Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
30/14.5PAACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: MEDIDA CONCRETA DA PENA
Data do Acordão: 03/04/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA, PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTS. 40.º E 71.º, DO CP
Sumário: I - Prevenção e culpa são os critérios gerais a atender na fixação da medida concreta da pena, reflectindo a primeira a necessidade comunitária da punição do caso concreto e constituindo a segunda, dirigida ao agente do crime, o limite às exigências de prevenção e portanto, o limite máximo da pena.

II - A medida da pena resultará da medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos no caso concreto ou seja, da tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada – [prevenção geral positiva ou de integração] – temperada pela necessidade de prevenção especial de socialização, constituindo a culpa o limite inultrapassável da pena.

III - Sendo intenso o dolo com que actuou o arguido e serem elevadas as exigências de prevenção geral;

- Não tendo o arguido antecedentes criminais, certo é que mal entrou na idade da imputabilidade penal;

- Praticou um crime grave [roubo];

- Mas, desde a adolescência que tem tido contactos com o sistema de justiça, e revela um completo desinteresse pelo seu percurso escolar, preferindo acompanhar com jovens conotados com a prática de comportamentos desviantes.

- Resultando uma personalidade problemática, que a confissão produzida muito pouco logra abonar.

IV - Ponderada a ilicitude global do facto, a culpa do recorrente e as exigências de prevenção requeridas, uma pena situada acima do primeiro quarto e claramente abaixo do meio da moldura penal abstracta aplicável [5 anos e 4 meses], ainda realizará, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, considerando-se mais adequada ao caso concreto e à medida da culpa do arguido, a pena de 1 ano e 6 meses de prisão.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra


I. RELATÓRIO

No [já extinto] 3º Juízo do Tribunal Judicial da comarca de Alcobaça o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, dos arguidos, A...e B..., com os demais sinais nos autos, imputando-lhes a prática, em co-autoria material, de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210º, nº 1 do C. Penal.

No decurso da audiência de julgamento de 9 de Julho de 2014 [acta de fls. 110 a 111] foi comunicada uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação, nada tendo sido requerido por qualquer interveniente processual.

Por sentença de 9 de Julho de 2014 foi cada um dos arguidos condenado, pela prática do imputado crime, na pena de dois anos de prisão, suspensa na respectiva execução por igual período, sujeita a regime de prova com plano individual de readaptação social.


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            Inconformado com a decisão, recorreu o arguido A..., formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

            1 – O Arguido devidamente identificado vem recorrer para V.as Ex.as por entender que a pena que lhe foi aplicada é manifestamente desproporcionada.

                2 – Os factos que sobre si recaem foram confirmados pelo arguido que os confessou integralmente e sem reservas, de livre e espontânea vontade, demonstrando um arrependimento sincero;

3 – Daí que, ao determinar a medida da pena o douto Tribunal a quo, poderia e deveria ter levado em conta a confissão, o arrependimento e vontade manifestada pelo arguido em reparar a sua atitude e tomar um novo rumo na sua vida;

4 – Salvo o devido respeito, entende o Recorrente que o Tribunal a quo não teve em consideração e em consequência violou os normativos correspondentes à determinação da medida da pena nos termos do disposto no Artigo 71.º do Código Penal;

5 – Na determinação concreta da pena deve o Tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favo, do arguido e contra ele, designadamente o modo e execução e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao arguido (grau de ilicitude do facto); a intensidade do dolo; os fins ou motivos que determinaram o cometimento do crime e os sentimentos manifestados as condições pessoais e económicas do agente; a conduta anterior e posterior ao facto e ainda a falta ele preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena;

6 – É de salientar o facto de o Recorrente ser uma pessoa com um nível de auto censura elevado;

7 – O Recorrente vive numa zona conotada com problemas de marginalidade e exclusão social;

8 – Na audiência de discussão e julgamento, mostrou uma postura de humildade e arrependimento, consternação pela sua conduta e assumiu a gravidade dos factos por si praticados;

9 – Atualmente, o Recorrente, apresenta uma forte censura quanto ao crime que praticou e apresenta-se consciente das consequências que daí advêm, o que mostra a possibilidade de um juízo de prognose favorável à sua reintegração na sociedade;

10 – Nessa medida e apenas no que concerne ao quantum da pena aplicada pelo Tribunal a quo ao arguido, houve, salvo o devido respeito, violação do disposto no Artigo 71.º do Código Penal;

11 – É entendimento do Recorrente que o Tribunal deverá condenar o arguido numa pena mais harmoniosa, proporcional e justa face às circunstâncias acima expostas, de acordo com o disposto no Artigo 71.º do Código Penal, que não deverá ultrapassar 1 ano e suspensa na sua execução, por entender que desta forma se realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, a proteção dos bens jurídicos ofendidos e a reintegração do agente na Sociedade.

Desta forma, o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 71º do Código Penal.

Face ao exposto, e muito que será suprido por vossas excelências, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, e revogar a aliás douta sentença que condenou o recorrente na pena de dois anos de prisão suspensa na sua execução, por ser desproporcionada às finalidades da punição e ser aplicada ao recorrente pena não superior a um ano de prisão suspensa na sua execução no tempo que V. Ex.ªs acharem ser conveniente.

ASSIM SE FARÁ, A HABITUAL E NECESSÁRIA JUSTIÇA!


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            Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões:

            1. A pena de dois anos de prisão, suspensa na sua execução, aplicada ao recorrente respeita os critérios legais para a sua determinação, sendo adequada às necessidades de prevenção geral e especial que o caso concreto exige.

                2. As condições pessoais do recorrente e a confissão dos factos, por si só, não podem determinar na totalidade a medida concreta da pena.

3. A sentença proferida não violou o disposto no artigo 71.º do Código Penal, nem qualquer outro preceito legal;

Por tudo o exposto entendemos dever improceder, na totalidade, o recurso interposto pelo arguido, mantendo-se na íntegra a douta sentença, assim farão V. EX.as a costumada Justiça!


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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, subscrevendo a contramotivação do Ministério Público e reafirmando a justeza da pena aplicada, e concluiu pela improcedência do recurso.

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Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

            Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pelos recorrentes, a questão a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, é a de saber se a medida da pena decretada é ou não excessiva.


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            Para a resolução desta questão importa ter presente o que de relevante consta da sentença recorrida. Assim:

A) Nela foram considerados provados os seguintes factos:

“ (…).

1. No dia 20 de Fevereiro de 2014, cerca das 14h30m, os arguidos A...e B..., encontraram C..., na Rua Professor Engenheiro Joaquim Vieira Natividade.

2. Decidiram, então, os arguidos, assaltar aquele, com o intuito de fazerem seus o dinheiro e bens de valor que tivesse na sua posse, usando, para o efeito, de um comportamento intimidatório.

3. Na concretização de tais intentos, os arguidos aproximaram-se de C...e, enquanto o arguido A... mantinha uma posição de vigilância, o arguido B... dirigiu-se a C...e ordenou-lhe, num tom de voz intimidatório, que este lhe desse todo o dinheiro que trazia consigo, ao que C...retorquiu que não.

4. Perante a recusa de C..., o arguido B... disse-lhe “ou me dás a carteira ou parto-te o aparelho que tens nos dentes”.

5. Temeroso pela sua integridade física e perante a presença dos dois arguidos, C...retirou a carteira do bolso direito do casaco, tendo o arguido B..., de imediato, retirado a carteira da mão daquele, com um puxão, após o que retirou, do seu interior, uma nota de € 5,00 do Banco Central Europeu e algumas moedas, de valor não concretamente apurado, mas tudo de valor inferior a € 10,00.

6. Uma vez na posse do dinheiro, o arguido B... devolveu a carteira a C...e ambos os arguidos abandonaram o local, levando consigo o dinheiro, fazendo-o seu.

7. Os arguidos sabiam que, ao abordarem C...do modo descrito, o colocavam na impossibilidade de oferecer qualquer resistência, provocando-lhe medo pela sua integridade física o que quiseram e lograram conseguir.

8. Os arguidos agiram de forma concertada, em conjugação de esforços e intentos, com o propósito de intimidar C...e, assim, levá-lo a entregar o referido dinheiro, bem sabendo que se apropriavam de um objecto que não lhes pertencia e que agiam contra a vontade do respectivo dono.

9. Os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

                [Mais se apurou que:]

                Da situação pessoal do arguido A...:

10. O arguido A... cresceu no seio da sua família de origem, de etnia cigana, mantendo-se essa situação à data actual.

11. Inicialmente, a família residiu na zona de Lisboa e, quando o arguido contava 4 anos de idade, vieram residir para Alcobaça, onde se fixaram até à presente data.

12. O arguido integra o agregado constituído pelo pai, de 43 anos, desempregado; pela mãe, de 41 anos, doméstica; e por dois irmãos, de 9 e 6 anos de idade.

13. A dinâmica relacional caracteriza-se por satisfatória qualidade relacional, sendo que o modelo educativo adoptado pela família vai de encontro aos valores e costumes inerentes à cultura cigana.

14. Ao nível das práticas educativas, parece verificar-se uma postura pouco consistente, alternando os progenitores entre uma postura autoritária e uma atitude desculpabilizante e permissiva.

15. Residem numa barraca de madeira, situada num acampamento cigano, com reduzidas condições de habitabilidade, numa localidade da periferia de Alcobaça, conotada com problemas de marginalidade e exclusão social.

16. O percurso escolar do arguido tem sido marcado pela irregularidade, registando, até à data, quatro retenções, ocorridas no 2º e 3º anos do 1º ciclo do ensino básico, e duas no 6º ano de escolaridade, as quais terão ocorrido devido à falta de empenhamento e motivação para os estudos.

17. No presente ano lectivo, o arguido iniciou a frequência de um curso vocacional, na Escola Secundária (...), em Alcobaça, porém, tem apresentado elevado absentismo, e, após o início da parte prática do curso (em 04.06.2014), este nunca compareceu. Ficará retido no presente ano lectivo.

18. O agregado familiar do arguido possui rendimentos fixos mensais, os provenientes do Rendimento Social de Inserção, no valor de € 427,54, que permitem satisfazer as necessidades básicas do agregado, com algumas dificuldades.

19. O arguido dedica os seus tempos livres a actividades extra-escolares, de carácter desestruturado, acompanhando tendencialmente outros jovens da sua etnia, alguns dos quais conotados com comportamentos desajustados.

20. O arguido tem apresentado, desde a adolescência, alguns contactos com o sistema de justiça, relacionados com indícios da prática de crimes de furto, desconhecendo-se da aplicação de medida tutelar educativa.

21. Do certificado de registo criminal do arguido nada consta.

Da situação pessoal do arguido B...:

22. O arguido B... cresceu no seio da sua família de origem, de etnia cigana, situação que se mantém à data actual.

23. O arguido integra o agregado familiar constituído pelo pai, de 38 anos; pela mãe, de 36 anos (ambos desempregados) e por 3 irmãos, de 8 anos, de 5 anos e de 5 meses de idade.

24. O arguido evidencia sentimentos de pertença à família, sendo a dinâmica familiar caracterizada por satisfatória qualidade relacional.

25. O modelo educativo adoptado pela família vai de encontro aos valores e costumes inerentes à cultura cigana.

26. Parece também verificar-se uma postura pouco consistente, ao nível das práticas educativas, alternando os progenitores entre uma postura autoritária e uma atitude desculpabilizante e permissiva.

27. O agregado do arguido reside numa barraca de madeira, com reduzidas condições de habitabilidade e conforto, num acampamento cigano conotado com problemas de marginalidade e exclusão social, situado numa localidade da periferia de Alcobaça.

28. Ao nível do percurso escolar, há a registar 4 reprovações, 2 ocorridas no 1º ano do 1º ciclo do ensino básico e 2 no 5º ano de escolaridade, prevendo-se, também, que o arguido fique retido no presente ano lectivo. As retenções terão ocorrido na sequência da falta de motivação evidenciada pelo jovem para os estudos, a algumas dificuldades de aprendizagem, a elevado absentismo e consequente baixo rendimento escolar.

29. No ano lectivo de 2013/2014, o arguido iniciou a frequência de um curso vocacional, na Escola Secundária (...), em Alcobaça. No 1º período, frequentou as aulas com alguma regularidade, porém, a partir do 2º período, começou a apresentar elevado absentismo, e, após o início da parte prática do curso (a 04.06.2014), nunca compareceu.

30. O arguido apresentava alguns problemas de comportamento no contexto escolar, evidenciando por vezes alguma agressividade para com os seus colegas. O arguido acompanhava tendencialmente outros jovens da sua etnia e, sobretudo, o arguido A....

31. Nos últimos tempos, o arguido tem permanecido desocupado, sem desempenhar qualquer actividade remunerada.

32. Ao nível económico, o agregado do arguido possui, como rendimentos, os provenientes do Rendimento Social de Inserção, no valor de € 390,00 mensais, e os do abono de família dos menores, no valor de € 240,00. O agregado vai conseguindo fazer face às despesas básicas do quotidiano, embora com dificuldades. A família beneficia ainda de apoio da loja social existente em Alcobaça, que fornece roupa e calçado aos elementos do agregado.

33. O arguido tem apresentado, desde a adolescência, alguns contactos com o sistema de justiça, relacionados com indícios de práticas de crimes de roubo, desconhecendo-se se existiu aplicação de medida tutelar educativa.

34. Do certificado de registo criminal do arguido nada consta.

            (…)”.

B) Nela foram considerados não provados os seguintes factos:

            “ (…).

- Que C...retorquiu ao arguido B... que não trazia dinheiro consigo.

- Que C...entregou a sua carteira ao arguido B....

- Que os arguidos retiraram um telemóvel a C....

(…)”.

C) Dela consta a seguinte motivação de facto:

            “ (…).

            A motivação do Tribunal no que respeita à matéria fáctica considerada provada e não provada assentou:

                Quanto à questão da culpabilidade:

                Na conjugação das declarações prestadas pelos arguidos na audiência [as quais, pese embora não totalmente coincidentes, no essencial se revelaram compatíveis entre si, e consistiram na admissão da generalidade dos factos imputados] com o depoimento prestado pelo ofendido C... (o qual depôs de forma segura, detalhada, coerente e descomprometida, tendo, por isso, merecido credibilidade), corroborado pelo depoimento de D... (amigo do ofendido, que presenciou os factos descritos e depôs igualmente de forma segura, detalhada e descomprometida, merecendo credibilidade), e o depoimento do agente da PSP que elaborou o auto de notícia constante dos autos e, no próprio dia dos factos, abordou e identificou os arguidos como os autores dos ilícitos imputados (o qual depôs igualmente de forma isenta, detalhada, segura e objectiva, merecendo credibilidade).

No que concerne ao elemento volitivo e à consciência da proibição por banda dos arguidos, apoiou-se o Tribunal no conjunto da prova produzida (maxime as declarações do mesmo), tomada à luz das regras de experiência comum, concluindo pela conduta intencional e esclarecida dos mesmos.

Os factos não provados foram excluídos porque não se produziu qualquer prova sobre os mesmos ou porque se apuraram factos distintos, incompatíveis com os que se excluíram.


*

                Quanto à situação pessoal dos arguidos:

                Nas suas declarações, prestadas em sede de audiência de julgamento, no teor dos relatórios sociais e nos certificados de registo criminal juntos aos autos.

            (…)”.

            D) E a seguinte fundamentação quanto à escolha e determinação da medida da pena:

            “ (…).

Fixada a responsabilidade criminal, cumpre determinar a pena a aplicar ao arguido pela prática do crime que resultou provado.

                O artigo 40º do Código Penal refere que a aplicação das penas e medidas de segurança visa a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa.

Constituindo as exigências de prevenção geral o limite mínimo da pena e a culpa do agente o seu limite máximo, a medida concreta da pena deve ter em consideração a finalidade de prevenção especial, de ressocialização do arguido ou de suficiente advertência, no sentido de retirar este agente do caminho criminoso.

Valorada em concreto a medida da necessidade de tutela de bens jurídicos e da reintegração do arguido na sociedade, causando-lhe só o mal necessário, em homenagem ao princípio da subsidiariedade do direito penal, a culpa funciona como limite máximo da pena, dentro da moldura penal assim encontrada.

                A determinação da medida concreta da pena faz-se, nos termos do artigo 71º do Código Penal, em função da culpa do agente, atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime (porque estas já foram tomadas em consideração ao estabelecer-se a moldura penal do facto), deponham a favor do agente ou contra ele.

                A pena a aplicar será, assim, fixada em função da culpa, da ilicitude, e das circunstâncias agravantes e atenuantes que ocorram, não se perdendo de vista o objectivo de reinserção social do agente.

Uma pena que ultrapasse a culpa é ilegal e injusta. E a determinação da pena em concreto é a determinação pelo Juiz da pena necessária e justa”, no ensinamento do Professor Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, “As Consequências Jurídicas do Crime”, p.222.


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O crime de roubo pelo qual os arguidos haverão de ser condenados é punido com pena de 1 a 8 anos de prisão.

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DA ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA:

                In casu, e uma vez que os arguidos tinham, à data da prática dos factos, 16 anos de idade, coloca-se a questão de saber se é aplicável o disposto no Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de Setembro, ex viart. 9.º do Código Penal, o qual prevê um regime especial para jovens delinquentes, com idades compreendidas entre os 16 e os 21 anos de idade (artigos 1º, 2º e 4º do citado diploma legal).

                Com a aprovação do regime penal especial para jovens pretendeu-se “instituir um direito mais reeducador do que sancionador, sem esquecer que a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade, e de exigir, sempre que a pena prevista seja a de prisão, que esta possa ser especialmente atenuada, nos termos gerais, se para tanto concorrerem sérias razões no sentido de que, assim, se facilitará aquela inserção” (ponto 4 do preâmbulo).

Desta forma, foi consagrado no artigo 4º do diploma ora em análise que, quando ao jovem haja de ser aplicada pena de prisão, poderá o Tribunal atenuá-la especialmente (nos termos dos artigos 73º e 74º do Código Penal), quando tenha sérias razões para crer que da atenuação resultarão vantagens para a reinserção social do jovem condenado, na esteira do pensamento do legislador expresso no ponto 7 do preâmbulo desse diploma legal.

Citando o douto acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 1998 (BMJ, 461/174), “a atenuação especial da pena deverá ter lugar quando, na imagem global do facto e de todas as circunstâncias envolventes, a culpa do arguido e a necessidade da pena se apresentem especialmente diminuídas. Ou, por outras palavras, quando o caso não é o caso normal suposto pelo legislador ao estatuir os limites da moldura correspondente ao tipo de facto descrito na lei e antes reclama, manifestamente, uma pena inferior”.

Por este motivo, e na esteira do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.10.1994, haverá que apreciar, em cada caso concreto, a personalidade do jovem, a sua conduta anterior e posterior ao crime, a natureza e modo de execução do mesmo e os seus motivos determinantes.

Efectivamente, a idade não determina, por si só, o desencadear dos benefícios do regime, designadamente porque estes não se traduzem numa mera atenuação da dosimetria punitiva, mas sim, como referido, numa dosimetria reeducadora, a qual poderá ser encontrada através de uma atenuação especial.

No que concerne à atenuação especial em aplicação do regime especial para jovens, tem sido orientação do Supremo Tribunal de Justiça que não é de fazer uso daquela faculdade, prevista no art. 4.º do referido regime, quando seja elevado o grau de ilicitude dos factos praticados pelo arguido e grave a sua culpa.

Ressalvados os casos de grande gravidade, deverá ser a pena especialmente atenuada, nos termos supra descritos, nomeadamente em relação a jovens que são julgados pela primeira vez pela prática de determinado tipo de crime, mesmo que o seu passado, antes de atingirem a imputabilidade penal, não seja abonatório.

Existem, assim, e no que aos presentes autos concerne, diversas vertentes a ponderar: por um lado, é sabido que o crime de roubo praticado pelo arguido causa um grande alarme entre a população; e, por outro lado, considera-se elevado o grau de ilicitude e de culpa do arguido.

Não obstante, e atenta a inexistência de antecedentes criminais, assim como a assumpção de responsabilidade por parte dos arguidos, considera-se que existem sérias razões para crer que da atenuação especial resultarão vantagens para os mesmos, pelo que se decide pela aplicação do regime especial para jovens adultos.


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                Assim, tendo por base a moldura penal abstracta supra mencionada, especialmente atenuada [pena até 5 anos e 4 meses de prisão], e tendo em conta os elementos constantes do artigo 71º do Código Penal, e em especial:

- o grau de violência utilizado para a subtracção e a mediana gravidade das suas consequências;

- a prática dos factos durante o dia, no interior de localidade;

- a organização e a premeditação dos factos por banda dos arguidos (revelada no modo de ocorrência dos factos e de participação dos arguidos nos mesmos);

- a situação pessoal dos arguidos constante dos factos provados;

- a confissão dos factos por banda dos arguidos (que denota assumpção de responsabilidade sobre os seus actos, e pese embora a facilidade de prova do ilícito);

- a existência de processos tutelares educativos;

- a inexistência de antecedentes criminais.

considera-se adequado aplicar a cada um dos arguidos, pela prática do crime de roubo, a pena de 2 (dois) anos de prisão.


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                DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA:

Nos termos do artigo 50º, nº 1, do Código Penal, “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.

A ideia que subjaz a este instituto é a de que a simples ameaça da prisão poderá, em muitos casos, bastar para ao cumprimento das finalidades da punição, quando se revele apta a afastar o agente da criminalidade, salvaguardando as exigências mínimas de prevenção geral, sendo certo que a mesma se revogará caso o agente cometa um crime pelo qual venha a ser condenado, revelando que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas (artigo 56º, nº1, alínea b) do CP).

                Tendo em conta, por um lado, as fortes exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir, e, por outro, a pena aplicada (2 anos de prisão), a jovem idade dos arguidos, a situação pessoal dos mesmos e a inexistência de antecedentes criminais, o Tribunal entende que, in casu, a censura do facto e a ameaça de aplicação de uma pena de prisão serão ainda aptas a assegurar as finalidades da punição, afastando os arguidos do cometimento futuro de factos semelhantes.

                Assim sendo, e ao abrigo do disposto no artigo 50º, nºs 1 e 5 do Código Penal, entende-se dever a execução da pena de 2 anos de prisão aplicada ser suspensa na sua execução por igual período de tempo.

                Considerando, ainda, o disposto no artigo 53º, nº 3, do Código Penal, a suspensão da execução da pena imposta será acompanhada de regime de prova.

                Este regime assentará num plano individual de readaptação social a delinear e a ser fiscalizado pela Direcção Geral de Reinserção Social tendo em conta, em especial, a natureza do crime cometido pelos arguidos e a sua actual situação sócio-económica.

Avulta, contudo, a necessidade de aperfeiçoar o sentimento de responsabilidade social dos arguidos e de os manter escolar ou profissionalmente ocupados.

(…)”.


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Da excessiva medida da pena

1. Alega o arguido – conclusões 1 a 11 – que tendo confessado os factos integralmente e sem reservas, mostrado arrependimento sincero e tendo um nível de auto censura elevado, a pena concreta que lhe foi aplicada não ponderou devidamente estas circunstâncias, revelando-se por isso manifestamente desproporcionada e violadora do disposto no art. 71º do C. Penal devendo antes, por via do recurso, ser reduzida para a pena de um ano de prisão, suspensa na respectiva execução.

Diferente é a posição do Ministério Público para quem a pena decretada respeita integralmente os critérios legais.

Vejamos então, a quem assiste razão.

Estabelece o art. 40º, nº 1 do C. Penal que a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Por sua vez, dispõe o nº 2 do mesmo artigo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

Prevenção e culpa são, portanto, os critérios gerais a atender na fixação da medida concreta da pena, reflectindo a primeira a necessidade comunitária da punição do caso concreto e constituindo a segunda, dirigida ao agente do crime, o limite às exigências de prevenção e portanto, o limite máximo da pena.

A medida da pena resultará da medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos no caso concreto ou seja, da tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada – [prevenção geral positiva ou de integração] – temperada pela necessidade de prevenção especial de socialização, constituindo a culpa o limite inultrapassável da pena.

A determinação da pena, em sentido amplo, passa, frequentemente, pela operação de escolha da pena, o que sucede, designadamente, quando o crime é punido, em alternativa, com pena privativa e com pena não privativa da liberdade. O critério de escolha da pena encontra-se fixado no art. 70º do C. Penal nos termos do qual, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.  

Escolhida a pena, há que determinar a sua medida concreta. Para tanto, o tribunal deve atendera todas as circunstâncias que, não sendo típicas, depuserem a favor e contra o agente do crime (art. 71º do C. Penal). Entre outras, haverá então que ponderar o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências, a grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, a motivação do agente, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior e posterior ao facto, e a falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita (nº 2 do art. 71º do C. Penal).

2. O crime de roubo, por cuja prática foi o recorrente condenado, é punível com pena de prisão de um a oito anos. Tendo 16 anos de idade na data da prática do facto, na sentença recorrida decidiu-se aplicar-lhe o regime penal especial para jovens, previsto no Dec. Lei nº 401/82, de 23 de Setembro, decisão que não integra o objecto do recurso. Deste modo, face às disposições conjugadas do art. 4º do citado Dec. Lei e do art. 73º, nº 1, a) e b) do C. Penal, a moldura penal abstracta aplicável é a de prisão de um mês a 5 anos e 4 meses.

Pretende o arguido ter confessado integralmente e sem reservas os factos imputados na acusação pública.

Na acta da audiência de julgamento de 23 de Junho de 2014 [fls. 87 a 90] não foi consignada, designadamente, para os efeitos previstos no art. 344º do C. Processo Penal, a confissão integral e sem reservas, os factos imputados. Por outro lado, também a confissão, enquanto facto, não consta dos factos provados da sentença.

Porém, na motivação de facto da sentença pode ler-se que a convicção do tribunal assentou, quanto à questão da culpabilidade, nas declarações conjugadas de ambos os arguidos que, não tendo sido coincidentes, consistiram na admissão da generalidade dos factos imputados. Acresce que também na sentença, no segmento relativo à determinação da medida concreta da pena, foi considerada, além de outras circunstância, a confissão dos factos por banda dos arguidos (que denota assumpção de responsabilidade sobre os seus actos, pese embora a facilidade de prova do ilícito).   

Assim, é inquestionável, por um lado, que o recorrente confessou os factos, e por outro, que tal confissão teve limitado concurso para a descoberta da verdade. Mas apenas isto.

Pretende o arguido ter assumido em audiência uma postura de humildade, consternação pela sua conduta e arrependimento sincero.

Não resulta dos factos provados da sentença tal postura e sentimento de consternação, sendo certo que a decisão de facto não foi impugnada pelo recorrente. Tão-pouco consta dos mesmos factos o arrependimento sincero do arguido ou, melhor dito, os factos dele demonstrativos [designadamente, a reparação do dano causado], sendo certo que para tanto não basta a mera confissão.

Não haveria pois a considerar, na determinação da medida concreta da pena o invocado arrependimento sincero.

Pretende o arguido ser portador de um elevado nível de auto censura o que possibilita uma prognose favorável à sua reintegração na sociedade.

Entendendo-se a afirmada elevada auto censura como a interiorização do desvalor da sua conduta e necessidade da sua reprovação penal, ela será apenas um parâmetro eventualmente inferido da confissão e com reflexo nas exigências de prevenção especial [a prognose favorável à sua reintegração mostra-se reflectida na substituição da pena de prisão, decidida pela 1ª instância].

Finalmente, pretende o recorrente [não nas conclusões, mas no corpo da motivação] que, tendo-se limitado a acompanhar o co-arguido e a vigiar o local, a este obedecendo, não pode o grau de ilicitude da sua conduta e a intensidade da sua culpa serem colocados ao mesmo nível dos de quem planeou e executou o facto. Sem razão, porém.

Como se referiu já, a decisão proferida sobre a matéria de facto não foi impugnada pelo arguido. Os factos provados revelam condutas concertadas de ambos os arguidos, em conjugação de esforços e intenções e com recurso a intimidação física, com vista a apoderarem-se de bens e valores de que o ofendido era portador. E se é verdade que, face aos factos provados, existiu repartição de tarefas, o conceito de co-autoria, plasmado no art. 26º do C. Penal, abrange igualmente esta situação, ao incluir no conceito quem toma parte directa na execução do facto, por acordo ou juntamente com outro, onde o domínio do facto é por todos exercido, ainda que a cada comparticipante caiba apenas uma contribuição objectiva, mas parcial, para a sua realização.

3. Aqui chegados, podemos dizer que é mediano o grau de ilicitude do facto, uma vez que na sua execução não foi usada violência física mas apenas, violência verbal e, se não são de desprezar, também não foram graves as suas consequências, quer pelo que acaba de ser dito, quer pelo valor apropriado.

É intenso o dolo com que actuou o arguido, revelador de elevada energia criminosa, dada a forma ousada como o facto foi praticado, de dia e em plena cidade de Alcobaça.

São elevadas as exigências de prevenção geral devido à frequência com que vêm sendo praticados crimes de roubo.

Ainda que o arguido não tenha antecedentes criminais, certo é que mal entrou na idade da imputabilidade penal praticou um crime grave. Por outro lado, desde a adolescência que tem tido contactos com o sistema de justiça, e revela um completo desinteresse pelo seu percurso escolar, preferindo acompanhar com jovens conotados com a prática de comportamentos desviantes. De tudo isto resulta uma personalidade problemática, que a confissão produzida muito pouco logra abonar. E assim, as exigências de prevenção especial criam já alguma preocupação.

Militam a favor do arguido a confissão, com a reserva acabada de fazer, se bem que com reduzido valor para a descoberta da verdade e a sua modesta situação social.

Deste modo, as circunstâncias agravantes sobrepõem-se claramente às circunstâncias atenuantes e são significativas, nos termos apontados, as exigências de prevenção. Cremos, portanto, que, ponderada a ilicitude global do facto, a culpa do recorrente e as exigências de prevenção requeridas, uma pena situada acima do primeiro quarto e claramente abaixo do meio da moldura penal abstracta aplicável, ainda realizará, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, considerando-se mais adequada ao caso concreto e à medida da culpa do arguido, a pena de 1 ano e 6 meses de prisão.

3. Mantém-se a decretada suspensão da execução da pena de prisão, agora pelo período de um ano e seis meses, a contar do trânsito do presente acórdão (art. 50º, nº 5 do C. Penal).

Mantém-se igualmente, o regime de prova, nos exactos termos fixados pela 1ª instância (art. 53º, nº 3 do C. Penal).


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            III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder parcial provimento ao recurso. Consequentemente, decidem:

A) Revogar a sentença recorrida na parte em que condenou o arguido A...– pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210º, nº 1 do C. Penal – na pena de 2 anos de prisão, suspensa na respectiva execução pelo período de dois anos, sujeita a regime de prova com plano individual de readaptação social.

B) Condenar o arguido A...– pela prática de um crime de roubo, p. e p. pelo art. 210º, nº 1 do C. Penal – na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses prisão, suspensa na respectiva execução pelo período de um ano e seis meses, a contar do trânsito do presente acórdão, sujeita a regime de prova com plano individual de readaptação social.

C) Confirmar, quanto ao mais, a sentença recorrida.


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Recurso sem tributação, atenta a parcial procedência (art. 513º, nº 1 do C. Processo Penal).

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Coimbra, 4 de Março de 2015


(Heitor Vasques Osório – relator)


(Fernando Chaves – adjunto)