de boa fé, designadamente, o de entregar à compradora viatura adequada ao uso normal que se espera poder dar a tal bem, com o que violou os deveres impostos pela norma do art.762º do Código Civil, incorrendo na responsabilidade ali prevista na norma do art.798º, conferido, ainda à recorrente o direito a reclamar a reparação da avaria – art. 914º do C. Civil.

            7) O douto aresto em crise não deu aplicação às citadas normas dos arts.762º, 798º e 914º do Código Civil, como igualmente se imporia.

            8) É uso e prática do comércio do ramo de automóveis a garantia do bom funcionamento da viatura;

            9) Exercendo o recorrente a actividade de comercial de viaturas automóveis, estava obrigado a assegurar o bom funcionamento da viatura pelo menos durante o prazo de seis meses após a sua venda, conforme o estatuído na norma do art. 921º, nº 1 e 2 do Código Civil;

            10) Garantia, aliás, em que o recorrido se comprometeu expressamente e por escrito,

            11) Pelo que provada que está a ocorrência de avaria dentro do prazo de seis meses após a venda, sem que esteja demonstrada causa que exclua tal garantia, deveria o recorrido ter sido condenado no pedido.

            12) O douto aresto em crise não deu aplicação à norma do art.921º, nº 1 do Código Civil.


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            Contra-alegou o Réu, apresentando as seguintes conclusões:

            1) Pretende a Autora, ao arrepio do art.º 658-B do Código Processo Civil, que seja alterada a resposta à matéria de facto (respostas 14 a 16) no sentido de que, onde se diz que o veículo “foi totalmente verificados pelos dois mecânicos antes de ser entregue à Autora, e que foram verificados os níveis de fluídos do motor, caixa de velocidades e diferencial, tendo-se concluído que os mesmos se encontravam em plenas condições”, passe a ler-se que “os rolamentos não foram verificados”.

            2) Nem a Autora usou dos meios processualmente necessários para impugnar a matéria de facto,

            3) Nem usou de argumento verdadeiro, pois, como resulta da resposta à matéria de facto “a viatura antes de ser entregue à Autora foi totalmente verificada pelos dois mecânicos”.

            4) Assim, os rolamentos foram também verificados antes da entrega da viatura, porquanto são elementos desta e a Senhora Juíza a quo não os excepcionou da verificação de conformidade.

            5) Assim, partindo da enunciação de um argumento falso, as conclusões da Autora de 1 a 6, são expressamente contrariadas pelas respostas 14 a 20, que, sem serem alteradas a pedido da Autora, não podem fundar a tese por si alegada.

            6) A Autora modificou a planta do veículo, contra o estipulado nas condições de garantia.

            7) Andou mais de cinco meses com o veículo, após a sua “verificação de conformidade” sem que este apresentasse qualquer defeito apesar de um longo uso e quilometragem.

            8) Desta forma, foi ilidida pelo Réu a presunção de que a viatura se não encontrava à data de entrega, em conformidade com o estatuído no contrato.

            9) O Réu desconhecia - e não era existente (!) - , sem culpa, o vício ou a falta de qualidade de que a coisa padece (art.º 914, 2ª parte e 342, n.º 2 do Código Civil e art.º 3, n.º 2 do D.L. n.º 67/2003).


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            Questões colocadas no recurso:

            Pelo vendedor Réu foi ilidida a presunção estabelecida no art.3º, n º2, do DL 63/2007, de 8 de Abril?

            Tem a Autora direito à reparação solicitada?

            Tem a Autora direito à indemnização pela privação do uso do veículo?


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            São estes os factos provados (as partes aceitam a matéria de facto assente):

            1) A autora é profissional do exército.

            2) O réu exerce a actividade de compra e revenda de viaturas automóveis, explorando para tal fim um estabelecimento comercial denominado “Stand Nitrocar”, com fim lucrativo.

            3) Em 3.10.2010, pelo preço de €5.000,00 pago pelo Autora, o Réu transmitiu para esta o direito de propriedade sobre a viatura de marca Opel, com a matrícula X (...) , com 180.000km.

            4) O Réu informou a Autora que deveria fazer a participação do sinistro junto da companhia de seguros K (...) .

            5) Em 15 Fevereiro de 2011, a viatura apresentou um ruído anormal proveniente da zona do motor.

            6) E dificuldade na engrenagem das mudanças.

            7) Pelo que em 15 de Fevereiro, a autora entregou a viatura junto da oficina representante da marca Opel na zona de Aveiro para vistoria e eventual reparação.

            8) Tendo comunicado ao réu tal facto.

            9) A avaria da caixa de velocidades resulta de rolamentos gripados.

            10) A caixa de velocidades tinha uma fuga de óleo.

            11) Para a respectiva reparação seria necessária a substituição da caixa de velocidades, por não existir kit de reparação para tal avaria.

            12) Tal reparação tem o custo previsível de €3.835,45.

            13) Em virtude da avaria, a viatura encontra-se parada e sem reparação desde 15 de Fevereiro de 2011.

            14) O veículo foi totalmente verificado por 2 (dois) mecânicos antes de ser entregue à Autora.

            15) E foram verificados os níveis dos fluidos do motor, caixa de velocidades e diferencial.

            16) Tendo-se concluído que os mesmos se encontravam em perfeitas condições.

            17) À data da avaria o veículo tinha 9 anos de uso.

            18) Após a aquisição, o veículo percorreu, pelo menos, 4 (quatro) mil kms.

            19) Após a sua aquisição pela Autora, o veículo foi destinado ao transporte de peixe para Espanha.

            20) Após a sua aquisição, a Autora promoveu, em oficina não indicada pelo vendedor, o revestimento do interior do furgão de isolamento térmico para o adequar ao transporte de peixe.

            21) O que necessariamente se reflecte na planta do veículo.


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            Pelas partes, relativamente à sentença, não é questionado:

            Por elas foi celebrado um contrato de compra e venda de um veículo automóvel usado;

            Atenta a qualidade das partes, o contrato está sujeito ao regime da venda de bens de consumo.

            O prazo de duração da garantia ou responsabilidade da parte vendedora é de dois anos, a contar da data da entrega, por se tratar de coisa móvel (artigo 5º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8.4).

            Volvidos cerca de cinco meses após a conclusão do negócio, o veículo apresentou um ruído anormal proveniente da zona do motor e dificuldade na engrenagem das mudanças. A avaria da caixa de velocidades resulta de rolamentos gripados. A referida caixa tinha uma fuga de óleo.

            Trata-se de uma situação que se enquadra na alínea d) do n.º 2 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 67/2003, beneficiando a Autora de uma presunção de falta de conformidade do bem entregue pelo Réu com o contrato de compra e venda.

            Como a não conformidade do bem se manifestou durante o prazo de dois anos a contar da data da respectiva entrega, ela presume-se existente já nessa data (artigo 3º, n.º 2, 1.ª parte do Decreto-Lei n.º 67/2003).

            Ao Réu vendedor cabia ilidir a presunção.

            Encontram-se a partir daqui as divergências de entendimento.

            A sentença recorrida entendeu do seguinte modo:

            “Da análise crítica do quadro factual provado, afigura-se-nos, salvo o devido respeito, por diferente entendimento, que o Réu logrou cumprir aquele seu ónus da prova, em qualquer uma das citadas vertentes.

            “Com efeito, provou-se que o veículo foi totalmente verificado por dois mecânicos antes de ser entregue à Autora, inclusive foram verificados os níveis de fluidos do motor, a caixa de velocidades e o diferencial, tendo-se concluído que os mesmos se encontravam em perfeitas condições.

            “Ademais, trata-se de um veículo usado, com nove anos de idade e com cento e oitenta mil quilómetros, que percorreu quatro mil km nos cinco meses seguintes à sua aquisição.

            “Acresce que após a sua aquisição a Autora promoveu, em oficina não indicada pelo vendedor, o revestimento do interior do furgão de isolamento térmico para o adequar ao transporte de peixe, o que necessariamente se reflecte na planta do veículo.

            “Assim, ponderando, globalmente, todas estas circunstâncias do caso, temos que é razoável admitir a inexistência de defeito no momento da entrega do veículo e a sua imputação a origem ulterior, embora não concretamente apurada, visto que não é normal, de acordo com as regras da experiência comum, que a caixa de velocidades avarie, em consequência da existência, ainda que só em gérmen, de um defeito já na data da entrega do bem, volvidos cerca de cinco meses depois, quando é certo que o veículo terá estado, durante esse período de tempo, em circulação sem que nada se detectasse.” (Fim de citação.)

            Para ilidir a presunção da falta de conformidade à data da entrega, necessário se torna que o vendedor prove uma causa (ulterior) da avaria.

            Foi atento às dificuldades da prova que o legislador estabeleceu a presunção da existência do defeito na data da entrega. Considerando a melhor posição do vendedor profissional, a lei fez recair sobre este a prova de que a avaria é imputável a causa externa e ulterior, como um caso fortuito, sabotagem de terceiro, sabotagem ou mau uso do próprio comprador.

            Assim, não pode o julgador afirmar que “é razoável admitir a inexistência de defeito no momento da entrega do veículo e a sua imputação a origem ulterior, embora não concretamente apurada.”

            Se esta não foi apurada, não se pode dizer que o vendedor ilidiu a presunção.

            É certo que o veículo foi vistoriado na venda e tudo aparentava estar bem.

            Mas este facto é insuficiente para afastar a presunção de falta de conformidade.

            No caso, a avaria consubstancia-se em ter deixado de funcionar a caixa de velocidades porque “griparam” os rolamentos.

            Resulta das regras da experiência comum ser de todo anómala tal ocorrência.

            Normalmente, uma caixa de velocidades não “gripa” aos 184.000 kms.

            E é certo que esta peça não pode ter fugas de óleo (ver nº10 dos factos).

            Se ocorre uma fuga de óleo da caixa de velocidades, o que pode acontecer é a perda total de lubrificação dos seus componentes internos e a referida “gripagem” (sobreaquecimento/bloqueio e quebra de elementos).

            A fuga de óleo pode ser a causa da avaria.

            Esta fuga pode estar oculta e ter um efeito mais ou menos rápido, conforme o tipo de perda e o seu eventual agravamento.

            (O defeito oculto é aquele que, sendo desconhecido das partes, pode ser legitimamente ignorado, pois não era detectável através de um exame diligente.)

            Sem expressa prova da causa da avaria, a lei presume um defeito existente na caixa de velocidades na data da entrega do veículo.

            Ao vendedor cabia provar a causa da avaria como um acontecimento posterior à venda que levou à rutura da caixa e que não pode ser imputável ao próprio veículo (causa externa) mas à ação de terceiro ou a outra estranha.

            No nosso entendimento, o Réu vendedor não o fez.

            (O Réu alegou que a avaria decorre ou do desgaste de utilização, do seu mau ou negligente uso, da modificação da viatura ou de outra causa não imputável ao Réu, tendo o julgador afirmado que “o Réu não logrou convencer o Tribunal que a avaria resultasse da sua má utilização, uma vez que não foi produzida qualquer prova nesse tocante. Quanto ao desgaste, também nada foi provado, até porque R (...) , testemunha trazida pelo Réu e mecânico de profissão, declarou que apesar de ser provável que o desgaste esteja na origem dos rolamentos gripados, a sua experiência diz-lhe que tal é muito prematuro, atento a quilometragem do carro, sendo o desgaste comum apenas a partir dos 300.000 a 400.000 kms”.)

            A sentença recorrida referiu ainda:

            “Acresce que após a sua aquisição a Autora promoveu, em oficina não indicada pelo vendedor, o revestimento do interior do furgão de isolamento térmico para o adequar ao transporte de peixe, o que necessariamente se reflecte na planta do veículo.”

            Contudo, a sentença não estabelece (e não se vislumbra) qualquer relação entre a alteração do revestimento do interior da viatura com a avaria da caixa de velocidades.          Não se conhece, por causa disto, qualquer exclusão ou ressalva legais.

            Como tal, também este facto não é adequado a fazer prova em contrário da citada presunção.

           

            No caso de fornecimento de coisa defeituosa, o consumidor tem direito à reparação do bem (artigo 4.º, n.º 1 do Decreto-Lei nº67/2003), o que está pedido.

            Tem ainda direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais mas aqui nos termos gerais da responsabilidade contratual (artigo 12.º, n.º 1, da Lei de Defesa do Consumidor, na redacção do Decreto-Lei n.º 67/2003 e artigos 798º, 799º e 563º do Código Civil).

            O exercício do direito à reparação por parte do consumidor, diferentemente do direito à indemnização, não depende de culpa do vendedor, o que constitui uma assinalável diferença relativamente ao regime fixado na lei civil. (Ver Calvão da Silva, Compra e Venda de Coisas Defeituosas, 5ª edição, Almedina, páginas 64-67 e 130-133.)

            Contrariamente ao que consta do artigo 914º do Código Civil, para o DL nº 67/2003 o desconhecimento, sem culpa, do vício ou falta de qualidade de que a coisa padece, não afasta a correspondente responsabilidade do vendedor. (Ver acórdão do STJ, de 30.9.2010, no processo 822/06.9TBVCT.G1.S1, em www.dgsi.pt.)

            Sendo assim, a Autora tem direito à reparação da avaria.

            Tenha-se em conta que o custo da reparação inclui todas as “despesas necessárias para repor o bem em conformidade com o contrato, incluindo, designadamente, as despesas de transporte, de mão-de-obra e material”, nos termos do nº 3 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 67/2003.

            Porém, em face dos factos apurados e na falta de outros pertinentes, a Autora não tem direito à indemnização pela privação do uso do veículo.

            Resulta dos factos o desconhecimento do vendedor do vício ou da falta de qualidade de que a coisa padecia.

            O facto do veículo ter sido totalmente verificado por dois mecânicos antes de ser entregue à Autora, tendo-se concluído que aquele se encontrava em condições, afasta aqui a culpa presumida do vendedor.

            O defeito estava oculto, desconhecido das partes, e podia ser legitimamente ignorado porque não era detectável através de um exame diligente.

            Por outro lado, o Réu informou a Autora que deveria fazer a participação do sinistro junto da companhia de seguros K (...) . E depois do facto assente sob o nº8, não se fixou prova de outro que permita concluir por um comportamento culposo do Réu vendedor na não reparação do veículo (por exemplo, uma reação relevante a uma interpelação específica pela compradora para o vendedor reparar sob específica advertência).

            Por fim, o dano invocado e quesitado em 11º (A falta do veículo obriga a Autora à deslocação em transportes públicos ou por “boleia” de amigos ou familiares?) foi dado como não provado.


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            Ficam prejudicados outros argumentos e, naturalmente, a questão decorrente da documentação encontrada e relativa à garantia contratada.

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            Decisão.

            Julga-se parcialmente procedente o recurso e decide-se revogar a sentença recorrida. Em sua substituição, decide-se condenar o Réu a reparar a caixa de velocidades da viatura de marca Opel, com a matrícula X (...) e absolver o Réu do restante peticionado.

            Custas pela recorrente Autora em 1/5 e pelo recorrido em 4/5, em ambas as instâncias.


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 Fernando de Jesus Fonseca Monteiro ( Relator )

 Maria Inês Carvalho Brasil de Moura

 Luís Filipe Dias Cravo