Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
952/20.4T8CBR-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: PENHORA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
DESPESAS DE EXECUÇÃO
Data do Acordão: 09/07/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – J. C. CÍVEL DE COIMBRA – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 391º, Nº 2, E 735º, Nº 3 DO NCPC.
Sumário: 1. O disposto no art.º 735º, n.º 3, do CPC, para o qual remete o art.º 391º, n.º 2, do mesmo diploma legal, consagra o princípio da proporcionalidade entre a amplitude da dívida e a penhora, sendo que as despesas previsíveis da execução integram, apenas, as custas judiciais stricto sensu, os encargos com remunerações e outros pagamentos a fazer ao agente de execução.

2. Despesas previsíveis da execução e juros moratórios sobre, por exemplo, os honorários devidos (capital) são realidades distintas e com diverso enquadramento normativo (cf., ainda, art.ºs 798º, 804º, 805º, n.º 1 e 806º, n.ºs 1 e 2 do CC).

Decisão Texto Integral:





Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. Em 05.7.2021, A..., advogado, instaurou procedimento cautelar de arresto contra M..., pedindo o arresto do direito de crédito da requerida sobre V... e J... e, na ausência ou insuficiência de tal crédito, de todas as contas bancárias e/ou aplicações financeiras de que a requerida seja titular nas instituições que identifica, para garantia do direito de crédito de juros, custas de parte e demais encargos do processo, até ao valor de € 40 000.
Alegou, em síntese, que:
- Na ação principal (ação de honorários), o requerente peticiona a condenação da requerida no pagamento do valor de €121229,32, acrescido de IVA à taxa legal em vigor na data do pagamento, com juros, à taxa legal de 4 % ano, contados desde 16.7.2019 e até integral pagamento, custas, incluindo as de parte, e demais encargos do processo;
- No apenso A foi determinado o arresto do direito de crédito da requerida para
garantia do crédito de honorários do requerente, no valor de €118.977,06, respeitante
aos processos de inventário n.º ..., prestação de contas n.º ... e ação de honorários n.º ...;
- Atenta a previsível delonga da acção principal, o valor de juros pode ascender, pelo menos, à quantia de €35.789,89;
- A este valor acresce: o valor de custas de parte; os custos suportados com certidões integrais de todos os processos judiciais; e os encargos com laudo de honorários;
- A presente providência tem apenas em vista a garantia patrimonial do crédito de juros de mora que se venceram e vencerão sobre o valor de honorários reclamados no processo principal, bem como custas de parte e demais encargos processuais;
- A requerida não reside em Portugal e não tem bens ou rendimentos em Portugal, para além do direito de crédito acima referido.
Procedeu-se à inquirição de uma testemunha e prestação de declarações de parte.
Após, a Mm.ª Juíza a quo julgou o procedimento cautelar parcialmente procedente e, em consequência, decretou o arresto:
a) do direito de crédito da requerida, a título de tornas, sobre V... e J..., nos termos da transação celebrada nos autos de processo de inventário n.º ..., até ao valor de €7.455,60;
b) subsidiariamente, na ausência ou insuficiência de tal crédito, os saldos bancários e/ou aplicações financeiras de que a requerida seja titular, até àquele mesmo valor, em diversas instituições bancárias.
Inconformado, o requerente interpôs a presente apelação, formulando as seguintes conclusões:
...
Remata pedindo que se decrete o arresto de quantia de montante global nunca inferior a € 19 384,57.
A requerida não foi ouvida (cf. despacho de 21.7.2021).
Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, há que apreciar e decidir, apenas, se se deverá atender aos juros moratórios dos honorários pedidos na acção principal.
II. 1. A 1ª instância considerou indiciariamente provados os seguintes factos:
...
2. E deu como indiciariamente não provado:
a) O requerente vai suportar os encargos com o laudo de honorários solicitado na acção principal.
3. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.
Só a questão dos juros moratórios poderá ser reequacionada. Nada mais!
Na verdade, no apenso A, foi decretado o arresto para garantir o invocado, e indiciado, crédito de honorários [cf. II. 1. 2º, supra/€118.977,06]; considerou-se, ainda, atenta a factualidade descrita em II. 1., supra, a quantia de honorários em dívida decorrente do acordado entre as partes (“previamente convencionados”) no processo de reconhecimento de paternidade e pelos serviços de representação fiscal junto da Autoridade Tributária.
A Mm.ª Juíza a quo, baseada, ainda, no indiciado em II. 1. 15º a 17º, supra, concluiu que “o valor total dos honorários peticionados pelo requerente na ação principal - €121.229,32, acrescido de IVA -, encontra cabimento nas referidas parcelas e, por isso, há que reconhecer ao requerente o direito ao recebimento dos juros de mora sobre o referido valor”.
Concluiu, depois, que “esses juros de mora, à taxa prevista para os juros civis, hão de ser contabilizados desde 16.7.2019, que é a data em que a requerida foi interpelada (através de mensagem de correio eletrónico) para pagamento”, e bem assim que “obtendo procedência (ainda que parcial) na ação principal, o requerente vai ter direito ao recebimento (ainda que parcial) dos encargos suportados no âmbito desse processo, a título de custa de parte”.
E rematou dizendo: «Mas não é possível antever qual o valor dos juros e das custas de parte que o requerente terá direito a receber no âmbito da ação principal. E recorde-se que, neste procedimento cautelar, está somente em causa acautelar o direito do requerente ao recebimento dessas importâncias. / Por isso, há que lançar mão do disposto no art.º 735º, n.º 3, do Código de Processo Civil, para o qual remete o art.º 391º, n.º 2, do mesmo diploma legal. / Aquele normativo consagra o princípio da proporcionalidade entre a amplitude da dívida e a penhora (no caso, o arresto). / E é assim que apuramos o valor do arresto: €121.229,32, acrescido de IVA x 5 %, o que perfaz €7.455,60», valor fixado em razão da verificação dos “pressupostos legais de que depende o deferimento (parcial) do requerido arresto sobre os bens indicados pelo requerente”.
4. Salvo o devido respeito por entendimento contrário, afigura-se que o recorrente tem razão (quanto à concreta, e única, questão objecto do recurso).
Na petição do presente apenso o requerente alude ao pedido formulado na acção de honorários (que compreende os “juros moratórios”) e a todo o circunstancialismo fáctico e processual que subjaz ao peticionado no presente procedimento cautelar a título de juros moratórios (art.ºs 2º, 4º, 5º, 28º, 29º e 40º da petição), custas de parte (art.ºs 21º a 24º) e encargos/despesas (sobretudo, art.º 25º).
5. O arresto consiste numa apreensão judicial de bens, à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora, em tudo o que não contrariar o preceituado nesta secção (art.º 391º, n.º 2 do CPC).
A penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, as quais se presumem, para o efeito de realização da penhora e sem prejuízo de ulterior liquidação, no valor de 20 %, 10 % e 5 % do valor da execução, consoante, respetivamente, este caiba na alçada do tribunal da comarca, a exceda, sem exceder o valor de quatro vezes a alçada do tribunal da Relação, ou seja superior a este último valor (art.º 735º, n.º 3 do CPC).
O princípio da proporcionalidade presente no n.º 3 do art.º 735º do CPC, também designado por princípio da suficiência, tem raiz constitucional no direito de propriedade privada (art.º 62º da Constituição da República Portuguesa) e lida com uma dupla estimativa: a do valor dos bens e a do valor das despesas de justiça, sendo que as despesas previsíveis da execução integram, apenas, as custas judiciais stricto sensu, os encargos com remunerações e outros pagamentos a fazer ao agente de execução (nos termos da legislação especial aplicável). Vide, nomeadamente, Rui Pinto, A Acção Executiva, AAFDL Editora, Lisboa, 2018, págs. 535 e seguintes e J. Lebre de Freitas e Armindo R. Mendes, CPC Anotado, Vol. 3º, Coimbra Editora, 2003, págs. 341 e seguinte (comentando idêntico normativo do CPC de 1961, na redacção conferida pelo DL n.º 38/2003, de 08.3.
Ao requerer o arresto, o credor indica os bens do devedor sobre os quais ele deve incidir (art.º 392º, n.º 1 do CPC), consistindo o arresto na sua apreensão judicial; antecipando a penhora a efectuar na futura acção executiva, o acto de apreensão está sujeito ao regime processual da penhora (art.º 391º, n.º 2 e 735º, n.º 3 do CPC). Vide, designadamente, J. Lebre de Freitas, e Outros, CPC Anotado, Vol. 2, Coimbra Editora, 2001, págs. 120 e seguinte (comentando idêntico normativo do CPC de 1961).
A respeito da interligação do arresto e da penhora, cf. ainda, por exemplo, o preceituado nos art.ºs 822º, n.º 2 do CC e 762º do CPC.
6. Ora, a Mm.ª Juíza a quo aplicou indevidamente o referido normativo para (aparentemente) acautelar os juros moratórios (contados sobre o “capital” dos honorários), quando é certo que o seu campo de aplicação é claramente limitado às despesas previsíveis da execução! Porém, o recorrente considera que o montante apurado de € 7 455,60 incluirá o “crédito do Recorrente no que concerne aos juros de mora vincendos, cujo ´quantum` não é ainda conhecido e pode apenas presumir-se em face dos factos e regras da experiência que hoje se conhecem” (cf. pág. 4 da fundamentação da alegação de recurso).
Ademais, despesas previsíveis da execução e juros moratórios sobre o capital dos honorários são realidades distintas.
Daí, partindo do pressuposto de que se acha correctamente calculado o quantum estimado/previsível de tais despesas e dos honorários devidos, resta, pois, determinar o valor (a arrestar) para garantir o pagamento dos juros moratórios, considerando a quantia apurada pelo tribunal a quo a título de honorários (€ 121 229,32), a data da interpelação para pagamento (e o tempo decorrido), o expendido/delimitado na apelação e o regime jurídico aplicável [cf., nomeadamente, II. 1. 1º, 25. e 5º, supra; art.ºs 798º, 804º, 805º, n.º 1 e 806º, n.ºs 1 e 2 do CC e Portaria n.º 291/2003, de 08.4].
7. A quantia referente a tais juros (€11928,96) foi adequadamente calculada pelo recorrente [€121.229,32 x 1,23 x 4 % ao ano x 2 anos], pelo que, ao valor arrestado no apenso A, acresce, agora, no presente apenso, a importância total de €19.384,56 (€7.455,60 + €11.928,96), para efeito da garantia do crédito de juros de mora e despesas previsíveis, sem prejuízo, obviamente, da eventual oposição da requerida quando notificada para exercer o contraditório (cf. art.ºs 366º, n.º 6 e 372º do CPC e parte final da sentença recorrida) Sobre a matéria, cf., nomeadamente, A. Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, IV Volume/Procedimentos Cautelares Especificados, 3ª edição, Almedina, 2006, pág. 207..
8. Procedem, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.
III. Pelo exposto, na procedência da apelação, determina-se o arresto do direito de crédito da requerida, a título de tornas ou, subsidiariamente, na ausência ou insuficiência de tal crédito, os saldos bancários e/ou aplicações financeiras de que a requerida seja titular, até ao valor de €19.384,56 (dezanove mil trezentos e oitenta e quatro euros e cinquenta e seis cêntimos), revogando-se, nessa parte, a decisão recorrida.
Sem custas (da apelação).
07.9.2021