Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
984/12.6TBTNV.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ EDUARDO MARTINS
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
ADMOESTAÇÃO
Data do Acordão: 02/27/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1.º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DE TORRES NOVAS
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 18.º, N.º 2, E 24.º, N.º 3, ALÍNEA E), DO DL N.º 196/2003, DE 23-08; ARTIGO 51.º, N.º 1, DO RGCO
Sumário: I. Não se encontra qualquer justificação dogmática apta a impedir o funcionamento da admoestação, como medida de substituição da coima, na fase jurisdicional do processo de contra-ordenação, verificados os pressupostos substantivos da sua aplicação.

II. Estando demonstrado que: i) a contra-ordenação praticada pela arguida é leve, nos termos do disposto no artigo 24.º, n.º 3, alínea e), do DL n.º 196/2003, de 23-08; ii) a arguida agiu com negligência inconsciente; iii) a gravidade da actuação da infractora é reduzida, por estar apenas em causa a falta de certos documentos; iv) da prática da contra-ordenação não resultou dano ambiental ou benefício económico, mostra-se adequada a sanção de admoestação.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:          

I. Relatório:

                Nos autos de Recurso de Contra-Ordenação n.º984/12.6TBTNV, do Tribunal Judicial de Torres Novas, 1º Juízo, em 26/10/2012, foi proferida sentença, cujo DISPOSITIVO é o seguinte:

             “DECISÃO:

             Assim e pelo exposto, julgo improcedente o recurso interposto pela arguida W... –, LDª, e deste modo,

             Condeno a mesma, em autoria material, na forma consumada, e em concurso efectivo, pela prática de:

a) Uma contra-ordenação, por violação do disposto no artigo 18º, nº 2, do D/L nº 196/2003, de 23-8, na redacção que lhe foi dada pelo D/L nº 64/2008, de 8-4, sancionada nos termos do artigo 22º, nº2, alínea b), da Lei nº 50/2006, de 29-8, na coima de 3.500 (três mil e quinhentos euros) euros.

b) Uma contra-ordenação, por violação do disposto no artigo 18º, nº 5, e Anexo V, nº4, e nº5, alínea b), do D/L nº 196/2003, de 23-8, na redacção que lhe foi dada pelo D/L nº 64/2008, de 8-4, sancionada nos termos do artigo 22º, nº3, alínea b), da Lei nº 50/2006, de 29-8, na coima de 8.000 (oito mil euros) euros.

             Procedendo-se ao cúmulo jurídico das coimas decide-se condenar a arguida na coima única de 10.000 euros (dez mil euros).

             Deste modo, altera-se a condenação realizada na decisão tomada pela Inspecção-Geral do Ambiente, na fixação do valor das coimas parcelares e da coima única aplicada ao arguido, que passará a ser de 10.000 euros, em lugar dos 20.000 euros, que tinham sido aplicados por aquela entidade.

             Contudo, decide-se manter a condenação do arguido nas custas pelo processo administrativo fixadas por aquela autoridade administrativa no montante de 100 euros.

             Condena-se o arguido no pagamento das custas do processo, nos termos do nº3, do artigo 94º, do D/L 433/82, de 27-10. De acordo com o disposto no artigo 8º, do Regulamento das Custas Processuais ( que revogou tacitamente o artigo 93º, nº4, do D/L 433/82), fixa-se a taxa de justiça em 250 euros.

             Nos termos do artigo 70º, nº4, do D/L 433/82, notifique a presente sentença ao mandatário da arguida e à Inspecção-Geral do Ambiente.

                                                                                              ****

Inconformada com tal decisão, veio a arguida interpor recurso, em 13/11/2012, defendendo a sua revogação e substituição por outra que substitua a coima aplicada, quanto à contra-ordenação classificada como leve, pela sanção de admoestação, extraindo da motivação as seguintes conclusões:

1) O inconformismo da recorrente consubstancia-se na não substituição da coima aplicada à contra-ordenação classificada como leve pela sanção de admoestação.

2) Relativamente a esta matéria, a douta sentença recorrida considerou, nomeadamente, que:

- a arguida agiu com negligência inconsciente; a contra-ordenação em causa integra a categoria das leves; quanto à culpa, ponderando que a arguida agiu com negligência inconsciente, houve também uma reduzida gravidade da actuação.

3) Não obstante o supra mencionado, acaba por concluir que “não se justifica que a sanção aplicada à arguida pela prática da referida contra-ordenação seja convertida numa admoestação, nos termos do artigo 51.º, n.º 1, do DL n.º 433/82, pois a admoestação só se justifica em situações de reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente.” Então, em que ficamos?

4) É certo que a sentença recorrida também considerou que a arguida terá retirado algum benefício económico da situação em apreço, designadamente, não tendo tido a despesa necessária à obtenção dos documentos único ou certificado de destruição…Pergunta-se: mas que benefício? Quanto? Como?

5) Pelo contrário! O documento único ou certificado de destruição que são entregues com o VFV não têm qualquer custo adicional, pois o que se paga é o VFV e não o documento, ou documentos, que o acompanha(m)!

6) Não houve, pois, qualquer benefício económico obtido pela arguida (nem qualquer outro), sendo que o entendimento a que chega a sentença recorrida, quanto a tal matéria, é meramente conclusivo e desprovido de qualquer suporte factual.

7) Diz-nos o artigo 51.º, n.º 1, do DL n.º 433/82 (RGCO): “quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação.”

8) Em face disto, acrescendo e considerando, ainda, o entendimento da Doutrina e da Jurisprudência, relativamente a esta matéria, resulta cristalinamente a aplicabilidade da admoestação à contra-ordenação em causa.

9) Com efeito:

- A contra-ordenação está classificada como leve;

- A arguida agiu com negligência inconsciente, pelo que é reduzido o seu grau de culpa e de gravidade da sua actuação;

- Os VFV já não tinham motor, nem pneus, nem fluidos, estando já descontaminados. Daqui resulta que (conforme o alegado) não se vislumbram quaisquer consequências negativas da omissão da arguida, designadamente, não resultou qualquer prejuízo ou impacto ambiental negativo;

- A arguida não retirou qualquer benefício económico com o sucedido, nem qualquer outro;

- A arguida é infractora primária, sendo, por isso, reduzidas as necessidades de prevenção especial.

10) Em face do exposto, justifica-se plenamente a substituição da coima aplicada à contra-ordenação leve pela sanção de admoestação.

Ao decidir-se como se decidiu, violou-se o disposto no artigo 51.º, n.º 1, do DL n.º 433/82 (RGCO).

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O Ministério Público junto da 1ª instância, em 28/11/2012, respondeu ao recurso, defendendo a sua procedência e apresentando as seguintes conclusões:

1) A contra-ordenação aplicada à arguida e prevista no artigo 18.º, n.º 2, do DL n.º 196/2003, é uma contra-ordenação leve, de acordo com o disposto no artigo 24.º, n.º 3, al. e), desse diploma.

2) No que diz respeito à culpa, a arguida agiu com negligência inconsciente:

3) A gravidade da sua actuação é reduzida.

4) Não ficou provado que a recorrente tenha retirado algum benefício económico da prática da infracção.

5) Nem que tenha resultado qualquer dano ambiental da conduta da ora recorrente.

6) Por se mostrarem preenchidos os pressupostos ínsitos no artigo 51.º, n.º 1, do DL n.º 433/82, de 27.10, o tribunal a quo podia e devia ter substituído a coima de 3.500,00 euros que aplicou, pela prática da referida infracção, por uma admoestação escrita.

7) Assim, violou o tribunal a quo o artigo 51.º, n.º 1, do DL n.º 433/82, de 27.10.

8) Motivo pelo qual deverá ser dado provimento ao recurso interposto pela recorrente.

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                Em 4/12/2012, o recurso foi admitido.

                Remetidos os autos a este TRC, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, em 13/12/2012, emitiu douto parecer no qual é defendida a procedência do recurso.

                Cumprido o disposto no artigo 417,º, n.º 2, do CPP, não foi exercido o direito de resposta.

                Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, teve lugar conferência, cumprindo apreciar e decidir.

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II. Decisão Recorrida:

             “Foi instaurado Processo de contra-ordenação pela Inspecção-Geral do Ambiente e do Ordenamento do Território contra a arguida:

             - W... –, LDª, com sede na Rua …

             Foi imputada ao arguido a prática de uma contra-ordenação, por violação do disposto no artigo 18º, nº2, do D/L nº 196/2003, de 23-8, na redacção que lhe foi dada pelo D/L nº 64/2008, de 8-4, que constitui uma contra-ordenação nos termos do artigo 24º, nº3, alínea e), do mesmo diploma; e de outra contra-ordenação, por violação do disposto no artigo 18º, nº5, do mesmo D/L nº 196/2003, na redacção dada pelo D/L nº 64/2008, que constitui uma contra-ordenação nos termos do artigo 24º, nº2, alínea g), do mesmo diploma.

             A Inspecção-Geral do Ambiente e Ordenamento do Território concluiu o Processo dando como provados os factos indiciados e condenando a arguida pela prática de uma contra-ordenação, p.p. pelos artigos 18º, nº2 e 24º, nº3, alínea e), do D/L nº 196/2003, de 23-8, com as alterações introduzidas pelo D/L nº 64/2008, de 8-4, no pagamento duma coima no valor de 9.000 euros; e de uma outra contra-ordenação, p.p. pelos artigos 18º, nº5, e 24º, nº2, alínea g), do D/L nº 196/2003, com as alterações introduzidas pelo D/L nº 64/2008, no pagamento duma coima no valor de 15.000 euros – em cúmulo jurídico, na coima única de 20.000,00 euros.

             A arguida não se conformou com essa decisão, tendo recorrido, impugnando judicialmente a mesma, no prazo legal e nos termos do artigo 59º, do D/L 433/82, de 27-10, com as alterações dos D/L 356/89, de 17-10, e 244/95, de 14-9.

             No requerimento de recurso a arguida alega, em síntese, que houve um lapso na indicação da medida abstracta da coima quanto à 1º contra-ordenação que lhe foi imputada, devendo assim ser-lhe aplicada a coima pelo valor correspondente ao limite mínimo, ou seja de 3.000 euros, e não de 9.000 euros, conforme consta da decisão recorrida. Que dessa forma também deve ser alterado o valor da coima única resultante do cúmulo jurídico das duas em causa nos autos. Que considera que não praticou as contra-ordenações que se encontram em causa nos autos, na medida em que na ocasião que está em causa nos autos não transportava veículos em fim de vida, mas sim apenas sucata de ferro, correspondente a carcaças de ferro. Que como não estão em causa veículos em fim de vida, não serão aplicáveis as normas a eles referentes, designadamente a que estão em causa no presente processo de contra-ordenação. Que estão reunidas as condições para que a coima aplicada à arguida seja especialmente atenuada no que respeita à contra-ordenação ambiental grave que está em causa nos autos, e que a coima aplicada à contra-ordenação leve, igualmente em causa nos autos, seja substituída por uma admoestação. Termina solicitando que seja revogada a decisão recorrida, determinando-se a absolvição da arguida das duas contra-ordenações que lhe são imputadas nos autos. Que caso assim não se aceite, seja especialmente atenuada a coima aplicada à arguida pela contra-ordenação grave que lhe é imputada, e que a coima a aplicar pela contra-ordenação ambiental leve seja substituída pela admoestação.

             A Inspecção-Geral do Ambiente considerou que os argumentos apresentados pelo arguido não justificavam a revogação da sua decisão, confirmando a mesma.

             Procedeu-se à realização de audiência de julgamento, com observância do formalismo legal, e efectuou-se a audição do militar da GNR autuante e do que serviu de testemunha no auto de notícia, e ainda da testemunha arrolada pela arguida, em declarações, conforme ficou assinalado em acta.

                                                                                              *

             O Tribunal é absolutamente competente.

             Não existem quaisquer nulidades, questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa.

             Cumpre assim decidir.

                                                                                              *

             DETERMINAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA:

             Em resultado da prova produzida nos presentes autos e da discussão da causa, consideram-se provados os seguintes factos com relevância para os presentes autos:

1- No dia 10 de Agosto de 2010, pelas 9 horas, militares da GNR realizaram uma fiscalização junto a um estabelecimento pertencente à arguida, sito na  … na área desta comarca de Torres Novas, e verificaram que a arguida procedia aí ao transporte de três veículos compostos pela estrutura metálica, designadamente o chassis e a carroçaria, bancos e vidros, já descontaminados, num pesado de mercadorias com a matrícula ...,

2- O transporte dos veículos referido em 1) fazia-se acompanhar da respectiva Guia de Acompanhamento de Resíduos nº 13746268.

3- A arguida não fazia acompanhar os veículos referidos em 1), nem dos respectivos certificados de destruição, nem dos documentos únicos respectivos.

4- Os veículos referidos em 1) estavam a ser transportados sem estarem devidamente escorados, e duas daquelas viaturas estavam em sobreposição directa e durante o transporte na galera do veículo pesado que os transportava, de matrícula ....

5- A arguida não agiu com a diligência necessária a que estava obrigada e de que era capaz, diligenciando pelo cumprimento das suas obrigações, designadamente pelo transporte dos veículos referidos em 1) acompanhado pelos respectivos certificados de destruição ou documento único daquelas viaturas.

6- A arguida não agiu com a diligência necessária a que estava obrigada e de que era capaz, diligenciando pelo cumprimento das suas obrigações, designadamente pelo transporte de dois dos veículos em estrutura metálica, sobrepondo directamente os mesmos na galera durante o transporte, não escorando os mesmos, nem utilizando qualquer sistema de separação entre camadas, provocando a alteração da sua forma física.

7- A arguida não teve o cuidado necessário para verificar que a sua actuação era contrária à lei.

8- A arguida declarou para efeito de IRC ter auferido no ano de 2011 o resultado líquido do exercício de 60.700,99 euros, e o lucro tributável anual de 92.222,64 euros.

9- Na ocasião referida em 1), os veículos em sucata referidos em 1) não possuíam motores, nem pneus, nem fluidos alojados no motor.

                                                                                                              *

             Do exame da mesma prova produzida nos autos conclui-se que não ficaram provados os seguintes factos com relevância:

A) A arguida destinava os veículos em sucata referidos em 1) para a fundição em exclusivo.

B) Na ocasião mencionada em 1), os veículos em sucata referidos em 1) não possuíam bancos, nem vidros.

C) O transporte dos veículos em sucata referidos em 1) não causou qualquer derrame ou dispersão.

D) Os veículos em sucata referidos em 1) não eram provenientes de um operador de desmantelamento.

                                                                                              *

             MOTIVAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO E EXAME CRÍTICO DAS PROVAS:

             O Tribunal fundou a sua convicção quanto aos factos supra descritos como estando provados no exame do auto de notícia, junto a fls. 8, nas declarações das testemunhas indicadas pelo Ministério Público, prestadas na audiência de julgamento, nos demais documentos juntos aos autos e na ponderação daí advinda.

             Para efeitos da realização da prova dos factos referidos nos pontos 1) a 4), o tribunal levou essencialmente em consideração o auto de notícia junto fls. 8. Na verdade, nesse auto constam os factos que foram observados pelas testemunhas …., que são militares da GNR, do núcleo do SEPNA e que se encontravam no exercício das suas funções, durante a fiscalização que fizeram ao veículo da arguida que fazia o transporte dos VFV que se encontram em causa nos autos.

             Resulta do auto de notícia em causa, e ainda do depoimento daquelas testemunhas …, que na data, hora e local referidos no ponto 1) dos factos dados como provados, a arguida se encontrava a realizar o transporte de 3 VFV no veículo pesado cujas características se encontram descritas no ponto 1). Além disso, estas testemunhas confirmaram que o transporte dos VFV estava a ser realizado sem estar acompanhado dos documentos legalmente obrigatórios para o efeito, designadamente o certificado de destruição ou o documento único automóvel referente a cada um dos veículos. Para além disso, confirmaram que os veículos eram transportados sem estarem devidamente escorados e dois deles estavam sobrepostos um sobre o outro sem qualquer camada a separá-los. Que devido a esse facto corria-se o risco de os veículos ficarem deformados.

             Para além disso, o Tribunal levou em consideração as fotos juntas a fls. 6 e 7, cujo conteúdo foi confirmado pelas testemunhas ... e ... quando foram confrontados com as mesmas. Além disso a testemunha ... confirmou ter sido ele a tirar as fotos em causa. Em tais fotografias encontra-se registado o veículo que fazia o transporte dos VFV e ainda a guia de transporte de resíduos que o acompanhava. Além disso, estão igualmente registados os veículos em causa e o estado em que os mesmos se encontravam. Resulta da análise dessas fotos que os mesmos mantinham apenas a carroçaria, o chassis, os bancos e alguns vidros, não tendo já motor, nem pneus.

             Deste modo, se fez a prova dos factos referidos em 1) a 4), e em 9).

             Por outro lado, o Tribunal não deu relevo para efeito de prova ao depoimento da testemunha arrolada pela arguida, ..., que foi a engenheira do ambiente que foi a responsável pela obtenção de licença de gestão de resíduos pela arguida, na medida em que ela não assistiu aos factos, nem tem conhecimento directo dos mesmos. Esta testemunha tentou apenas, sem sucesso, fazer passar a perspectiva de que os veículos que a arguida transportava não eram passíveis de integrar o conceito de VFV, na medida em que não passariam de carcaças metálicas.

             O Tribunal concluiu pela prova dos factos referidos em 5) e 7), ou seja que a arguida agiu sem a diligência necessária de forma a evitar praticar as actividades ilícitas referidas supra, designadamente a de a sua viatura estar a transportar VFV, sem virem acompanhados dos documentos legalmente obrigatórios para o efeito, designadamente o certificado de destruição ou o documento único automóvel, não virem devidamente escorados e estarem dois sobrepostos um em cima do outro, sem qualquer separador, cometendo assim duas infracções, com base nos restantes elementos juntos aos autos e às regras da experiência comum. Na verdade, a arguida tinha todas as condições para saber que tinha que realizar o transporte dos VFV acompanhado pelos referidos documentos. Se tinha dúvidas quanto a esta questão deveria ter-se informado previamente. Além disso, a arguida sabia que deveria controlar a carga que era colocada nas suas viaturas de forma a que a mesma respeitasse as condições legalmente determinadas e não fosse afectada devido a essa falta de cuidado. Deveria ter dado indicações aos motoristas ao seu serviço, como acontecia com o condutor que conduzia a sua viatura no caso concreto, para que controlassem se os VFV colocados no veículo viessem devidamente escorados e que não fossem directamente sobrepostos um em cima do outro. Deste modo, apenas por manifesto desleixo é que será possível explicar que o motorista não cumpriu as obrigações que se encontram plasmadas na norma, cuja violação lhe é imputada, designadamente não verificando que a carga que transportava não estava devidamente acondicionada.

             Para a prova do valor do rendimento líquido e do lucro tributável declarados pela arguida para efeito de IRC para o ano de 2011 levou-se em consideração a certidão da respectiva declaração que se encontra junta aos autos de fls. 89 a 94.

             A conclusão de que os factos referidos acima não se encontram provados, resultou do facto de não ter sido realizada qualquer prova, ou prova convincente sobre os mesmos.

                                                                                              *

             ENQUADRAMENTO JURÍDICO DOS FACTOS:

             Conforme deixamos exposto supra, a arguida foi condenado pela prática, em autoria material, na forma consumada, e em concurso efectivo de duas contra-ordenações.

             I-) Uma dessas contra-ordenações consistiu na violação do disposto no artigo 18º, nº2, do D/L nº 196/2003, de 23-8, na redacção que foi dada pelo D/L nº 64/2008, de 8-4, que estabelece que: O transporte de veículos em fim de vida (denominados de VFV) a partir de operadores de desmantelamento é acompanhado de cópia do respectivo certificado de destruição ou de um documento único que contenha informação relativa aos VFV transportados, nomeadamente a matrícula, o número de chassis e o número do respectivo certificado de destruição.

Consequentemente, cabe ao transportador de VFV que o transporte dos mesmos para destino autorizado é obrigatoriamente efectuado com o acompanhamento de um de dois dos seguintes tipos de documentos: ou pelo certificado de destruição ou de um documento único que contenha informação relativa aos VFV transportados, nomeadamente a matrícula, o número de chassis e o número do respectivo certificado de destruição.

                Por sua vez, o artigo 24º, nº3, alínea e), do mesmo D/L nº 196/2003, determina que a violação daquele artigo 18º, nº2, constituirá uma contra-ordenação ambiental leve.

             Por outro lado, esclarece a alínea t), do artigo 2º, daquele D/L nº 196/2003, que será considerado um veículo em fim de vida (VFV) um veículo que constitui um resíduo de acordo com a definição constante da alínea u) do artigo 3º do D/L nº 178/2006, de 5-9. Por sua vez, estabelece esta última norma que resíduo será qualquer substância ou objecto que o detentor se desfaz ou tem a intenção ou a obrigação de se desfazer.

             Esclarece, por sua vez, a alínea o), do artigo 2º, daquele D/L nº 196/2003, que constituirá tratamento de VFV qualquer actividade realizada após a entrega de VFV numa instalação para fins de desmantelamento, fragmentação, valorização ou preparação para a eliminação dos resíduos fragmentados e quaisquer operações realizadas para fins de valorização e/ou eliminação de VFV e dos seus componentes.

             Por fim, a alínea f), do artigo 2º, daquele D/L nº 196/2003, define operadores de VFV, entre outros os transportadores de VFV e seus componentes.

             Esclarece-se no preâmbulo daquele D/L nº 196/2003, que com a entrada em vigor da Directiva nº 2000/53/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18-9, firmou-se no ordenamento jurídico comunitário o regime aplicável à gestão de veículos em fim de vida (VFV), tendo em vista, sobretudo, a prevenção da produção de resíduos provenientes de veículos e a promoção da reutilização, da reciclagem e de outras formas de valorização de VFV. Como objectivos consequentes e acessórios, este diploma comunitário estabeleceu a redução da quantidade de resíduos a eliminar e a melhoria do desempenho ambiental de todos os operadores intervenientes durante o ciclo de vida dos veículos, sobretudo daqueles directamente envolvidos em operações de tratamento de VFV…E a importância desse desiderato assume-se como tanto mais relevante quanto os veículos incorporam, pela sua própria natureza, uma grande variedade de materiais, componentes e substâncias cuja adequada gestão e tratamento se torna imperioso implantar…O presente diploma vem, desta forma, transpor para a ordem jurídica interna a Directiva nº 2000/53/CE e estabelecer um conjunto de normas de gestão que visa a criação de circuitos de recepção de VFV, o seu correcto transporte, armazenamento e tratamento, designadamente no que respeita à separação das substâncias perigosas neles contidas e ao posterior envio para reutilização ou reciclagem, desencorajando, sempre que possível, o recurso a formas de eliminação tais como a sua deposição em aterros.

             Deste modo, existe a necessidade de controlar os resíduos que são produzidos, entre os quais se encontram os veículos em fim de vida ( VFV) que se encontram em causa nos autos, no sentido de proceder à gestão equilibrada dos mesmos, de forma a evitar que os mesmos ponham em causa o equilíbrio natural e do ambiente. Na verdade, é conhecido que grande parte dos resíduos tem propriedades poluidoras e contaminadoras do ambiente e dos recursos naturais. Haverá assim que verificar se eles são devidamente acondicionados, armazenados, tratados e eliminados, de forma a evitar que as suas referidas propriedades nocivas afectem o ambiente e a natureza. O controle da gestão dos resíduos caberá ao Estado dentro da função pública de que está incumbido.

             Encontra-se demonstrado nos autos que o dia 10 de Agosto de 2010, pelas 9 horas, militares da GNR realizaram uma fiscalização junto a um estabelecimento pertencente à arguida, sito na Rua … , na área desta comarca de Torres Novas, e verificaram que a arguida procedia aí ao transporte de três veículos compostos pela estrutura metálica, designadamente o chassis e a carroçaria, bancos e vidros, já descontaminados, num pesado de mercadorias com a matrícula .. . Que o transporte dos veículos referido em 1) fazia-se acompanhar da respectiva Guia de Acompanhamento de Resíduos nº 13746268. E ainda que a arguida não fazia acompanhar os veículos referidos em 1), nem dos respectivos certificados de destruição, nem dos documentos únicos respectivos.

             Perante estes factos teremos que concluir que não foi cumprida, e, logo, foi violada, a disposição supra referida prevista no artigo 18º, nº2, do D/L nº 196/2003, na medida em que a arguida estava a realizar o transporte de três veículos em fim de vida, naquela viatura pesada e respectivo reboque, sem que os mesmos fossem acompanhados de cópia do respectivo certificado de destruição ou de um documento único que contivesse informação relativa aos VFV transportados, nomeadamente a matrícula, o número de chassis e o nº do respectivo certificado de destruição. Apenas se fazia acompanhar pela Guia de Acompanhamento de Resíduos.

             Vem a arguida alegar no seu requerido de interposição de recurso que os veículos em causa que eram por si transportados na ocasião em causa nos autos não integrariam o conceito de veículos em fim de vida, mas sim três carcaças metálicas, correspondentes à estrutura em ferro dos mesmos. Sustenta a arguida que como estariam em causa as referidas carcaças metálicas e não veículos em fim de vida stricto sensu, não necessitariam os mesmos de serem acompanhados daqueles documentos, designadamente o certificado de destruição ou o documento único automóvel, durante o seu transporte.

             É certo que ficou igualmente demonstrado nos autos que os veículos em causa já não tinham motor, nem pneus, e que já tinham sido descontaminados, ou seja deles retirados a maior partes dos fluidos.

             Contudo, salvo o devido respeito, discorda-se igualmente desta pretensão da arguida. Designadamente, desconhece-se a existência em termos técnico-legais deste conceito de “carcaça em metal do veículo”, que a arguida faz referência.

             O conceito técnico-legal que existe será o de “veículos em fim de vida”. Este abrange todo o tipo de veículos que não apresentam condições para a circulação, chegaram ao fim da sua vida útil, passando a constituir um resíduo, conforme a própria arguida faz menção no seu requerimento de recurso. Deste modo, será um conceito genérico e abrangente, que englobará todo o tipo de veículos que se encontrem naquelas condições, quer consigam ainda circular pelos próprios meios, quer os que já não estão em condições de o fazer, como acontece no caso concreto, na medida em que os veículos em causa já não tinham pneus, nem motor. Deste modo, integrarão o conceito todo o tipo de veículos, seja em que condições de desmantelamento estejam. Logo também abrangeriam os veículos em causa nos autos, mesmo que tivesse ficado provado o facto alegado pela arguida, o que não aconteceu, que apenas já só restasse dos mesmos a estrutura em metal, ou seja o chassis e a carroçaria. O que interessa para integrar o conceito de veículo em fim de vida, é que o mesmo já não seja passível de circular e que se destine a ser abatido, desmontado, fundido, etc.

             Na verdade, o que se pretende integrar no conceito de veículo em fim de vida será qualquer veículo que apenas constitua um resíduo. Ora, é sabido que mesmo a estrutura em metal de um veículo constitui um resíduo. Para o efeito não é necessário que o mesmo ainda integre motor, ou quaisquer fluidos de forma a que os mesmos sejam passíveis de verter para o solo provocando a poluição, conforme parece pretender sustentar a arguida. Constituirá um elemento poluente e logo um resíduo, quer a estrutura em ferro de um veículo, quer os fluidos que existam no seu interior. Além disso, a estrutura em ferro do veículo não deixa de ser um resíduo pelo simples facto da mesma já não ter qualquer fluído que pudesse escorrer para o solo.

             Assim serão “resíduos” os materiais que formam um veículo que já não tenham aproveitamento e que sejam enviados para aterros sanitários e lixeiras. Tal como o serão aqueles que sejam vendidos pelo produtor a outras unidades industriais para ser aproveitados no fabrico de outros produtos, ou eventualmente para serem fundidos, como acontece com a estrutura metálica.

             Para além disso, conforme referimos, os veículos em causa não consistiam apenas em estrutura em metal, conforme vem sustentar a arguida, mas ainda eram compostos por bancos e vidros. Logo nunca poderiam integrar apenas no pseudo conceito de “carcaça metálica”, de forma a autonomizá-lo do conceito de veículos em fim de vida.

             Acresce que os veículos em causa eram acompanhados de um documento de onde resulta que eles eram manifestamente resíduos, designadamente a Guia de Acompanhamento de Resíduos, conforme se referiu. Ora, resulta da Lei que serão veículos em fim de vida quaisquer viatura que se possam considerar resíduos, quer ainda estejam formados por todos os seus componentes, quer apenas por alguns, como aconteceria se apenas consistissem na estrutura em metal do chassis e da carroçaria, conforme vem sustentar a arguida.

             Por fim, refira-se que seria óbvio que os veículos em causa já não tivessem motor, pneus e fluidos, na medida em que tinham sido descontaminados previamente. Ora, a Lei integra no conceito de veículos em fim de vida, quer os que ainda se encontrem contaminados, quer os que já estão descontaminados.

             Por outro lado, verifica-se que a arguida também não veio demonstrar o facto por si alegado de que os veículos em causa provinham de operadores de desmantelamento, de onde resultaria que não estaria preenchida a previsão daquele artigo 18º, nº2. Pelo contrário, tendo em conta que os veículos em causa já não tinham motor, fluidos e pneus, estando descontaminados, tinham de vir de um centro de desmantelamento, na medida em que são eles que estão em condições de retirar aqueles materiais.

             De facto, esclarece a alínea b), do artigo 2º, do D/L nº 196/2003, que o “desmantelamento” consistirá na “operação de remoção e separação dos componentes de VFV com vista à sua despoluição e à reutilização, valorização ou eliminação dos materiais que os constituem”.

             Logo ter-se-á que concluir que a arguida desenvolveu uma actividade de onde resultou a violação da norma referida supra, nomeadamente o artigo 18º, nº2, daquele D/L nº 196/2003, constituindo assim uma contra-ordenação, nos termos do artigo 24º, nº3, alínea e), do mesmo diploma. Estarão assim preenchidos no caso concreto todos os elementos do tipo objectivo de ilícito da contra-ordenação em causa.

             Quanto ao tipo subjectivo não ficaram provados factos de onde resulte que a arguida actuou com dolo, em qualquer das suas vertentes.

             Por outro lado, no que respeita ao tipo subjectivo consistente na actuação com negligência há que referir o seguinte:

             Existem dois tipos de negligência, a consciente e a inconsciente. Na consciente o agente prevê como possível que, em consequência da sua conduta, venha a ocorrer o resultado que corresponde à violação do bem jurídico legalmente protegido. Contudo, não deixa de levar a cabo a actividade que pretendia realizar, embora não admita ou não se conforme que o resultado ilícito previsto ocorra de facto. Já na inconsciente o agente não prevê, nem tem consciência que em resultado da sua conduta poderá ocorrer o resultado anti-jurídico. Todavia, tendo em conta as condições do caso concreto o agente deveria ter previsto a ocorrência daquele resultado. De facto, aquele resultado era previsível para uma pessoa normal e tendo em conta a experiência comum. Se o agente tivesse cumprido o dever objectivo de cuidado teria podido prever que poderia ocorrer aquele resultado.          

             Dos elementos constantes dos autos não se poderá declarar que a arguida tenha agido com negligência consciente.

             Contudo, já se considerou provado que a arguida não agiu com a diligência necessária a que estava obrigada e de que era capaz, diligenciando pelo cumprimento das suas obrigações, designadamente pelo transporte dos veículos referidos em 1) acompanhado pelos respectivos certificados de destruição ou documento único daquelas viaturas.

             Logo a arguida tinha possibilidade de tomar as providências necessárias e evitar que a situação ilícita em causa nos autos ocorresse.

             Em conformidade, o Tribunal considera que a arguida agiu com negligência inconsciente.

             Nos termos do artigo 24º, nº4, do D/L nº 196/2003, todas as contra-ordenações previstas neste diploma, como acontece com a que está em causa nos autos, que for praticada com negligência, será sempre punível. Logo também na presente situação o será. Deste modo, o facto da arguida ter agido com negligência não impede que se conclua que a mesma praticou a contra-ordenação referida supra.

             Está assim igualmente preenchido no caso concreto o tipo subjectivo de ilícito do crime em causa.

Por outro lado, ter-se-á que concluir que a arguida agiu igualmente com culpa, na medida em que ficou igualmente assente nos autos que ela não teve o cuidado necessário para verificar que a sua actuação era contrária à lei.

             Terá assim que concluir-se que estão preenchidos todos os elementos do tipo de ilícito desta contra-ordenação, e ainda da culpa. Terá assim que tirar-se a ilação que a arguida praticou de facto esta contra-ordenação por violação do disposto no artigo 18º, nº2, do D/L nº 196/2003, de 23-8.

             II-) Passando à análise da outra contra-ordenação, verifica-se que a mesma resulta da violação do disposto no artigo 18º, nº5, daquele D/L nº 196/2003, na redacção que lhe foi dada pelo D/L nº 64/2008, com referência ao anexo V a esse diploma.

             Estabelece aquele nº5, do artigo 18º, que: O transporte de VFV está sujeito ao cumprimento dos requisitos técnicos fixados no anexo V do presente diploma do qual faz parte integrante.

             Por sua vez, o referido Anexo V na parte que interessa para o caso concreto estabelece no nº4 que: Os diferentes elementos de um carregamento de VFV são convenientemente escorados para que sejam evitadas deslocações entre si ou contra as paredes do veículo, bem como a contaminação de outras mercadorias. Por sua vez, o nº5, alínea b) desse mesmo anexo estabelece que é proibido proceder a alterações à forma física dos VFV durante a carga, transporte e ou descarga daqueles resíduos, designadamente, por sobreposição directa dos VFV nas galeras, durante a carga, transporte e descarga, devendo ser utilizado um sistema de separação entre camadas.

             Deste modo, as normas em causa estabelecem como obrigação para o transporte dos VFV que os mesmos sejam devidamente escorados entre si ou contra as paredes do veículo e que os mesmos não devem estar em sobreposição directa, devendo estabelecer-se um sistema de separação de camadas entre eles.

             Quanto a esta outra situação ficou igualmente demonstrado que nas mesmas circunstância de data, hora e local referidas supra, s veículos referidos em 1) estavam a ser transportados sem estarem devidamente escorados, e duas daquelas viaturas estavam em sobreposição directa e durante o transporte na galera do veículo pesado que os transportava, de matrícula ....

             Perante estes factos teremos que concluir que não foi cumprida, e, logo, foi violada, a disposição supra referida prevista no nº 4, e no nº5, alínea b), do Anexo V, do D/L nº 196/2003, por remissão do artigo 18º, nº5, do mesmo diploma. Na verdade, ficou demonstrado nos autos que na ocasião em causa nos autos a arguida estava a transportar os referidos VFV sem que os mesmos se encontrassem devidamente escorados, e estando dois deles em sobreposição directa sem ser utilizado um sistema de separação entre eles.

             Ter-se-á assim que concluir que estão preenchidos todos os elementos do tipo objectivo de ilícito da contra-ordenação em causa, resultante da violação daquele artigo 18º, nº5, e Anexo V, nº4 e nº5, alínea b), daquele D/L nº 196/2003, constituindo assim uma contra-ordenação ambiental grave, nos termos do artigo 24º, nº2, alínea g), do mesmo diploma.

             Quanto ao elemento subjectivo do tipo encontra-se igualmente provado nos autos que a arguida não agiu com a diligência necessária a que estava obrigada e de que era capaz, diligenciando pelo cumprimento das suas obrigações, designadamente pelo transporte de dois dos veículos em estrutura metálica, sobrepondo directamente os mesmos na galera durante o transporte, não escorando os mesmos, nem utilizando qualquer sistema de separação entre camadas, provocando a alteração da sua forma física.

             Logo a arguida tinha possibilidade de tomar as providências necessárias e evitar que a situação ilícita em causa nos autos ocorresse.

             Em conformidade, o Tribunal considera que a arguida agiu com negligência inconsciente.

             Está assim igualmente preenchido no caso concreto o tipo subjectivo de ilícito do crime em causa.

Por outro lado, ter-se-á que concluir que a arguida agiu igualmente com culpa, na medida em que ficou igualmente assente nos autos que ela não teve o cuidado necessário para verificar que a sua actuação era contrária à lei.

             Terá assim que concluir-se que estão preenchidos todos os elementos do tipo de ilícito desta contra-ordenação, e ainda da culpa. Terá assim que tirar-se a ilação que a arguida praticou de facto esta contra-ordenação por violação do disposto no artigo 18º, nº5, e Anexo V, nº 4 e nº5, alínea b), do D/L nº 196/2003, de 23-8.

             III-) Vem ainda a arguida invocar que teria actuado sem dolo ou culpa, por falta de consciência da ilicitude do facto. Designadamente, que não tinha consciência que com a sua conduta infringia o normativo legal vigente. Logo ela teria actuado em erro sobre a ilicitude do seu comportamento.

             Quanto a esta outra questão, determina o artigo 8º, nº2, do D/L  nº 433/82, que: O erro sobre elementos do tipo, sobre a proibição ou sobre um estado de coisas que, a existir, afastaria a ilicitude do facto ou a culpa do agente exclui o dolo.

             Quanto a esta situação esclarecem os Drs. Simas Santos e Lopes de Sousa, in Contra-ordenações – Anotações ao regime geral, 2ª edição, Vislis, pág. 123, que: É necessário que o agente conheça as ( todas as) circunstâncias de facto que pertencem ao tipo legal, para que a actuação se deva considerar dolosa. Daí que o erro sobre uma dessas circunstâncias exclua o dolo...Outra das situações previstas no nº2, do artigo 8º, é a do erro sobre as proibições cujo conhecimento for indispensável para que esse mesmo agente possa tomar conhecimento da ilicitude do facto. Está-se, aqui também, perante um erro sobre o facto de um comportamento, cujas características e circunstancialismo objectivo é do conhecimento do agente, ser proibido pelo direito. Trata-se de casos em que há uma falta de conhecimento que, em termos de razoabilidade, deve considerar-se necessária para o agente se aperceber que tal comportamento é proibido. Neste caso é também excluído o dolo, mas poderá haver punição a título de negligência, se a contra-ordenação for punível a esse título, e aquela falta de conhecimento for censurável.

             Por sua vez, esclarecem os Drs. Oliveira Mendes e Santos Cabral, in Notas ao Regime Geral das Contra-ordenações e coimas, Almedina, pág. 38, que este erro sobre elementos do tipo ocorre quando o agente desconhece ou tem um falso conhecimento sobre os elementos objectivos do tipo, quer se trate de um elemento descritivo, quer se trate de um elemento normativo, isto é, quando o agente erra por não conhecer todos os elementos do tipo legal de crime.

             Consequentemente, e caso se conclua que o agente actuou em erro quanto à ilicitude do facto, será afastado o dolo. Contudo, o agente continuará a poder ser punido a título de negligência, nos termos do nº3, do artigo 8º, do D/L nº 433/82.

             Contudo, e quanto a esta outra questão, de forma alguma se poderá concluir que o arguido não tinha consciência da ilicitude dos factos por si praticados. Na verdade, não ficaram demonstrados os factos alegados pelo arguido de onde resultaria essa falta de consciência da ilicitude. Nomeadamente, não ficou demonstrado, conforme ela pretendia, que os veículos em causa que ela transportava não seriam VFV, mas sim carcaças metálicas.

             Consequentemente, de forma alguma se poderá concluir que a arguida agiu em erro quanto à situação de estar a transportar outro tipo de resíduo diferente dos VFV, designadamente as mencionadas carcaças metálicas. Logo, de forma alguma se poderá concluir que a mesma agiu com falta de consciência da ilicitude e, logo, sem culpa.

             Acresce que será inócua e irrelevante para a conclusão de que a arguida praticou a contra-ordenação referida supra, a alegação que a mesma teria actuado sem consciência e sem conhecimento da ilicitude dos factos, ou seja sem dolo, na medida em que aquela é-lhe imputada a título de negligência. Deste modo, ainda que se concluísse que a arguida teria actuado com erro quanto ao conhecimento dos elementos do tipo, ela não deixaria de ter praticado as contra-ordenações, nos termos do nº3, do artigo 8º, do D/L nº 433/82, na medida em que resulta do exposto supra que ela actuou com negligência. Além disso, a eventual falta de conhecimento da ilicitude dos factos, ser-lhe-ia sempre censurável.

                                                                                              *

              DETERMINAÇÃO DA MEDIDA CONCRETA DA PENA:

             Para a determinação da medida da coima das várias contra-ordenações deverão ponderar-se os factores previstos no artigo 18º, nº1, do D/L 433/82, de 27-10. Estabelece esta norma que esses factores consistirão na gravidade da contra-ordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que retirou da contra-ordenação.

             Conforme referem os Drs. Simas Santos e Lopes de Sousa, in Contra-ordenações – Anotações ao Regime Geral, 2ª edição, Vislis Editores, pág. 170 e seguintes: A) No que toca à gravidade da contra-ordenação, deve atender-se: a) ao grau de violação ou perigo de violação de bens jurídicos e interesses ofendidos; b) ao número de bens jurídicos e interesses ofendidos e suas consequências; c) à eficácia dos meios utilizados; B) No que toca à culpa do agente, deve atender-se: a) ao grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) ao grau de intensidade da vontade de praticar a infracção; c) aos sentimentos manifestados no cometimento da contra-ordenação; d) aos fins ou motivos determinantes; e) à conduta anterior e posterior; f) à personalidade do agente; C) No que toca à situação económica do agente, que se prende com a influência da sanção sobre este, deve atender-se: a) à situação económica; b) às suas condições pessoais; D) No que toca ao benefício económico que o agente retirou da prática da contra-ordenação, deve atender-se, não ao valor do dano causado, que é considerado na gravidade da contra-ordenação, mas ao benefício obtido, v.g., à poupança obtida em caso de poluição ambiental. Se esse benefício for superior ao limite máximo da coima, e não existirem outros meios de o eliminar, pode aquele limite elevar-se até ao montante do benefício, até mais um terço do limite máximo estabelecido.

             Esclarecem, por sua vez, os Drs. Oliveira Mendes e Santos Cabral, in Notas ao Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas, Almedina, pág. 58 e seguintes que: Relativamente ao critério culpa…a coima serve como mera “admonição”, como mandato ou especial advertência conducente à observância de certas proibições ou imposições legais, pelo que não é conatural a uma tal sanção uma dimensão de retribuição ou expiação de culpa ética, como a não será também a ressocialização do agente. Em todo o caso, como sanção que é, ela só é explicável enquanto resposta a um facto censurável, violador da ordem jurídica, cuja imputação se dirige à responsabilização social do seu autor por não haver respeitado o dever que decorre das imposições legais, justificando-se a partir da necessidade de protecção, isto é de conservação e reforço da norma violada, pelo que na determinação da medida da coima e pese embora o texto legal não faça referência a considerações de natureza preventiva, cremos que na determinação da coima não pode o julgador deixar de ter em linha de conta, pelo menos, as necessidades de prevenção geral ( prevenção positiva), o que fará por via do correcto e cabal cumprimento do critério da culpa, designadamente quando a coima tenha em vista a protecção ou defesa de bens e interesses jurídicos ou da paz social, pois que a ideia de prevenção ( geral) não é algo que modifica a culpa, sendo antes um elemento subjacente à mesma. Grau de violação dos deveres impostos ao agente, fins ou motivos que o determinaram, modo de execução da contra-ordenação, gravidade das suas consequências e do grau de conhecimento e da intensidade da vontade nas contra-ordenações dolosas, bem como o grau de negligência nas contra-ordenações culposas, serão factores que o julgador deverá ter em conta na formulação do juízo de culpa…

             I-) Começando pela análise da contra-ordenação resultante da violação do artigo 18º, nº2, do D/L nº 196/2003, determina o artigo 24º, nº3, alínea e), do mesmo diploma, na redacção que lhe foi dada pelo D/L nº 64/2008, de 8-4, que a contra-ordenação ambiental em causa se integra na categoria das leves nos termos da Lei Quadro das Contra-Ordenações Ambientais, aprovada pela Lei nº 50/2006, de 29-8.

             Em conformidade, a norma que prevê a medida abstracta da coima para o agente que pratique a contra-ordenação em causa, e tendo em conta que a arguida é uma pessoa colectiva, e que a mesma foi praticada com negligência, encontra-se prevista na alínea b), do nº2, do artigo 22º, daquela Lei nº 50/2006, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 89/2009, de 31-8. Estabelece essa norma que a medida abstracta varia entre o mínimo de 3.000 euros e o máximo de 13.000 euros.

             Tem assim razão a arguida quando vem afirmar que houve um lapso na decisão administrativa recorrida, na medida em que se indicou aí que o limite mínimo da medida abstracta da coima prevista para estas contra-ordenações seria de 9.000 euros. Erro esse que agora se corrige.

             Parece-nos que esta contra-ordenação terá gravidade mediamente significativa. Na verdade, estará em causa o transporte dos VFV sem que o mesmo fosse acompanhado pelos documentos obrigatórios para o efeito, designadamente um certificado de destruição ou o documento único dos veículos em causa.

             Quanto à culpa haverá que ponderar que a arguida agiu com negligência inconsciente. Logo haverá também uma gravidade reduzida na sua actuação.

             Quanto à situação económica da arguida encontra-se demonstrado nos autos que a arguida declarou em sede de IRC ter auferido no ano de 2011 o resultado líquido do exercício de 60.700,99 euros, e o lucro tributável anual de 92.222,64 euros.
                Tendo em conta estes elementos, ter-se-á que considerar que a arguida se encontra numa situação económica bastante positiva e favorável.
                A arguida terá tido algum benefício económico com esta situação, na medida em que estava a realizar o transporte dos VFV sem trazer consigo os documentos necessários para o efeito, não tendo tido assim a despesa necessária para os obter.

             Ponderando todos estes factores, e tendo em conta o princípio da proibição da reformatio in pejus estabelecida pelo artigo 72º-A, do D/L 433/82, o tribunal considera que será mais adequado fixar o valor da medida concreta da coima próxima do mínimo, ou seja na quantia de 3.500 euros. Altera-se assim a medida concreta da coima que foi aplicada à arguida através da decisão recorrida que foi proferida pela Inspecção-Geral do Ambiente em relação a esta contra-ordenação.

             Vem a arguida solicitar que lhe seja aplicada uma admoestação em lugar da coima que foi fixada pela autoridade administrativa em relação a esta contra-ordenação.

             Determina o artigo 51º, nº1, do D/L nº 433/82, que prevê as condições para aplicação da admoestação que: Quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação.

             Esclarecem os Drs. Simas Santos e Lopes de Sousa, in ob. cit., pág. 316 e seguintes que: Nos termos deste artigo, nos casos de reduzida gravidade da contra-ordenação, a autoridade administrativa pode proferir uma admoestação em vez da coima e sanções acessórias abstractamente aplicáveis às contra-ordenações, se a culpa do agente o justificar. Esta possibilidade de proferir admoestação está, assim, reservada para as contra-ordenações de reduzido grau de ilicitude, pelo que será de afastar aquelas a que são potencialmente aplicáveis sanções acessórias...Por outro lado, se houver uma qualificação legal de contra-ordenações em função da sua gravidade, deverão considerar-se de reduzida gravidade nos casos em que a lei as qualifique como leves ou simples...Em coerência com esta opção legislativa, a possibilidade de ser proferida admoestação deverá ser afastada nos casos em que o agente retirou um benefício económico da prática da contra-ordenação.

             Passando a ponderar esta questão, verifica-se que existem condicionalismos legais que levam a concluir que a contra-ordenação em causa não será de reduzida gravidade.

             Na verdade, que terá de considerar-se que a contra-ordenação em causa terá algum relevo, na medida em que a arguida estava a violar de forma ostensiva a norma legal em causa, na medida em que estava a realizar o transporte de VFV sem trazer consigo qualquer dos documentos que se encontra legalmente estabelecido como sendo obrigatórios para o efeito, designadamente ou o certificado de destruição ou o documento único automóvel. Refira-se ainda que esta situação prolongar-se-ia e seria repetida certamente, sem ser corrigida, caso a arguida não tivesse sido fiscalizada pela Inspecção-Geral do Ambiente.

             Consequentemente, não se justifica que a sanção aplicada à arguida pela prática da referida contra-ordenação seja convertida numa admoestação, nos termos do artigo 51º, nº1, do D/L nº 433/82, conforme ela veio requerer no seu requerimento de recurso. Na verdade, nos termos da norma referida a admoestação só se justifica em situações de reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente.

             Ora, estas condições não se registam no caso concreto, na medida em que conforme referimos a actuação da arguida se reveste de alguma censurabilidade e a contra-ordenação em causa terá uma gravidade com algum relevo. Por fim, a situação não terá uma gravidade tão baixa que justifique a aplicação ao arguido de uma simples admoestação.

             Neste sentido pode indicar-se o Ac. da Relação de Évora de 11-9-2012, proc. nº 29/12.6TBARL.E1, in www.dgsi,pt, onde se decidiu que: A admoestação, prevista no artigo 51º, do D/L nº 433/82, de 27-10, tem em vista casos de reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente, encontrando-se, por isso, reservada para contra-ordenações leves ou simples.

             Deste modo, indefere-se o pedido formulado pela arguida para que lhe seja aplicada uma admoestação em lugar da coima que foi fixada supra pela prática desta contra-ordenação agora em causa.

             II-) Quanto à outra contra-ordenação resultante da violação do disposto no 18º, nº5, e Anexo V, nº4 e nº5, do D/L nº 196/2003, determina o artigo 24º, nº2, alínea g), do mesmo diploma, na redacção que lhe foi dada pelo D/L nº 64/2008, de 8-4, que a contra-ordenação ambiental em causa se integra na categoria das graves nos termos da Lei Quadro das Contra-Ordenações Ambientais, aprovada pela Lei nº 50/2006, de 29-8.

             Em conformidade, a norma que prevê a medida abstracta da coima para o agente que pratique a contra-ordenação em causa, e tendo em conta que a arguida é uma pessoa colectiva, e que a mesma foi praticada com negligência, encontra-se prevista na alínea b), do nº3, do artigo 22º, daquela Lei nº 50/2006, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 89/2009, de 31-8. Estabelece essa norma que a medida abstracta varia entre o mínimo de 15.000 euros e o máximo de 30.000 euros.

             Contudo, considera o Tribunal que no caso concreto verifica-se que haverá uma menor ilicitude e culpa por parte da arguida, na medida em que resulta dos autos que os VFV já só tinham a parte da carroçaria, do chassis, dos bancos e dos vidros. Deste modo, ainda que não estivessem devidamente escorados e viessem sobrepostos, poucas alterações iria provocar na forma física, e não seria a estrutura muito mais afectada do que já estava.

             Consequentemente, consideramos que deveremos aplicar ao caso concreto o disposto no artigo 72º, nº1, do Código Penal, por remissão do artigo 32º, D/L nº 433/82. Na verdade, existem no caso concreto, as circunstâncias referidas supra, que leva a que se conclua pela diminuição acentuada da ilicitude do facto, da culpa do agente ou da necessidade da pena. Logo, e nos termos dessa mesma norma, deverá proceder-se à atenuação da coima a aplicar à arguida.

             Conforme referem os Drs. Simas Santos e Lopes de Sousa, in ob. cit., pág. 172: A moldura abstracta da coima pode ser alterada...por circunstâncias comuns de especial valor atenuativo não expressamente previstas na lei, e de que se dão exemplos no artigo 72º, do Código Penal...Assim, atenua-se especialmente a sanção, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existam circunstâncias anteriores ou posteriores à prática da contra-ordenação, ou contemporâneas dela, que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da aplicação da sanção...

             Nos termos do nº3, do artigo 18º, do D/L nº 433/82, a atenuação especial da punição da contra-ordenação passará pela redução para metade dos limites máximos e mínimo da coima da contra-ordenação em causa. Consequentemente, os limites da medida abstracta da coima para a contra-ordenação em causa passarão a variar entre 7.500 euros e 15.000 euros.

             Passando então à análise dos vectores previstos no artigo 18º, nº1, do D/L nº 433/82, para definir a medida concreta da coima a aplicar à arguida, parece-nos que esta contra-ordenação assumirá uma gravidade média. Na verdade, verifica-se que a arguida se encontrava a realizar a actividade de transporte dos VFV em causa sem ter qualquer cuidado quanto ao seu acondicionamento. Na verdade, os mesmos não vinham escorados, estando assim certamente a bater frequentemente contra as paredes do veículo em que se faziam transportar. Além disso, os veículos vinham sobrepostos uns nos outros, sem que tivesse sido estabelecido um sistema de separação entre camadas. Se não tivesse ocorrido a fiscalização pela GNR na situação em causa nos autos, a arguida manter-se-ia certamente a praticar a actividade ilícita em causa sem alterar o seu comportamento.

             Quanto à culpa haverá mais que considerar que a arguida actuou aqui com negligência inconsciente. Logo a mesma terá uma gravidade pouco significativa.

             A situação económica da arguida já foi analisada supra e para lá se remete.

             A arguida terá tido benefício económico com esta situação, na medida em que estava a desenvolver uma actividade de transporte de VFV sem ter a despesa de acondicionar a galera do veículo de transporte para que os mesmos fossem colocados nos termos das condições legalmente exigidas e referidas supra.

             Ponderando todos estes factores, e tendo em conta o princípio da proibição da reformatio in pejus estabelecida pelo artigo 72º-A, do D/L 433/82, o tribunal considera que será mais adequado fixar a medida concreta da coima para a contra-ordenação em causa próxima do novo limite mínimo da medida abstracta.

             Deste modo, tendo como referência a medida abstracta dessa sanção definida supra, considera-se apropriado que a medida concreta da coima a aplicar à arguida pela prática da contra-ordenação em causa seja fixada no montante 8.000 euros, alterando assim a que foi fixada pela autoridade administrativa.

             III-) A arguida foi condenada nos presentes autos em coimas pela prática de duas contra-ordenações.

             Deste modo, e nos termos do artigo 19º, do D/L 433/82, deverá proceder-se ao cúmulo jurídico das coimas que lhe foram aplicadas de modo a concluir pela condenação por uma única. O limite máximo dessa coima única corresponderá à soma das que concretamente foram aplicadas às infracções em concurso. Por sua vez, determina o nº3 do artigo 19º que a coima única a aplicar não pode ser inferior à mais elevada das coimas concretamente aplicadas às várias contra-ordenações.

             Ponderando os factores já referidos acima e que se encontram previstos no artigo 18º, do D/L nº 433/82, o tribunal considera adequado aplicar ao arguido a coima única de 10.000 euros.”

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III. Apreciação do Recurso:                                                                                                                           Nos termos do art. 75.º, n.º1, do DL nº 433/82, de 27/10, nos processos de contra-ordenação, a segunda instância apenas conhece da matéria de direito, não cabendo recurso das suas decisões. Isto é, este Tribunal funcionará, no caso, como tribunal de revista.                                     Por outro lado, o objecto do recurso penal é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação – art.º 403, nº1, e 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal.                                                         Mas não está o tribunal de recurso impedido de conhecer dos vícios referidos no art. 410º, nº 2 do Código de Processo Penal, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.                                                                O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada – nº 3 do referido preceito.

A questão a decidir é a seguinte:                                                                                                                  - Saber se os pressupostos legais para ser aplicada à recorrente uma admoestação estão reunidos, no que diz respeito à contra-ordenação classificada como leve.

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No presente recurso, pode ler-se “nada tendo a opor ao que foi decidido quanto à contra-ordenação classificada como grave, (…), o inconformismo da recorrente consubstancia-se, assim, na não substituição da coima aplicada à contra-ordenação classificada como leve pela sanção da admoestação.

Vejamos.

A admoestação consiste numa solene censura oral feita ao agente, em audiência, pelo tribunal (artigo 60.º, n.º 4, do C. Penal).

Dispõe o artigo 51.º, n.º 1, do RGCO, que, “Quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação”.

Não se encontra qualquer justificação dogmática para impedir o funcionamento da admoestação como medida de substituição à coima na fase jurisdicional do processo de contra-ordenação, verificados os pressupostos substantivos da sua aplicação, tendo em consideração a concretização do princípio da necessidade das sanções que perpassa no ordenamento sancionatório penal e contra-ordenacional que se faz sentir.

Assim, a aplicação da admoestação, no processo de contra-ordenação, depende de ser reduzida a gravidade da infracção e da culpa do agente.

Tem sido entendido que, pese embora a inserção sistemática do preceito em causa no Capítulo III, do RGCO - “Da aplicação da coima pelas autoridades administrativas”, é de entender que a referência a “entidade competente”, usada na redacção do referido normativo, leva a que a admoestação possa ser aplicada, quer na fase administrativa, quer na fase judicial, ou seja, na fase de recurso judicial da decisão administrativa.

No caso, o tribunal ponderou tal sanção mas não a aplicou. Relembrem-se os termos em que o fez:

             “Vem a arguida solicitar que lhe seja aplicada uma admoestação em lugar da coima que foi fixada pela autoridade administrativa em relação a esta contra-ordenação.

             Determina o artigo 51º, nº1, do D/L nº 433/82, que prevê as condições para aplicação da admoestação que: Quando a reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente o justifique, pode a entidade competente limitar-se a proferir uma admoestação.

             Esclarecem os Drs. Simas Santos e Lopes de Sousa, in ob. cit., pág. 316 e seguintes que: Nos termos deste artigo, nos casos de reduzida gravidade da contra-ordenação, a autoridade administrativa pode proferir uma admoestação em vez da coima e sanções acessórias abstractamente aplicáveis às contra-ordenações, se a culpa do agente o justificar. Esta possibilidade de proferir admoestação está, assim, reservada para as contra-ordenações de reduzido grau de ilicitude, pelo que será de afastar aquelas a que são potencialmente aplicáveis sanções acessórias...Por outro lado, se houver uma qualificação legal de contra-ordenações em função da sua gravidade, deverão considerar-se de reduzida gravidade nos casos em que a lei as qualifique como leves ou simples...Em coerência com esta opção legislativa, a possibilidade de ser proferida admoestação deverá ser afastada nos casos em que o agente retirou um benefício económico da prática da contra-ordenação.

             Passando a ponderar esta questão, verifica-se que existem condicionalismos legais que levam a concluir que a contra-ordenação em causa não será de reduzida gravidade.

             Na verdade, que terá de considerar-se que a contra-ordenação em causa terá algum relevo, na medida em que a arguida estava a violar de forma ostensiva a norma legal em causa, na medida em que estava a realizar o transporte de VFV sem trazer consigo qualquer dos documentos que se encontra legalmente estabelecido como sendo obrigatórios para o efeito, designadamente ou o certificado de destruição ou o documento único automóvel. Refira-se ainda que esta situação prolongar-se-ia e seria repetida certamente, sem ser corrigida, caso a arguida não tivesse sido fiscalizada pela Inspecção-Geral do Ambiente.

             Consequentemente, não se justifica que a sanção aplicada à arguida pela prática da referida contra-ordenação seja convertida numa admoestação, nos termos do artigo 51º, nº1, do D/L nº 433/82, conforme ela veio requerer no seu requerimento de recurso. Na verdade, nos termos da norma referida a admoestação só se justifica em situações de reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente.

             Ora, estas condições não se registam no caso concreto, na medida em que conforme referimos a actuação da arguida se reveste de alguma censurabilidade e a contra-ordenação em causa terá uma gravidade com algum relevo. Por fim, a situação não terá uma gravidade tão baixa que justifique a aplicação ao arguido de uma simples admoestação.

             Neste sentido pode indicar-se o Ac. da Relação de Évora de 11-9-2012, proc. nº 29/12.6TBARL.E1, in www.dgsi,pt, onde se decidiu que: A admoestação, prevista no artigo 51º, do D/L nº 433/82, de 27-10, tem em vista casos de reduzida gravidade da infracção e da culpa do agente, encontrando-se, por isso, reservada para contra-ordenações leves ou simples.

             Deste modo, indefere-se o pedido formulado pela arguida para que lhe seja aplicada uma admoestação em lugar da coima que foi fixada supra pela prática desta contra-ordenação agora em causa.

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Aqui chegados, importa considerar o seguinte (recorrente e Ministério Público convergem nesse sentido):

a)) A contra-ordenação aplicada à arguida e prevista no artigo 18.º, n.º 2, do DL n.º 196/2003, é uma contra-ordenação leve, de acordo com o disposto no artigo 24.º, n.º 3, al. e), desse diploma.

b) A arguida agiu com negligência inconsciente:

c) A gravidade da sua actuação é reduzida (apenas está em causa a falta de certos documentos - daí a categoria de contra-ordenação leve)

d) Não resultou qualquer dano ambiental da conduta da ora recorrente (aspecto meramente administrativo).

e) Não está quantificado qualquer benefício económico (a Decisão da entidade administrativa, a fls. 37, considerou, até, que “terá sido irrelevante ou insignificante”).

A tudo isto acresce a circunstância da arguida não apresentar qualquer condenação anterior, não sendo curial, salvo o devido respeito, considerar que a situação em causa se iria prolongar e seria repetida certamente, sem ser corrigida, caso não tivesse ocorrido a fiscalização da Inspecção-Geral do Ambiente (facto meramente hipotético).

Pelo exposto, encontram-se preenchidos os pressupostos para que seja aplicada a admoestação.

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                IV. Decisão:

Desta sorte, acordam os Juízes da 5ª Secção deste Tribunal da Relação de Coimbra conceder provimento ao recurso, indo, por consequência, condenada a arguida, pela prática da contra-ordenação leve referida nos autos, na sanção de admoestação.

Sem tributação.

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José Eduardo Martins (Relator)
Maria José Nogueira