Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
182/04.2TBALD.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
INDEMNIZAÇÃO
DANOS DIRECTOS OU MEDIATOS
DEPRECIAÇÃO AMBIENTAL
Data do Acordão: 09/13/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ALMEIDA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTº 29º, Nº 2 DO CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES
Sumário: I – No processo de expropriação apenas deve ser contemplada a indemnização pelos os danos directos (ou seja, daqueles que são consequência directa, imediata e necessária do acto expropriativo) e não também aquela pelos danos indirectos ou mediatos.

II- Nessa medida, dentro do processo de expropriação não deve ser atribuída qualquer indemnização pelos danos resultantes da depreciação ambiental ocorrida em consequência da execução da obra que motivou a expropriação.

Decisão Texto Integral:

Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório

Entidade Expropriante: Instituto das Estradas de Portugal (actualmente EP – Estradas de Portugal, S.A.).

Entidade Expropriada: M...

1. Por despacho de 15/2/2002 (publicado no DR n° 59, de 11/3/2002, suplemento da II série) do Senhor Secretário de Estado das Obras Públicas, foi declarada (com vista à sua expropriação), a pedido da entidade expropriante, a utilidade pública das parcelas de terreno n.ºs 458 e 459, com as áreas, respectivamente, de 2.102 m2 e 1.244 m2, a destacar dos dois prédios identificados nos autos propriedade do expropriado, M… (e cuja posse administrativa veio a ser tomada pela expropriante em 20/5/2002), e que se destinavam à execução da obra "IP5 – Guarda/Vilar Formoso - Sublanço IP2 - EN 332".

2. Não houve acordo entre a entidade expropriante e o expropriado sobre o montante da indemnização a atribuir.

3. Efectuada que foi a vistoria ad perpetuam rei memoriam, veio a ser realizada a arbitragem, tendo os srs. árbitros, por acórdãos de 12/5/2003, decidido, por unanimidade, fixar pela expropriação de cada uma parcelas nºs 458 e 459, respectivamente, os montantes indemnizatórios totais de € 30.900,00 e € 16.485,00.

Valores esse encontrados na base da classificação do solo apto para construção.


4. Inconformado com tal decisão arbitral – já após a remessa dos autos a tribunal e ter sido proferida decisão de adjudicação da propriedade – dela foi interposto recurso pelo expropriado, defendendo, com base nos fundamentos aí aduzidos, valores indemnizatórios superiores, e que no total de ambas as parcelas se situaria em € 812.067,00.

5. Na sua resposta, a entidade expropriante defendeu a manutenção dos valores fixados por decisão arbitral.
6. Recurso esse que foi admitido.
7. Na sequência da avaliação então ordenada, os srs peritos nomeados vieram, por unanimidade, a fixar como indemnização global, das duas parcelas, o montante de € 178.960,17 (sendo € 111.954,09 pela parcela nº 458 e € 67.006,08 pela parcela nº 459), tendo o relatório pericial sido posteriormente objecto de vários esclarecimentos solicitadas pelas partes (vg. entidade expropriante) e pelo tribunal.
8. Mais tarde - e ainda no âmbito da instrução do processo -, teve lugar a realização de audiência para inquirição das testemunhas que foram arroladas e bem assim ainda uma inspecção judicial realizada ao local.
9. Seguiu-se (após a fase de alegações) a prolação da sentença (fls. 701/726) que, no final, decidiu julgar parcialmente procedente o recurso do expropriado, fixando o valor da indemnização global em € 178.960,17 (sendo € 111.954,09 pela parcela nº 458 e € 67.006,08 pela parcela nº 459), a actualizar nos termos legais.
10. Não se tendo conformando com tal sentença, a expropriante dela interpôs recurso de apelação.
11. Na apreciação desse recurso, esta Relação (por acórdão de fls. 776/783) decidiu a anular a decisão da matéria de facto referente ao ponto nº 16 da mesma e consequentemente a própria sentença, determinando-se a repetição do julgamento, somente quanto a esse item, com vista, ao esclarecimento da incongruência ali detectada, a determinar, através da realização de perícia complementar, relativamente a cada uma das parcelas, “se a existência da ali mencionada zona non edificandi, ao tempo da declaração de utilidade pública, impedia todo e qualquer tipo de construção nessas parcelas ou se só impedia determinado ou determinada “quantidade” de construção, em termos que possibilitassem a concreta aplicação do critério plasmado no artigo 26º, nº 1, do CE (a construção que nele seria possível efectuar).”
12. Baixados os autos à 1ª instância, e em cumprimento do ordenado por aquele acórdão deste tribunal superior, ordenou-se a realização da referida perícia complementar.
13. Depois de vários esclarecimentos e relatórios periciais (que não respondiam concretamente ao questão que se visava ver esclarecida), acabaram os srºs peritos por apresentar o relatório definitivo junto a fls. 846/856 destes autos.

14. Foi então proferida a sentença de fls. 860/892, que, no final, julgando parcialmente procedente o recurso interposto pelo expropriado da decisão arbitral, decidiu no seguintes termos

- fixar “em € 167.450,53 (cento sessenta e sete mil quatrocentos e cinquenta euros e cinquenta e três cêntimos) o valor da indemnização devida pelo expropriante IEP - Instituto de Estradas de Portugal, e agora a EP - Estradas de Portugal, E.P.E., sendo € 104.724,09 (cento quatro mil setecentos e vinte e quatro euros e nove cêntimos) relativa à parcela n.º 458 e € 62.726,44 (sessenta e dois mil setecentos e vinte e seis euros e quarenta e quatro cêntimos) relativa à parcela n.º 459, ambas supra identificadas, importância global aquela a actualizar desde a data da publicação da declaração de utilidade pública até à notificação do despacho que autoriza o levantamento de uma parcela do depósito e, daí em diante, a actualização deverá incidir apenas sobre a diferença entre o valor ora fixado e o valor cujo levantamento foi autorizado ou, como no caso sub judice, não tendo havido aquela notificação, desde a data em que se mostra ter o expropriado ter conhecimento daquela autorização (fls.232) até ao trânsito em julgado desta sentença, e actualização essa que deve ser liquidada pela própria expropriante EP - Estradas de Portugal, E.P.E. nos termos e na oportunidade a que se refere o n.º 1 do art.º 71º do CE/99.”
15. Inconformada, mais uma vez, com tal sentença, a expropriante dela interpôs recurso de apelação.
16. Expropriante que concluiu as suas alegações de recurso nos termos seguintes:

Termos em que (…) deve ser a sentença em crise revogada, uma vez que decidiu em oposição com os seus fundamentos, enfermando do vício de nulidade, nos termos do art. 668.º, n.º 1 al. c), e determinando-se em consequência, como justa indemnização devida pela expropriação sub judice, o montante total, nunca superior a € 114.216,42, sendo € 71.281.74 respeitante ao valor para a parcela 458 e € 42.934,68 relativo à parcela 459 (…).

17. Contra-alegou o expropriado, pugnando pela improcedência do recurso e pela confirmação do julgado.

18. Corridos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.


***

II- Fundamentação


A) De facto.

Pela 1ª instância foram dados como assentes os seguintes factos:


***

B) De direito.

1. Do objecto do recurso.

1.1 Importa sublinhar que o presente recurso, dada a data em que a presente acção foi instaurada (27/5/04), foi processado e será julgado à luz do regime então vigente aquando da reforma que, neste domínio, foi introduzida ao CPC pelo DL nº 303/2007 de 24/8 (cfr. artºs 11, nº 1, e 12, nº 1, desse DL), e a cuja versão (anterior a esse DL) pertencerão os normativos daquele diploma que porventura venham doravante a ser indicados.

É sabido que, então e tal como agora, é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se fixa e delimita o objecto dos recursos (cfr. artºs 684, nº 3, e 691, nºs 1 e 4, do CPC).

Ora, calcorreando as conclusões das alegações do presente recurso interposto pela expropriante, verifica-se que as questões que aqui importa conhecer e decidir são as seguintes:

a) Da nulidade da sentença.

b) Da fixação do quantum da indemnização a atribuir ao expropriado pela expropriação das duas parcelas de terreno.


***

2. Quanto à 1ª questão.

2.1 Invoca a apelante/expropriante a nulidade da sentença, com o fundamento de padecer do vício previsto no artº 668º, nº 1 al. c), do CPC, ou seja, por ter decidido em oposição com os seus fundamentos.

Concretizando esse vício (sendo apenas quanto a essa parte que argui o referida nulidade), alega a apelante (contra a opinião do apelado) que na fundamentação da sentença o tribunal a quo concluiu não serem indemnizáveis, no processo de expropriativo, os danos ambientais que advierem para a parte sobrante do prédio expropriado em consequência da execução da obra que levou à sua expropriação – por não derivarem directamente do acto expropriativo -, todavia, depois na indemnização global que foi fixada na parte dispositiva final da sentença ao expropriado, e mais concretamente nos montantes indemnizatórios referentes a cada uma duas parcelas expropriadas (nºs 458 e 459), estão incluídos também os montantes indemnizatórios atribuídos (pelos srºs peritos) a título de diminuição da qualidade ambiental.

2.2 Apreciemos, pois.
2.2.1 O citado artº 668 configura, nas diversas alíneas do seu nº 1, várias situações que podem levar à nulidade da sentença (embora no bom rigor jurídico - e como bem salienta o prof. Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Ed., 2ª vol. pág. 669” – se tratem mais de causas de anulabilidade - da decisão viciada - do que de nulidade da mesma).
Nulidades essas que têm a ver com vícios estruturais ou intrínsecos da sentença, e que também são conhecidos por erros de actividade ou de construção da própria sentença.
Um dos vícios ou causa que pode levar à nulidade da sentença é aquele se encontra previsto na al. c) do nº 1 do citado artº 668, onde se reza que “é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão”.
Como é sabido, só ocorrerá esta causa de nulidade quando a construção da sentença é viciosa, isto é, quando “os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão mas a resultado oposto” (cfr. o prof. Alb. dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 141”). Ou melhor, quando das premissas de facto e/ou de direito que o julgador teve por apuradas, ele haja extraído uma oposta àquela que logicamente deveria ter extraído (vide ainda, entre outros, Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 – 2ª sec.”).

Tal nulidade refere-se, pois, a um vício estrutural da sentença, por contradição entre as suas premissas, de facto e/ou de direito, e a conclusão, de tal modo que esta deveria seguir um resultado diverso daquele que seguiu.

2.2.2. Vejamos então se, in casu, a sentença padece do aludido vício que lhe é apontado pela apelante.

No recurso que interpôs da decisão arbitral o expropriado reclamava, além do mais, uma indemnização no valor de € 100.000,00 pela depreciação que a sua vivenda/moradia, situada junto à parcela expropriada nº 459, sofreu pelo facto de ter ficado sem o espaço lúdico correspondente à área expropriada e devido ao grande aumento da poluição sonora derivada da construção mais próxima da via – a actual A-25 relativamente à anterior via IP5, por alargamento desta - em resultado da expropriação da mesma parcela.

Debruçando-se sobre tal pedido, parcelar, indemnizatório a srª juiz a quo, na sentença, pronunciou-se nos termos seguintes:

« (…) Quanto a esta questão provou-se que efectivamente aumentou o ruído ou poluição sonora em consequência de passar a existir a A-25 com maior aumento de tráfego rodoviário, quer de veículos automóveis ligeiros mas sobretudo de veículos pesados de mercadorias, sendo esta uma via com destino desses veículos para Espanha e outros países da Europa e, ainda, por ter sido colocada na via, em local frontal à mesma moradia umas guias e/ou bandas sonoras que contribuem para esse aumento da poluição sonora, naturalmente com a passagem do tráfego rodoviário, e perturbando a tranquilidade, descanso e sossego de quem nela habite.

E, ainda, provou-se, que esse aumento seria ou pode ser debelado com a realização de obras na mesma moradia por parte do expropriado, obras essas de isolamento/insonorização apropriadas ao nível dos vãos envidraçados da mesma moradia, seja das suas palias e janelas e cujo custo foi avaliado na importância de € 11.475,00 ou, em alternativa, através da instalação de barreiras sonoras/acústicas junto à via e defronte àquela moradia, numa extensão de 120 metros, e com uma altura de 2 metros, e cujo custo ascende a € 31.200,00, naturalmente a cargo da expropriante.

Esta questão tem a ver com a indemnização por prejuízos ambientais da parte sobrante do prédio e cuja indemnização ou não, no processo de expropriação tem sido na doutrina e na jurisprudência. Cremos que maioritariamente a jurisprudência rejeita que tais danos sejam indemnizáveis e, precisamente com o argumento de que tais prejuízos ambientais não resultam directamente da expropriação parcial do prédio e da sua divisão mas da construção da obra que os provoca, no caso o alargamento do IP5 para a sua transformação ou construção da A-25, como resulta do disposto no artigo 29.°, n.º 2, do CE.

Assim, dispõe este dispositivo legal "Quando a parte não expropriada ficar depreciada pela divisão do prédio ou desta resultarem outros prejuízos ou encargos, incluindo a diminuição da área total edificável ou a construção de vedações idênticas às demolidas ou às subsistentes, especificam-se também em separado os montantes da depreciação e dos prejuízos ou encargos, que acrescem ao valor da parte expropriada".

Fernando Alves Correia, em anotação aos Acs. da RE de 30/03/2002 e do STJ de 1/03/2001, in RIJ, ano 134.°- 77, e interpretando preceito similar do CE/91, seu artigo 28.°, n.º 2, refere que a referida norma prevê a indemnização de um conjunto de danos patrimoniais, subsequentes, derivados ou laterais, que acresce à indemnização correspondente à perda do bem expropriado, à parte expropriada do prédio. Ponto é que, segundo o mesmo autor, tais prejuízos sejam consequência directa e necessária da expropriação parcial de um prédio, o que não acontece com os danos causados pela construção de uma auto-estrada e pela circulação de veículos terrestres que não resultam directa e imediatamente do acto expropriativo mas apenas indirectamente (loc. cit. 100). O mesmo autor considera mesmo que não é constitucionalmente admissível, por violação do artigo 62.°, n.º 2, e do artigo 13.° da CRP, que a indemnização por expropriação abranja não somente os danos ocasionados pela expropriação mas também os decorrentes da construção e da utilização de uma obra (sendo no caso analisado também, como in casu, uma auto-estrada) que tiveram lugar posteriormente ao acto expropriativo (loc. cit., 101 e 102). Alias, argumenta-se, no fundo também, que se tais danos fossem indemnizáveis tal violaria o princípio da igualdade, na medida em que os demais cidadãos, v.g. aqueles vizinhos do expropriado que igualmente possuem habitações próximas ou junto à mesma via, porque não foram objecto de expropriação de qualquer parcela, mas igualmente sofrendo esses danos ambientais (no caso resultantes do aumento da poluição sonora) não teriam e não têm igual direito de indemnização.

Porém, entendemos também que efectivamente, na esteira de variada jurisprudência neste mesmo sentido, vg. Ac. RC, de 8/3/2006, Relator: Hélder Roque, in www.dgsi.pt, Ac. RG, de 16/03/2005, Relator: António Magalhães, in www.dgsi.pt, e Ac. TC, de 7/07/03, DR, II série, de 17/10/03, não são tais danos alegados pelo expropriado indemnizáveis neste processo de expropriação, como danos ambientais que são, apesar de verificados ou provados, pois não resultam directamente da expropriação parcial do prédio do expropriado e da sua divisão mas da construção da A-25, por alargamento, nos termos do disposto no artigo 29°, n.º 2, do CE/99” (sublinhado nosso).

Mais à frente, pronunciando-se sobre a indemnização reclamada pelo expropriado por alegados danos/prejuízos sofridos pela perda do volume de negócios no seu complexo turístico “…” e “Bar …” em consequência das obras da via subsequente à expropriação, agora, da parcela nº 458, e de depois de concluir, por não se terem apurado quais os montantes dos prejuízos alegados, não haver lugar a tal peticionada indemnização, rematou, ainda a tal propósito, da seguinte forma: “Todavia, entendemos também, ainda que assim não fosse, não serem tais danos indemnizáveis no âmbito do presente processo de expropriação e precisamente com os mesmos fundamentos que no item precedente também não consideramos indemnizáveis os danos ambientais na parte sobrante do prédio de que a parcela n.º 459 foi expropriada ou destacada, os quais aqui damos por reproduzidos, pois se acaso danos ou prejuízos tivessem sido provados, os mesmos também não resultaram directamente da expropriação parcial do prédio e da sua divisão mas das obras de construção da A-25 e, por isso, não indemnizáveis como resulta do disposto no artigo 29.°, n.º 2, do CE/99.(sublinhado nosso)

Por fim, longo no ponto seguinte, e a propósito da indemnização (igualmente reclamada pelo expropriado) pela reconstrução do caminho de acesso e o parque de estacionamento na parte sobrante do prédio da parcela n.º 458 e a desvalorização da parte sobrante de um lote de 1200 m2 do prédio da parcela n.º 459, concluiu também, a dado passo, no seguintes termos: “Quanto a esta questão, relaciona-se a mesma certamente com a área ou zona non aedificandi com que o lote em causa terá ficado onerado pois e, se assim é, como supra referido, houve apenas uma deslocação desse ónus anteriormente existente relativamente ao IP5 e agora para a A-25. Mas, e dada a falta de explicitação do expropriado, se se trata de com essa maior proximidade da via sofrer danos com o aumento da poluição sonora da via construída ou seu alargamento, danos esses que são danos ambientais, entendemos, nos termos já referidos, que tais danos não são indemnizáveis, nos termos do disposto no artigo 29.°, n.º 2, do CE/99.”» (sublinhado nosso)

Como é sabido, sendo praticamente consensual que a desvalorização da parte sobrante por depreciação das condições ambientais, sobrevinda à expropriação deve ser atendida no cálculo da indemnização final, já, porém, se discute se apenas a depreciação ambiental que resulte directamente do acto expropriativo em si mesmo deve ser contemplada, dentro do processo de expropriação, naquela indemnização ou se também nessa indemnização devem ser contemplada ainda a depreciação ambiental que resulta apenas na sequência da execução da obra que motivou a expropriação. Ou seja, se apenas devem merecer expressão indemnizatória os danos directos (ou seja, aqueles que são consequência directa, imediata e necessária do acto expropriativo) ou também os chamados danos indirectos (que resultam ou são consequência apenas da realização da obra ou infra-estrutura a que se destinou aquele acto expropriativo, ou seja, que não são consequência directa do mesmo)? Na verdade, no silêncio da lei, a doutrina e jurisprudência encontram-se divididas sobre tal vexata quaestio. (Vide, entre muitos outros, por um lado, Pedro Elias da Costa, in “Guia das Expropriações por Utilidade Pública, 2ª ed. revista, Almedina, pág. 322”; José Osvaldo Gomes Expropriações Por Utilidade Pública, Texto Editora, págs. 215 a 219”; Ac. da RE de 22/6/2006, in “CJ, Ano XXXI, T3 – pág. 255”; e, por outro; Pedro Cansado Paes e outros, in “Código das Expropriações, 2ª ed. revista, Almedina, pág. 144”; F. Alves Correia, in “ Manual de Direito do Urbanismo, Almedina, 2010, vol. II, págs. 261/262, nota 228”; Ac. da RC de 8/6/2006, in “CJ, Ano XXXI, T2 – pág. 10”, e ainda o acórdãos do STJ citados na sentença.).

Muito embora, sempre diremos cremos vir ganhando predominância a corrente de opinião que defende não serem indemnizáveis - e com a qual, diga-se, estamos em sintonia - dentro do processo de expropriação, embora o possam ser fora dele em acção própria, os chamados danos indirectos.

Como se viu, foi essa a corrente de opinião que foi seguida na sentença na sequência da posição que, a esse propósito, nela foi manifestada e que atrás deixámos exarada.

Como decorre da materialidade factual apurada (cfr. nºs 9), 10) e 11)), os danos/prejuízos sofridos pelo expropriado relacionados ou derivados da depreciação ambiental decorrem ou são consequência da execução da obra, a A-25, a que se destinou a expropriação das parcelas em causa, ou seja, da nº 458 e da nº 459 (e particularmente no que concerne à parte sobrante desta última), e não directa ou imediatamente do acto expropriativo em causa.

Logo, pelo exposto, e tal como se conclui, na sentença recorrida, não haverá, neste processo de expropriação, lugar à indemnização pelos referidos danos/prejuízos ambientais (repara-se, inclusive, que o expropriado não interpôs recurso da sentença, conformando-se, assim, inteiramente com ela).

Sendo assim, importa saber se no montante final indemnizatório, atribuído na parte dispositiva da sentença, se encontra também contemplada/incluída a indemnização pelos aludidos danos ambientais?

O que, de alguma forma, nos poderá colocar, em último caso, perante um problema de interpretação da própria sentença - no que a tal diz respeito, e referente a essa sua parte dispositiva -, sempre a efectuar nos termos do disposto no artºs 236, 238 ex vi 291, todos do CC.

Como se vê, na parte dispositiva da sentença, que supra deixámos transcrita, fixou-se a indemnização global a atribuir ao expropriado no montante de € 167,450,53, correspondendo € 104.724,09 à indemnização (global) pela expropriação da parcela nº 458, e € 62.726,44 à indemnização (global) pela expropriação da parcela nº 459.

Tais valores (todos eles) estão em absoluta sintonia (até ao último cêntimo) com aqueles que foram encontrados pelos srºs peritos/avaliadores no seu relatório final/complementar (junto a fls. 845/856) elaborado na sequência daquele 1º acórdão anulatório desta Relação – acima referido sob o nº 11 do relatório deste acórdão.

Como decorre da fundamentação da sentença aderiu-se aí ao referido relatório (sendo que nenhuma outra justificação/fundamentação foi dada para o encontro de tais valores).

Pois bem, compulsando tal relatório dele resulta que cada um daqueles valores indemnizatórios compreendem ou incluem:

I- Parcela nº 458:
- Valor do solo/terreno = € 61.420,44
- Diminuição da qualidade ambiental = € 33.442,35
- Benfeitorias = € 9.859,95
II- Parcela nº 459:
Valor do solo = € 36.349,68
- Diminuição da qualidade ambiental = € 19.791,76
- Benfeitorias = € 6.585,00
No confronto de tal é de concluir, assim, que no montante indemnizatório global fixado na parte dispositiva da sentença se encontram incluídos os danos/prejuízos ambientais sofridos pelo expropriado.
E nessa medida a sentença é nula por, nessa parte, a decisão final se encontrarem em oposição com a sua fundamentação.
Nulidade essa que aqui se declara, para o devidos efeitos.

3. Porém, face ao disposto no artº 715, nº 1, do CPC, e dado, por um lado, que os autos dispõem dos elementos necessários para o efeito e, por outro, que as partes já se pronunciaram a esse respeito (alegações e contra-alegações), haverá que retirar de tal decisão as devidas consequências, em termos de fixação do quantum da indemnização a atribuir ao expropriado pela expropriação das duas aludidas parcelas de terreno (a nº 458 e a nº 459), e com isto entramos no conhecimento da 2ª questão acima elencada.
A apelante neste seu recurso apenas se insurge, a tal respeito, contra o facto de terem sido incluídos no montante global da indemnização de cada uma das aludidas parcelas os valores correspondentes aos danos relacionados com a diminuição da qualidade ambiental.
Desse modo, para encontrar o montante da indemnização global devida ao expropriado pela expropriação de cada uma das aludidas parcelas haverá tão somente que retirar do valor fixado na sentença as quantias que ali foram atribuídas a titulo danos relacionados com a diminuição da qualidade ambiental, assim se encontrando depois o valor da indemnização global pela expropriação de tais parcelas.
Nesses termos, fixa-se a indemnização pela expropriação da parcela nº 458 em € 71.281,74 (setenta e um mil duzentos e oitenta e um euros e setenta e quatro cêntimos), e pela parcela nº 459 em € 42.934,68 (quarenta e dois mil novecentos e trinta e quatro euros e sessenta e oito cêntimos), o que tudo soma uma indemnização global no montante de € 114.216,42 (cento e catorze mil duzentos e dezasseis euros e quarenta e dois cêntimos).
Quantia essa a actualizar nos moldes e termos fixados na sentença da 1ª instância.
Termos, pois, em que se decide conceder provimento ao recurso de apelação interposto pela expropriante e, nessa medida, revogar a sentença da 1ª instância.
III- Decisão
Assim, em face do exposto, na procedência do recurso de apelação, e na parcial revogação da sentença da 1ª instância, acorda-se em:
a) Fixar no montante de € 114.216,42 (cento e catorze mil duzentos e dezasseis euros e quarenta e dois cêntimos) o valor da indemnização global a pagar pelo expropriante IEP - Instituto de Estradas de Portugal (actualmente EP - Estradas de Portugal, S.A.) ao expropriado M…, pelas parcelas de terreno nºs 458 e 459, acima melhor identificadas, sendo € 71.281,74 (setenta e um mil duzentos e oitenta e um euros e setenta e quatro cêntimos) pela primeira e € 42.934,68 (quarenta e dois mil novecentos e trinta e quatro euros e sessenta e oito cêntimos) pela segunda.
b) Quantia essa a actualizar nos moldes e termos que foram fixados na sentença da 1ª instância.
Custas da acção, pela expropriante e pelo expropriado na proporção dos respectivos decaimentos, e do recurso pela expropriado – sendo nesta parte de tomar em conta o benefício de apoio judiciário, no caso de se vir a confirmar que o mesmo lhe foi atribuído na sequência do documento de fls. 919/922 que juntou com as suas contra-alegações.

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Sumário:
I- No processo de expropriação apenas deve ser contemplada a indemnização pelos os danos directos (ou seja, daqueles que são consequência directa, imediata e necessária do acto expropriativo) e não também aquela pelos danos indirectos ou mediatos.
II- Nessa medida, dentro do processo de expropriação não deve ser atribuída qualquer indemnização pelos danos resultantes da depreciação ambiental ocorrida em consequência da execução da obra que motivou a expropriação.
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Coimbra, 2011/09/13

Isaías Pádua (Relator)
Teles Pereira
Manuel Capelo