Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2110/09.0T2AVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: GRUPO DE SOCIEDADES
COLIGAÇÃO
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
REVOGAÇÃO
Data do Acordão: 01/15/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE GRANDE INSTÂNCIA CÍVEL DE AVEIRO (JUIZ 1) DA COMARCA DO BAIXO VOUGA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTS.488, 489, 501, 504 CSC, 236, 237, 406, 1170, 1172 CC
Sumário: 1.- Um grupo económico constituído por cerca de 40 sociedades, envolvendo uma ou mais SGPS, é em si uma entidade inorgânica e destituída de personalidade jurídica, o que será decisivo na interpretação das cláusulas de um contrato de prestação de serviços celebrado com uma 3ª entidade, nomeadamente para aferir e determinar quem se quis vincular perante esta última, a saber, se uma sociedade desse grupo, ou se todo o grupo económico.

2.- A revogação de um contrato de prestação de serviços é livremente permitida (cf. art. 1170º do C.Civil), e só gera obrigação de indemnizar caso se prove a verificação de um “prejuízo” nas concretas condições previstas nas alíneas do art. 1172º do C.Civil.

3.- A SGPS é uma sociedade distinta das suas participadas, donde, por força do “princípio da separação”, e salvo situações muito especiais (e de previsão legal específica), o holding não responde pelos actos imputáveis às suas participadas, nem pelos débitos que estas hajam assumido.

4.- Configura precisamente uma “situação muito especial” e fruto de “previsão legal específica” as normas dos arts. 501º a 504º do C.Soc.Com., por força das quais as obrigações das sociedades com domínio total, face às obrigações da sociedade dominada, se constituem como uma responsabilidade directa, ilimitada, com natureza legal e objectiva, sendo que nesse caso respondem solidariamente ambas as sociedades perante o credor.

Decisão Texto Integral:             Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

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            1 – RELATÓRIO

F (…) CONSTRUÇÕES S.A.”, sociedade comercial com o número de identificação de pessoa colectiva e de registo na CRC de Braga ( ...) e sede na ( ...) , Braga propôs a presente acção declarativa de condenação sob a forma ordinária contra “I (…)UNIPESSOAL, LDA.”, sociedade comercial com o número de identificação de pessoa colectiva e de registo na CRC de Aveiro ( ...) , e sede na ( ...) , Aveiro, alegando, em síntese, que durante o ano de 2007, a ré e a autora desenvolveram conversações no sentido estabelecer colaboração mútua em áreas relativas a concessões, parcerias público-privadas, parques industriais e centros comerciais; em resultado dessas negociações a autora e a ré celebraram no dia 7 de Dezembro de 2007, um contrato de prestação de serviços com início de vigência a 1 de Janeiro de 2008; a actividade a que a ré se vinculou exige uma atitude mais pro-activa e profissional; contudo, a ré tem evidenciado uma clara falta de profissionalismo e ineficácia na sua capacidade de execução, não tem actuado com a diligência e o afinco que disse que actuaria, nem demonstrou qualquer capacidade ou habilidade para cumprir com o que se obrigou, nada tendo feito até ao momento para cumprir com aquilo a que se vinculou; durante os primeiros seis meses de duração do contrato a ré não angariou, assessorou ou prestou qualquer serviço à autora em qualquer projecto compreendido no âmbito do contrato e por isso, no final desse período, a autora comunicou à ré que rescindia o contrato; nas negociações para a celebração do contrato a ré convenceu os responsáveis da autora que estava mais do que preparada para este desafio levando a autora a celebrar o contrato nessa exacta convicção e, portanto, induzindo-a em erro; se a autora soubesse que a ré tinha esta falta de qualidades e competências não teria celebrado o contrato ou não o teria celebrado nos mesmos termos; por carta datada de 15 de Setembro de 2009, a autora comunicou à ré a denúncia do contrato; além disso a ré incumpriu o contrato porquanto se havia vinculado à autora em regime de exclusividade mas apesar disso prestou serviços a outras entidades que não a autora; face ao exposto e nestes termos, concluiu a A. no sentido de que devia a acção ser julgada procedente, por provada e, em consequência:

a) anular-se o contrato junto com a petição e condenar-se a ré a restituir à autora as quantias recebidas em virtude do mesmo;

            b) subsidiariamente, caso assim se não entender, declarar-se o contrato cessado desde Julho de 2008, por incumprimento da ré;

            c) ainda subsidiariamente, declarar-se o contrato cessado desde 15 de Setembro de 2009, por denúncia.[1]

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Citada a Ré, apresentou a mesma a sua contestação/reconvenção, com simultâneo pedido de intervenção provocada das sociedades “F (…) – S.G.P.S., S.A.”, sociedade comercial com o número de identificação de pessoa colectiva e de registo na CRC de Braga ( ...) e sede na ( ...) , Braga e F (…) – INVESTIMENTOS E PARTICIPAÇÕES, S.G.P.S., S.A.”, sociedade comercial com o número de identificação de pessoa colectiva e de registo na CRC de Braga ( ...) e sede na ( ...) , Braga, a fls. 25,, sustentando, por via de impugnação, e em síntese, que ela ré não enganou a autora quanto às suas capacidades e competências para realizar as prestações a que se obrigou, sendo que a autora conhecia bem essas qualidades pois trabalhava com a ré há algum tempo e em vários projectos; ela ré respeitou sempre a cláusula de exclusividade a que se vinculou; ela ré cumpriu escrupulosamente com tudo aquilo que contratou com este grupo; já em via de reconvenção, sustentou que o contrato foi celebrado não apenas com a autora mas com todo o “Grupo F ( ...) ” e que nem a autora nem este grupo pagaram à ré a avença mensal prevista no contrato desde Julho de 2008, o valor da percentagem de 5% calculada por referência ao volume do negócio obtido ou preço das obras adjudicadas, o valor relativo aos 10 centros comerciais que o grupo construiu ou tinha em projecto, nem o valor dos honorários pelos projectos executados pela ré, nem finalmente o valor remanescente relativo aos projectos de habitação a custos controlados em Estarreja e Águeda que só não foram adjudicados à autora por desistência desta, sendo certo que ela Ré/Reconvinda é não só credora da A./Reconvinda mas também das ditas Chamadas “F (…)– S.G.P.S., S.A.” e “F (…) – INVESTIMENTOS E PARTICIPAÇÕES, S.G.P.S., S.A.”, pois o contrato ajuizado abrangeu todo o “Grupo F ( ...) ”, sendo que a 1ª das Chamadas é detentora de 100% do capital social da 2ª das Chamadas, e esta última tem o domínio total da A., donde a responsabilidade de todas elas ser solidária relativamente às obrigações da aqui A./Reconvinda, termos em que, finaliza com o seguinte pedido: “condenar-se, solidariamente, a autora e as intervenientes principais a pagarem à ré o valor de € 41.595.926,83, bem como os juros vincendos à taxa legal de 8% desde a citação e até integral pagamento.

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            Replicou oportunamente a A., sustentando que o contrato ajuizado não foi celebrado com todo o “Grupo F ( ...) ”, em representação do qual ninguém interveio no contrato, mas apenas com a autora, correspondendo o objecto da prestação de serviços precisamente à área de actividade da autora; a ré nunca deu qualquer cumprimento ao contrato, tendo intervindo apenas em dois projectos mas que nada tinham a ver com o mesmo já que eram relativos a habitação a custos controlados quando o contrato tinha em vista projectos de construção civil de substancial grandeza, em particular uma parceria público-privada, mas que a ré nunca materializou; a cláusula de exclusividade tinha por objecto os projectos para os empreendimentos que a ré viesse a angariar e só estes, sendo que a ré nenhum angariou, da mesma forma que nenhuma intervenção teve nos projectos dos 3 centros comerciais que a autora executou; a ré não executou quaisquer projectos a que corresponda o valor dos honorários que reclama.

            Concluiu então tal articulado pugnando pela improcedência da reconvenção e bem assim pedindo que tivesse lugar a condenação como litigante de má fé da Ré, “em multa e indemnização condizente com o favor que a Ré injustificadamente pretende obter.

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            Treplicou a Ré/Reconvinte a fls. 173, em concretos termos aqui dados por reproduzidos, terminando no sentido de que a Réplica devia ser julgada totalmente improcedente, devendo a A./Reconvinda ser condenada na totalidade do pedido reconvencional formulado.

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            Por despacho judicial de fls.186 foi deferida a requerida intervenção principal das Chamadas e, operada a citação destas, vieram as mesmas através do articulado de fls. 191 apresentar a sua resposta, sublinhando nenhuma delas ter sido parte no contrato ajuizado, ser totalmente exorbitante e infundamentado o pedido reconvencional deduzido, e aderindo, no essencial, à versão já apresentada pela Autora/Reconvinda, termos em que concluíram esse articulado pugnando pela improcedência da reconvenção, por não provada, sendo em consequência A. e Chamadas absolvidas do pedido reconvencional, e mais devendo ser a Ré/Reconvinte condenada como litigante de má fé, em multa e indemnização condigna.

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            Ainda respondeu a Ré/Reconvinte ao seu pedido de condenação como litigante de má fé, através do articulado de fls. 208, pugnando pela sua improcedência.

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Proferido despacho saneador, em que também se admitiu o pedido reconvencional formulado, prosseguiu-se com a afirmação tabelar dos pressupostos processuais e procedeu-se à devida condensação da matéria de facto, mediante a especificação dos factos assentes e a quesitação em base instrutória dos factos controvertidos, sem reclamações.

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Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, dentro do formalismo legal, e que culminou nas respostas à base instrutória que constam do despacho de fls. 306 a 318, sem reclamação.

            Na sentença, considerou-se, em suma, ter o contrato de prestação de serviços ajuizado sido celebrado verdadeira e unicamente entre a A. (e não todo o “Grupo F ( ...) ”) e a Ré, no entanto, face à factualidade mais restrita apurada do que havia sido alegado pela A., apenas procedia, no que à acção dizia respeito, o pedido subsidiário pela A. formulado em último lugar, e no enquadramento da cessação por revogação do dito contrato, reportado à data de 15 de Setembro de 2009; já no que à reconvenção dizia respeito, apenas se reconheceu o direito da Ré/Reconvinte a receber o valor da avença mensal do contrato pelo período em dívida (Julho de 2008 a Setembro de 2009), totalizando € 75.000,00 acrescido de IVA, único parcial relativamente ao qual se afirmou a procedência do pedido reconvencional, sendo certo que nesse particular também improcedia a excepção de não cumprimento do contrato corporizada na defesa da Autora, e que foram igualmente absolvidas ambas as partes do pedido de condenação como litigantes de má fé.

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            Inconformado com essa sentença, apresentou a Ré/Reconvinte recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

            A Autora respondeu ao recurso, pugnando pela confirmação da decisão, sendo certo que improcediam todas as conclusões recursórias da Ré/Apelante, termos em que concluiu as suas contra-alegações pugnando no sentido de que devia ser:

(…)

            Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

            2QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela Recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 684º, nº3 e 685º-A, nºs 1 e 3, ambos do C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no art. 3º, nº3 do C.P.Civil

            - incorrecta valoração da prova produzida, que levou ao incorrecto julgamento dos quesitos 6º, 21º, 22º, 25º, 26º, 27º, 28º, 29º e 31º (que deviam ter tido resposta de “provado” em vez da resposta de “não provado”);

- violação das normas da interpretação e integração dos negócios jurídicos relativamente ao contrato de prestação de serviços ajuizado (arts. 236º, 237º, 238º e 239º do C.Civil);

- direito a receber a avença mensal até ao final do ano de 2009, o que não foi conferido pela sentença que considerou ter sido válida e eficaz a revogação no mês de Novembro de 2009 (art. 406º do C.Civil);

- violação do disposto nos artigos 488º, 489º, 501º e 504º do Código das Sociedades Comerciais, artigo 100º do Código Comercial e artigo 512º do Código Civil, ao terem sido absolvidas na totalidade as Intervenientes Principais/Reconvindas do pedido reconvencional formulado, por ser solidária a responsabilidade das sociedades directoras ou dominantes (leia-se as sociedades “holding” gestoras de participações sociais, aqui Intervenientes Principais “ F ( ...) – S.G.P.S., S.A.” e “ F ( ...) – Investimentos e Participações, S.G.P.S., S.A.”) em relação às dívidas das suas subordinadas (leia-se a aqui Autora “ F ( ...) – Construções, S.A.”).

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3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

3.1 – Como ponto de partida, e tendo em vista o conhecimento dos factos, cumpre começar desde logo por enunciar o elenco factual que foi considerado/fixado pelo tribunal a quo, o que naturalmente contempla a conjugação da condensação dos factos assentes com os decorrentes das respostas dadas aos quesitos da base instrutória elaborada, obviamente sem olvidar que tal enunciação terá um carácter “provisório”, na medida em que o recurso tem em vista a alteração parcial dessa factualidade. 

            Tendo presente esta circunstância, são os seguintes os factos que se consideraram provados na 1ª instância:

I – A A. dedica-se à indústria de construção civil e a execução de empreitadas de obras

públicas e particulares. [al.A) dos Factos Assentes];

II – A R. é uma empresa que tem por objecto a prestação de serviços de consultoria e execução de projectos de arquitectura e engenharias. [al.B)];

III – A A. sabia que no âmbito da sua actividade a R. desenvolve projectos de empreendimentos imobiliários destinados a Habitação a Custos Controlados, dadas as parcerias que a R. vinha estabelecendo com diversas empresas, nomeadamente com a F ( ...) Habit. [al.C)];

IV – Durante o ano de 2007, entre a R. a A. foram desenvolvidas conversações no sentido estabelecer colaboração mútua em áreas de actividade que nenhuma relação têm com a Habitação a Custos Controlados, mas sim com as concessões, parcerias público-privadas, parques industriais e centros comerciais. [al.D)];

V – As partes pretendiam com isso estabelecer os termos de uma possível sinergia para outras áreas de negócios, de forma a aproveitar a capacidade investidora da A., que procurava então veículo de entrada nesses campos de actuação económica. [al.E)];

VI – Tal intenção e desejo da A. era do perfeito conhecimento da R. [al.F)];

VII – Com data de 7 de Dezembro de 2007 foi celebrado o contrato intitulado “Contrato de prestação de Serviços” cuja cópia está junta a folhas 12 a 15 dos autos e aqui se dá por reproduzida. [al.G)];

VIII – Conforme estão identificados no referido contrato, o mesmo foi celebrado por “1ª CONTRATANTE: F ( ...) – Construções, SA, ou Grupo F ( ...) , com sede na praceta ( ...) Braga, pessoa colectiva nº ( ...) , matriculada na Conservatória do Registo Comercial de – sob o número –, com o capital social de 10,000,000,00 euros, neste acto devidamente representada pelo seu administrador (…), adiante designada por «Primeira Contratante»; e 2ª CONTRATANTE: I (…), Arquitectura e Engenharia, Unipessoal, Lda. com sede na Rua ( ...) Aveiro, pessoa colectiva nº ( ...) , matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Aveiro sob o número 5471, com o capital social de 20,000,00 euros, neste acto devidamente representada pelo seu gerente, (…), adiante designada por «Segunda Contratante» ”. [al.H)];

IX – O contrato contém os seguintes “Considerandos” a anteceder o respectivo clausulado: “Considerando que: A Primeira Contratante tem por objecto a actividade de Construção Civil, Obras Publicas e Particulares; A Segunda Outorgante tem por objecto a prestação de serviços de consultoria e execução de projectos de arquitectura e engenharias; A Primeira Contratante, tendo conhecimento da ampla experiência da actuação no mercado e de projectos desenvolvidos pela Segunda Contratante, tem interesse relevante na prestação dos seus serviços nesta área da consultaria, por forma a conseguir optimizar os projectos de ambas as sociedades.” [al.I)];

X – Ficou convencionado na Cláusula 1.ª do contrato o seguinte: “1.1. A Segunda Contratante compromete-se a prestar à Primeira Contratante serviços de consultaria e projecto que incidirão sobre as seguintes áreas de negócios: a) Construção civil e obras públicas; b) Direitos de concessão e/ou exploração concessionada, públicas ou privadas, em qualquer sector ou ramo de actividade; c) Parques industriais; d) Outras áreas de interesse a analisar caso a caso. 1.2 Todos os projectos técnicos a que se refere a prestação de serviços mencionada no ponto (1.1) serão adjudicados pela primeira contratante à segunda contratante em regime a acordar. 1.3 Ambas as partes acordam e subscrevem o presente contrato com um regime de exclusividade mútua.” [al.J)];

XI – Ficou convencionado na Cláusula 2.ª do contrato o seguinte: “Nos termos do presente contrato, as partes fixam uma avença pelos serviços identificados na cláusula primeira na quantia mensal de 5.000,00 euros, acrescida de IVA. 2. O montante fixado no número anterior será revisto anualmente por acordo entre as partes. 3. Ao valor mencionado no ponto 1, acresce uma remuneração em função dos projectos aprovados e que venham a ser contratados pela primeira contratante, referidos na Cláusula Primeira sendo esta calculada pela aplicação ao valor total contratado da percentagem fixada em 5%. Para os centros comerciais fora do concelho de Aveiro a percentagem de remuneração será ajustada e determinada por mútuo acordo. Esta remuneração referida

no ponto 3. é calculada de acordo com o valor do negócio obtido ou preço das obras e tendo em conta a aplicação do valor percentual fixado. Acresce à remuneração referida no ponto 3., e especificamente no relativo à construção de uma superfície comercial, o pagamento de 500.000,00€. O valor dos projectos técnicos a executar será obtido mediante a aplicação das tabelas para cálculo de honorários, tendo por base a legislação específica para cálculo de honorários, com a aplicação de um desconto de 50 %. O pagamento da avença será efectuado pela Primeira Contratante mensalmente contra a emissão de factura, a realizar até ao dia 15 de cada mês, referente ao mês anterior, por meio de cheque ou transferência bancária e no prazo de 10 dias após o vencimento de cada factura.” [al.K)];

XII – Ficou convencionado na Cláusula 3.ª do contrato o seguinte: “O presente contrato produz efeitos a partir de 01 de Janeiro de 2008 e tem a duração inicial de um ano, renovando-se a partir dessa data por períodos de um ano e sucessivos, caso não seja denunciado por qualquer uma das Partes através de comunicação escrita, efectuada por qualquer meio idóneo, designadamente telefax, enviado com 90 (noventa) dias de antecedência relativamente ao termo inicial do contrato ou das suas renovações.” [al.L)];

XIII – Ficou convencionado na Cláusula 6.ª do contrato o seguinte: “A Segunda Contratante compromete-se a: a) Elaborar e fornecer à Primeira Contratante um "Report" dos serviços prestados com a periodicidade que os projectos exigirem; b) Colaborar com o pessoal afecto à Primeira Contratante ou às suas participadas na prossecução dos serviços agora contratados; c) Seguir as instruções e cumprir com as directivas emanadas pela Primeira Contratante, sem prejuízo da autonomia técnica da Segunda Contratante nos projectos e serviços que lhe forem confiados: d) Comparecer ou fazer-se representar nas reuniões de trabalho quando para tal for solicitada; e) Praticar todos os actos e adoptar todos os procedimentos necessários e/ou convenientes à eficaz prossecução dos fins, objecto do presente contrato.” [al.M)];

XIV – A R. sabia que a vontade real da A. sempre foi a de celebrar um contrato de prestação de serviços para essas novas áreas de negócios, onde se exige uma atitude mais pro-activa e profissional do que a utilizada para os projectos de Habitação a Custos Controlados. [al.N)];

XV – Por carta datada de 15 de Setembro de 2009, assinada por (…) na qualidade de “Presidente do Conselho de Administração Grupo F ( ...) ”, cuja cópia está junta a folhas 161 a 164 dos autos e aqui se dá por reproduzida foi comunicado à R. que “Atento o acima exposto, os diferendos judiciais existentes e os que se avizinham, a conduta persistente e impenitente da I (…) de não cumprimento das suas obrigações para com o Grupo F ( ...) (cujo expoente máximo foi o da recusa da I(…) de recusar proceder à entrega dos termos de responsabilidade dos autores de projecto do empreendimento da Quinta ( ...) , Aradas, Aveiro), entende o Grupo F ( ...) que, por causa exclusivamente imputável à I (…)S, deixaram de se verificar quaisquer condições de manutenção de relações comerciais entre este e esta. Pelo que as mesmas, com a recepção da presente notificação, cessam. O que inclui tudo o contratado entre a I (…) e as sociedades do Grupo F ( ...) .” [al.O)];

XVI – A A. pagou à R. o valor mensal previsto no contrato até ao mês de Junho de 2008 e já não pagou o mês de Julho de 2008 e os seguintes. [al.P)];

XVII – Dão-se como integralmente reproduzidas as certidões juntas a folhas 54 a 78 dos autos relativas ao teor da matrícula e todas as inscrições em vigor das sociedades F ( ...) – Construções S.A., F ( ...) – SGPS S.A. e F ( ...) – Investimentos e Participações, SGPS S.A. [al.Q)];

XVIII – A R. apresentou à A. como projectos possíveis e de interesse, uma parceria públicoprivada para a construção de quatro parques de estacionamento e de treze escolas e a remodelação de outras treze escolas, na zona de Aveiro, e, bem assim, a construção de um centro comercial na mesma zona. [resposta ao quesito 1º da Base Instrutória];

XIX – Para este novo campo de relacionamento e actividade, a Ré quis que se celebrasse um contrato próprio, distinto do acordo existente no âmbito dos CDH’s e com condições diferentes no que respeita à remuneração da Ré. [resposta ao quesito 2º];

XX – … que seria devida pelos projectos que angariasse e fossem aprovados, contratados e concretizados. [resposta ao quesito 3º];

XXI – Ao que a Autora acedeu celebrando o contrato referido em G]. [resposta ao quesito 4º];

XXII – O contrato teve por base uma minuta elaborada pela R. [resposta ao quesito 5º];

XXIII – A R. convenceu os responsáveis da A. que estava mais do que preparada para realizar os serviços previstos no contrato referido em G]. [resposta ao quesito 7º];

XXIV – … com a eficácia e o profissionalismo que o mesmo supunha. [resposta ao quesito 8º];

XXV – Afirmando que possuía as competências necessárias para o efeito. [resposta ao quesito 9º];

XXVI – Levando a A. a celebrar o contrato referido em G] na convicção de que a R. possuía essa preparação e competências. [resposta ao quesito 10º];

XXVII – Se a autora soubesse que a ré não tinha as capacidades, as competências, a experiência, o profissionalismo, a eficácia e o empenho necessários para cumprir o contrato de acordo com as expectativas da autora, não teria celebrado o contrato referido em G] ou não o teria celebrado nos mesmos termos. [resposta ao quesito 16º];

XXVIII – Durante os primeiros seis meses de duração do contrato referido em G], a ré não angariou, assessorou ou prestou qualquer serviço à autora em qualquer projecto compreendido no âmbito do contrato referido em G], com excepção de trabalhos para apresentação da candidatura a uma parceria público-privada promovida pela Câmara Municipal de Aveiro (que visava a construção de 4 parques de estacionamento e 13 escolhas, a requalificação de três escolas e a requalificação urbana) e projectos para dois empreendimentos de habitação a custos controlados. [resposta ao quesito 17º];

XXIX – O contrato referido em G] compreendia também os projectos relativos a Habitação a Custos Controlados. [resposta ao quesito 20º];

XXX – Em 2008 o “Grupo F ( ...) ” teve um volume de negócios acumulado de € 222.277.972,00. [resposta ao quesito 23º];

XXXI – A ré executou parte dos projectos para um empreendimento de habitação a custos controlados que devia ser executado em Estarreja, trabalho a que corresponde a factura n.º 56 junta a folhas 295 dos autos. [resposta ao quesito 30º];

XXXII – A ré executou parte dos projectos para um empreendimento de habitação a custos controlados que devia ser executado em Águeda, trabalho a que corresponde a factura n.º 57 junta a folhas 299 dos autos. [resposta ao quesito 32º].

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3.2 –

(…)

Assim sendo, decide-se rectificar a redacção dada à al.Q) dos Factos Assentes, em decorrência do que passará o facto XVII dos factos alinhados na sentença a ter a correspondente nova redacção, a saber, pela seguinte forma:

“XVII – Dão-se como integralmente reproduzidas as certidões juntas a folhas 54 a 78 dos autos relativas ao teor da matrícula e todas as inscrições em vigor das sociedades F ( ...) – Construções S.A., F ( ...) – SGPS S.A. e F ( ...) – Investimentos e Participações, SGPS S.A., sendo certo que a sociedade  “ F ( ...) – S.G.P.S., S.A.”, detém 100% do capital da “ F ( ...) – Construções, S.A.”, e, por sua vez, aquela é detida pela  “ F ( ...) – Investimentos e Participações, S.G.P.S., S.A.”. [nova redacção da al.Q)]”.

                                                                       *

4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1– Cumpre agora entrar na apreciação da questão seguinte supra enunciada – violação das normas da interpretação e integração dos negócios jurídicos relativamente ao contrato de prestação de serviços ajuizado (arts. 236º, 237º, 238º e 239º do C.Civil):

Esta questão que ora cumpre apreciar prende-se já com a decisão de mérito da acção, isto é, com um alegado erro de julgamento (de direito) sobre a questão sub judice.

No entendimento da Ré/Reconvinte, não obstante a (reconhecida) redacção imperfeita do contrato, era possível ao julgador, na conjugação daquele com outros elementos de prova, vir a concluir que o mesmo abrangeu não só a ora Autora, como as mais variadas empresas do “Grupo F ( ...) ”

Sucede que não nos merece qualquer acolhimento o aduzido neste particular pela Ré/Reconvinte, aliás só se compreendendo como fruto de uma inadequada  interpretação legal e doutrinária dos normativos que neste contexto invoca.

Desde logo, porque como doutamente foi o entendimento do Exmo. Juiz a quo, expresso na motivação da decisão sobre a matéria de facto, “(…) o contrato tem uma redacção assaz infeliz e estranha ( F ( ...) Construções S.A. ou Grupo F ( ...) ) a carecer de alguma interpretação com vista ao apuramento do seu significado. Daí que tivesse sido perguntado e se tivesse discutido directamente em sede de audiência de julgamento quem se vinculou através do contrato, quem se assumiu como parte no mesmo, quem assumiu obrigações perante a ré, tendo sido obtida a resposta já assinalada: parte no contrato é a F ( ...) Construções S.A.

O que na prática significa que, em termos de factualidade apurada para apoiar nesta tarefa de interpretação das vontades negociais, a Ré/Reconvinte não conseguiu provar os factos de que material e directamente carecia para fazer valer a sua tese…

Resta-nos, então, perscrutar as “circunstâncias atendíveis para a interpretação”  (cf. art. 236º do C.Civil, no contexto da teoria conhecida por da “impressão do destinatário”[2]), relativamente ao que têm sido apontados, a título exemplificativo, “os termos do negócio; os interesses que nele estão em jogo (e a consideração de qual seja o seu mais razoável tratamento); a finalidade prosseguida pelo declarante; as negociações prévias; as precedentes relações negociais entre as partes; os hábitos do declarante (de linguagem ou outros); os usos da prática, em matéria terminológica, ou de outra natureza que possa interessar, devendo prevalecer sobre os usos gerais ou especiais (próprios de certos meios ou profissões), etc.[3]

Operando uma tal tarefa, naturalmente se divisa como mais decisivo o que consta provados sob os factos I a VI, atinentes aos interesses em jogo, finalidades prosseguidas e termos das negociações prévias que tiveram lugar entre as partes (leia-se, entre as aqui Autora e Ré), face ao que, e dando aqui também por reproduzido o que já supra foi aduzido quanto ao elemento literal propriamente dito de interpretação do texto escrito do contrato, a outra interpretação não se pode nem se deve chegar do que a de que no contrato ajuizado apenas a ora Autora “ F ( ...) CONSTRUÇÕES, S.A.” se vinculou e quis vincular perante a Ré, designadamente não tendo tal ocorrido por parte de qualquer outra sociedade do “Grupo F ( ...) ”.

E isto sem embargo da interpretação, que persiste e se sanciona, aliás expressamente constante do facto provado sob XXIX, a saber, que “O contrato referido em G] compreendia também os projectos relativos a Habitação a Custos Controlados.”, projectos esses que, no contexto das relações estabelecidas entre as partes, anteriormente à celebração do contrato ajuizado, eram tratados entre a Ré e a sociedade “ F ( ...) HABIT, L.da”…

Em todo o caso, se se entendesse que efectuada essa tarefa de exegese, o sentido da declaração permanecia duvidoso, então, à luz do critério e determinante legalmente imposto pelo art. 237º do mesmo C.Civil, a um mesmo sentido interpretativo teria de se chegar, por se estar perante um negócio oneroso, no qual com tal interpretação ficam salvaguardadas as devidas e mais equilibradas contrapartidas para a aqui Ré…[4]

Assim, sem necessidade de maiores considerações, igualmente improcede o suscitado nesta via de enquadramento pela Ré/Reconvinte/Apelante.

                                                           *

4.2– Vejamos agora a subsequente questão posta pela Ré/Reconvinte – direito a receber a avença mensal até ao final do ano de 2009, o que não foi conferido pela sentença que considerou ter sido válida e eficaz a revogação no mês de Novembro de 2009 (art. 406º do C.Civil):

Também aqui não lhe assiste qualquer razão.

Na sentença recorrida considerou-se – e bem! – que “in casu” tinha tido lugar uma válida e eficaz revogação do contrato ajuizado por parte da aqui Autora, revogação essa que estava livremente permitida (cf. art. 1170º do C.Civil).

Salvaguardada estava, obviamente, a obrigação de indemnizar conferida pelo art. 1172º do C.Civil (designadamente da sua al. c)), mas estava ela dependente da efectiva prova pela aqui Ré de “prejuízo” daí decorrente, o que ela não logrou fazer[5], como bem se vincou na sentença recorrida.

Nesta linha de entendimento bem se andou na sentença recorrida quando (apenas) se conferiu à aqui Ré o direito de receber o valor da avença mensal contratada entre as partes (de € 5.000,00), pelo efectivo período de vigência do contrato em que tal valor não se encontrava pago – que resultou ser de um total de 15 meses, donde o valor de € 75.000,00 acrescido de IVA que veio a ser objecto da condenação.

Tratou-se seguramente de um mero lapso de escrita a alegação da Ré/Reconvinte nas suas alegações recursórias de que na sentença se considerou ter sido válida e eficaz a dita revogação do contrato ajuizado no mês de “Novembro de 2009”, pois que claramente dela resulta que foi considerado tal ter operado em “Setembro de 2009”, sendo certo que foi com referência a esta última data que foi conferido o direito à avença mensal em dívida (cf. factos XV e XVI).     

Improcede assim sem necessidade de maiores considerações, o suscitado nesta questão pela Ré/Reconvinte/Apelante.

                                                           *

4.3– Cumpre finalizar com a apreciação e decisão sobre a questão da violação do disposto nos artigos 488º, 489º, 501º e 504º do Código das Sociedades Comerciais, artigo 100º do Código Comercial e artigo 512º do Código Civil, ao terem sido absolvidas na totalidade as Intervenientes Principais/Reconvindas do pedido reconvencional formulado, por ser solidária a responsabilidade das sociedades directoras ou dominantes (leia-se as sociedades “holding” gestoras de participações sociais, aqui Intervenientes Principais “ F ( ...) – S.G.P.S., S.A.” e “ F ( ...) – Investimentos e Participações, S.G.P.S., S.A.”) em relação às dívidas das suas subordinadas (leia-se a aqui Autora “ F ( ...) – Construções, S.A.”):

A colocação desta questão afigura-se efectivamente como pertinente face à configuração dogmática da posição das sociedades “SGPS” e suas relações com as sociedades “participadas”, mas foi de algum modo negligenciada pela sentença recorrida.

Vejamos o que sobre tal já foi doutamente vincado:

A SGPS é uma sociedade distinta das suas participadas. Trata-se dum ponto fundamental em qualquer reestruturação assente num holding. Funciona, nessa altura, o princípio da separação: o holding não responde pelos actos imputáveis às suas participadas, nem pelos débitos que estas hajam assumido.

Apenas em situações muito especiais, marcadas por uma previsão legal específica ou pelo instituto extraordinário do levantamento da personalidade colectiva, se poderá responsabilizar o holding pelas suas participadas.”[6]  

Acontece que se constitui precisamente como uma “situação muito especial”, e com “previsão legal específica” a situação da responsabilidade da sociedade totalmente dominante pelas dívidas da sociedade subordinada, pois que existe norma positiva a impor essa responsabilidade, a saber, o art. 501º do C.Soc.Com..

Cuja aplicação ficou expressamente “salvaguardada” pelo art. 11º, nº1 do DL nº 495/88 de 30 de Dezembro (o diploma que disciplina e regula a constituição e funcionamento das SGPS’s).

Temos então que às sociedades em relação de domínio total aplicam-se, por remissão legal, os artigos 501º a 504º do C.Soc.Com. e as que por força destes artigos forem aplicáveis (artigo 491º do mesmo C.Soc.Com.)[7].   

Na verdade, no caso vertente, perante o factualismo apurado (mormente o facto XVII, na sua nova redacção), perfila-se uma relação de grupo constituído por domínio total subsequente indirecto, da sociedade “ F ( ...) – Investimentos e Participações, S.G.P.S., S.A.” sobre a aqui Autora  “ F ( ...) – Construções, S.A.”, por via da detenção da “sub-holding” “ F ( ...) – S.G.P.S., S.A.”, a qual detém 100% da aqui Autora.

Ora na relação de grupo de domínio total subsequente a sociedade-mãe passa a deter a totalidade das participações correspondentes ao capital das participações por estas sociedades-filhas, não havendo outros sócios ou accionistas nas sociedades dependentes.

E no equilíbrio estabelecido pelo legislador no âmbito dos grupos de sociedades de jure, o património das sociedades totalmente dependentes está inteiramente à mercê do interesse da sociedade dominante e, indirectamente, dos credores desta, o que tem como contrapartida a responsabilidade ilimitada da sociedade dominante pelas dívidas das suas participadas (art. 501°, nº1, do C.Soc.Com.) e a obrigação de compensação pelas perdas anuais (art. 502° do mesmo C.Soc.Com.).

Dito de outro modo: é certo que na empresa de grupo ou plurissocietária as sociedades agrupadas conservam em pleno a sua personalidade jurídica individual, ou seja, mantêm a respectiva autonomia jurídico-patrimonial e jurídico-organizativa…

Mas decorre da citada norma do art. 501º do C.Soc.Com. a responsabilidade da sociedade totalmente dominante (leia-se a aqui Interveniente Principal “ F ( ...) – Investimentos e Participações, S.G.P.S., S.A.”) pelas dívidas da sociedade subordinada (leia-se a ora Autora, “ F ( ...) – Construções, S.A.”)

E trata-se de uma responsabilidade directa e ilimitada (dado que cada sociedade mãe responde pessoal e imediatamente perante os credores da respectiva sociedade filha) e de natureza legal já que decorre de uma norma prevista na lei societária – o art. 501º nºs 1 e 2 do C.Soc.Com., aplicável ao caso “ex vi” do art. 491º do mesmo diploma legal.

Para além disso, esta responsabilidade estabelecida no art.º 501º C.Soc.Com., porque assente na redistribuição do risco da exploração empresarial no seio de grupos societários, é objectiva, respondendo a sociedade dominante pelas dívidas da sociedade dependente, independentemente da culpa que tenha no não cumprimento - cfr. art. 84º do C.Soc.Com.

Ademais, a dita responsabilidade em causa é solidária, isto apesar de o legislador o não ter dito expressamente: é esse o entendimento comum dessa solidariedade "sui generis", que faz com que pelo cumprimento unitário e integral das obrigações contraídas pela sociedade filha responde esta e a sociedade mãe, com a particularidade relativa ao momento da sua exigibilidade à última, 30 dias sobre a constituição em mora daquela - citado art. 501º, nºs 1 e 2.

Assim, a sociedade totalmente dominante – como é o caso da dita Interveniente Principal “ F ( ...) – Investimentos e Participações, S.G.P.S., S.A.” – responde pelas obrigações da sociedade dependente – isto é, a ora Autora, “ F ( ...) – Construções, S.A.” – e essa responsabilidade é automática e surge, relativamente às obrigações da sociedade dependente anteriormente constituídas, a partir do momento em que ela adquire o domínio total da sociedade dependente, ou a partir do momento da constituição das obrigações desta, relativamente às constituídas na vigência de tal relação.

Finalmente, não há necessidade – para que lhe seja exigível o respectivo cumprimento – de ser interpelada extra-judicialmente para cumprir as obrigações da sociedade dependente, já que estamos perante sociedade dominante, com o domínio total.[8]
Em conclusão e como bem foi referido em aresto do STJ, de 31.05.2005
[9], as sociedades mãe respondem por todo o passivo social das filiais, independentemente de este ter resultado ou não do exercício concreto do seu poder de controlo intersocietário: aquela responsabilidade respeita a todas as obrigações sociais, sendo, no dizer de vários autores, independente da respectiva fonte (Rechsgrund) ou conteúdo (Inhalt).

Importa então dar acolhimento a este argumento recursivo, no sentido de que se impõe a condenação operada na sentença recorrida quanto à reconvenção, não só da A., mas solidariamente com ela da dita sociedade dominante “ F ( ...) – Investimentos e Participações, S.G.P.S., S.A.”.

Procede assim nesses precisos termos, e sem necessidade de maiores considerações, o constante desta questão, face ao que se determinará a correspectiva alteração do sentenciado quanto ao pedido reconvencional.

                                                           *                    

5 – SÍNTESE CONCLUSIVA

I – Um grupo económico constituído por cerca de 40 sociedades, envolvendo uma ou mais SGPS, é em si uma entidade inorgânica e destituída de personalidade jurídica, o que será decisivo na interpretação das cláusulas de um contrato de prestação de serviços celebrado com uma 3ª entidade, nomeadamente para aferir e determinar quem se quis vincular perante esta última, a saber, se uma sociedade desse grupo, ou se todo o grupo económico.

II – A revogação de um contrato de prestação de serviços é livremente permitida (cf. art. 1170º do C.Civil), e só gera obrigação de indemnizar caso se prove a verificação de um “prejuízo” nas concretas condições previstas nas alíneas do art. 1172º do C.Civil. 

III – A SGPS é uma sociedade distinta das suas participadas, donde, por força do  “princípio da separação”, e salvo situações muito especiais (e de previsão legal específica), o holding não responde pelos actos imputáveis às suas participadas, nem pelos débitos que estas hajam assumido.

IV – Configura precisamente uma “situação muito especial” e fruto de “previsão legal específica” as normas dos arts. 501º a 504º do C.Soc.Com., por força das quais as obrigações das sociedades com domínio total, face às obrigações da sociedade dominada, se constituem como uma responsabilidade directa, ilimitada, com natureza legal e objectiva, sendo que nesse caso respondem solidariamente ambas as sociedades perante o credor.

                                                                       *

6 - DISPOSITIVO

Pelo exposto, decide-se a final, pela procedência parcial da apelação, determinando que sendo a reconvenção parcialmente provada e procedente, em consequência, são condenadas solidariamente a Autora/reconvinda “ F ( ...) – Construções, S.A.” e a Interveniente Principal “ F ( ...) – Investimentos e Participações, S.G.P.S., S.A.” a pagar à Ré/reconvinte “I (…), ARQUITECTURA E ENGENHARIA, UNIPESSOAL, LDA.” a quantia de € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros), acrescida de IVA à taxa legal, e de juros moratórios contados e calculados do modo nesse particular assinalado na sentença até integral pagamento, sendo que no demais se mantém a sentença recorrida nos seus precisos termos.  

            Custas: - nesta instância: pela Ré/reconvinte/apelante e Autora/reconvinda/recorrida, na proporção de 9/10 para aquela e 1/10 para esta; 

                                 - na 1ª instância: na proporção decretada na sentença recorrida, mas abrangendo nelas a Interveniente Principal “ F ( ...) – Investimentos e Participações, S.G.P.S., S.A.” a par da Autora.

                                                                       *

                                                Luís Filipe Cravo ( Relator )

                                                Maria José Guerra

                                               Albertina Pedroso)


[1] De referir que este concreto petitório foi o decorrente da alteração do pedido (bem como de uma ampliação da causa de pedir) apresentadas pela A. no seu articulado de réplica, e admitidas oportunamente como questão prévia do despacho saneador (cf. fls. 212).
[2] Cf., com alguma profundidade sobre a questão, MOTA PINTO, in “Teoria Geral do Direito Civil”, 2ª edição actualizada, Coimbra Editora, 2003, a pags. 442-460.
[3] Assim MANUEL DE ANDRADE, in “Teoria Geral da Relação Jurídica”, citado na obra mencionada na nota anterior.

[4] Também aqui alinhamos com a sagaz observação do Exmo. Juiz do tribunal a quo, expressa na sua já referenciada motivação da decisão sobre a matéria de facto, a saber, «Basta para o efeito colocar uma simples questão: a que título, com que fundamento, com que retorno haveriam os donos da F ( ...) entregar, sem mais, 5% de toda a facturação das mais de 4 dezenas de empresas do grupo à ré, transformando-a numa espécie de sócia de facto, sem necessidade de qualquer investimento ou participação no capital, sem assumir qualquer risco, tudo isso apenas em virtude de um contrato em que a ré se vinculou a serviços de projecto e consultoria? Cremos poder afirmar que olhando para a normalidade das coisas e com o mínimo de bom senso, ninguém pode aceitar como verosímil a razoabilidade económica de tal coisa.»
[5] Cf. mais desenvolvidamente sobre a figura dogmática da “Revogação”, seus requisitos, condições de exercício e consequência dela, PEDRO ROMANO MARTINEZ, in “Da Cessação do Contrato”, 2ª edição, Livª Almedina, Coimbra, 2006, de pags. 537 a 544.
[6] Citámos ANTÓNIO MENEZES CORDEIRO, in “Manual de Direito das Sociedades”, I volume, Livª Almedina, Coimbra, 2004, a pags. 836.
[7] Neste preciso e mesmo sentido se pronunciou doutamente o Ac. da R. de Coimbra de 27-07-2010, no proc. nº 255/10.2T2AVR-B.C1, acessível in www.dgsi.pt/jtrc.
[8] Cf. mais desenvolvidamente sobre outros aspectos da natureza jurídica desta responsabilidade, ENGRÁCIA ANTUNES, in “Os Grupos de Sociedades”, Livª Almedina, 1993, a págs.661-771.
[9] No proc. nº 05A1413, acessível em www.dgsi.pt/stj, cujos ensinamentos se seguiram de perto quanto ao exposto no texto.