Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
971/11.TBCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
PRINCÍPIO DO PEDIDO
MATÉRIA DE FACTO
QUESITOS CONCLUSIVOS
PEDIDO SUBSIDIÁRIO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 12/11/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO - TRIBUNAL JUDICIAL - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS.3, 264, 646, 660, 661, 668 CPC, 494, 496 CC
Sumário: I- Por força dos dos princípios da substanciação, do dispositivo e da autorresponsabilidade das partes, a decisão está, qualitativa e quantitativamente, – salvo casos de pedido implícito - vinculada ao pedido adrede e inequivocamente formulado, sob pena de nulidade– artºs 3º nº1, 264º, 660º nº2 e 661º nº1 e 668º nº1 als. d) e e) do CPC do CPC.

II – Se os autores pedem a condenação da ré a reconhecer a celebração de um contrato de empreitada: «nos moldes descriminados no presente articulado», a decisão, no caso de procedência, pode/deve, condenar com a discriminação pretendida, sem que haja violação das referidas normas.

III -– Em abono da dessacralização da aplicação do direito e da realização da justiça, podem ser quesitadas expressões de cariz jurídico-conclusivo que entraram no léxico e compreensão do homem comum, do homo prudens.

IV- O pedido subsidiário apenas é de atender se o pedido principal for totalmente desatendido.

V – Os danos não patrimoniais são perspetiváveis na responsabilidade contratual, e a sua atendibilidade, em caso de simples transtorno e desgosto, causadores de prejuízo psico-emocional prejudicial à consecução de almejada qualidade de vida, lato sensu, deve ser abrangentemente perspetivada, pois que este bem é hodiernamente, em que as necessidades materiais estão tendencialmente asseguradas, especialmente valorizado.

Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

CV (…) e EV (…), intentaram contra a sociedade comercial M (…) Lda” ação declarativa, de condenação, com processo comum sumário.

 Alegaram, em síntese:

Em finais de Maio de 2008, entre os autores, a qualidade de donos da obra, e a ré na qualidade de empreiteira, foi celebrado um contrato de empreitada que tinha por objeto a construção de um Jazigo.

O jazigo veio a sofrer Infiltração das águas das chuvas, sendo que o betume, aplicado nas juntas das pedras de granito, em vista das chuvas fortes, começou desde logo, a desintegrar-se e a cair, provocando aberturas por onde, também, se infiltrava a água da chuva e consequentemente, a ausência de solidez e consistência na estrutura do jazigo;

Em resultado da humidade, o piso do jazigo, mesmo enxuto e as lajes interior e exteriores, apresentam enormes manchas.

As deficiências em causa, retiram qualquer valor económico à obra, relativamente ao fim do uso a que se destina, tendo em vista a especial finalidade visada, explicitamente contida nos termos contratuais.

Pediram:

A condenação da ré a:

a) Reconhecer a celebração de um contrato de empreitada entre A.A. e R. no qual as partes detinham, respetivamente as posições de donos de obra e de empreiteiro, nos moldes descriminados no presente articulado;

b) Proceder à eliminação dos defeitos da obra, procedendo aos trabalhos necessários para fazer cessar todos os defeitos descritos no supra artigo 23º da PI;

c) Subsidiáriamente, em caso de impossibilidade de eliminação dos defeitos apontados, ser a R. condenada, a construir obra nova;

d) Condenar a R. com custas e procuradoria condigna a favor dos A. A. com as demais consequências legais;

e) Indemnizar os A.A. pelos danos morais, no valor de € 2500 (Dois mil e quinhentos euros).

Citada, a ré não contestou.

Alegou, posteriormente, que  no dia 24/02/2011, propôs contra a aqui autora uma injunção na qual se peticiona o pagamento da quantia de 12067,60€, a título de pagamento do preço em falta da mesma empreitada.

A aqui autora e ali ré contestou a injunção em 23/03/2011, isto é em data muito anterior à da propositura da presente ação.

Nos presentes autos repete-se o pedido e a causa de pedir sendo as mesmas partes que se encontram em litigio, pelo que  estamos face de uma situação litispendência.

Se assim não se entender então as questões suscitadas no processo que corre termos no 2º juízo são prejudiciais e impedem o conhecimento do objeto da presente ação, nos termos e para os efeitos do disposto no art.97º e 279º nº1 e 2 do C.P.C.

Pediu:

A sua absolvição da instância e/ou a suspendendo-se a instância.

Responderam os autores.

Dizendo que porque a injunção não admite Reconvenção, estavam impedidos de deduzirem na posição que apresentaram qualquer pedido no âmbito de um processo dessa natureza.

Por isso, viu-se na necessidade de demandar a ré com os fundamentos que constantes da petição inicial destes autos com os respetivos pedidos.

E a confissão dos pedidos apresentados na presente ação, em consequência da não contestação da ré vai impedir o conhecimento da ação ainda a correr termos no 2º Juízo deste Tribunal, não tendo obviamente qualquer merecimento legal o peticionado pela R., no sentido da R, vir a ser absolvida da instância ou suspender-se a mesma.

2.

Foi proferida decisão na qual se desatenderam as exceções invocadas.

Seguidamente foi prolatada sentença na qual se decidiu julgar a ação parcialmente procedente, e em consequência, se condenou a ré:

a) Reconhecer que, em Maio de 2008, celebrou um contrato de empreitada com a autora com vista à construção de um jazigo nos dois talhões de que aquela é proprietária no cemitério de L (. ..) , no prazo de 6 meses, com pedra de granito, cimento, porta e restantes materiais, pelo preço total de € 17.5000 com I.V.A. já incluído,

Os Autores aceitaram o valor orçamentado pelo gerente da Ré, tendo ficado acertado entre ambas as partes que o preço global, seria liquidado da seguinte forma:

--- A quantia inicial de € 6000 (Seis mil euros) de imediato;

--- A quantia de € 6.500 (Seis mil e quinhentos euros) ao meio da obra:

--- A quantia de € 5000 (Cinco mil euros) com a conclusão da obra;

b) Condenou-se a Ré a proceder à eliminação dos defeitos da obra referidos no ponto 29) da matéria de facto provada, procedendo aos trabalhos necessários para fazer cessar todos os referidos defeitos;

c) Subsidiáriamente, em caso de impossibilidade de eliminação dos defeitos apontados, condenou-se a Ré a construir uma obra nova sem aqueles defeitos, à sua custa;

e) Condenou-se a Ré a indemnizar a autora pelos danos morais sofridos com a sua conduta incumpridora do contrato celebrado entre as partes, pelo valor de € 1500 ( mil e quinhentos euros).

f) Condenou-se os autores e a Ré nas custas da acção, na proporção de 1/10 para os primeiros e 9/10 para a segunda .

3.

Inconformada recorreu a ré.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

1ª …Acontece, que pela sentença recorrida veio o juiz “a quo” dizer que condena a R. (recorrente) a reconhecer que, em Maio de 2008, celebrou um contrato de empreitada com a autora com vista à construção de um jazigo nos dois talhões de que aquela é proprietária no cemitério de L (. ..) , no prazo de 6 meses, com pedra de granito, cimento, porta e restantes materiais, pelo preço total de € 17.5000 com I.V.A. já incluído.

Afigura-se-nos que tal vem contra a questão decidida acerca da causa de pedir (incumprimento defeituoso) e do pedido (condenação de eliminação dos defeitos), vindo-se a pronunciar acerca do preço da empreitada, facto para o que a R. alertara.

O pedido formulado nos autos pelos AA. foi o de reconhecer a celebração de um contrato de empreitada entre A.A. e R. no qual as partes detinham, respectivamente as posições de donos de obra e de empreiteiro, nos moldes descriminados no presente articulado, o pedido tem de ser claro e expresso não podendo com este tipo de formulação pretender alcançar-se tais efeitos, designadamente fixação do preço, quanto mais não seja por estar vinculado ao caso julgado do despacho referido que considerou que o preço não fazia parte da causa de pedir e do pedido dos presentes autos.

Pelo que, a douta sentença proferida viola o caso julgado do douto despacho proferido por V.Exª quanto à litispendência.

Assim, invoca-se a nulidade da sentença quanto à parte que se pronuncia acerca do preço da empreitada, pois viola o caso julgado e excede o pedido formulado. (cfr. arts. 494º, al. i e 495º do CPC.- o qual obsta a que a questão resolvida seja novamente suscitada no mesmo processo.)

2ª A sentença recorrida condenou a recorrente a proceder à eliminação dos defeitos da obra referidos no ponto 29) da matéria de facto provada, procedendo aos trabalhos necessários para fazer cessar todos os referidos defeitos; e ainda a subsidiariamente, em caso de impossibilidade de eliminação dos defeitos apontados, condenou a Ré a construir uma obra nova sem aqueles defeitos, à sua custa.

O pedido subsidiário (o pedido que é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior) pressupõe um principal e a sua apreciação, por sua vez, pressupõe a improcedência deste. (cfr. art. 469º nº 1 CPC).

O pedido de obra nova é subsidiário do pedido de eliminação dos defeitos (pedido principal), a procedência do pedido principal obsta à apreciação de qualquer pedido subsidiário (cfr. ac do STJ de 06/07/2006 in www.dgsi.pt), pelo que o juiz “a quo” violou o disposto no art.469º nº1 do CPC ao dar por procedente o pedido subsidiário formulado pelos recorridos.

3ª O direito de exigir nova construção tem como pressuposto que os defeitos não sejam elimináveis e desde que as despesas não sejam desproporcionadas em relação ao proveito, o que terá de ser alegado e demonstrado pelo dono da obra.

Esse direito à realização de nova obra traduz-se num direito de indemnização em forma específica, repetindo aqui o empreiteiro, por inteiro ou em parte, a prestação a que se obrigou - v. Cura Mariano, ob. cit., pág. 121 e Romano Martinez, ob. cit., pág. 393/394.

No caso dos autos os recorridos não alegam quaisquer factos neste sentido, nem se encontram provados factos que consubstanciem a impossibilidade de os defeitos poderem ser eliminados, pelo que também por este motivo terá de improceder o pedido subsidiário.

Aliás consta dos factos provados que os defeitos podem ser eliminados.

4ª O juiz “a quo” ao considerar provados os nº09, 29 al.B (a ausência de solidez e consistência na estrutura do jazigo), 30 (Tais deficiências devem-se à deficiente execução na operação de aplicação das lages de granito), 31 (As deficiências em causa, retiram qualquer valor económico à obra, relativamente ao fim do uso a que se destina), 49 (há largos anos) e nº53 todos dos factos provados da sentença recorrida, emitiu um juízo de valor, uma conclusão, sobre uma materialidade que carecia de concreta alegação e consequente demonstração, devendo considerar como não escritas as respostas impugnadas.

5ª No caso em apreço desconhecesse há quantos anos faleceram os avós da recorrida, em que local se encontram as urnas, se estão enterradas ou se se encontram num outro jazigo.

A ser assim, os danos não patrimoniais não têm relevância para serem ressarcíveis, pois as urnas estão onde sempre estiveram, local desconhecido nos autos, a recorrida encontra-se em França, não estando preocupada com os restos dos seus entes queridos, pois estes estão resguardados no local onde sempre estiveram.

Por outro lado, deveria sim estar desgostosa em não pagar a recorrente após ter recebido a factura reclamada nos outros autos que correm no 2º juízo, a qual nunca devolveu e aceitou.

Além disso, não se verificam os pressupostos de responsabilidade extracontratual para se condenar a recorrente a este título, uma vez que não existe dano, nexo de causalidade e a recorrente não agiu com culpa.

Caso assim não se considere, tal como supra alegado a indemnização há-de ser fixada equitativamente atendendo ao grau de culpabilidade dos agentes, a situação económica destes e dos lesados e demais circunstâncias do caso que o justifiquem.

No caso dos autos desconhecesse as condições económicas dos agentes e lesados, o grau de culpa, há quanto tempo faleceram os avós da recorrida, onde se encontram os restos fúnebres, se a recorrida tem padecido de insónias, falta de apetite, vergonha, nervosismo, pelo que se considera excessiva a indemnização fixada sendo mais do que justa a quantia de 200€, no máximo.

Inexistiram contra-alegações.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 685º-A do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:

1ª - Nulidade da sentença na parte em que se pronuncia acerca do preço da empreitada.

2ª- Consideração da matéria de certos pontos do acervo tido por factual como não escrita, porque conclusiva.

3ª- Ilegalidade da condenação na construção de obra nova.

4ª- Absolvição do pedido de danos não patrimoniais ou redução do seu quantum.

5.

Os factos dados como provados foram os seguintes:

1- A Ré, dedica-se, com carácter lucrativo à actividade de comércio, fabrico de pedras e construção de jazigos.

2- A Autora, em Maio de 2008, contactou a Ré para que esta, no exercício da sua actividade, lhes fornecesse um orçamento para a construção de um jazigo no cemitério da sua terra natal, freguesia de L (. ..) , deste concelho e comarca.

3- Os talhões do cemitério, onde foi levantado o jazigo, concretamente os talhões nºs 8 e 9 do Cemitério da Freguesia de L (. ..) , são propriedade da Autora, tendo o respectivo alvará e licença de construção.

4- O orçamento requerido do jazigo, contemplava a mão-de-obra e a totalidade dos materiais e componentes inculcados na obra.

5- Em resultado da abordagem à Ré, o gerente desta, (…), manifestou à Autora, verbalmente, que se propunha executar o referido jazigo nos dois talhões, supra referenciados no prazo de 6 meses, com pedra de granito, cimento, porta e restantes materiais, pelo preço total de € 17.5000 com I.V.A. já incluído,

6- Tais negociações, em virtude da Autora ter de se deslocar para França, onde vive e trabalha há mais de 20 anos, e pelo facto do Autor marido ser cidadão francês, dominando com dificuldade a língua portuguesa, decorreram na presença e conhecimento do pai da Autora, JA(. ..) , com residência alternada na freguesia de L (. ..) e em França.

7- Os Autores aceitaram o valor orçamentado, pelo gerente da Ré tendo ficado acertado entre ambas as partes que o preço global, seria liquidado da seguinte forma:

--- A quantia inicial de € 6000 (Seis mil euros) de imediato;

--- A quantia de € 6.500 (Seis mil e quinhentos euros) ao meio da obra:

--- A quantia de € 5000 (Cinco mil euros) com a conclusão da obra.

8- O valor apresentado pela Ré, foi superior ao comummente praticado por outras empresas do mesmo ramo na região, relativamente à tipologia de jazigo requerido pela Autora, tendo prevalecido a confiança depositada e o conhecimento pessoal dos pais da Autora, face ao gerente da Ré.

9 - A Autora, em resultado da curta permanência de férias em Portugal e da concordância negocial com a Ré, requereu ao gerente da mesma, um documento correspondente às condições contratuais a que o representante legal da Ré se vinculava;

10- Tendo este prometido que mais tarde o entregaria.

11- O que nunca veio a acontecer.

12 - A Autora solicitou ainda ao gerente da Ré que, pelo facto de se deslocar apenas no Verão a Portugal, que seu pai (…), fosse avisado quando iniciasse a obra para que este observasse o seu andamento;

13 - Até porque tinha sido empreiteiro, na vida activa.

14 - O gerente da Ré comprometeu-se que assim que iniciasse a obra avisaria o pai da Autora e que quanto ao documento, logo o entregaria .

15 – Conforme o acordado, a Autora, fez a entrega da quantia de € 6500 (Seis mil e quinhentos euros) em dinheiro, ao gerente da Ré em 28 de Maio de 2008 para que este, iniciasse a obra;

16 - Tendo-se este limitando, de modo informar, a apôr no verso de um cartão da sua firma, redigido e subscrito por si, a seguinte declaração:” Recebi 6500 Euros – 1 Jazigo – L (. ..) - 28/5/2008”, conforme consta do documento junto com a PI sob o n.º 3, que aqui se dá por reproduzido.

17 – A obra só foi iniciada pela Ré em Março/Abril de 2009, para além o prazo que as partes tinham acordado.

18 - Não obstante, os Autores enviaram mais 2 pagamentos para o gerente da Ré: um de € 6000 (Seis mil euros) em dinheiro e outro mediante cheque, no montante de € 5000 (Cinco mil euros) em 5 de Junho de 2009.

19 – Na altura a Ré ainda não tinha acabado o jazigo.

20 - Também desta vez, a Autora, através do seu pai, requereu uma quitação dos pagamentos efectuados;

21 – E tal como tinha sucedido anteriormente, apenas obteve do gerente da Ré uma declaração aposta no verso de um cartão da firma Ré, redigido e subscrito pelo seu gerente, declarando “ Recebi 6.000 Euros Dinheiro/ 5000 cheque – 5/6/2009” , em conformidade com o teor do documento junto com a PI sob o n.º 4, que aqui damos por reproduzido.

22 - Mediante estes 2 pagamentos, os Autores, em Junho de 2009, tinha já pago à quantia global de € 17.500 (Dezassete mil e quinhentos euros) (€6.500 + €6000 + €6500), acabando assim de pagar a totalidade do preço do jazigo, objecto contratual da empreitada, muito embora a obra, estivesse longe de se encontrar acabada.

23 - Os Autores realizaram o último pagamento de € 5000 não na conclusão da obra, como tinha sido acordado, mas ao meio desta, para pressionar a R. a acabar o jazigo.

24 - Não se registou no decorrer da obra, quaisquer alterações à obra delineada inicialmente por ambos e em consequência não houve lugar a qualquer alteração do preço contratualizado.

25 - Nunca os Autores receberam qualquer documento de quitação, a não ser os juntos sob os documentos juntos sob os n.º 3 e 4 da PI.

26 – Em Novembro de 2009 o gerente da ré avisou os pais da Autora que o jazigo estava pronto;

27 – Mas não lhes entregou as chaves, alegando para isso que as respectivas chaves, alegando que a porta não se encontrava no convencionado entre ambos.

28 – Contudo, em finais de 2009/inicio de 2010, a Ré fez chegar a chave a casa dos pais da Autora

29 - O Jazigo, construído pela Ré veio a registar várias deficiências na construção, detectadas pelo pai da Autora em Outubro de 2010 e transmitidas à Autora para França, nomeadamente:

a) A infiltração das águas das chuvas para o interior do jazigo, escorrendo nas paredes de granito da obra e pelas respectivas juntas, em face da ausência de uma correcta impermeabilização;

b) O betume, aplicado nas juntas das pedras de granito, em vista das chuvas fortes, começou desde logo, a desintegrar-se e a cair, provocando aberturas por onde, também, se infiltrava a água da chuva e consequentemente, a ausência de solidez e consistência na estrutura do jazigo;

c) Em resultado da humidade, o piso do jazigo, mesmo enxuto e as lajes interior e exteriores, apresentam enormes manchas.

30 - Tais deficiências devem-se à deficiente execução na operação de aplicação das lages de granito e na inexistência de impermeabilização da obra.

31 - As deficiências em causa, retiram qualquer valor económico à obra, relativamente ao fim do uso a que se destina, tendo em vista a especial finalidade visada, explicitamente contida nos termos contratuais.

32 - Assim que em Outubro do ano de 2010, a água da chuva que se fez sentir, em toda a região, internou-se no jazigo, mantendo-se por vários dias, um volume de água estagnada no seu interior, cobrindo todo o chão do jazigo, mantendo-se, mesmo após a remoção diária da água, levado a cabo pelo pai da Autora.

33 - O volume de água era tão considerável que se podia chapinhar no interior do jazigo.

34 - À data das chuvas, o jazigo, chegou a conter no seu interior, 2 centímetros de altura no seu interior.

35 - Quando chove, o escorrimento de água ao longo das paredes internas do jazigo e do próprio tecto em toda a sua superfície, depositando-se no piso do mesmo.

36 - A finalidade prevista da construção do jazigo é a colocação de urnas no seu interior.

37- Em resultado das referidas infilrações, torna-se inviável a colocação das respectivas urnas já que a madeira que as constitui, irá apodrecer, face a um inusitado volume de água.

38 – Em Outubro de 2010, o pai da Autora deslocou-se de imediato ao encontro do gerente da Ré, logo que visualizou as mencionadas infiltrações, dando-lhe conhecimento do ocorrido, e requerendo-lhe que se deslocasse à obra, com carácter de urgência, para eliminar os problemas surgidos.

39 - Ao ouvir as reclamações do pai da Autora, o gerente da Ré, para que a Autora “ esquecesse” as deficiências surgidas na obra, comunicou-lhe que tinha que alterar o preço contratualizado com a sua filha.

40 - Pretensões estas que foram pela Autora liminarmente desatendidas face ao acordado anteriormente.

41 - Posteriormente, a Autora, em França, comunicou insistentemente ao gerente da Ré, por telefone em Outubro de 2010 e nos meses seguintes, as deficiências e a imperatividade da sua reparação, exigindo-lhe a eliminação imediata e urgente dos defeitos.

42 – Estando projectado para que no Natal de 2010, se viesse a proceder à deslocação das urnas dos avós paternos e avó materna para o jazigo.

43 – Porque o gerente da Ré ainda não se tinha deslocado ao jazigo; em Outubro e Novembro de 2010, o pai da Autora se deslocou por diversas vezes, às instalações da sede da Ré solicitando a comparência ali daquele e da sua equipa, com vista à eliminação dos defeitos;

44 – Uma das vezes o gerente da Ré prometeu que iria corrigir os defeitos.

45 – Tendo o gerente da Ré dito ao pai da Autora (…): «Sr. (…), não tive tempo para me ocupar do seu jazigo como devia ser, mas sei quais são os problemas que lá existem”».

46 – Porque a Ré não procedeu a quaisquer obras de reparação do jazigo, este ainda está incapaz de vir a receber urnas já que a madeira componente, iria apodrecer rapidamente.

47 - Em Março de 2011, a Autora enviou uma carta registada c/ A.R., à Ré insistindo uma vez mais para que esta procedesse à eliminação dos defeitos, dando-lhe um prazo de 15 dias para remover os defeitos relacionados com as infiltrações constantes de água sempre que chove, nos termos constantes do documento junto aos autos com a PI sob o n.º 5, cujo teor aqui damos por integralmente reproduzido.

48 – O jazigo, continua à presente data, sem poder ser usado para as normais aptidões para que foi previsto, o que motivou que se frustrasse a intenção da Autora, no sentido de vir a colocar ali, as urnas dos seus familiares já falecidos avós paternos e avó materna.

49 - A Autora, porque vive e trabalha em França há largos anos, não pôde fiscalizar a construção.

50 – As reparações de que o jazigo carece em ordem à eliminação das infiltrações obrigam à desmontagem total das várias lajes em granito que constituem a obra.

51 - Em face das dificuldades e da consequente onerosidade que a Ré prevê para a rectificação das imperfeições na obra, preferiu esta, até à presente data, recusar-se a proceder às inerentes obras.

52 - A Autora tinha como desejo, colocar as urnas dos seus entes queridos no referido jazigo;

53 – Em consequência das infiltrações que aquele apresenta, vê-se assim a autora impossibilitada de o fazer.

53 É com desgosto que a Autora constata que a à data, ainda não pode depositar os restos fúnebres dos seus entes queridos, encontrando-se profundamente arrependida de ter celebrado o contrato com a R., relativo a uma obra com fins tão específicos e ainda não a poder utilizar.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

5.1.1.

Como é consabido, a natureza e o âmbito da decisão está, ex vi dos princípios da substanciação, do dispositivo e da autorresponsabilidade das partes,  dependente/condicionada/limitada pelo pedido formulado e pela respetiva causa petendicfr, vg. artºs 3º nº1, 264º, 660º nº2 e 661º nº1 do CPC.

De tal sorte que se o juiz, na sentença, ficar aquém ou for para além dos limites do thema decidendum, tal como são definidos pelas partes, ou condena em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, ela é nula – artº 668º nº1 als.d) e e) do CPC.

Com efeito, estes segmentos normativo conexionam-se com o estatuído nos arts. 156º e 660º do mesmo diploma, ou seja, com o dever do juiz administrar a justiça proferindo despachos ou sentenças sobre as matérias pendentes – artº 156º - e com a necessidade de o juiz dever conhecer das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica e de resolver todas as questões – e só estas questões, que não outras, salvo se de conhecimento oficioso - que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras –artº660º.

 Há decisão ultra petitum sempre que o julgador não confina o julgamento da questão controvertida ao pedido formulado pelo autor ou ao pedido reconvencional deduzido pelo réu e conhece, fora dos casos em que tal lhe é permitido ex officio, questão não submetida à sua apreciação.

Para que não se verifique tal vício terá de existir uma correspondência entre a pronúncia e a pretensão, isto é, a sentença não pode decidir para além do que está ínsito no pedido, nos termos formulados pelo demandante. Este princípio é válido quer para o conhecimento excessivo em termos quantitativos, quer por condenação em diverso objeto - excesso qualitativo – cfr. Ac. do STJ de 28.09.2006, dgsi.pt, p.06A2464. 

Efetivamente não pode o Tribunal ultrapassar a tutela jurisdicional pretendida pela parte, até porque existem diversos tipos de ações, consoante o direito invocado e a providência jurisdicional requerida, sob pena de exceder o limite imposto por lei ao seu dever de condenar.

Porém, casos há em que o pedido, adrede formulado, acarreta, necessária ou em termos de normalidade das coisas, outras consequências ou, até, pretensões, indispensáveis para a solução do litígio, as quais, se não expressamente deduzidas pelo respetivo interessado, se podem ter por implícitas, e, assim,  eventualmente consideradas pelo julgador que sobre elas poderá emitir pronúncia.

É o caso do reconhecimento do direito de propriedade, o qual pode ser considerado como um pedido implícito, face ao pedido de restituição ou entrega da coisa.

Mas já não é admissível considerar subentendido o pedido de restituição que, por sua natureza, deve ser explícito, com base na formulação do pedido de pagamento da indemnização pela ocupação e utilização da coisa, até efetiva desocupação e entrega da mesma à respetiva parte reclamante, sob pena de nulidade, por pronúncia indevida – Manuel de Andrade, Noções Elementares, 1976, 109 e 110; Alberto dos Reis, CPC Anotado, III, 1981, p.106.; P. Lima e A. Varela, CC Anotado, III, 1987, p. 113 e Acs. do STJ de 2-12-2008, p. 08A2353 e de 20.10.2011, p. 273/05.2TBGVA.C1.S1, in dgsi.pt,.

5.1.2.

No caso vertente a recorrente alicerça a sua presente pretensão de o preço da empreitada não estar em causa nestes autos em dois argumentos.

Porque existiu caso julgado, no despacho que indeferiu as exceções por si invocadas.

Porque  o julgado excedeu o pedido formulado.

Quanto aquele fundamento não lhe assiste razão.

Na verdade o trecho do mencionado despacho que, de algum modo, pode relacionar-se com o ora pretendido e que pode ser convocado, é o seguinte: «Nos presentes autos os autores não coincidem absolutamente com os réus naquela injunção; a causa de pedir dos presentes autos assenta no cumprimento defeituoso pela aqui ré e alem autora, do contrato de empreitada celebrado entre as partes, não realizando a obra a que estava obrigada sem vícios; enquanto que o causa de pedir da injunção é o não pagamento pela ré, aqui autora, do preço acordado como contrapartida da obra executada pela aqui ré e ali autora; e, por inerência, o pedido também é totalmente diferente numa e noutra das acções».

Ora nesta fundamentação não consta nenhuma referencia e, muito menos, decisão e vinculação, ao preço da empreitada, enquanto pedido da presente ação,  pois que, como dele adrede e inequívocamente ressumbra, apenas se reportou ao cumprimento defeituoso como causa de pedir.

 E não se podendo tal inferir desta referencia à causa petendi como pretende a recorrente, pois que a questão do preço, enquanto  possivelmente abrangido pelo caso julgado, se deve reportar ao pedido formulado pelo autor, já  que, em tese geral e também aqui, a parte decisória da sentença tem sempre de ser aferida pelo pedido impetrado independentemente da causa de pedir aduzida.

Mas se assim é importa  analisar se os autores efetivamente pediram, ou não, nos termos decididos na al.a)  da parte injuntiva da sentença.

Como supra se aludiu, o primeiro pedido dos autores é o seguinte: condenação da ré a «reconhecer a celebração de um contrato de empreitada entre A.A. e R. no qual as partes detinham, respetivamente as posições de donos de obra e de empreiteiro, nos moldes descriminados no presente articulado.» (sublinhado nosso)

Ora no articulado os autores discriminaram o conteúdo do contrato e, designadamente fizeram menção ao preço e condições de pagamento – cfr. artºs 5º e 7º da pi.

Assim sendo, verifica-se que o decidido está ainda dentro do impetrado, constituindo apenas a concretização ou densificação do pedido, a final, mais sinteticamente e por remissão, formulado – o que é admissível e, até, preferível, por uma questão de simplificação e espírito de síntese - pelos demandantes.

5.2.

Segunda questão.

 No rigor dos princípios os factos a quesitar são apenas as ocorrências concretas da vida real, quer as captáveis pelas perceções sensoriais, quer os atinentes ao foro interno, psíquico e emocional do indivíduo.

No entanto tem-se entendido hodiernamente, quer na doutrina quer na jurisprudência, que tanto expressões mais ou menos de índole conclusiva como aquelas com um determinado sentido basilarmente de cariz técnico-jurídico, podem ser utilizadas na formulação dos quesitos e serem respondidos, desde que utilizadas comummente pelas pessoas sem preparação jurídica e cujo sentido  elas intelijam – cfr. entre outros, Abílio Neto in Breves Notas ao CPC, 2005, p.185 e Acs. Do STJ de 20.01.04, 13.11.2007 e 03.11.2009, in dgsi.pt, ps. 04A2288, 07A3060 e 4073/04.9, respectivamente.

Pois que: «não pode perder‑se de vista que é praticamente impossível formular questões rigorosamente simples, que não tragam em si implicados, o mais das vezes, juízos conclusivos sobre outros elementos de facto; e assim, desde que se trate de realidades apreensíveis e compreensíveis pelos sentidos e pelo intelecto dos homens, não deve aceitar‑se que uma pretensa ortodoxia na organização da base instrutória impeça a sua quesitação, sob pena de a resolução judicial dos litígios ir perdendo progressivamente o contacto com a realidade da vida e assentar cada vez mais em abstracções (e subtilezas jurídicas) distantes dos interesses legítimos que o direito e os tribunais têm o dever de proteger.» - Ac. do STJ de 13.11.2007, dgsi.pt, p. 07A3060; no mesmo sentido vide Acs. do STJ de 18.04.2002, dgsi.pt., p.02B3683, de 13.11.2007, p.07A3060 e de  03.11.2009, p.4073/04.9TBMAI.P1.

Concordamos com este entendimento.

Tudo em detrimento de uma anquilosada formalização conceptual e em abono de uma desmistificação e dessacralização na interpretação e aplicação do direito, com os inerentes benefícios para a realização da justiça material.

No caso vertente assim é.

Na verdade o teor dos pontos que a recorrente coloca sub sursis, e supra plasmado, a saber: nº9, 29 al .B (a ausência de solidez e consistência na estrutura do jazigo), 30 (Tais deficiências devem-se à deficiente execução na operação de aplicação das lages de granito), 31 (As deficiências em causa, retiram qualquer valor económico à obra, relativamente ao fim do uso a que se destina), 49 (há largos anos) e nº53»,  ou são factos concretos, concisos  e precisos - vg. nº9 –, ou são consequências ou decorrências necessárias ou normais  - e ainda factuais - de factos que as precedem,  e/ou entraram no léxico e compreensão do homem comum, do designado homo prudens.

Acresce que o acervo factual onde se encontram tais termos, resultou provado não por sua inserção na BI e consequente produção de prova, mas antes e desde logo,  por confissão da ré, pois que devidamente citada não contestou.artº 484º nº1 ex vi do artº 463º nº1 do CPC.

 Consubstanciando-se assim a posição da insurgente  quasi como caso de venire contra factum proprium.

Nesta conformidade se pode/deve entender, sem que tal implique violação  ou desvirtuamento de princípios e conceitos jurídicos ou do invocado artº 646º nº4 do CPC, que não está vedada a consideração de  tal matéria.

5.3.

Terceira questão.

5.3.1.

Estatui o artº 469º nº1 do CPC:

«Diz-se subsidiário o pedido que é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior.»

O pedido subsidiário não se confunde com o pedido alternativo porque este diz respeito a direitos e obrigações alternativos que são suscetíveis de se resolver em alternativa.

Já naqueles a alternativa é meramente formal ou aparente, inexistindo na realidade, pois que falta a caraterística essencial da obrigação alternativa qual seja, a equivalência jurídico/material de qualquer das prestações para, rigorosamente, na mesma medida e alcance, satisfazer o interesse do credor.

Assim, o pedido subsidiário é apresentado ao tribunal para ser tomado em tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior.

 O pedido colocado em plano superior tem o cunho de pedido principal ou primário; o colocado em plano inferior é o pedido subsidiário.

E como este pedido só tem de ser apreciado e considerado no caso de não proceder o pedido primário, daí o carácter eventual que apresenta o pedido subsidiário.

Os dois pedidos – principal e subsidiário -  devem dizer respeito ao mesmo ato ou facto jurídico. Mas denunciam uma atitude de dúvida ou hesitação do autor perante tal facto. O autor porque não está seguro que a sua pretensão venha a ser acolhida pelo tribunal, deduz subsidiáriamente uma outra pretensão mais solida para ser considerada caso não venha a vingar a primeira - cfr. A. dos Reis Comentário,  3º,p.136 e ss. e CPC Anotado, 1º, p. 373, Anselmo de Castro in Direito Processual Civil Declaratório, 1º, p. 160; Lebre de Freitas in CPC Anotado, 2º, p. 232 e Remédio Marques, Ação Declarativa à Luz do Código Revisto, 2007, p.277, nota 1; Acs. do STJ de 10.07.2008, p. 08A1939 e de 23.09.2008, p. 08A2409, in dgsi.pt.

Aliás a relação de dependência e aparência do pedido subsidiário relativamente ao principal é de tal modo intensa que é defensável, que a parcial procedência deste obste à apreciação de qualquer pedido subsidiário – Ac. do STJ de 06.07.2006, p. 06A1978

 Pelo menos, diremos nós, tendencialmente e se se concluir que o deferimento parcial do pedido principal satisfaz o interesse do credor.

5.3.2.

No caso vertente é evidente que o pedido de obra nova foi formulado a título subsidiário e apenas a considerar para o caso de o pedido principal de correção e eliminação dos defeitos se mostrar impossível.

Ora como, aqui bem, alega a recorrente, nem os autores alegaram tal impossibilidade, nem, tal impossibilidade emergiu posteriormente dos autos, até porque os factos assentes refletem apenas as suas alegações, pois que a ré não contestou.

O Sr. Juiz condenou neste pedido outrossim: «Subsidiáriamente, em caso de impossibilidade de eliminação dos defeitos apontados», ou seja, remeteu para fora do processo, para a vida real, a possibilidade da obra nova, no caso de os defeitos não poderem ser eliminados.

Mas ainda que tal posição, numa perspetiva de celeridade e economia de meios até se revele a mais conveniente, porque poderia evitar uma nova ação, ela não é a mais consentânea com os princípios e regras jurídicas atinentes.

Na verdade já se viu que o pedido subsidiário apenas pode vingar no caso de o principal improceder, o que no caso não se verificou.

Nesta conformidade o pedido subsidiário não pode ser concedido sob pena de o julgador estar a deferir mais do que o pedido e provado.

5.4.

Quarta questão.

5.4.1.

Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito – artº 496º nº1 do CC.

O dano não patrimonial não se reconduz a uma única figura, tendo vários componentes e assumindo variados modos de expressão, abrangendo o chamado quantum doloris, que sintetiza as dores físicas e morais sofridas; o “dano estético”, que simboliza, nos casos de ofensa à integridade física, o prejuízo anátomo-funcional associado às deformidades e aleijões; o “prejuízo de afirmação social”, dano indiferenciado, que respeita à inserção social do lesado, nas suas variadas vertentes (familiar, profissional, sexual, afectiva, recreativa, cultural, cívica); o prejuízo da “saúde geral e da longevidade”, em que avultam o dano da dor e o défice de bem-estar e que valoriza os danos irreversíveis na saúde e bem-estar da vítima; o pretium juventutis, que realça a especificidade da frustração do viver em pleno a chamada primavera da vida – cfr. Ac. do STJ de 18.06.2009, dgsi.pt, p. 1632/01.5SILSB.S1.

Há, também, que ter presente que, logo a seguir ao bem vida, os direitos de personalidade- cuja preservação é necessária para se manter a própria dignidade e amor próprio e para possibilitar uma sã (lato sensu) convivência social - são, quiçá, o direito com maior dignidade e que importa respeitar e defender.

Assim, a indemnização por danos não patrimoniais reveste uma natureza acentuadamente mista.

 Por um lado visa, mais do que indemnizar, reparar os danos sofridos pela pessoa lesada; pretende-se proporcionar ao lesado uma compensação ou benefício de ordem material - a única possível -, que lhe permite obter prazeres ou distrações - porventura de ordem puramente espiritual - que, de algum modo, atenuem o desgosto sofrido: não consiste num pretium doloris, mas antes numa compensatio doloris.

Por outro lado não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.

5.4.2.

Resta sempre difícil apurar, com rigor, a adequação do montante compensatório dos danos não patrimoniais, de sorte a que com o mesmo se possam minorar as afetações negativas sofridas, operando-se, assim, com a maior aproximação possível, a justiça do caso concreto.

A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objetivo, que tenha em conta o circunstancialismo de cada caso, e não por padrões subjetivos, resultantes de uma sensibilidade particular.

Devendo ainda considerar-se que a mais recente jurisprudência do nosso mais Alto Tribunal vem reconhecendo que se torna necessário elevar o nível dos montantes dos danos morais, perante o condicionalismo económico do momento, e o maior valor que hoje se atribui à vida, integridade física e dignidade humanas, sendo que, hodiernamente se vislumbra sedimentada uma corrente jurisprudencial que visa afastar critérios miserabilistas de fixação desta espécie de danos, pautando-se por uma justa, naturalmente mais elevada, fixação dos montantes indemnizatórios.

 Certo é que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, e designadamente, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso  - arts. 496º, nº 3 e 494º do C.C.

Fazendo-se apelo a um julgamento segundo a equidade, em que os critérios que os tribunais devem seguir não são nem podem ser fixos, devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, “as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida”, só se justificando uma intervenção corretiva se a indemnização se mostrar desajustada por  meridianamente desconforme a esses elementos – cfr. Ac. do STJ de 18.06.2009, supra citado.

Havendo aqui, naturalmente, que conviver e aceitar uma certa álea e relatividade das decisões judiciais, caraterísticas que são inerentes a tais decisões como aliás a qualquer atividade  humana que não se estribe em premissas de cariz científico-natural ou matemático.  

Importando, todavia, perspetivar as diversas decisões prolatadas em casos similares para se tentar operar a fixação de valores idênticos, pois que tal contribui não só para a certeza e segurança do direito como, também, para a consecução da justiça material, quer na sua vertente absoluta, quer na vertente relativa ou comparativa.

5.4.2.

Diz a recorrente que: «…desconhecesse há quantos anos faleceram os avós da recorrida, em que local se encontram as urnas, se estão enterradas ou se se encontram num outro jazigo.

A ser assim, os danos não patrimoniais não têm relevância para serem ressarcíveis, pois as urnas estão onde sempre estiveram, local desconhecido nos autos, a recorrida encontra-se em França, não estando preocupada com os restos dos seus entes queridos, pois estes estão resguardados no local onde sempre estiveram.

Além disso, não se verificam os pressupostos de responsabilidade extracontratual para se condenar a recorrente a este título, uma vez que não existe dano, nexo de causalidade e a recorrente não agiu com culpa.».

Desde logo quanto a este último argumento, ele improcede pois que o caso não se reporta a responsabilidade aquiliana, mas antes a obrigacional/contratual, já que atinente a contrato de empreitada, e os danos morais são, outrossim, admissíveis neste âmbito.

Quanto aos factos.

Provou-se, com relevância para esta questão que:

As deficiências manifestaram-se em Outubro de 2010, tendo, vg. havido infiltrações de agua que chegaram a ter 2cm de altura.

 Em resultado das referidas infilrações, torna-se inviável a colocação das respetivas urnas dos avós paternos e avó materna, o que estava previsto acontecer no Natal de 2010.

Estando projetado para que no Natal de 2010, se viesse a proceder à deslocação das urnas dos avós paternos e avó materna para o jazigo.

É com desgosto que a Autora constata que à data, ainda não pode depositar os restos fúnebres dos seus entes queridos.

Os autores, quer diretamente quer através de familiares, diligenciaram junto da ré para a reparação, infrutiferamente.

E, tudo visto e ponderado, conclui-se, operando uma adequada e sagaz interpretação dos factos mais relevantes, que os autores sofreram, e estão a sofrer,  transtornos, aborrecimentos e até, desgosto, ex vi da imperfeição e deficiências da obra.

Estas consequências e sequelas revelam-se, naturalmente, um inequívoco handicap à obtenção de uma normal e plena qualidade de vida, a que os autor têm jus.

Ora esta qualidade de vida, lato sensu considerada, ie. quer na sua vertente física, quer na sua otica intelectual e psico-somática, apresenta-se, na hodierna sociedade portuguesa - na qual, pelo menos tendencialmente e para a grande parte dos cidadãos, as necessidades materiais básicas se encontram asseguradas – como um bem a preservar, defender e melhorar.

Nesta conformidade, considerando a natureza e finalidades da compensação a este título e uma maior compreensão e abertura para a proteção dos valores e direitos que pretende defender e tutelar, conclui-se que assiste jus aos autores a tal compensação em quantum equitativamente  a fixar.

Os autores impetraram o montante de 2.500,00 euros. O tribunal fixou 1.500,00.

Tudo visto e ponderado,  e atentos os específicos contornos do caso, como seja o reiterado incumprimento da ré, e uma situação económico financeira das partes que, à míngua de prova em contrário, deve ter-se por mediana, e considerando uma certa margem de álea em direito – porque ciência social -  admissível e inelutável, aceita-se este valor o qual se alcança ainda ínsito em parâmetros ou limites perspetivaveis.

6.

Sumariando.

I- Ex vi dos princípios da substanciação, do dispositivo e da autorresponsabilidade das partes,  a decisão está, qualitativa e quantitativamente, – salvo casos de pedido implícito -  vinculada ao pedido adrede e inequivocamente formulado, sob pena de nulidade–  artºs 3º nº1, 264º, 660º nº2 e 661º nº1 e 668º nº1 als. d) e e) do CPC do CPC.

II – Se os autores pedem a condenação da ré a reconhecer a celebração de um contrato de empreitada: «nos moldes descriminados no presente articulado», a decisão, no caso de procedência, pode/deve, condenar com a discriminação pretendida, sem que haja violação das referidas normas.

 III -– Em abono da dessacralização da aplicação do direito e da realização da justiça, podem ser quesitadas expressões de cariz jurídico-conclusivo que entraram no léxico e compreensão do homem comum, do homo prudens.

IV- O pedido subsidiário apenas é de atender se o pedido principal for totalmente desatendido.

V – Os danos não patrimoniais são perspetiváveis na responsabilidade contratual, e a sua atendibilidade, em caso de simples transtorno e desgosto, causadores de prejuízo psico-emocional prejudicial à consecução de almejada qualidade de vida, lato sensu, deve ser abrangentemente perspetivada, pois que este bem é hodiernamente, em que as necessidades materiais estão tendencialmente asseguradas,  especialmente valorizado.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda conceder parcial provimento ao recurso e, consequentemente, absolver a ré da condenação a construir obra nova.

No mais se mantendo a sentença.

Custas pelas partes na proporção de 80% para a recorrente e 20% para os recorridos.

Carlos Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo

Alberto Ruço