Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2029/18.3T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: CONTRATO PROMESSA DE COMPRA E VENDA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
IMPOSSIBILIDADE
VENDA A TERCEIRO
CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL
OBRIGAÇÕES CONJUNTAS
INDEMNIZAÇÃO
SINAL
JUROS
CONFISSÃO JUDICIAL
Data do Acordão: 01/12/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:
TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA - JC CÍVEL - JUIZ 2
S
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 352, 353, 355, 356, 361, 410, 424, 442, 801 CC
Sumário: 1. Perante uma confissão judicial provocada de um determinado facto, que desfavorece a 1ª R. e favorece o A., ela tem força probatória plena contra o confitente (arts. 352º, 355º, nº 1 e 2, 356º, nº 2, 358º, nº 1, do CC), mas só contra a confitente 1ª R., se estivermos diante de um caso de litisconsórcio voluntário (art. 353º, nº 2, 1ª parte do CC);

2. A 2ª R., não fica vinculada a tal força probatória plena, embora aquela confissão possa ser apreciada como elemento probatório de apreciação livre, em relação à mesma (art. 361º do CC); contudo se existir outro meio de prova inequívoco, um documento, que afasta qualquer dúvida, o facto probando fica demonstrado também quanto a esta 2ª R.;

3. Se os promitentes vendedores prometem vender uma fracção, inserida num conjunto comercial de lojas, com determinadas características, e depois a fracção apresenta outras muito diferentes a nível de área e envolvência física, existe impossibilidade de cumprimento definitivo imputável aos mesmos;

4. Se um dos promitentes vendedores vende a terceiro o direito de propriedade sobre a sua metade do prédio, tornou, também, impossível o cumprimento definitivamente;

5. A cessão de posição contratual a terceiro, em contrato de prestações recíprocas, exige o consentimento do outro contraente (art. 424º, nº 1, do CC), não bastando o seu conhecimento;

6. Se a fracção autónoma de um prédio é prometida vender pelos dois comproprietários da mesma, venda de metade por cada um, tendo sido prestado sinal, pelo promitente comprador, em montante igual a cada um deles, o incumprimento definitivo da promessa, pelos promitentes vendedores, com a devolução do sinal prestado em dobro, por cada um deles, gera uma obrigação conjunta e não solidária;

7. O promitente comprador fiel pode pedir juros sobre a indemnização a que tem direito – o dobro do sinal -, não com a natureza de indemnização complementar, mas sim com a natureza de indemnização moratória relativamente à obrigação de pagamento de tal sinal em dobro;

8. Tal obrigação é pura, pelo que se não existir interpelação prévia, os juros são devidos apenas desde a data da citação.

Decisão Texto Integral:



I - Relatório

 

1. R (…), residente em (…), instaurou contra E (…), SA, com sede em (…), e M (…), LDA., com sede em (…), pedindo que:

a) Ser declarado o incumprimento do contrato promessa celebrado a 22 de Abril de 2011 entre as rés e o autor;

b) Ser declarado que o incumprimento de tal contrato promessa se deve a causa totalmente imputável e culposa das rés;

c) Ser declarado que o incumprimento das Rés se verifica, pelo menos, desde o mês de Junho de 2016, data desde a qual as Rés informaram que podiam celebrar a escritura de compra e venda da fracção prometida vender ao autor.

d) Serem as rés condenadas, solidariamente, a pagar ao autor a quantia de 120.000 €, correspondente ao dobro do sinal entregue pelo autor às rés.

e) Serem as rés condenadas no pagamento ao autor de juros de mora à taxa de 4% ao ano sobre 120.000 €, desde 1 de Julho de 2016 e até integral pagamento.

ou CASO ASSIM SE NÃO ENTENDA,

g) devem as rés ser condenadas, solidariamente, a pagar ao autor a quantia de 60.000 €, valor que receberam de sinal, acrescido de juros de mora à taxa de 4% ao ano, desde 29 de Agosto de 2011, data da última entrega de sinal e até integral pagamento.

Em síntese, o autor alegou que a prestação devida pelas rés se tornou impossível, por exclusiva responsabilidade das mesmas, donde resulta o incumprimento definitivo e culposo, por parte das mesmas, do contrato promessa celebrado.

A 1ª ré contestou alegando, em suma, que não incumpriu o contrato promessa, que o mesmo foi incumprido, definitivamente, pelo autor, motivo pelo qual deduziu reconvenção, pedindo seja o autor condenado a:

- Outorgar a escritura definitiva,

ou subsidariamente

- Deverá ser declarado revogado o contrato de promessa por incumprimento definitivo por parte do Autor, bem como ser o mesmo condenado na perda de todos os valores entregues à Ré/Reconvinte a titulo de sinal.

A 2ª ré, contestou alegando, além do mais, ter celebrado com a 1ª ré dois contratos pelo qual deixava de ter qualquer participação no empreendimento, de que deu conhecimento ao autor. Se houve alterações ao projecto apresentado e licenciado, aquando da assinatura do contrato promessa, foram promovidas pela 1ª ré, a que é alheio. Não há qualquer incumprimento da sua parte. Entende que o autor litiga de má fé, ao demandá-lo, pedindo multa e indemnização nesse sentido.

O autor replicou, mantendo a sua posição e pugnando pela improcedência da dita reconvenção.

*

A final foi proferida decisão que julgou totalmente improcedente a acção e absolveu as RR dos pedidos contra si formulados, e julgou totalmente improcedente a reconvenção e absolvo o A. do pedido contra si formulado.

*

2. O A. recorreu, tendo formulado as seguintes conclusões:

(…)

3. A 2ª R. M (…)contra-alegou, concluindo que:

(…)

4. Também a 1ª R. E (…) contra-alegou, e concluiu como segue:

(…)

II - Factos Provados

1. Por acordo escrito celebrado a 22 de Abril de 2011 entre Autor e Rés, denominado contrato promessa de compra e venda, as Rés prometeram vender ao Autor, livre de ónus ou encargos, uma Fracção Autónoma, identificada na planta do empreendimento, o qual se mostra como titulado no processo de obras n.º 40/2010, emitido pela Câmara Municipal da (…), como Fracção n.º FROOOH, correspondente à loja 8 situada no piso O e, ainda, dois estacionamentos com os n.s 9 e 10 no Piso -2 no empreendimento denominado de Edifício da (…) , sito à Avenida (…), freguesia e concelho da (…) , descrito na Conservatória Predial da  (…) sob o n.º 6760 e inscrito na matriz respectiva sob o artigo n.º 10104.

2. Ficou acordado entre Autor e Rés que o preço da venda seria de € 300.000,00 (trezentos mil euros).

3. Mais acordaram as partes que o preço de € 300.000,00 seria pago da seguinte forma:

As importâncias entregues faseadamente, a título de sinal em partes iguais para cada vendedora, seriam descontadas no valor da venda;

O remanescente do preço, ou seja, a importância restante a liquidar na data da celebração da escritura de compra e venda, com cheque visado;

Que todas as eventuais importâncias entregues pelo aqui Autor, até à celebração da escritura, teriam a natureza de sinal.

4. Ficou acordado que a escritura seria efectuada até 30 dias após a obtenção da licença de utilização. E que a data da conclusão da construção estaria prevista até Setembro de 2012.

Foi, ainda, acordado entre Autor e Rés que seriam estas, como vendedoras, quem procederia à marcação da escritura e notificariam o Autor, por carta registada com aviso de recepção, do dia, hora e local para a sua realização.

5. As Rés, no caso de incumprimento a si imputável do contrato promessa, obrigaram-se a devolver ao Autor, em dobro, as importâncias recebidas.

6. À Ré E (…), SA o Autor entregou:

a) € 17.000,00 (Dezassete mil euros) em 21 de Abril de 2011;

b) € 12.000,00 (Doze mil euros) em 19 de Agosto de 2011;

c) € 1.000,00 (Mil euros) em 29 de Agosto de 2011.

7. À Ré M (…), LDA, o Autor entregou:

a) € 17.000,00 (Dezassete mil euros) em 21 de Abril de 2011;

b) € 12.000,00 (Doze mil euros) em 19 de Agosto de 2011;

c) € 1.000,00 (Mil euros) em 29 de Agosto de 2011.

8. A 20 de Março de 2017 através de carta registada entregue em mão, o Autor interpelou as Rés para procederem à marcação da escritura de compra e venda.

9. Por carta datada de 29 de Março de 2017, em resposta à carta do Autor supra referida, a Ré E (…), SA informou o Autor que desde Junho de 2016 se encontrava em condições de fazer a escritura e que pelo facto do Autor não estar em Portugal não foi a mesma marcada. Mais solicitava ao Autor que informasse da sua disponibilidade para, em 15 dias se efetivar a escritura de compra e venda e além do mais, tinha que facultar os seus dados para que se pudesse agendar a escritura.

10. A 31 de Março de 2017 e em resposta à carta da Ré E (…), SA, datada de 29 de Marco de 2017, o Autor informa, além do mais, que só celebraria a escritura de compra e venda da loja se a mesma tivesse as condições que lhe tinham sido propostas aquando da assinatura do contrato promessa.

Mais referiu que “1.º O senhor M (…) esta a proceder mal ao enviar a carta para fazer a escritura nos próximos 15 dias. Pois combinou comigo em ser em meados de junho 2017 a quando da minha próxima viagem a Portugal.

2.ª como sempre se soube eu encontro-me em Angola a trabalhar indo regularmente a Portugal.

3.º no dia 25 de março do corrente ano, ou seja a menos de uma semana. Estive reunido com o SR M (…) na obra ou imóvel em causa. Ficando acordado que ao fazer-se a escritura seria no meio de junho de 2017 (por isso não entendo a marcação para os próximos quinze dias)”

11. Mais evidenciou o Autor na sua carta que as condições prometidas não correspondem à obra efetuada, porquanto:

"A) Alteração do projecto a entrada para a loja não está conforme projecto

B) A área da loja (Loja 8) que me mostrou não é a que esta no contrato de compra e venda 187 m2

C) A loja não tem montra e vista directa para o corredor principal o corredor principal de acesso às lojas não está conforme projecto foi dito pelos vendedores que o supermercado ia ter a entrada pelo corredor das lojas conforme projecto.

F) Também foi dito e consta no projecto que a separação entre o supermercado era em vidro conforme o projecto. Não é o que está feito esta em alvenaria."

12. Na resposta àquela carta, a Ré E (…), referiu que a” loja perante o contrato inicial, nada se encontra alterado no projecto do contrato promessa de compra e venda" agendando a escritura para o dia 24 de Abril de 2017 e solicitando ao mesmo, novamente todos os seus dados pessoais.

O autor não forneceu os seus dados pessoais.

13. No projeto inicial apresentado e aprovado, a área da loja prometida vender era de 87,2m2 e a Loja localiza-se ao fundo do corredor de passagem com acesso pelo espaço comum, confinante o bloco de sanitários projetados, e no lado oposto, a uma das zonas de acesso ao espaço comercial, que se encontra mais afastada da entrada principal. Estas zonas de acesso - duas - sendo uma mais perto da saída e outra mais afastada - são desprovidas de paredes de alvenaria, e com uma amplitude visual de 5,30m (largura do vão), onde está aplicada uma porta de folha dupla de 0,90m.

Relativamente à entrada principal, isto é, a entrada com acesso direto da via pública à loja localiza-se do lado direito ao fundo do corredor (parte comum), sendo a última loja, de uma banda de 6 lojas, - Fracções C a H- Lojas 3 a 8).

Do lado oposto do corredor (parte comum), existem mais 2 lojas. - Fracções I e J (Lojas 9 e 10).

O projeto inicial e aprovado contemplava 10 lojas, sendo 8 com acesso pelo Espaço Comum, uma com acesso direto pela publica e pelo espaço comum- Fração OOA (Loja 1) - e uma só com acesso pela via pública Fração OOOB (Loja 2).

14. A construção do empreendimento encontra-se concluída.

15. No local da loja prometida vender ao Autor foram construídas, em parte, instalações sanitárias.

O número de lojas que com saída direta para o corredor comum passou de 10 para 5, sendo que uma- Loja 2 - funciona como receção A Fração OOOB deixou de existir passando o espaço a ficar integrado na Fração 000A renomeada para Loja 1.

A circulação comum a todas as lojas do piso zero não existe.

A circulação do público no piso zero é independente e autónoma para a loja de maiores dimensões, - onde existe um supermercado - e independente e autónoma para as demais lojas.

Existem duas entradas, independentes, para o piso zero: uma para o espaço de maior dimensão (supermercado), outra para as restantes lojas.

Existe uma parede, em alvenaria, a separar o espaço destinado a supermercado e o espaço das restantes lojas.

16.- A R. M (…) Ldl outorgou com a ré E (…), S.A,

- Um contrato de Cessão de Crédito e Transmissão da Posição Contratual; - Um contrato Promessa de Compra e Venda com Eficácia real. Tendo sido celebrada a competente escritura publica de compra e venda, no dia 5 de março de 2015 – que aqui se dá integralmente por reproduzidos.

17. O que comunicou ao autor pessoalmente ao autor e através de carta registada, rececionada em 29 de junho de 2017.

O mesmo se verificando com a pessoa do seu mandatário, tendo tai facto sido comunicado igualmente por forma escrita que se dá por reproduzido.

18. As cinco lojas referidas em 15 têm as áreas brutas, respetivamente de 48,10m2, 45,35m2, 54,50m2 e 61,90 m2 a que acrescem 4,80 m2 de arrumos, para a loja 3 (fração 000C); loja 4 (fração 000D) a loja 5 (fração 000E) e loja 6 (fração 000F).

*

Factos não provados:

2.1. Ficou acordado entre Autor e Rés que o preço da venda daquela fracção seria de € 300.000,00 (trezentos mil euros).

(…)

*

III - Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 635º, nº 4, e 639º, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Alteração da matéria de facto.

- Incumprimento culposo das RR.

- Em caso afirmativo consequências do mesmo.

 

2. O A. impugna a decisão da matéria de facto, relativamente ao facto não provado 2.1. que pretende que passe a provado, pois o negócio era uno, isto é, na venda da fracção estavam incluídos forçosamente os 2 lugares de estacionamento referidos no contrato promessa, o que faz com base no depoimento de parte do representante legal da 1ª R., que transcreveu, na assentada que correspondentemente foi lavrada e na documentação alusiva à propriedade horizontal que indicou (vide conclusões de recurso 7. a 14.).

Analisando, importa realçar que se torna desnecessário ouvir o CD, contendo a gravação do depoimento de parte do representante legal da 1ª R. E (…) Sr. M (…) pois a assentada que foi lavrada (a fls. 214 v.), nos termos do art. 463º, nº 1, do NCPC, espelha justamente aquilo que o A. transcreveu de tal depoimento, constando da mesma que aquele representante legal referiu que “os dois lugares de estacionamento faziam parte da aquisição da loja não podendo ser adquiridos em separado”.

Desta maneira, estamos perante uma confissão judicial provocada, que desfavorece a 1ª R. e favorece o A., com força probatória plena contra o confitente (arts. 352º, 355º, nº 1 e 2, 356º, nº 2, 358º, nº 1, do CC). Mas só contra a confitente 1ª R., visto que estamos perante um caso de litisconsórcio voluntário (art. 353º, nº 2, 1ª parte do CC).

De sorte, que a 2ª R. M (…) não fica vinculada a tal força probatória plena, embora aquela confissão possa ser apreciada como elemento probatório de apreciação livre, em relação a esta mesma 2ª R., como decorre do disposto no art. 361º do CC. Claro que neste caso, esse único elemento probatório de apreciação livre deixaria fundadas dúvidas direccionadas a tal R.

Contudo existe outro meio de prova, inequívoco, que afasta qualquer dúvida. Reporta-se ele ao documento alusivo à propriedade horizontal (junto a fls. 95/102 pela 1ª R., mais concretamente fls. 96) e que é perfeitamente ilustrativo, pois dele consta que a fracção prometida vender ao A. é composta por loja e 2 lugares de estacionamento. Fica, pois, claramente demonstrado que a promessa de venda da dita fracção, abrange quanto a esta, loja e estacionamentos, sendo por isso um negócio uno, com um único preço (300.000 €), como o A. defende.

Não havia, assim, propriedade horizontal para os estacionamentos. Não tendo sido, por isso, correcta a separação que o julgador operou entre fracção/loja e estacionamentos, como objectos mediatos da promessa de venda. Como, aliás, decorre da comparação entre o texto do facto provado 2. e o facto não provado 2.1., e também resulta da sua motivação da decisão da matéria de facto ao expender que “Os factos não provados resultaram de se terem provado factos diferentes, que os impedem, casso do facto descrito em 2.1 já que provou que aquele valor respeitava ao total do objeto do contrato promessa e não apenas daquela fração”. 

Urge assim, deferir a impugnação deduzida pelo A., adequando devidamente a matéria agora apurada, que abrange o facto não provado 2.1., que passa a provado, com o facto provado 2., e adaptando a redacção deste facto ao que se comprovou. O que se fará nos seguintes termos a negrito (ficando o facto provado 2. na anterior redacção e o não provado 2.1. em letras minúsculas):

2. Ficou acordado entre Autor e Rés que o preço da venda da referida fracção seria de € 300.000,00 (trezentos mil euros), fracção que abrangia a loja e dois estacionamentos, não podendo estes ser vendidos em separado.

3. Na sentença escreveu-se que:

“Estamos perante um contrato-promessa (as partes nunca o questionaram e também não há motivos par ex oficio alterar essa qualificação jurídica). E o art. 410.º, n. 1, do Código Civil, dá a seguinte noção de contrato-promessa: “convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato”.

Ou seja, o contrato-promessa visa apenas obrigar as partes à prática de um outro contrato, não, obviamente, à vinculação ao cumprimento do contrato que se promete realizar.

Importa, porém, efetuar uma breve análise do regime de cumprimento e de incumprimento dos contratos, em geral, e do contrato-promessa, em particular.

A regra geral nesta matéria é, por um lado, a de que os contratos devem ser pontualmente cumpridos e de que o devedor cumpre a obrigação quando realiza a prestação a que está vinculado (artigos 406.º, nº 1 e 762.º, nº 1, do Código Civil).

E, por outro, a de que nesse cumprimento e no exercício do direito correspondente devem as partes proceder de boa fé (artigo 762.º, nº 2, do Código Civil).

Ainda nos termos gerais, considera-se constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, o devedor não realize no tempo devido a prestação ainda possível a que está vinculado (artigo 804º, n.º 2, do Código Civil).

O incumprimento definitivo da obrigação pressupõe sempre uma situação de mora de cumprimento de uma das partes e consuma-se por via da perda do interesse do credor na prestação, verificada em termos objetivos, ou pela omissão de cumprimento pelo devedor em prazo razoável que lhe tenha sido fixado e comunicado pelo credor (artigos 801º e 808º do Código Civil).

Acresce que as obrigações decorrentes do contrato-promessa se extinguem quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor (artigo 790º, nº 1, do Código Civil).

Verificado o incumprimento por parte de quem constituir o sinal, por causa que lhe seja imputável, tem o outro contraente o direito de fazer sua a coisa entregue; e se o incumprimento for de quem recebeu o sinal, tem a outra parte a faculdade de lhe exigir o dobro do que prestou (artigo 442º, nº 2, do Código Civil).

Presume-se ter o carácter de sinal toda a quantia entregue pelo promitente-comprador ao promitente vendedor a título de antecipação do pagamento do preço (artigo 441º do Código Civil).

Regressando aos autos, e operando uma apertada síntese, podemos estabelecer o seguinte:

Autor e rés celebraram, a 22 de Abril de 2011, um contrato promessa segundo o qual as rés comprometiam-se a vender ao autor uma fração Autónoma (identificada na planta do empreendimento, o qual se mostra como titulado no processo de obras n.º 40/2010, emitido pela Câmara Municipal da (…), como Fracção n.º FROOOH, correspondente à loja 8 situada no piso O) e, ainda, dois estacionamentos com os n.s 9 e 10 no Piso -2 no empreendimento denominado de Edifício da (…) , sito à Avenida (…), freguesia e concelho da (…) . As restantes condições – forma de pagamento, prazo de cumprimento, sanção para o incumprimento - são as constantes do contrato.

O autor entregou às rés diversas quantias, em ocasiões distintas, totalizando € 60.000 (sendo € 30.000 a cada uma das rés).

A 20 de Março de 2017 o Autor interpelou as Rés para procederem à marcação da escritura de compra e venda. Respondeu a 1ª ré que apenas ainda não tinha sido celebrada a escritura pública porque o autor se encontrava ausente no estrangeiro mas que informasse da sua disponibilidade para, em 15 dias se efetivar a escritura e que facultasse os seus dados para que se pudesse agendar a escritura. A 2ª ré respondeu ao autor dando conta do contrato que celebrara com a 1ª ré (constante dos factos 16 e 17).

Respondeu o autor à 1ª ré, insurgindo-se com a marcação para os próximos 15 dias, invocando a sua ausência no estrangeiro e aludindo a um acordo de marcação para junho de 2017. Mais referiu que a loja (referindo-se à fração) prometida não corresponde à construída. Elenca as desconformidades.

Responde a 1ª ré que não há qualquer alteração quanto à loja e agendou a escritura para o dia 24 de abril de 2017 e solicitando ao mesmo, novamente todos os seus dados pessoais, o que não fez.

Nada mais se apurou – por falta de alegação – podendo, contudo, concluir-se que a escritura pública não se realizou no dia 24 de abril de 2017, nem posteriormente.

Vimos já que os contratos devem ser pontualmente cumpridos e que as partes devem agir de boa fé.

(…)

Contudo, invoca, agora o autor, nesta ação que as rés incumpriram, por sua culpa exclusiva, o contrato prometido porquanto “nenhuma das lojas actualmente existentes tem as características, área e localização igual ou semelhante à loja prometida vender” (artigos 34º a 38º, 42º e 43º da petição).

Simplificando, o autor entende qua a loja prometida comprar já não existe e as rés (a 1ª ré) que a loja existe.

Da perícia realizada foi possível apurar que ocorreram alterações entre o projeto inicial e o que, a final, foi construído.

Como se sabe, estabelece o art. 790º, nº 1 do C.C. que a “obrigação extingue-se quando a prestação se torna impossível por causa não imputável ao devedor”.

Por sua vez, o art. 801º do CC estabelece que:

“1- Tornando-se impossível a prestação por causa imputável ao devedor, é este responsável como se faltasse culposamente ao cumprimento da obrigação.

2. Tendo a obrigação por fonte um contrato bilateral, o credor, independentemente do direito à indemnização, pode resolver o contrato e, se já tiver realizado a sua prestação, exigir a restituição dela por inteiro”.

Já o art. 802.º, do CC estabelece que:

1. Se a prestação se tornar parcialmente impossível, o credor tem a faculdade de resolver o negócio ou de exigir o cumprimento do que for possível, reduzindo neste caso a sua contraprestação, se for devida; em qualquer dos casos o credor mantém o direito à indemnização.

2. O credor não pode, todavia, resolver o negócio, se o não cumprimento parcial, atendendo ao seu interesse, tiver escassa importância”.

Ainda antes de apurarmos se ocorre impossibilidade e se a mesma é ou não imputável às rés, podemos, desde já, adiantar que tal impossibilidade, a verificar-se, será sempre parcial. De facto, o contrato promessa dos autos respeita (tem como objeto) a uma loja (de 87 m2) e a 2 lugares de estacionamento. A loja situa-se no piso 0 e os lugares de estacionamento no piso -2. Nunca o autor – ou as rés – suscitaram qualquer fundamento para a não celebração do contrato definitivo no que respeita aos lugares de estacionamento. Ou seja, pelo menos quanto a estes 2 lugares de estacionamento, o contrato definitivo pode(ria) ser celebrado. Ainda que a 1ª ré – não a segunda – tenha admitido, através das declarações do seu legal representante, que os dois lugares de estacionamento faziam parte da aquisição da loja não podendo ser adquiridos em separado. Esta admissão, contudo, não vincula ambas as rés nem se retira do contrato celebrado.

Ou seja, nenhuma impossibilidade (objetiva) existe que impeça o cumprimento desta parte do contrato promessa.

Vejamos, contudo, o que ocorre quanto à fração (loja) prometida.

Resulta dos factos provados que, tal como descrita no contrato promessa, a loja prometida era descrita como “Fracção n.º FROOOH, correspondente à loja 8 situada no piso O”.

Resulta da perícia que esta loja 8, fração n.º FROOOH, apresentava, segundo o projeto, as seguintes características identificadoras:

Tinha uma área de 87,2 m2 e situava-se no piso 0, relativamente à entrada principal, do lado direito ao fundo do corredor (parte comum), sendo a última loja.

Inseria-se num conjunto de outras lojas: 10 lojas, sendo 8 com acesso pelo Espaço Comum, uma com acesso direto pela publica e pelo espaço comum e uma só com acesso pela via pública. Localiza-se ao fundo do corredor de passagem com acesso pelo espaço comum, confinante o bloco de sanitários projetados, e no lado oposto, a uma das zonas de acesso ao espaço comercial, que se encontra mais afastada da entrada principal. Estas zonas de acesso - duas - sendo uma mais perto da saída e outra mais afastada - são desprovidas de paredes de alvenaria, e com uma amplitude visual de 5,30m (largura do vão), onde está aplicada uma porta de folha dupla de 0,90m

Com respeito ao que se encontra construído, o número de lojas que com saída direta para o corredor comum passou de 10 para 5, sendo que uma- Loja 2 - funciona como receção.

No local da loja prometida vender foram construídas, em parte, instalações sanitárias.

A circulação comum a todas as lojas do piso zero não existe. A circulação do público no piso zero é independente e autónoma para a loja de maiores dimensões, - onde existe um supermercado - e independente e autónoma para as demais lojas. Existem duas entradas, independentes, para o piso zero: uma para o espaço de maior dimensão (supermercado), outra para as restantes lojas.

Existe uma parede, em alvenaria, a separar o espaço destinado a supermercado e o espaço das restantes lojas.

Como está provado, resulta da planta final que não existem lojas com área igual à prometida vender. Mas existe uma loja que se localiza, como a prometida vender, à direita, ao fundo do corredor de passagem com acesso pelo espaço comum, confinante o bloco de sanitários projetados. Provou-se que esta loja tem 61,90 m2 de área bruta a que acrescem 4,80 m2 de arrumos, e é designada como loja 6 (fração 000F).

Provou-se, ainda, para além do supra referido, que as características envolventes à referida loja também se alteraram: a circulação comum a todas as lojas do piso zero não existe;

A circulação do público no piso zero é independente e autónoma para a loja de maiores dimensões, - onde existe um supermercado - e independente e autónoma para as demais lojas; existem duas entradas, independentes, para o piso zero: uma para o espaço de maior dimensão (supermercado), outra para as restantes lojas e existe agora uma parede, em alvenaria, a separar o espaço destinado a supermercado e o espaço das restantes lojas.

Assim, e objetivamente, podemos considerar que a loja prometida vender, com as características do projeto inicial (área e envolvência) já não existe.

Embora as referências em julgamento, as rés não alegaram, nem provaram quais os concretos motivos que levaram a tais alterações (a prova testemunhal é, no caso, insuficiente para demonstrar exigências legais, designadamente referentes à segurança da construção).

Ou seja, a impossibilidade superveniente (ainda que parcial, como veremos) não resultou de atos de terceiros, nem se demonstrou que as rés tenham diligenciado pela manutenção do projeto inicial, que serviu à contratação dos autos, e que, apenas, por motivos alheios à sua vontade tal não foi possível.

Estaremos, assim, perante incumprimento por impossibilidade imputável ao devedor.

Contudo, a impossibilidade não é total: não só existem lojas com características semelhantes à contratada como não ocorre qualquer impossibilidade de realização do contrato definitivo quanto aos lugares de estacionamento.

Assim, e atendendo à impossibilidade parcial, estipula o art. 802.º, do CC que o credor pode resolver o negócio, mantendo, em qualquer dos casos o direito à indemnização. Estabelecendo, contudo, o n. 2 do mesmo preceito uma importante limitação: “O credor não pode, todavia, resolver o negócio, se o não cumprimento parcial, atendendo ao seu interesse, tiver escassa importância”.

Sendo que «O critério pelo qual se avalia o desinteresse do credor no cumprimento parcial da obrigação é de natureza mista - de fundo subjectivo, mas temperado por um crivo (justificadamente) de carácter objectivo» (Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Volume II, p. 47).

Ora, voltando aos autos verificamos que o autor não resolveu o contrato, nem pede que o mesmo seja (ou até se considere) resolvido com a presente ação.

Não tendo o autor procedido à formulação deste pedido (na petição ou em ampliação) o conhecimento e apreciação do mesmo está vedado a este Tribunal. Ou seja, não pode, no caso, o Tribunal declarar resolvido o contrato por carência de pedido (cf. arts. 3.º, n. 1, 552.º, n. 1, a. e), e 609.º, n. 1, todos do CPC).

Acresce que, ainda que fosse possível conhecer da resolução, os autos não contêm factos (por falta de alegação, que não era, então, necessária, perante a petição apresentada) que permitam apurar a exceção prevista no n. 2 do art. 802.º, do CC, referido ou o interesse (ou desinteresse) do autor na celebração possível do negócio.

O autor formula, unicamente, os pedidos correspondentes à indemnização a que se acha no direito, atento o alegado incumprimento das rés. Contudo, como vimos, essa indemnização pressupõe a resolução do contrato que, repetimos, não ocorreu nem foi pedida.

Ou seja, e em conclusão, os pedidos formulados são improcedentes por estarmos, ainda, perante contrato em vigor, não resolvido.”.

Como acima se fez notar o tribunal a quo dividiu o objecto do contrato prometido em duas partes, a fracção/loja e os dois estacionamentos. Daí que fez, coerentemente, a separação na fundamentação de direito: a venda dos estacionamentos é possível de realizar, como prometido, mas a da loja não. Daí que tenha feito a distinção entre impossibilidade de cumprimento total e impossibilidade de cumprimento parcial. Acontece que tal divisão do objecto do contrato prometido não podia ser feita, pelo que, em correspondência, se alterou a matéria de facto, estando estabelecido no facto provado 2. que a promessa de venda da fracção abarcava a loja e os estacionamentos.

Sendo assim, ruiu toda a sua construção jurídica assente nessa impossibilidade parcial.

Ao invés, emerge, com toda a clareza a impossibilidade de cumprimento total, imputável ao devedor, pois a promessa de venda da loja – o elemento nuclear, essencial e principal do contrato promessa, não o acessório como os estacionamentos -, não é possível de realizar como prometido, como muito acertadamente se sublinhou na transcrita fundamentação jurídica.

Efectivamente, apurou-se que ocorreram alterações entre o projeto inicial e o que, a final, foi construído.

Resulta dos factos provados que, tal como descrita no contrato promessa, a loja prometida era descrita como Fracção FROOOH, correspondente à loja 8 situada no piso O. Resulta, também (facto provado 13.), que esta loja apresentava, segundo o projeto, as seguintes características identificadoras: tinha uma área de 87,2 m2 e situava-se no piso 0, relativamente à entrada principal, do lado direito ao fundo do corredor (parte comum), sendo a última loja; inseria-se num conjunto de outras lojas, 10 lojas, sendo 8 com acesso pelo Espaço Comum, uma com acesso direto pela publica e pelo espaço comum e uma só com acesso pela via pública; localiza-se ao fundo do corredor de passagem com acesso pelo espaço comum, confinante o bloco de sanitários projetados, e no lado oposto, a uma das zonas de acesso ao espaço comercial, que se encontra mais afastada da entrada principal; estas zonas de acesso - duas - sendo uma mais perto da saída e outra mais afastada - são desprovidas de paredes de alvenaria, e com uma amplitude visual de 5,30m (largura do vão), onde está aplicada uma porta de folha dupla de 0,90m.

Mas, com respeito, ao que se encontra construído (facto 15.), o número de lojas que com saída direta para o corredor comum passou de 10 para 5, sendo que uma Loja 2 - funciona como receção; no local da loja prometida vender foram construídas, em parte, instalações sanitárias; a circulação comum a todas as lojas do piso zero não existe; a circulação do público no piso zero é independente e autónoma para a loja de maiores dimensões - onde existe um supermercado - e independente e autónoma para as demais lojas; existem duas entradas, independentes, para o piso zero, uma para o espaço de maior dimensão (supermercado), outra para as restantes lojas; existe uma parede, em alvenaria, a separar o espaço destinado a supermercado e o espaço das restantes lojas.

Igualmente resulta da planta final que não existem lojas com área igual à prometida vender. Mas existe uma loja que se localiza, como a prometida vender, à direita, ao fundo do corredor de passagem com acesso pelo espaço comum, confinante o bloco de sanitários projetados. Provou-se que (facto 18.) esta loja tem 61,90 m2 de área bruta a que acrescem 4,80 m2 de arrumos, e é designada como loja 6 (fração 000F). Provou-se, ainda, para além do supra referido, que as características envolventes à referida loja também se alteraram: a circulação comum a todas as lojas do piso zero não existe; a circulação do público no piso zero é independente e autónoma para a loja de maiores dimensões - onde existe um supermercado - e independente e autónoma para as demais lojas; existem duas entradas, independentes, para o piso zero, uma para o espaço de maior dimensão (supermercado), outra para as restantes lojas e existe agora uma parede, em alvenaria, a separar o espaço destinado a supermercado e o espaço das restantes lojas.

De modo que, objetivamente, se pode concluir que a loja prometida vender, com as características do projeto inicial - área e envolvência - já não existe.

E certo, também, é que as rés não alegaram, nem provaram, quais os concretos motivos que levaram a tais alterações. Ou seja, nem demonstraram que tal decorreu de actos impostos por terceiros, nem que tenham diligenciado pela manutenção do projeto inicial, que serviu ao contrato prometido, e que, apenas, por motivos alheios à sua vontade tal não foi possível.

Estamos, portanto, perante incumprimento definitivo total, por impossibilidade imputável ao devedor, por isso, perante falta de cumprimento culposo por parte deste devedor, as RR (art. 801º, nº 1, do CC).

4. Vejamos as consequências deste tipo de incumprimento.

Elas estão fixadas no acima citado art. 442º, nº 2, 2ª parte, do CC, onde se estatui que se o incumprimento for de quem recebeu o sinal, tem a outra parte a faculdade de lhe exigir o dobro do que prestou.

As RR eram comproprietárias de 50% do edifício onde se insere a fracção prometida vender ao A. (vide documentos juntos pela 2ª R. aos autos, a fls. 46/53, alusivos a promessa de compra e venda e escritura de compra e venda de tal edifício pela 2ª R. à 1ª R.). Daí que tenham prometido vender ao A. a totalidade de tal fracção (obviamente a metade de cada uma), e daí que tivesse ficado estabelecido que as importâncias entregues, além de terem a natureza de sinal, eram-no em partes iguais para cada promitente, o que de facto aconteceu, cada uma das RR promitentes recebeu 30.000 € de sinal (factos 1., 3., 6. e 7.).

Consequentemente o A. tem o direito a receber 60.000 € de cada R. (referido art. 442º, nº 2, 2ª parte e facto provado 5.).

Mas não 120.000 € solidariamente de ambas as RR, visto que a obrigação é conjunta (cada R. prometeu vender a sua metade do prédio), já que nem a lei nem as partes estabeleceram tal solidariedade, como deriva do disposto no art. 513º do CC.

A 2ª R. M (…) defende não poder ser condenada por 2 motivos.

- primeiro, afirma que cedeu a sua posição contratual à 1ª R., o que é verdade, como decorre do facto 16. e doc. de fls. 41/43 (junto aos autos pela mesma 2ª R.).

Todavia, a cessão de posição contratual a terceiro, em contrato com prestações recíprocas, como era o caso, exige o consentimento do outro contraente (art. 424º, nº 1, do CC). Ora, nenhum consentimento resulta dos factos provados, nem se descortina que tivesse ocorrido.

A 2ª R. M (…) defende que tal consentimento está materializado nos factos provados 9. e 10. (arts. 14º e 15º da p.i.). Contudo, não se enxerga qualquer consentimento, pois desses factos provados o que resulta é troca de correspondência entre A. e 1ª R. E (…) datada de 29.3.2017 e 31.3.2017, após interpelação do A., em 20.3.2017, a ambas as RR (facto 8.)  e do seu teor não se divisa que decorra algum consentimento para tal cessão de posição contratual, que, aliás, nem sequer é minimamente mencionada em tal troca de correspondência ou na interpelação do A.

Não tem, por isso, fundamento a objecção que a M (…) levantou.

- segundo, afirma que outorgou com a 1ª R. E(…), um contrato promessa de compra e venda, com a subsequente celebração da respectiva compra e venda, no dia 5.3.2015, da sua metade do mencionado prédio, o que comunicou ao A., pessoalmente e por carta, recepcionada pelo A. em 29.6.2017, o mesmo se verificando, por escrito, com a pessoa do seu mandatário, o que é verdade, como decorre dos factos 16. e 17., e docs. atrás mencionados de fls. 46/53, e ainda do teor das duas cartas, a fls. 53 v./55 v., que se reportam à indicada comunicação, mas apenas da compra e venda.

Só que o enfâse que tal R. põe na venda da sua metade do prédio, incluindo a fracção mencionada nos autos, e comunicação ao A., acaba por não ter relevo.

Na verdade, o contrato promessa cria a obrigação de contratar, isto é, a obrigação de emitir a declaração de vontade, correspondente ao contrato prometido. Trata-se de uma obrigação de prestação de facto positivo (vide A. Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª Ed., nota 2. ao artigo 410, texto primitivo, págs. 357/358). Ora, se R. M(…) vendeu a terceiro, no caso à outra R. E (…)a metade do seu direito sobre a fracção, impossibilitou o cumprimento objectiva e subjectivamente do contrato promessa, pois já não pode ela mais emitir a declaração de vontade, a que estava vinculada, correspondente ao contrato prometido (vide neste sentido o autor e ob. citada, Vol. II, 2ª Ed., nota 3. ao artigo 801º do CC, pág. 52). Só assim não seria, se o A. tivesse de alguma forma aceite tal conduta da M (…) o que não se mostra ter acontecido.

De sorte, que por esta razão há adicional verificação de impossibilidade de cumprimento da obrigação, definitivo e culposo por parte deste devedor.

Não tem, por isso, mais uma vez, fundamento a objecção que a M (…) levantou.

Resta, pois, analisar a questão dos juros peticionados pelo A.

Dispõe o art. 442º, nº 4, que na ausência de estipulação em contrário, não há lugar, pelo não cumprimento do contrato, a qualquer outra indemnização, no caso de pagamento do dobro do sinal (ou de perda do sinal).

Todavia, como avisadamente lembra M. Januário da Costa Gomes em (Em Tema de Contrato-Promessa, Ed. da AAFDL, 1990, págs. 41/44), o promitente fiel não pretende uma indemnização suplementar ao sinal dobrado, mas sim uma indemnização moratória pela não restituição do sinal em dobro no tempo devido (que para o A. deve ser contado a partir de 1.7.2016, pois o invocado incumprimento definitivo ocorreu em Junho de 2016 e a respectiva indemnização, o sinal dobrado, já era exigível a partir desse momento do incumprimento definitivo da promessa) - no mesmo sentido F. Gravato Morais, Contrato-Promessa em Geral, Contratos-Promessa em Especial, 2009, pág. 225 e Ac. Rel. Porto, de 30.5.2005, Proc.0553091, em www.dgsi.pt.

Acontece que tal obrigação de indemnização, pagamento do sinal em dobro, é uma obrigação pura, pelo que o credor tem que interpelar o devedor (art. 805º, nº 1, do CC), pois a obrigação de celebração do contrato definitivo, por virtude do incumprimento definitivo, transformou-se de obrigação de prestação de facto em obrigação de prestação dare, com natureza pecuniária. Com o correspondente pagamento de juros (art. 806º do CC).

Ora, não está provada nenhuma interpelação do A. às RR para pagar tal indemnização, salvo a que operou com a citação de ambas. Por isso que, os juros apenas são devidos desde esta ocorrência.                

5. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC):

i) Perante uma confissão judicial provocada de um determinado facto, que desfavorece a 1ª R. e favorece o A., ela tem força probatória plena contra o confitente (arts. 352º, 355º, nº 1 e 2, 356º, nº 2, 358º, nº 1, do CC), mas só contra a confitente 1ª R., se estivermos diante de um caso de litisconsórcio voluntário (art. 353º, nº 2, 1ª parte do CC);

ii) A 2ª R., não fica vinculada a tal força probatória plena, embora aquela confissão possa ser apreciada como elemento probatório de apreciação livre, em relação à mesma (art. 361º do CC); contudo se existir outro meio de prova inequívoco, um documento, que afasta qualquer dúvida, o facto probando fica demonstrado também quanto a esta 2ª R.;

iii) Se os promitentes vendedores prometem vender uma fracção, inserida num conjunto comercial de lojas, com determinadas características, e depois a fracção apresenta outras muito diferentes a nível de área e envolvência física, existe impossibilidade de cumprimento definitivo imputável aos mesmos;

iv) Se um dos promitentes vendedores vende a terceiro o direito de propriedade sobre a sua metade do prédio, tornou, também, impossível o cumprimento definitivamente;

v) A cessão de posição contratual a terceiro, em contrato de prestações recíprocas, exige o consentimento do outro contraente (art. 424º, nº 1, do CC), não bastando o seu conhecimento;

vi) Se a fracção autónoma de um prédio é prometida vender pelos dois comproprietários da mesma, venda de metade por cada um, tendo sido prestado sinal, pelo promitente comprador, em montante igual a cada um deles, o incumprimento definitivo da promessa, pelos promitentes vendedores, com a devolução do sinal prestado em dobro, por cada um deles, gera uma obrigação conjunta e não solidária;

vii) O promitente comprador fiel pode pedir juros sobre a indemnização a que tem direito – o dobro do sinal -, não com a natureza de indemnização complementar, mas sim com a natureza de indemnização moratória relativamente à obrigação de pagamento de tal sinal em dobro;

viii) Tal obrigação é pura, pelo que se não existir interpelação prévia, os juros são devidos apenas desde a data da citação.

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se procedente, parcialmente, o recurso, assim se revogando a decisão recorrida, e, em consequência, condena-se a 1ª R. E(…)e a 2ª R. M(…), a pagar ao A., cada uma, a quantia de 60.000 €, acrescida de juros à taxa de 4%, desde a data da citação até integral pagamento.

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Custas por ambas as RR (na proporção de 50% cada uma).

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Coimbra, 12.1.2021

 Moreira do Carmo ( Relator )

Fonte Ramos

Alberto Ruço