Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2461/10.0TBPBL-G.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
Data do Acordão: 03/06/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: POMBAL 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 235.º; 238.º N.º 1 DO CIRE
Sumário: 1. A figura da exoneração do passivo restante tem de ser vista como uma excepção e não a regra. Como um benefício que só se pode basear num comportamento do devedor que se viu incorrer numa situação de insolvência, não obstante ter pautado a sua conduta por regras de rectidão, honestidade, transparência e boa fé
2. Consequentemente tal benefício, não pode ser concedido a pessoas que usaram ou se socorreram de expedientes, de qualquer índole, com vista a colocar os seus credores numa situação de não poderem cobrar os seus créditos ou torná-la mais difícil ou improvável.

3. É de indeferir a concessão deste benefício a quem, entre a declaração de insolvência das suas empresas e a sua própria insolvência, transferiu o seu património para uma terceira empresa, que criou, ficado sem património que garantisse a solvência dos credores.

Decisão Texto Integral:             Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

           

            “A..., L.da”, já identificada nos autos, requereu a declaração de insolvência de B..., igualmente, já identificado, com o fundamento em este se encontrar numa situação de falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante e pelas circunstâncias do incumprimento, revelam a impossibilidade de satisfazer pontualmente as suas obrigações.

            Designadamente, de acordo com o que alegou, o mesmo era sócio de duas empresas do ramo da construção civil, as quais já foram declaradas insolventes e às quais a requerente tinha prestado diversos serviços e fornecido materiais, para cuja pagamento foram emitidas duas letras de câmbio, aceite de uma de tais empresa e avalizadas pelo, requerido, uma no montante de 27.000,00 € e outra no de 93.627,28 €, que não foram pagas.

Em face do que a requerente instaurou providência cautelar de arresto, a qual veio a ser decretada, com a apreensão de vários bens imóveis e móveis.

Quando o requerido de tal teve conhecimento, procurou a requerente a fim de estabelecerem um acordo que lhe permitisse libertar parte das verbas arrestadas, o que concretizaram em 19 de Março de 2010, reconhecendo o requerido ser devedor à requerente da quantia de 101.800,00 €, a ser pago mediante a execução de uma obra, a construir em Trouxemil, mediante empreitada, o que o requerido não veio a cumprir.

Para mais, obtida a desistência do arresto por parte da requerente, o requerido, constituiu uma nova sociedade para a qual transferiu a propriedade de todo o seu património, assim frustrando os créditos da requerente.

O requerido é alvo de várias acções executivas e tem dívidas à Fazenda Nacional e Segurança Social, que ascendem a um valor global superior a 550.000 € e não tem qualquer património ou rendimento que lhe permita pagar as quantias ali peticionadas.

           

            Conforme sentença, aqui junta de fl.s 114 a 125, que se dá por integralmente reproduzida, proferida em 28 de Abril de 2011, já transitada em julgado, foi declarada a insolvência do requerido B..., nos termos que ali melhor constam.

            No prosseguimento dos autos de insolvência, veio o requerido, declarado insolvente, deduzir o pedido de exoneração do passivo restante, ao abrigo do disposto no artigo 235.º e seg.s do CIRE por, segundo alega, preencher todos os requisitos nos mesmos exigidos, designadamente, que não prestou informações falsas ou incompletas com o intuito de obter crédito; não usufruiu de tal benefício nos 10 anos anteriores à data do início do presente processo de insolvência; não incumpriu com o dever de se apresentar à insolvência, nem foi condenado por nenhum dos crimes previstos nos artigos 227.º a 229.º do Código Penal.

            No decurso da assembleia de credores, a M.ma Juiz, na decorrência da formulação de tal pedido, deu a palavra ao Sr. Administrador da Insolvência e aos credores, para se pronunciarem quanto ao mesmo.

Na sequência do que o Sr. Administrador se veio a pronunciar favoravelmente a tal pretensão (cf. fl.s 133) e se lhe opuseram os credores “ A..., L,da”, cf. requerimento de fl.s 135 a 140) e “F..., SA” (cf. requerimento de fl.s 163 a 166).

            Em seguida, a M.ma Juiz proferiu a decisão que antecede de fl.s 254 a 266, aqui dada por reproduzida, na qual inferiu liminarmente o referido pedido de exoneração do passivo, com o fundamento em se verificarem as circunstâncias previstas nas alíneas d), e e), do n.º 1 do artigo 238.º do CIRE, designadamente que a insolvência é de considerar como culposa em virtude de o insolvente ter ocultado ou feito desaparecer o seu património e incumpriu o dever de apresentação à insolvência, pois desde Maio de 2010 que conhecia a situação das empresas de que era sócio e não obstante em vez de o fazer transferiu todo o património que tinha para uma terceira empresa que criou.

            Inconformado com tal decisão, interpôs o requerido o presente recurso de apelação, concluindo a sua motivação do seguinte modo:

I Não se encontra preenchido o artigo 238.º, n.º 1, e), ou tão pouco o artigo 186.º, n.º 2, do CIRE.

II Foi o próprio Insolvente que reconheceu, aquando da sua primeira intervenção processual, a realização das alienações dos seus bens, indicando que tais bens lhe pertenciam, tendo a consciência que as vendas efectuadas não poderiam permanecer.

III O Recorrente não se opôs, de forma alguma ou por qualquer meio, à resolução das vendas efectuadas, facto que necessariamente exclui qualquer actuação dolosa ou com culpa grave, da sua parte.

IV Não se pode entender que desde Maio de 2010 que o Recorrente já tinha conhecimento da sua situação de insolvência, não sendo tal data determinante para o conhecimento e percepção de que o Recorrente se encontrava, já nessa data, em situação de insolvência actual, carecendo os autos de elementos que conduzissem a Meritíssima Juiz a tal conclusão.

V O Recorrente não se apresentou à insolvência até Maio de 2010, porquanto nessa data tinha a séria expectativa que a sua representada “D..., Lda.”, cujo plano de insolvência tinha sido aprovado e homologado por um lado, e os bens constantes da massa da “C..., Lda.” por outro, fossem suficientes para o pagamento de todos os seus avais pessoais.

VI Muito dificilmente se pode aceitar que o Recorrente, já desde Maio de 2010, sabia encontrar-se numa situação de insolvência, uma vez que apenas no próximo mês de Dezembro de 2011 é que vão ser vendidos os bens apreendidos à ordem do processo de insolvência de “ C..., Lda.” – conforme documento que se junta e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais e que apenas chegou ao conhecimento do Recorrente em 7 de Novembro de 2011 (doc. n.º 1) - podendo muito bem tais bens ser suficientes para a liquidação da totalidade das dívidas do Recorrente.
VII O Recorrente não incumpriu o lapso temporal que se encontra previsto no artigo 238.º, n.º 1, d), do CIRE, porquanto não existe da sua parte obrigação de apresentação à insolvência, não se podendo, assim, concluir, como erradamente fez a Meritíssima Juiz “a quo”, que não foi cumprido o lapso temporal de 6 meses estabelecido no artigo 238.º, n.º 1, d), do CIRE.
VIII Mesmo que assim não se entenda, ou seja, que o Recorrente não cumpriu o lapso temporal de seis meses estabelecido no artigo 238.º, n.º 1, d), do CIRE – o que apenas se concede por mera questão de raciocínio – não constitui motivo justificativo que esse facto por si só, necessariamente, conduza ao indeferimento da concessão da exoneração do passivo restante, nos termos do disposto no artigo 238.º, n.º 1, d).
IX Não basta, para o preceito fundamentador do indeferimento da exoneração do passivo restante, que o devedor, não estando obrigado a se apresentar à insolvência, não o tenha feito nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, exigindo o artigo, por um lado, que exista prejuízo para os credores; exigindo, ainda por outro lado, que o devedor soubesse, ou não pudesse ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.
X Não resulta dos autos que os credores tenham sofrido prejuízos pela não apresentação à insolvência, por parte do Recorrente, nos seis meses posteriores à verificação da situação de insolvência, até porque tais prejuízos não foram sequer invocados pelos credores que se limitaram a indicar que se opunham a que fosse concedida a exoneração do passivo restante ao Recorrente.
XI Não decorre do despacho recorrido que a Juiz “a quo” tenha vislumbrado a existência de prejuízos para os credores, baseando-se o despacho numa venda de património pertencente ao Recorrente.
XII Não se pode inferir que tal venda tenha causado um prejuízo sério aos seus credores.
XIII A existir prejuízo para os credores o mesmo teria necessariamente que implicar um agravamento da divida do Recorrente, ou seja teria que existir um aumento dos valores em divida, facto que não ocorreu nos presentes autos e nem sequer foi alegado pelos credores ou sequer decorre do despacho de que se recorre.
XIV O agravamento da situação de insolvência do Recorrente apenas aconteceria se tivesse existido um incremento dos valores em divida, facto que não sucedeu e nem sequer serviu de base ao despacho que de que se recorre que se limita a fundamentar o indeferimento liminar da exoneração do passivo restante na venda do património do Recorrente.
XV A venda de património foi assumida, nos presentes autos, por parte do Recorrente, nunca tendo sido ocultado esse facto, já que foi o próprio Insolvente que indicou, aquando da sua intervenção nos autos, que havia efectuado tais alienações.
XVI Ao ter sido indicado pelo Recorrente que é proprietário dos bens em causa, e que tempos antes os havia vendido, é forçosa a conclusão que não teve qualquer intenção de ocultar património, ou de actuar de forma menos lícita.
XVII Pelo contrário; a sua intenção foi levar ao presente processo a verdade, sendo este comportamento revelador da sua postura de transparência e boa-fé, tendo a noção de que a venda efectuada não podia permanecer.
XVIII Recai sobre os credores e ao Senhor Administrador o ónus de apresentar no processo prova que levasse a concluir que o Insolvente praticou efectivos e múltiplos actos de gestão que terão eventualmente sido determinantes para a sua situação deficitária.
XIX No sentido do exposto veja-se o Acórdão pelo Supremo Tribunal de Justiça, no processo n.º 3850/09.0TBVLG-D.P1.S1, em 21 de Outubro de 2010, in www.dgsi.pt, que determinou que “B) – Ónus dos requerentes. Entende o recorrente que “é ao requerente que cumpre alegar e demonstrar os factos concretos que, encandeados entre si, permitam concluir que o incumprimento do dever de apresentação à insolvência não teve qualquer incidência na sua situação económica, nem prejudicou os seus credores, pois que tal prejuízo presume-se no caso em que o requerente há muito não tem bens em número e valor susceptível de satisfazer as suas dívidas”. Cremos que também não tem razão. É que e conforme resulta do disposto no nº3 do artigo 236º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o devedor pessoa singular tem apenas, no requerimento de apresentação à insolvência em que formula o pedido de exoneração do passivo restante, de “expressamente declarar” que “preenche os requisitos” para que o pedido não seja indeferido liminarmente. Ou seja e como refere Assunção Cristas “in” Exoneração do Devedor pelo Passivo Restante” – Themis/Revista de Direito/Setembro de 2005, página 168 “o devedor pessoa singular tem o direito potestativo a que o pedido seja admitido e submetido à assembleia de apreciação do relatório, momento em que os credores e administrador da insolvência se podem pronunciar sobre o requerimento (artigo 236º/1 e 4)”. Isto significa, em nosso entender, que o devedor não tem que apresentar prova dos requisitos. Até porque, bem vistas as coisas, as diversas alíneas do nº1 do artigo 238º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas estabelecem os fundamentos que determinam o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante.
Não constituem factos constitutivos do direito do devedor de pedir esta exoneração. Antes e pelo contrário, constituem factos impeditivos desse direito. Nesta mediada, compete aos credores e ao administrador da insolvência a sua prova – cfr. nº2 do artigo 342º do Código Civil.

Um afloramento deste entendimento pode encontrar-se na alínea e) do referido artigo 238º, quando aí se prevê o caso de para a indiciação da existência a culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência e no caso de não constarem já do processo, os elementos serem fornecidos pelos credores ou pelo administrador da falência
. No caso concreto em apreço e em relação à questão anteriormente tratada sobre a existência de prejuízos para os credores, não foram fornecidos quaisquer elementos ou factos que contrariassem o alegado pelos devedores, para além do avolumar do juros que, já vimos, não pode se tido como prejuízo. Assim, bem de andou no acórdão recorrido em considerar como não verificado o pressuposto em causa.” (sublinhado nosso).

XX Não se compadece com o despacho recorrido que tenha existido qualquer ocultação de património, até porque a venda de um bem imóvel não é passível de ocultação, atenta a sua obrigatoriedade de registo.
XXI Neste sentido já se pronunciou o referido Acórdão proferido pela 3.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto, no processo n.º 926/10.3TBVCD-A.P1, tendo determinado numa questão semelhante que “Quanto ao imóvel não há qualquer intenção de ocultação, uma vez que foi o próprio requerente que o mencionou, depois porque, tratando-se de um bem imóvel, não é, por natureza passível de ocultação ou dissipação.”.
XXII Igualmente não resulta dos autos que o Recorrente soubesse, ou não pudesse ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica, nem pode tal resultar dos autos, pois não é pelo facto de as empresas de que o Recorrente é sócio e gerente se terem apresentado à Insolvência que daí poderá resultar tal conclusão.
XXIII Uma das ditas sociedades encontra-se em processo de recuperação e não de liquidação, o que significa que a actividade profissional do Recorrente se vai manter e que grande parte das suas dívidas será liquidada, até porque estas decorrem maioritariamente de aval prestado a essas mesmas sociedades.
XXIV O que leva a que exista prejuízo para os credores é o agravamento da situação económica do Recorrente, no lapso de tempo decorrido desde a verificação da situação de insolvência até ao momento em que o Recorrente se apresenta à insolvência, tendo necessariamente de existir um agravamento da sua situação financeira.
XXV A lei não se basta com o agravar da dívida; a lei exige efectivamente um prejuízo para os credores decorrente do agravamento da sua situação financeira, que no caso sob júdice, não se verifica.
XXVI Não é suficiente dizer que como não foi cumprido o prazo de seis meses, que tal facto acarreta invariavelmente prejuízo para os credores e que o Recorrente sabia ou pelo menos não podia ignorar sem culpa grave não existirem perspectivas sérias de melhoria da sua situação económica.
XXVII Neste sentido, entre outros, já se pronunciou o Tribunal da Relação do Porto, entre outros, no processo n.º 286/09.5TBPRD-C.P1, em 6 de Outubro de 2009, in www.dgsi.pt, tendo determinado que “II – A não observância do prazo de seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência por pessoa singular não titular de empresa comercial, para fundamentar o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante, tem que resultar clara dos autos e ser cumulativa com a evidência de que o atraso na apresentação prejudicou os interesses dos credores, sabendo o insolvente ou não podendo ignorar, sem culpa grave, que inexistia qualquer perspectiva de melhoria da sua situação económica.”, acrescentando ainda que “De qualquer modo, mesmo que se entendesse que era possível concluir que a situação de insolvência dos Requerentes havia ocorrido há mais de seis meses, considerando a data da sua apresentação, tal facto não determinaria só por si o indeferimento liminar do pedido formulado, uma vez que ainda se teria que constatar que esse atraso havia prejudicado os interesses dos credores, nomeadamente por ter contribuído para o agravamento da sua situação de insolvência, e que os insolventes sabiam ou não podiam ignorar, sem culpa grave, que inexistia qualquer perspectiva de melhoria da sua situação económica, uma vez que o preenchimento destes requisitos como fundamento do indeferimento liminar é cumulativo.”.
XXVIII O despacho recorrido condena que o Recorrente ao pagamento das custas do incidente, tendo sido as mesmas fixadas em 2UC’s.
XXIX Tendo sido decretada a insolvência do Recorrente, as custas do processo e de qualquer incidente, como a apreciação da exoneração do passivo restante, são suportadas pela massa insolvente – e não pelo próprio Insolvente - e constituem uma divida da massa, conforme determina o artigo 304.º, do CIRE.
XXX A Meritíssima Juiz “a quo” andou mal ao indeferir o pedido de exoneração do passivo restante, bem como ao condenar o Recorrente ao pagamento das custas originadas pelo incidente em apreço, tendo feito uma errada interpretação e aplicação dos artigos 238.º, n.º 1, d) e e) e 304.º, ambos do CIRE.

Termos em que deverá ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida que indeferiu a concessão da exoneração do passivo restante ao Recorrente em conformidade com as presentes alegações, devendo ser a decisão recorrida substituída por outra que admita tal exoneração, seguindo-se os ulteriores termos processuais.

Igualmente deve ser a decisão proferida revogada no que diz respeito à condenação em custas do Recorrente.

Assim, será feita, como sempre, inteira J U S T I Ç A!

            Contra-alegando, a requerente “ A..., L.da”, pugna pela manutenção da decisão recorrida, baseando-se nos fundamentos nesta expendidos.

            O recurso foi admitido, cf. despacho de fl.s 31, como sendo de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo.

            Dispensados os vistos legais, há que decidir.

            Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 684, n.º 3 e 690, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir são as seguintes:

            A) Se se verificam os requisitos para que o pedido de exoneração do passivo restante seja liminarmente indeferido e;

B) Se as custas dos presentes autos devem ser suportadas pelo ora recorrente ou pela massa insolvente.

São os seguintes os factos dados como provados na decisão recorrida:

Com relevo para a decisão da causa, da confissão do devedor, dos documentos juntos aos autos, do alegado pelo devedor, resulta provado que:

a) O devedor, B..., é casado com E... , sob o regime de comunhão de adquiridos.

b) O devedor, empresário do ramo da construção civil, é sócio-gerente das sociedades comerciais, “ D..., Lda.” e “ C..., Lda.”, declaradas insolventes por sentenças já transitadas em julgado, cujos processos de insolvência correm termos no 1.º juízo do Tribunal Judicial de Ourém, sob o processo n.º 818/10.6TBVNO e no 1.º Juízo deste Tribunal, sob o processo 1224/10.8TBPBL, respectivamente, dedicando-se a primeira à indústria da construção civil, compra e venda de imóveis, revenda dos adquiridos para esse fim e comércio de materiais de construção e a segunda à venda de materiais de construção, construção e reparação de edifícios e construção de obras públicas

c) A Insolvência da “ D..., Lda” foi decretada em 09.06.2010,tendo nestes autos sido aprovada Proposta de Plano de Insolvência.

d) A Insolvência da “ C..., Lda” foi decretada em 18 de Junho de 2010, prosseguindo os autos para liquidação de activo.

e) O devedor apresentou plano de pagamentos e pedido de exoneração do passivo restante nos presentes autos em 20 de Janeiro de 2011, quando citado para os mesmos, tendo aquele primeiro pedido sido julgado improcedente face à oposição manifestada pelos credores A..., Lda e G....

f) O devedor, em 19.05.10 e 08.07.2010, transferiu o seu único património mobiliário e imobiliário conhecido, pessoal, para a “ H..., S.A.”, sociedade de que Presidente da Mesa da Assembleia Geral, nomeadamente:

aa) Prédio urbano – casa de habitação de rés-do-chão e primeiro andar, com logradouro, sito na rua ..., ..., inscrito na matriz predial da freguesia e concelho de Pombal, sob o artigo n.º ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial desta Comarca, sob a descrição n.º ...;

bb) Prédio rústico – Terreno de vinha, sito em ..., inscrito na matriz predial rústica da freguesia e concelho de Pombal, sob o n.º ..., descrito na Conservatória do Registo Predial desta Comarca, sob a descrição n.º ...;

cc) Todos os bens móveis de que eram proprietários e existiam na casa morada da família, identificada na alínea aa).

g) A situação de insolvência do devedor resultou da prestação de avales pessoais, enquanto sócio gerente das sociedades insolventes aludidas em b) e d).

h) Em virtude do descrito em f), o devedor passou de proprietário a fiador da arrendatária, sua mulher, do imóvel casa morada da família, onde continua a habitar, tendo aquele arrendamento sido celebrado em 01 de Junho de 2010.

i) A requerente A..., S.A. intentou a presente acção especial de insolvência em 17 de Dezembro de 2010.

j) A fonte de rendimentos do insolvente fixa-se em 750,00 €, correspondente à remuneração mensal ilíquida na empresa “ D...”, onde a sua esposa aufere o salário mínimo nacional.

l) O devedor não dispõe de qualquer outra fonte de rendimento.

m) O devedor tem dois filhos menores ao seu cargo, com idades entre os 13 e os 7 anos.

n) O montante global dos créditos ascende a 654.247,98 €.

o) Em sede de assembleia de credores de apreciação de relatório foi requerido pelo Sr.Administrador de Insolvência autorização para proceder à venda dos bens imóveis e móveis apreendidos na sequência da resolução do negócio de compra e venda aludido em f) a realizar após a assembleia de credores, o que foi aprovado por unanimidade dos presentes, prosseguindo os autos para liquidação do activo.

p) Do certificado de registo criminal do devedor consta uma condenação já transitada em julgado por crime de abuso de confiança na forma continuada, p. e p. pelo artigo 105º, n.º1 e n.º5 do RGIT.

q) Os bens descritos em f) já se mostram apreendidos à ordem dos presentes autos.

A estes, há que acrescentar os seguintes (o que se faz ao abrigo do disposto no artigo 659.º, n.º 3, ex vi artigo 713.º, n.º 2, ambos do CPC), por reporte ao teor da sentença que decretou a insolvência – cf. fl.s 115 a 117 e 120, que aqui se dão por reproduzidas:

R. Para pagamento dos diversos serviços e materiais fornecidos à “ D..., L.da”, a requerente emitiu duas letras de câmbio, aceites por aquela e avalizadas pelo requerido, uma no montante de 27.000,00 € e outra no de 93.627,28 €, já vencidas, as quais não foram pagas nas respectivas datas de vencimento nem posteriormente.

S. O que levou a requerente a instaurar providência cautelar de arresto, em 10/02/10, decretada em 02/03/2010, que veio a incidir sobre o acervo patrimonial dos ali requeridos, resultando na apreensão efectiva de vários móveis e imóveis, que correu termos sob o processo n.º 302/10.8TBPBL, do 3.º Juízo do Tribunal a quo.

T. Quando o requerido teve conhecimento aquele arresto, de imediato procurou a requerida para a obtenção de um acordo que lhe permitisse libertar parte das verbas arrestadas, possibilitando a comercialização dos imóveis.

U. Convénio almejado em 19 de Março de 2010 (e não 2009, como, por lapso, ali se encontra escrito), o qual as partes designaram “acordo de pagamento com prestação de garantia”, onde o requerido reconheceu ser devedor da requerente na importância de 101.800,00 €.

V. Para facilitar a obtenção do crédito, a requerente aceitou o pagamento da importância em dívida com a execução de uma obra, a construir em Trouxemil, Coimbra, mediante empreitada.

X. O acordo obtido permitiu a desistência do arresto sobre determinados bens, com a sua manutenção, quanto a alguns bens imóveis, para garantia do bom cumprimento do mesmo.

Z. Porém com a conquista do convénio, o requerido pretendeu apenas ganhar tempo para apresentar as sociedades à insolvência, o que veio a fazer, bem como a vender os bens de que era proprietário.

AA. A sociedade adquirente dos bens do requerido “Aroundflot, SA”, foi constituída em 26 de Abril de 2010, sendo três dos outorgantes mandatários das insolventes e onde o requerido é presidente da mesa da assembleia geral e a sua mulher a secretária e tendo como administrador Davide da Silva Matias, legal representante de um dos credores das insolventes “Davide Matias, L.da”.

BB. O requerido não executou a obra dentro do prazo acordado, tendo a requerente perdido interesse na mesma, nem pagou a importância em dívida, há muito vencida.

           

A) Se se verificam os requisitos para que o pedido de exoneração do passivo restante seja liminarmente indeferido.

            Resumidamente, entende o recorrente que não, por ter reconhecido a alienação que fez dos seus bens, “tendo consciência que as vendas efectuadas não poderiam permanecer”, nem se opôs à resolução das vendas efectuadas, o que, na sua óptica, exclui que tenha agido com qualquer actuação dolosa ou culpa grave.

De igual modo, entende que não lhe era exigível que se apresentasse à insolvência em Maio de 2010, porque, então, se desconhecia se os bens das empresas de que era sócio eram ou não suficientes para solverem as respectivas obrigações, para além do que, de tal inacção, não decorreu qual prejuízo para os credores.

            Ao invés, na decisão recorrida considerou-se que resulta dos factos provados que se trata de uma insolvência culposa, atento o comportamento do requerido, ao negociar com a requerente o levantamento do arresto, nas condições e objectivos visados e posteriormente, a transferir a propriedade de todo o seu património para uma empresa que, entretanto, criou, bem como que sabendo, desde Maio de 2010 a situação em que se encontrava, não requereu a sua insolvência, pelo que se entendeu que se acham verificados os requisitos previstos nas alíneas e) e d) do n.º 1 do artigo 238.º do CIRE, para que fosse, como foi, liminarmente indeferido o pedido de exoneração do passivo restante formulado pelo ora recorrente.

 

            A figura da exoneração do pedido restante surgiu prevista nos artigos 235.º e seg.s do CIRE, na redacção do Decreto Lei n.º 53/2004, de 18/3, a qual no item 45.º da sua exposição de motivos, a justifica como visando obter um ponto de equilíbrio entre “o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica. O princípio do fresh start para as pessoas singulares de boa fé incorridas em situação de insolvência, tão difundido nos Estados Unidos, e recentemente incorporado na legislação alemã da insolvência, é agora também acolhido entre nós, através do regime da «exoneração do passivo restante».

            Efectivamente a legislação alemã da insolvência, na qual a nossa foi buscar boa parte da inspiração, consagrou uma figura semelhante à da americana “fresh start” e que na legislação teutónica recebe a designação de “Restschuldbefreiung”, a qual, igualmente, visa conferir aos devedores pessoas singulares, que se viram, por circunstâncias que, em muito ou em larga medida, ultrapassam a sua vontade (culpa, como se traduz no uso do vocábulo “schuld”), numa situação de insolvência, uma oportunidade de começar de novo.

            Volvendo ao nosso ordenamento jurídico, no dizer de Carvalho Fernandes e João Labareda, in CIRE, Anotado (Reimpressão), Quid Juris, Lisboa, 2006, a pág. 184, a referida exoneração “… traduz-se na liberação definitiva do devedor quanto ao passivo que não seja integralmente pago no processo de insolvência ou nos cinco anos posteriores ao seu encerramento, nas condições fixadas no incidente. Daí falar-se de passivo restante.”.

            Em sentido semelhante se pronuncia Menezes Leitão, CIRE, Anotado, 3.ª edição, 2006, pág. 220, realçando a intenção de fazer “desaparecer” o peso de uma insolvência anterior.

            Daqui resulta, como é bom de ver, que se trata de uma medida muito gravosa para os credores e que, por isso, de modo algum pode ser erigida em regra mas sim vista como excepção e que só se pode alicerçar no comportamento anterior do devedor.

            Isto é, não se pode permitir que todo e qualquer devedor que, ao endividar-se “não pensou duas vezes em o fazer”, designadamente se tinha meios de liquidar as dividas que contraiu, se não agiu com transparência e boa fé, como e para que fins se endividou, possa, agora, contraídas avultadas dívidas, pretender, sem mais, pagar apenas uma parte delas, ao abrigo do regime excepcional do pedido de exoneração do passivo restante.

            Citando Carvalho Fernandes e João Labareda, in Colectânea De Estudos Sobre a Insolvência, Quid Juris, Lisboa, 2009, a pág.s 276 e 277:

            “A concessão da exoneração do passivo restante …, depende, como facilmente se compreende, da verificação de certos requisitos que, em geral, são dominados pela preocupação de averiguar se o insolvente pessoa singular, pelo seu comportamento, anterior ao processo de insolvência ou mesmo no curso dele, é merecedor do benefício que da exoneração lhe advém.”.

            Ou, no dizer de Assunção Cristas, in Novo Direito da Insolvência, Revista da Faculdade de Direito da UNL, 2005, a pág. 264, tal benesse apenas deve ser concedida a um devedor que tenha tido um comportamento anterior ou actual pautado pela licitude, honestidade, transparência e boa fé no que respeita à sua situação económica e aos deveres associados ao processo de insolvência, reveladores de que a pessoa em causa se afigura merecedora de uma nova oportunidade.

            De resto, realce-se que no item 45 das exposição de motivos do DL 53/2004, de 18/3, já acima parcialmente transcrito se faz expressamente referência às “… pessoas singulares de boa fé incorridas em situação de insolvência,”.

            Do que tem de retirar-se a conclusão, de que, também, no nosso ordenamento jurídico, a figura da exoneração do passivo restante tem de ser vista como uma excepção e não a regra.

Como um benefício que só se pode basear num comportamento do devedor que se viu incorrer numa situação de insolvência, não obstante ter pautado a sua conduta por regras de rectidão, honestidade, transparência e boa fé (neste sentido, por último, pode ver-se o Acórdão do STJ, de 24/01/2012, Processo 152/10.1TBBRG-E.G1.S1, in http//www.dgsi.pt/jstj.

            Bem como, de igual modo, tal benefício, não pode ser concedido a pessoas que ao invés de pautarem a sua conduta anterior em conformidade com os ditames da boa fé, da honestidade e rectidão, usaram ou se socorreram de expedientes, de qualquer índole, com vista a colocar os seus credores numa situação de não poderem cobrar os seus créditos ou torná-la mais difícil ou improvável.

            Os requisitos de que depende a concessão de tal benefício, são os que constam do artigo 238.º, n.º 1, do CIRE, incumbindo-nos, no caso presente, aferir o previsto nas suas alíneas d), e e), de acordo com as quais:

“O pedido de exoneração é liminarmente indeferido se:

O devedor tiver incumprido o dever de apresentação à insolvência ou, não estando obrigado a se apresentar, se tiver abstido dessa apresentação nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência, com prejuízo em qualquer dos casos para os credores, e sabendo, ou não podendo ignorar sem culpa grave, não existir qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica” – al. d;

Constarem já no processo, ou forem fornecidos até ao momento da decisão, pelos credores ou pelo administrador da insolvência, elementos que indiquem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186.º - al. e);

           

            Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit. (CIRE; Anotado), a pág. 190, encontram-se ali definidas, pela negativa, os requisitos de cuja verificação depende a exoneração, integrando-se os previstos nas alíneas d) e e) como respeitantes a comportamentos do devedor relativos à sua situação de insolvência e que para ela contribuíram de algum modo ou a agravaram.

            Conclusão que reiteram na sua obra, Colectânea De Estudos sobre a Insolvência, Quid Juris, Lisboa, 2009, de pág.s 277 a 279.

            Resulta do preceito ora citado, com referência à sua alínea d), que tal pedido deve ser liminarmente indeferido desde que se verifiquem, cumulativamente, os três requisitos no mesmo enumerados, a saber:

            a) apresentação à insolvência nos seis meses seguintes à verificação da situação de insolvência;

            b) com prejuízo para os credores e;

            c) conhecimento ou ignorância indesculpável da inexistência de qualquer perspectiva séria de melhoria da sua situação económica.

           

            Na decisão recorrida justificou-se a verificação do condicionalismo da alínea d), n.º 1, do artigo 238.º do CIRE, com a seguinte fundamentação:

“Mais ainda, face ao negócio vindo de descrever, o montante dos créditos existentes sobre o devedor, o por si exposto em sede de plano de pagamentos, as datas em que foram declaradas as insolvências da D... e C..., Lda., extraímos que o devedor pelo menos desde Maio de 2010 que se encontrava já numa situação económica deficitária, com passivo manifestamente superior ao activo.

Todavia, em vez de se apresentar à insolvência optou pela realização do negócio descrito na alínea f) da factualidade apurada, visando com isso furtar o seu património do alcance dos credores. E, desta forma absteve-se de se apresentar à insolvência no período de seis meses após a verificação da sua situação de insolvência, bem sabendo ou pelo menos não podendo ignorar com culpa grave, que inexistiam perspectivas sérias de melhoria da sua situação económica, optando por uma actuação que conforme supra-expandido era susceptível de causar prejuízo sérios para os credores caso o administrador de insolvência não tivesse operada entretanto a resolução do contrato de compra e venda em apreço.

Efectivamente, ao procurar desfazer-se de todo o seu património e uma vez que as empresas de que era sócio gerente se encontravam em situação de insolvência, entretanto judicialmente decretada, notório se tornava que inexistiam perspectivas sérias de melhoria da sua situação económica e que, perante as garantias pessoais por si prestados, os credores rapidamente se voltariam para si, na tentativa de procurar obter a satisfação das obrigações assumidas.

Resumindo, face ao exposto, entende o Tribunal que se mostra igualmente verificado o condicionalismo previsto na alínea d) do n.º1 do artigo 238º do CIRE.”.

            Tal entendimento é de sufragar na íntegra.

            Efectivamente, tal como consta dos factos provados, não obstante as empresas de que o requerido era sócio terem sido declaradas como insolventes em Junho de 2010, o mesmo transferiu o seu património para uma terceira empresa, que criou nas supra descritas circunstâncias, em Maio e Junho de 2010, isto depois de ter acordado com a requerente no levantamento do arresto decretado e tudo tendo em vista prejudicar a garantia patrimonial da requerente, bem como dos restantes credores, dado que ficou sem património que garantisse a sua solvência.

            Para além do mais, estamos em crer que o facto de o devedor não se ter apresentado à insolvência no prazo que é legalmente fixado, por si só, também contribui para o aumento do prejuízo dos credores, uma vez que só pode entender-se a exigência de tal prazo, para protecção destes.

            Ou seja, logo que constate que se encontra em situação de, generalizadamente, não poder cumprir os seus encargos, o devedor deve apresentar-se à insolvência, por forma a que estes fiquem a conhecer a real situação do devedor e possam accionar as medidas conservatórias e de garantia de que disponham (se for esse o caso) ou de accionar os meios legais coercivos de que possam dispor para a satisfação dos respectivos créditos.

            Tudo sem embargo de o devedor, em caso de apresentação tardia, poder demonstrar que, na prática, tal prejuízo não ocorreu.

            O que in casu não acontece.

            Pelo contrário, verifica-se que os rendimentos disponíveis são apenas os indicados em J), dos factos provados, sem esquecer que o requerido tem dois filhos menores a seu cargo, cf. consta em M), dos mesmos factos.

            Assim, tem de se concluir que o requerido se deveria ter apresentado à insolvência logo aquando da declaração de insolvência das empresas de que era sócio, o que não fez, bem como daí derivou prejuízo para os credores, uma vez que o mesmo, para além de assim ter procedido, ainda aproveitou o lapso de tempo que decorreu entre a declaração de insolvência de tais empresas e o requerimento para a declaração da sua própria insolvência, para se desfazer do seu património, como acima descrito na factualidade dada como provada, embora continue a residir no imóvel que constituía a casa de morada de família.

            E nem a tal obsta o facto de se tratar de bens imóveis, porque os mesmos foram alvo de transferência da respectiva propriedade para uma terceira empresa e se não se “evaporam”, o certo é que “mudam de mãos”, sendo de realçar que o requerido agiu motivado pelo facto de tentar frustrar o crédito da requerente.

            Mas também o terceiro requisito previsto em tal alínea (perspectiva séria de melhoria da sua situação económica) não se verifica.

            Recorrendo, mais uma vez, aos ensinamentos de Carvalho Fernandes e João Labareda, in Colectânea …, pág. 280:

            “Está aqui em causa apurar se a não apresentação do devedor à insolvência se pode justificar por ele estar razoavelmente convicto de a sua situação económica poder melhorar em termos de não se tornar necessária a declaração da insolvência.”.

            Ora, analisando o requerimento apresentado pelo ora recorrente, este, nada alega neste sentido.

            Ao invés, atentos os bens e rendimentos que possui e sem que se verifiquem melhorias a nível salarial, cada vez mais se deteriora a sua situação financeira, pelo que inexistem quaisquer indícios fiáveis de que o atraso na apresentação à insolvência se tenha prendido com o facto de expectável melhoria da sua situação económica.

            Por tudo isto, somos de opinião que, em conformidade com o disposto no artigo 238.º, n.º 1, al. d), do CIRE, é de manter a decisão de indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante formulado pelo recorrente.

            Assenta, ainda, a decisão recorrida, no pressuposto de que, igualmente, teria de soçobrar a pretensão do requerente, por força do disposto na referida alínea e), ou seja, que existem elementos que indiciam a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186.º.

            De acordo com o n.º 1 deste preceito (o aplicável por se tratar de pessoa singular):

“A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, (…) nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.”.

            Mais uma vez seguindo, Carvalho Fernandes e João Labareda, CIRE, Anotado, Vol. II, a pág. 14, a insolvência culposa implica sempre uma situação dolosa ou com culpa grave do devedor, cuja actuação deve ter criado ou agravado a situação de insolvência em que o devedor se encontra, devendo ater-se às noções de dolo ou culpa grave que nos são dadas nos termos gerais de direito.

            Ora, compulsando o que ora se deixa dito com a factualidade que consta dos itens C) a H) e R) a BB), é óbvio que a situação de insolvência foi criada e agravada pela actuação pouco conforme à rectidão do devedor, ora requerido.

            Quanto a tal, mais uma vez, nos parece suficiente e esclarecedor o que se fez consignar na sentença recorrida e que se passa a transcrever:

“Assim e no que para o caso em apreço assume relevância, o artigo 186º, n.º 2, alínea a) do CIRE, segundo o qual a insolvência considera-se culposa quando o devedor tiver ocultado ou feito desaparecer no todo ou em parte considerável, o seu património.

Com efeito, nos presentes autos existem constam já do processo elementos documentais bastantes que permitem concluir que o devedor, em 19.05.10 e 08.07.2010, transferiu o seu único património mobiliário e imobiliário conhecido, pessoal, para a “ H..., S.A.”, sociedade de que Presidente da Mesa da Assembleia Geral, nomeadamente:

aa) Prédio urbano – casa de habitação de rés-do-chão e primeiro andar, com logradouro, sito na rua ..., ..., inscrito na matriz predial da freguesia e concelho de Pombal, sob o artigo n.º ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial desta Comarca, sob a descrição n.º ...;

bb) Prédio rústico – Terreno de vinha, sito em Chã, inscrito na matriz predial rústica da freguesia e concelho de Pombal, sob o n.º ..., descrito na Conservatória do Registo Predial desta Comarca, sob a descrição n.º ...;

cc) Todos os bens móveis de que eram proprietários e existiam na casa morada da família, identificada na alínea aa).

E, mais ainda em virtude do descrito, o devedor passou de proprietário a fiador da arrendatária, sua mulher, do imóvel casa morada da família, onde continua a habitar. Com efeito, a H... deu de arrendamento tal habitação à esposa do devedor em Junho de 2010, figurando esta em tal contrato na qualidade de devedor.

Ou seja, tais factos, os quais foram alegados pelo requerente da insolvência não mereceram qualquer oposição da parte do devedor.

Por outro lado, dos elementos carreados para os autos extrai-se que tais bens constituem o seu único património pessoal, conforme até por si indicado a fls.214 (onde incluiu igualmente as participações nas sociedades insolventes) mostrando-se já apreendidos nos autos decerto na sequência da resolução operada pelo Sr.Administrador de Insolvência ao contrato de compra e venda outorgado com a H... – cfr. fls. 9, 63 a 67, 68 a 80, 192 a 195.

Daí que, face ao exposto, mostra-se insustentável a posição do devedor de que transferiu tais bens para a H... para obter crédito e viabilizar as empresas de que era sócio, pois que atento o descrito, inclusive o contrato de arrendamento celebrado entre esta última e a esposa do devedor, antes de constata que tal negócio não teve subjacente outra intenção que não fosse dissipar o seu património, fazê-lo desaparecer para assim se furtar ao cumprimento das suas obrigações para com os credores, obstando a que estes se pagassem pelo produto daquele. Tanto mais que tal negócio é contemporâneo das declarações de insolvência das sociedades D... e C..., Lda.

Quer dizer, o circunstancialismo fáctico vindo de descrever subsume-se na previsão do artigo 186º, n.º2, alínea a), aplicável ao devedor pessoa singular pelo n.º4 do mesmo normativo, pelo que preenchida se mostra a previsão da alínea e) do n.º1 do artigo 238º do CIRE.

Mais ainda, face ao negócio vindo de descrever, o montante dos créditos existentes sobre o devedor, o por si exposto em sede de plano de pagamentos, as datas em que foram declaradas as insolvências da D... e C..., Lda., extraímos que o devedor pelo menos desde Maio de 2010 que se encontrava já numa situação económica deficitária, com passivo manifestamente superior ao activo.

Todavia, em vez de se apresentar à insolvência optou pela realização do negócio descrito na alínea f) da factualidade apurada, visando com isso furtar o seu património do alcance dos credores. E, desta forma absteve-se de se apresentar à insolvência no período de seis meses após a verificação da sua situação de insolvência, bem sabendo ou pelo menos não podendo ignorar com culpa grave, que inexistiam perspectivas sérias de melhoria da sua situação económica, optando por uma actuação que conforme supra-expandido era susceptível de causar prejuízo sérios para os credores caso o administrador de insolvência não tivesse operada entretanto a resolução do contrato de compra e venda em apreço.

Efectivamente, ao procurar desfazer-se de todo o seu património e uma vez que as empresas de que era sócio gerente se encontravam em situação de insolvência, entretanto judicialmente decretada, notório se tornava que inexistiam perspectivas sérias de melhoria da sua situação económica e que, perante as garantias pessoais por si prestados, os credores rapidamente se voltariam para si, na tentativa de procurar obter a satisfação das obrigações assumidas.

Resumindo, face ao exposto, entende o Tribunal que se mostra igualmente verificado o condicionalismo previsto na alínea d) do n.º1 do artigo 238º do CIRE.”.

           

            E nem a tal obsta o que alega o recorrente no sentido de que não houve ocultação de património, porque a respectiva venda não é disso passível, atenta a sua obrigatoriedade de registo.

            Para ser válida a escritura tem de ser feita através de escritura pública (artigos 875.º e 220.º do CC), pelo que, como o próprio nome indica, se reveste de publicidade.

            No entanto, com a venda opera-se a transferência da propriedade para o comprador – artigos 874.º e 879.º, a), CC, pelo que o bem transaccionado deixa de responder pelas dívidas do transmitente.

            Tudo, sem esquecer as condições e objectivos que presidiram a tais vendas, como já acima referido.

            Assim, também, com base neste fundamento é de indeferir a pretensão do recorrente.

            Assim, quanto a esta questão tem o presente recurso de improceder.

            B. Se as custas dos presentes autos devem ser suportadas pelo ora recorrente ou pela massa insolvente.

            Aduz o recorrente que as mesmas devem ser suportadas pela massa insolvente, em conformidade com o disposto no artigo 304.º do CIRE.

Na sentença recorrida, decidiu-se que as custas (fixadas em 2 UC.s), são encargo do devedor.

Nos termos do disposto no artigo 304.º do CIRE, sendo decretada a insolvência, as custas do processo de insolvência, constituem encargo da massa insolvente.

E no artigo 303.º do CIRE determina-se quais os tramites do processo de insolvência e seus incidentes, quer estes corram por apenso quer em separado, cujas custas são suportadas pela massa insolvente, como o referem Carvalho Fernandes e João Labareda, in CIRE, Anotado, Vol. II, Reimpressão, Quid Juris, 2006, a página 320 (nota 2 ao ora citado preceito).

Ora, nos termos do mesmo preceito “Para efeitos de tributação, o processo de insolvência abrange o processo principal (…), os incidentes (…) da exoneração do passivo restante …”.

Assim, as custas dos presentes autos devem ser suportadas pela massa insolvente, procedendo, nesta parte, o recurso.

Nestes termos se decide:

Julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação, revogando-se a decisão recorrida, na parte em que condenou o recorrente nas custas, as quais ficam a cargo da massa insolvente e mantendo-a quanto ao mais.

Custas pela massa insolvente.

Arlindo Oliveira (Relator)

Emídio Francisco Santos

António Beça Pereira