Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
30/16.0T8CNT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: PROCESSO DE INVENTÁRIO
RECLAMAÇÃO CONTRA A RELAÇÃO DE BENS
QUESTÕES DEFINITIVAMENTE RESOLVIDAS
Data do Acordão: 05/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE CANTANHEDE DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 1348.º, 1349.º E 1336.º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, NA REDAÇÃO ANTERIOR À LEI N.º 23/2013, DE 5-3
Sumário: I – Se o juiz, no processo de inventário, sujeitando a reclamação de um crédito da herança, em que figura como devedora a cabeça de casal, ao regime legal aplicável (CPCiv., na redação anterior à Lei n.º 23/2013, de 5-3), decidiu pela improcedência da reclamação (sem afirmar a provisoriedade de tal decisão), essa questão ficou definitivamente resolvida entre os interessados.

II – Fora do âmbito da ação de reivindicação, ao autor, que invoca ser comproprietário, enquanto co-herdeiro, de uma fração indivisa de um prédio, não se exige a prova de uma forma originária de aquisição, bastando uma prova prevalente à do seu adversário.

III – Encontrando-se o prédio descrito na matriz e na conservatória com determinada área (5.809 m2), obtida após desanexação de uma parcela vendida a terceiro, e em concordância com a descrição do imóvel efetuada no contrato-promessa de compra e venda de tal parcela e na planta topográfica anexa (elaborada para o efeito), assinados por todos os comproprietários, não podem os réus/comproprietários questionar validamente a área aí aposta sem alegação de qualquer facto que a contrarie, caso em que o imóvel deve ser relacionado e partilhado no inventário em conformidade com a descrição matricial e registral.

Decisão Texto Integral:

Processo nº 30/16.0T8CNT.C1 – Apelação

Relator: Maria João Areias

1º Adjunto: Helena Melo

2º Adjunto: José Avelino Gonçalves

                                                                                               

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH e II, intentam a presente ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra:

1. JJ,

2. KK e

3. LL.

Pedindo, a declaração de que:

a) - O prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial tem a composição, área e confrontações aí referidas, condenando-se a primeira demandada a tal reconhecer;

b) - Autores e réus são comproprietários, enquanto co-herdeiros, de ¾ do prédio identificado no artigo 1.º da petição inicial, com a composição, área e confrontações referidas, o qual faz parte da herança aberta por óbito de MM naquela proporção, devendo ser partilhado como tal, condenando-se a primeira demandada a tal reconhecer;

c) - A primeira ré deve à herança aberta por óbito de MM a quantia de € 950,00, em virtude do corte e venda dos pinheiros referidos nos artigos 34.º a 38.º da petição inicial, o que deve ser relacionado como crédito da herança.

Alegando, em síntese:

Autores e réus são donos, em comum e sem determinação de parte ou direito, de ¾ do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...56 e inscrito na matriz sob o artigo ...98.º, identificado no artigo 1.º da petição inicial, o qual, por si e através dos seus antecessores, ocupam, vigiam e utilizam, dele retirando os frutos e produtos, à vista de todos, sem oposição de terceiros, ininterruptamente, há mais de 30 anos, com a convicção de exercerem um direito próprio;

os referidos ¾ indivisos do prédio advieram à propriedade de autores e réus por óbito de MM;

o direito ao restante ¼ indiviso do prédio está inscrito na Conservatória ...

Predial a favor de NN;

os proprietários do prédio, por contrato celebrado em 28.02.2000, prometeram ceder ao Município de ... uma parcela de terreno com a área de 2510 m2, a desanexar do logradouro daquele prédio;

como, à data do contrato promessa, o prédio tinha 8.319 m2 de área, com a desanexação ficou com 5809 m2 (conforme consta do registo e da matriz);

sucede que, na sequência de avaliação efetuada por perito no âmbito do Processo de Inventário que corre termos no Juiz ... da Secção ... sob o n.º 674/07...., a cabeça de casal (a ré JJ) apresentou uma relação de bens corrigida na qual relacionou o prédio em questão (verba n.º ...) como tendo a área de 1.003 m2;

JJ, sem o consentimento dos restantes interessados, ordenou o corte de pinheiros existentes no prédio inscrito na matriz sob o artigo ...53.º (relacionado no mesmo processo de inventário sob a verba n.º 17 da relação de bens corrigida) e recebeu como produto da venda € 950,00, que se recusa a entregar à herança.

Os RR. deduzem contestação, invocando, entre outras, a exceção de caso julgado ou litispendência, consoante se entenda que o despacho, proferido no processo de inventário sobre as mesmas questões suscitadas nesta ação, transito, ou não, em julgado, e por impugnação, afirmando que a área do prédio em questão é de 1.003 m2 e que a madeira vendida por JJ proveio de um terreno de que é exclusiva proprietária.

Os autores respondem pugnando pela improcedência de tal exceção, por não existência da tríplice identidade de pedido e causa de pedir entre os dois processos, requerendo, ainda a intervenção principal provocada de NN, na qualidade de comproprietário do restante ¼ do prédio em litigio, a qual foi admitida.


*

Realizada audiência de julgamento, no decurso da qual os Autores declararam retirar a alegação do artigo 28º da P.I., ao abrigo do disposto no artigo 46º do CPC,

foi proferida sentença, que termina com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto, decido julgar a presente ação parcialmente procedente e, em consequência:

- Absolvo a primeira demandada, JJ, da instância quanto ao pedido elencado em c), por força da verificação da exceção dilatória de caso julgado.

- Declaro que Autores e Réus são comproprietários, enquanto co-herdeiros, de ¾ do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial, freguesia ..., ..., e inscrito na matriz sob o art. ...98, condenando a primeira demandada a tal reconhecer.

- Absolvo os Réus do demais peticionado.


*

Inconformados com tal sentença, os Autores interpõem recurso de Apelação, terminando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões[1]:

A) O presente recurso de apelação é interposto da sentença final proferida nos presentes autos e visa:

- impugnar o caso julgado declarado relativamente ao pedido de condenação da ré JJ relativamente à venda de pinheiros de um prédio da herança;

- ampliar a decisão da matéria de facto relativamente à área do prédio e à venda dos referidos pinheiros;

- de direito quanto à improcedência do pedido de declaração dessa mesma área e da condenação no pagamento à herança da quantia recebida.

B) Não existe qualquer caso julgado no despacho que indeferiu a reclamação de crédito apresentada, pois o regime da reclamação da existência ou não de bens é diferente do regime da reclamação de créditos e, ao contrário do que sucede com a reclamação de bens, onde a decisão que decide a existência ou não de bens no âmbito do processo de inventário e a sua composição, constitui caso julgado nos precisos termos da decisão que foi proferido sobre essas questões, no que respeita a créditos, a decisão incidental do inventário não tem o mesmo efeito, pois o regime dos créditos ou débitos da herança é diferente e pode ser objeto de ação autónoma, pois o seu regime afinal é o de aprovação ou não em conferência de interessados.

C) Se o devedor for o cabeça-de-casal, por atos praticados sobre bens da herança, podem ser até objeto de prestação de contas, mas o despacho que não admite uma reclamação de créditos, com fundamento em razões formais, não constitui caso julgado material, podendo a questão ser de novo suscitada em ação autónoma, sendo certo que essa admissão ou não da reclamação de créditos ou débitos é apenas e tão só um ato preliminar da decisão que será tomada pela conferência de interessados, de aprovação ou não desse passivo.

D) No caso concreto, como se alcança dos documentos juntos pela ré JJ nos presentes autos, o despacho só não admitiu essa reclamação por falta de apresentação tempestiva de prova, mas não tem a virtualidade de constituir caso julgado sobre esse assunto, pois que, como se referiu, mesmo que tivesse admitido a reclamação do crédito em causa, o mesmo podia não ser aprovado pela conferência de interessados, pelo que não decidia de forma definitiva a questão.

(…).

F) Com efeito, um dos pressupostos para que se constitua caso julgado é o de que todos os interessados tenham sido notificados da reclamação, o que não sucedeu, pois apenas o foram, pelo menos, os interessados com mandatário constituído, sendo certo que havia outros interessados não representados e que não constituíram mandatário, pelo que não pode, pelo menos, constituir caso julgado relativamente aos interessados a quem não foi dada a hipótese de exercício do contraditório e que são também partes nos presentes autos.

G) Deste modo, porque se não verifica a tríplice identidade exigida pela exceção de caso julgado, deve ser revogada nessa parte a sentença recorrida e conhecer-se do pedido formulado na alínea c) do petitório feito na petição inicial.

H) No que concerne à alteração da decisão da matéria de facto, relativamente à madeira cortada, foi ouvido o madeireiro que a adquiriu, a testemunha OO, cujo depoimento se encontra gravado, o qual confirmou a existência do negócio com a cabeça-de-casal JJ, o recebimento por esta do preço dos pinheiros - € 950 – e a reclamação do herdeiro EE, com a alegação de que o prédio onde os pinheiros foram cortados era um prédio da herança, o que também foi comprovado pela testemunha PP, cujo depoimento se encontra gravado.

I) Que a madeira foi cortada nesse prédio que pertencia à MM – a inventariada – resulta ainda dos depoimentos das testemunhas dos réus, QQ, (…) que concluiu que o corte foi no pinhal da herança na ..., RR (…), a qual expressamente declarou “a JJ cortou pinheiros da MM” e até SS, (…) o qual admitiu que a ... onde foram cortados os pinheiros eram no prédio que confrontava com o PP.

J) Face à prova gravada e que se deixa referida, dúvidas não há de que a cabeça-de-casal, que não demonstrou ter qualquer prédio na ..., cortou os pinheiros no prédio da herança sito nesse local, tendo recebido a quantia de € 950, conforme recibo certificado a fls. 45 da certidão junta como documento 3 com a petição inicial, recebimento esse que ocorreu em 18 de janeiro de 2013, sendo que a cabeça-de-casal não nega a realização do negócio, mas apenas alega que o prédio era seu, mas, repete-se, sem identificar qualquer prédio seu, mormente naquele local.

K) Por isso, deve ser dado como provado e aditada aos factos provados, mais uma alínea, a alínea L), que “a cabeça-de-casal vendeu os pinheiros do prédio da ..., relacionado sob o nº. 17 da relação de bens de fls. 47 do documento 3 (certidão judicial), em 18 de janeiro de 2013, pelo preço de € 950”, invocando-se, nos termos do artº. 640º., nº. 1 do Cod. Proc. Civil, invocam-se como meios de prova para que seja considerado provado o facto referido (…).

L) Relativamente aos outros pedidos, já era sabido que apenas ¾ do prédio descrito pertencia à herança de MM e, como tal, até se encontrava registado no registo predial – Cfr. facto provado B).

M) Para a determinação da área atual do prédio, temos de partir da área que o prédio tinha antes de ter sido cedida uma parte ao Município de ... e, para tal, temos a declaração feita no contrato promessa de compra e venda celebrado em 28 de Fevereiro de 2000, por todas as partes, nos presentes autos, enquanto promitentes vendedores, no qual descreviam o citado prédio com a área de 8.319 m2 e a confrontar do norte com estrada, do sul com ... e do poente com TT, para além da confrontação nascente com outro prédio da Câmara Municipal ....

N) Da prova produzida em audiência de julgamento, resulta claro como foi obtida a referida área, desde logo, que o contrato promessa foi celebrado com base num levantamento do referido prédio feito pelo topógrafo da Câmara Municipal ..., UU, cujo depoimento foi gravado, sendo que, durante esse depoimento e como consta da acta do julgado, a testemunha foi confrontada com a planta anexa ao contrato promessa, de fls. 78 dos autos, tendo o mesmo informado que esse levantamento topográfico foi realizado com base nas informações de um dos comproprietários, VV, que vivia ali próximo, numas casas que havia ali e seria o dono do terreno, o qual, VV, mostrou depois as estremas ao referido topógrafo e foi com base nessa indicação que foi calculada a área.

O) Por outro lado, na celebração do contrato promessa, as partes aceitaram como válido o referido levantamento, como se alcança do depoimento da testemunha WW, (…), tendo a testemunha sido confrontada com o documento de fls. 70 e seguintes e a planta anexa ao contrato promessa, de fls. 78 dos autos, como consta da respetiva acta, a qual informou que todos os herdeiros, mesmo os que são parte nos presentes autos, assinaram o referido contrato-promessa e rubricaram a planta anexa, não levantando qualquer objeção, nem ao conteúdo do contrato, nem às áreas nele consignadas.

P) Com relevância para os presentes autos, deve ser aditado aos factos provados, sob a alínea M), que o “prédio referido na al. A), antes da cedência da parcela referida na alínea G) ao Município de ..., tinha a área de 8319 m2, conforme levantamento topográfico efectuado pelo topógrafo da Câmara Municipal ..., mediante a indicação das estremas pelo comproprietário VV”.

Q) E também com relevância para os presentes autos, deve ser aditado aos factos provados, sob a alínea N), que o “contrato promessa e a planta anexa foram assinados e rubricados por todos os autores e réus, que aceitaram as áreas constantes do levantamento e as cláusulas do contrato promessa”.

R) Para ambas as alíneas a aditar, nos termos do artº. 640º., nº. 1 do Cod. Proc. Civil, invocam-se como meios de prova para que sejam considerados provados os factos referidos, o contrato promessa de fls. 70 e seguintes e a planta anexa ao mesmo, de fls. 78, bem como os depoimentos das testemunhas UU, topógrafo da Câmara Municipal ..., cujo depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso neste Tribunal, tendo iniciado pelas 10:34:05 horas e terminado às 10:48:28 horas e WW, funcionária da Câmara Municipal ... desde fevereiro de 1996 no departamento de património, que conhecia autores e ré apenas do exercício das suas funções como assistente de notário à data dos factos e cujo depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital (…).

S) Como adjuvante do que se deixa dito, refira-se o depoimento das testemunhas da R., que referiram que o prédio que era compropriedade de VV e de MM, confrontava a poente com PP, a norte com estrada e a sul com ..., citando-se a título de exemplo, as testemunhas QQ, RR, XX, YY, ZZ e AAA.

T) Nos factos não provados, foi apenas incluído que “Sempre os referidos autores e réus, por si e antes, nas referidas qualidades e os seus antecessores, no referido prédio, à vista de quem quer que fosse, sem oposição de pessoa alguma, ininterruptamente, e até há mais de 30 anos e na convicção de usufruírem “coisa” exclusivamente sua, têm utilizado e fruído prédio descrito em A) numa área total de 5809m2, ocupando-a, nela permanecendo, vigiando-lhes as estremas, pagando os impostos relativos a esse imóvel, e colhendo todos os normais frutos e produtos”, mas quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto que a ela conduz, nos termos do artº. 350º., nº.1 do Cod. Civil e, no caso dos autos, como se alcança da al. B) dos factos provados que autores e réus são herdeiros de MM, pelo que se lhes aplica a presunção legal do artº. 1255º. desse mesmo diploma, segundo qual, “por morte do possuidor, a posse continua nos seus sucessores desde o momento la morte, independentemente da apreensão material da coisa”

U) Sabendo-se que MM faleceu em .../.../1989 – al. D) dos factos provados -, na data em que foi proferida a sentença já haviam decorrido mais de 30 anos sobre a sua morte, pelo que existindo todos os requisitos da posse, deve ser eliminado este facto - mais exatamente este complexo de factos - dos factos não provados

V) Em matéria de direito, a questão que se coloca nos presentes autos e que corresponde ao pedido das alíneas a) e b) do petitório inicial é a de saber se o prédio, de que a herança tem três quartas partes, tem na sua totalidade a área de 5809m2 e as confrontações indicadas no artº. 1º. Da petição inicial.

X) Quanto às confrontações não existe qualquer problema, pois, ao longo do processo de inventário, a cabeça-de-casal sempre foi indicando as mesmas confrontações, apesar da divergência de áreas e essas confrontações são do norte com estrada, do sul com ..., do nascente com Câmara Municipal ... e do poente com ... ou TT, não sendo por aqui que existem divergências, até porque a diferença de nomes da confrontação poente pode ter na sua origem uma sucessão familiar dada a similitude de apelidos, pois a inscrição do prédio na matriz data de 1970 – cfr. fls. 22 da certidão judicial junta sob o nº. 3 -, ou seja, há mais de 50 anos.

Y) O problema está na área do mesmo prédio, que, para os autores é de 5809m 2 e para os RR. é de 1.003 m 2,

Esta questão foi suscitada por um perito, manifestamente incompetente, como se alcança do teor da decisão singular proferida nos autos de recurso de apelação interposto no Processo de Inventário 647/07...., onde se escreveu que o dito perito, indicou a área de “1003,00 m 2, em foi resultado das indicações, em exclusivo, da cabeça-de-casal…”, mas posteriormente “no seu esclarecimento de fls. 346, o mesmo não deixou de relatar que face a indicações que lhe foram transmitidas pelo interessado EE, havia procedido à avaliação de um espaço físico com a área total de 5809 m2, constituído por duas casas em ruínas, eira, páteo, currais, logradouro, quintal e terra de semeadura” e conclui que “se assim é, uma primeira conclusão que é possível retirar é que tal espaço físico totalizando 5809 m2 existe materialmente no local, mesmo depois do destaque dos 2.510 m2 alienados ao Município de ..., o que é obviamente relevante”.

Z) Sucede que, ainda em vida VV e de BBB, foi por eles e pelos herdeiros de MM celebrado, em 28 de Fevereiro de 2000, um contrato promessa de compra e venda com o Município de ..., pelo qual prometeram ceder uma parcela de terreno com a área de 2510 m2, a desanexar do logradouro do prédio descrito e confrontado no número anterior e de que constavam da verba nº. 1 da relação de bens as ¾ partes da MM, parcela essa que foi identificada numa planta anexa ao referido contrato. – Cfr. doc. 4 junto com a petição inicial.

AA) Também foi junta uma planta assinada por todos os promitentes vendedores, onde são referidas as indicadas medidas e na cláusula 7ª. do referido contrato promessa, o Município de ... ocupou de imediato a referida parcela, nela constituindo a Praia Fluvial ..., sendo que nesse contrato-promessa, na cláusula primeira, o prédio foi assim descrito “Prédio urbano composto de casa de habitação, páteo e logradouro, com a área coberta de 106 m2, páteo 576m2, logradouro 7637 m2, sendo a área total de 8319 m2, sito nos ..., freguesia ..., desta comarca, inscrito na matriz predial da referida freguesia ..., sob o artigo ...98, a confrontar do norte com Estrada, do sul com ..., do nascente com Câmara Municipal ... e do poente com TT.”

BB) Esse contrato promessa foi assinado por todos os ora demandantes e demandados, bem como pelos falecidos VV e BBB. – Cfr. doc. 4 junto com a petição inicial -, sendo que estes factos constam das alíneas G), H) e I) dos factos provados.

CC) Determinada a força probatória formal do documento particular escrito – o referido contrato promessa de compra e venda - e assinado, nos termos descritos, resta saber qual a sua força probatória material, isto é, qual o valor desses documentos e a resposta encontramo-la na doutrina do art. 376.º. do Cod. Civil e tendo-se chegado à conclusão que o contexto do documento procede da pessoa a quem é atribuído, o que foi aceite por todas as partes, provado fica que as declarações nele constantes se consideram provadas na medida em que forem contrárias aos interesses do declarante (n.° 2).

DD) Realce-se mais uma vez que só as declarações que forem contrárias aos interesses do declarante, e não as que forem favoráveis, se devem considerar provadas; todavia, tratando-se de declarações documentadas só em parte desfavoráveis ao declarante, por força do princípio da indivisibilidade da confissão (art. 360.º), a parte contra quem o documento é apresentado se quiser aproveitar-se da parte favorável, terá de aceitar também a parte desfavorável, ou de provar que essa parte não corresponde à verdade, não se exclui a possibilidade de o interessado recorrer a qualquer meio, incluindo a prova testemunhal, para provar que as declarações não correspondem à verdade.

EE) Dúvidas não há de que todos os autores e réus presentes na assinatura do contrato- promessa ou que o subscreveram declararam que o prédio objeto dos presentes autos tinha  inicialmente a área de 8319 m 2, dos quais se iriam destacar 2510 m2 para o Município de ..., sendo o passo seguinte determinar se essa declaração corresponde à verdade, ou seja, se o prédio tinha na realidade essa área.

FF) A prova produzida nos presentes autos, pelo topógrafo da Câmara Municipal ..., UU que fez o levantamento do terreno, segundo as indicações de um dos comproprietários ao tempo, VV, confrontada com a planta anexa ao contrato promessa, de fls. 78 dos autos, confirmou ter sido ele que a elaborou de acordo com a realidade que lhe foi mostrada, pelo que se requereu que fosse aditado aos factos provados, sob a alínea M), que o “prédio referido na al. A), antes da cedência da parcela referida na alínea G) ao Município de ..., tinha a área de 8319 m2 , conforme levantamento topográfico efetuado pelo topógrafo da Câmara Municipal ..., mediante a indicação das estremas pelo comproprietário VV”.

GG) Está assim provado que a declaração da área constante do contrato promessa corresponde à realidade, pelo que à veracidade de ter sido emitida a declaração de que o prédio tinha, antes de ser desanexada a parte do Município de ..., a área de 8319 m2, acrescenta- se a conformidade dessa declaração com a realidade dos factos.

HH) Consequentemente, deve ser julgada procedente e provada a presente à ação no que se refere à declaração de que a) o prédio descrito e confrontado no art°. 1º.. da petição inicial tem a composição, área (5809 m2) e confrontações aí referidas, condenando-se a primeira demandada a tal reconhecer e b) declarar-se que demandantes e demandados são comproprietários em regime de co-herança de ¾ do prédio descrito e confrontado no art°. 1º. desta petição inicial, com a composição, área e confrontações referido na alínea anterior, o qual faz parte da herança ilíquida e indivisa aberta por MM naquela proporção, devendo ser partilhado como tal na liquidação dessa herança, condenando-se a primeira demandada a tal reconhecer.

II) Quanto ao pedido da al. c), que a sentença recorrida se não pronunciou por entender haver um caso julgado, que, como se demonstrou, é inexistente, deve a mesma também ser julgada procedente e provada, pois, face à prova produzida em audiência de julgamento, nomeadamente a citada em sede de alteração da matéria de facto (…).

JJ) A própria R. JJ não nega a existência do negócio, pois até assinou o recibo da quantia paga e por si recebida, mas alega que o prédio era seu, mas sem identificar qualquer prédio seu, mormente naquele local.

KK) Tem também tem de proceder o pedido de condenação da demandada JJ como devedora à herança da quantia que recebeu pela venda dos mencionados pinheiros.

LL) Por violar o disposto nos artºs. 350º., nº. 1, 376º., nº.s 1 e 2 e 1255º. nº. 2, todos do Cod. Civil, os artºs. 580º., 1327º. e 1348º., todos do Cod. Proc. Civil, pelo menos, tem de ser revogada e substituída por outra decisão, que julgue a presente ação totalmente procedente e provada.

*
Os Réus apresentam contra-alegações, no sentido da improcedência do recurso,
(…).
*
Cumpridos que foram os vistos legais, nos termos previstos no artigo 657º, nº2, in fine, do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639º, do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir são as seguintes:
1. Se a decisão proferida no processo de inventário, por despacho de 15.05.2014, não faz caso julgado relativamente ao pedido formulado na al. c) do petitório:
a. Em caso afirmativo, se são de aditar os factos indicados pelos Apelantes
2. Impugnação da matéria de facto.
3. Se é de alterar o decidido.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

1. Se a decisão proferida no despacho de 15.05.2014, no processo de inventário faz caso julgado relativamente ao pedido formulado na al. c) do petitório.

Na contestação que deduzem à presente ação, invocam os Réus a exceção de caso julgado relativamente ao pedido formulado sob a alínea c) do petitório – declaração de que a primeira ré deve à herança aberta por óbito de MM a quantia de € 950,00, em virtude do corte e venda dos pinheiros referidos nos artigos 34.º a 38.º da petição inicial, o que deve ser relacionado como crédito da herança – sob a alegação de que, tendo o recurso interposto no processo de inventário tido por objeto unicamente a parte da decisão do incidente da reclamação de bens referente à verba nº2 da relação de bens, a decisão de improcedência da reclamação da alegada dívida da cabeça de casal à herança transitou em julgado.

Por sua vez, os Autores pronunciam-se no sentido da improcedência de tal exceção, alegando que, estando em causa crédito da herança, “pode ser objecto de acção autónoma, pois o seu regime afinal é o a aprovação ou não em conferência de interessados”, concluindo que a decisão incidental proferida em sede de inventário não constitui caso julgado material.

Na apreciação de tal exceção, a decisão recorrida teve por relevante a seguinte factualidade, com base na certidão junta a fls. 17-69, peças processuais juntas com o requerimento com a Ref. 16.12.2019, e na consulta eletrónica do Processo de Inventário n.º 674/07....:

1. Correu termos no Juiz ... da Secção ..., sob o n.º 674/07...., processo de inventário para partilha das heranças deixadas por óbito de MM e BBB, em que são interessados/herdeiros os aqui autores e réus (com exceção do interveniente principal NN) e exerceu funções de cabeça de casal JJ.

2. Nesses autos de inventário, a requerimento dos interessados, foi efetuada a avaliação dos bens que compõem o acervo hereditário, constando do respetivo relatório que o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ...56 e inscrito na matriz sob o artigo ...98.º (inicialmente relacionado sob a verba n.º 1) tem a área de 1003 m2.

3. Foi apresentada relação de bens corrigida na qual foram relacionadas sob a verba n.º 2 “Três quartas partes indivisas do prédio urbano, composto de casa de habitação, pátio e logradouro, sito em  ..., freguesia ..., com a área total de 1003 m2, a confrontar do Norte com estrada,  do Sul com ... e Município de ..., do Nascente com Município de ... e do Poente  com CCC, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...56 e  inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo ...98.º”.

4. Nessa sequência, vieram os interessados aqui autores reclamar da relação de bens, alegando que  é incorreta a área da verba n.º 2, porquanto, sendo a mesma na relação de bens apresentada com as declarações iniciais de cabeça de casal de 8319 m2 e tendo sido vendida ao Município de ... a  área de 2510 m2, o prédio atualmente ficou com 5809 m2, bem como que a cabeça de casal é devedora à  herança da quantia de € 950,00, proveniente da venda que fez dos pinheiros existentes num pinhal sito no  ... ou ... (anterior verba n.º 18 e agora verba n.º 17 da relação de bens).

5. Em resposta, a cabeça de casal veio reafirmar que a área do prédio é de 1003 m2 conforme decorre do relatório pericial, e que procedeu à venda de madeira de pinho pela quantia de € 950,00, mas de um pinhal que é da sua exclusiva posse e propriedade, pelo que nada deve à herança.

6. Em 15.05.2014 foi proferida decisão sobre a reclamação à relação de bens com o seguinte teor:

No que respeita à área do prédio descrito na verba n.º 1, compulsados os autos, verifico que o prédio em causa, sito na freguesia ..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...98.º, se encontra descrito actualmente na verba n.º 2 da  relação de bens actualizada da herança da inventariada MM, constante de fls. 431-v e segs. Segundo o que  consta do relatório pericial de avaliação efectuado nos autos, o prédio em causa tem uma área de 1003 m2, facto que foi  reafirmado pelo Sr. Perito nos esclarecimentos prestados a fls. 316 e segs, referindo o mesmo que não compreende como pode o  prédio ter uma área total de 5809 m2, a não ser que a área ocupada pela piscina fluvial, restaurante e balneários, façam também parte do prédio. Na sequência de novo pedido de esclarecimentos, o Sr. Perito veio referir a fls. 346 e segs. que face a  indicações que lhe foram transmitidas pelo interessado EE, e que são totalmente contrárias às indicações  fornecidas pela cabeça-de-casal, procedeu à avaliação de um espaço físico com a área total de 5809 m2, constituído por duas  casas em ruínas, eira, pátio, currais, logradouro, quintal e terra de semeadura, cujos artigos matriciais desconhece e que,  indagando o referido EE, pelo mesmo foi dito que desconhece a existência de qualquer referência matricial. A fls.  363, o Sr. Perito veio esclarecer que o espaço físico entre a área avaliada correspondente ao artigo 1398.º e a área do espaço com a área de 5809 m2 não se apresenta demarcada e não existem sinais visíveis indicativos de por ali passar a estrema do prédio avaliado (artigo 1398.º). Do acima exposto decorre que a área apurada pelo Sr. Perito e correspondente ao prédio incluído na relação de bens, inscrito na matriz sob o artigo ...98.º, é de 1003 m2, nos termos constantes da relação de bens atualizada junta aos autos. O interessado reclamante AA não apresentou qualquer meio de prova que ateste que a área do terreno é superior, nem acusou a falta de relacionamento de outros prédios, não referindo quaisquer outros artigos matriciais que também devam ser incluídos na relação de bens. O reclamante alega apenas que na primeira relação de bens apresentada figurava uma área do prédio de 8319 m2, pelo que, tendo sido vendida ao Município de ... a área de 2510 m2, então o prédio actualmente ficou com 5809 m2. No entanto, é perfeitamente possível que a indicação da área do imóvel constante da primeira relação de bens é que esteja errada. Pois segundo apurou o Sr. Perito, o prédio em causa tem uma área actual de 1003 m2 e a área restante, contígua a esse prédio, pertencerá a prédios em relação aos quais não foi possível identificar os respectivos artigos matriciais. Deste modo, não tendo sido apresentada prova pelo reclamante, improcede, nesta parte, a reclamação deduzida.

Relativamente à alegada dívida da cabeça-de-casal à herança, no valor de € 950, a mesma é negada pela cabeça-de-casal, não tendo sido apresentada qualquer prova por parte do reclamante, no que concerne aos factos por si alegados, pelo que também nesta parte improcede a reclamação deduzida por esse interessado.

Pelo exposto, julgo totalmente improcedente a reclamação apresentada pelo interessado AA à relação de bens actualizada”.

7. Da Sentença homologatória de Partilha foi interposto, pelos aqui Autores, recurso tendo por objeto, além do mais, a decisão que pôs termo ao incidente de reclamação à relação de bens, quanto à verba nº 2.

8. Tal recurso foi objeto de decisão singular, nos termos do artigo 656º do C.P.C., que foi confirmada por Acórdão proferido a 10/07/2019 após reclamação dos aqui AA.

9. Do respetivo, dispositivo consta: “Pelo exposto, decide-se, a final, na parcial procedência da apelação dos Interessados/reclamantes/recorrentes, revogar as decisões recorridas, e remeter as partes para os meios comuns quanto à verba n.º 2 da relação de bens rectificada em apreciação. Custas do incidente, em ambas as instancias, pelos ditos Interessados/reclamantes/recorrentes e cabeça-de-casal, na proporção de 30% para aqueles e 30% para esta

7. A sentença homologatória da partilha transitou em julgado, encontrando-se findos os autos de inventário.

A decisão recorrida veio a julgar procedente a invocada exceção de caso julgado, absolvendo a 1ª Ré da instância, quanto a tal pedido, com base nas seguintes ordens de razões:

- a decisão que, no âmbito do processo de inventário, julgou improcedente a reclamação à relação de bens (foi acusada a falta de relacionação de um crédito da herança, e não uma dívida da herança, como sustentam os autores), tendo por fundamento a ausência de prova indicada pela parte a cujo ónus incumbia, decide do mérito da causa;

- foi precedida do contraditório legalmente imposto e nela não se remeteram os interessados para os meios comuns e não se decidiu a reclamação provisoriamente e com ressalva do direito às ações competentes, nos termos dos artigos 1350º e 1336º, nº 2, do CPC, na redação pretérita.

- verifica-se a tríplice identidade de sujeitos, pedido e causa de pedir, que, as partes, de qualquer modo, não põem em causa.

Insurgem-se os Apelantes contra o decidido, sustentando que a decisão, proferida no processo de inventário, que indeferiu a reclamação do crédito não faz qualquer caso julgado, com os seguintes fundamentos:

a) a reclamação em causa encontrar-se-ia sujeita, não ao regime da regime da reclamação da existência ou não de bens, mas ao regime da reclamação de créditos e, ao contrário do que sucede com a reclamação de bens, onde a decisão que decide a existência ou não de bens no âmbito do processo de inventário e a sua composição, constitui caso julgado nos precisos termos da decisão que foi proferido sobre essas questões, no que respeita a créditos, a decisão incidental do inventário não tem o mesmo efeito, pois o regime dos créditos ou débitos da herança é diferente e pode ser objeto de ação autónoma, pois o seu regime afinal é o de aprovação, ou não, em conferência de interessados;

b) um dos pressupostos para que se constitua caso julgado é o de que todos os interessados tenham sido notificados da reclamação, o que não sucedeu, pois apenas o foram, pelo menos, os interessados com mandatário constituído, sendo certo que havia outros interessados não representados e que não constituíram mandatário, pelo que não pode, pelo menos, constituir caso julgado relativamente aos interessados a quem não foi dada a hipótese de exercício do contraditório e que são também partes nos presentes autos.

c) porque não se verifica a tríplice identidade exigida pela exceção de caso julgado.

Cumpre apreciar cada um dos fundamentos de discordância, invocados pelos Apelantes.

a) regime a que se encontra sujeita a acusação de um crédito da herança negado pela devedora/cabeça de casal no inventário

 A relação de bens deve abranger todos os bens possuídos pelo falecido ao tempo do seu falecimento, dentro dos quais se incluem os direitos de crédito, devendo-se relacionar-se, separadamente, as dívidas da herança.

Os direitos de crédito correspondem às dívidas ativas de que o falecido é credor, fazendo parte do ativo da herança, enquanto as dívidas da herança correspondem às dívidas de que o falecido era devedor, ou seja, fazem parte integrante do passivo da herança.

De uma leitura global das normas atinentes à apresentação e à reclamação à relação de bens e à sua apreciação, resulta a consagração de três distintos regimes:

1. Regime geral, em caso de reclamação à relação de bens respeitante a algum bem do ativo da herança (artigos 1349º, 1350º e 1336º, do CPC, na redação anterior à Lei nº 23/2013, de 5 de março);

a) deduzida alguma reclamação à relação de bens, é o cabeça de casal notificado para no prazo de 10 dias relacionar os bens em falta ou dizer o que se oferecer sobre a matéria da reclamação; caso o cabeça de casal não confesse a existência dos bens cuja falta foi acusada, notificam-se os restantes interessados para se pronunciarem; produzidas as provas e realizadas as diligências que julgou necessárias, o juiz decide se os bens devem ser relacionados (artigo 1349º), considerando-se definitivamente resolvidas as questões que “no inventário, sejam decididas no confronto do cabeça de casal ou dos demais interessados a que alude o artigo 1327º, desde que tenham sido regularmente admitidos a intervir no procedimento que precede a decisão, salvo se for expressamente ressalvado o direito às ações competentes” (artigo 1336º, nº1, CPC);

b) ou, conclui que a complexidade da matéria de facto subjacente às questões suscitadas, não o habilitam a decidir tais questões a título definitivo e:

a.1. com base numa apreciação sumária das provas, defere provisoriamente as reclamações, com ressalva do direito às ações competentes (artigos 1350º, nº3 e 1336º, nº2, CPC).

a.2. ou, abstém-se de decidir e remete os interessados para os meios comuns.

2. Regime respeitante às dívidas da herança (passivo) (artigos 1353º, nº3, e 1354º a 1360º):

as dívidas relacionadas e reclamadas, ainda que sem acordo dos interessados, são objeto de relacionação a fim de serem submetidas à apreciação da Conferência de interessados.

3. Negação de dívidas ativas – créditos da herança (artigo 1351º, CPC):

Dispunha o artigo 1351º do CPC, sob a epigrafe:

Negação de dividas ativas

1. Se uma divida ativa, relacionada pelo cabeça de casal, por negada pelo pretenso devedor, aplica-se o disposto no artigo 1348º, com as necessárias adaptações;

2. Sendo mantido o relacionamento do débito, a divida reputa-se litigiosa; sendo eliminada, entende-se que fica salvo aos interessados o direito de exigir o pagamento pelos meios competentes.

Das considerações expostas, logo resulta não ser correta a asserção dos Apelantes de que a reclamação em causa não se encontraria sujeita ao regime da reclamação da existência ou não de bens, mas da “reclamação de créditos”, não fazendo caso julgado, pois “o regime dos créditos e dos débitos é diferente e pode ser objeto de ação autónoma, pois o seu regime final é o da aprovação ou não, em conferencia de interessados”.

Os Apelantes estão errados quando pretendem submeter os créditos e débitos da herança a um regime único, de “reclamação de créditos”, cujo regime final fosse a aprovação, ou não, em conferência de interessados.

Não há qualquer regime único para a reclamação de créditos, a abranger toda e qualquer relação de créditos, independentemente de a herança nele figurar como credor ou devedor:

as dívidas da herança, não só, são objeto de relacionação em separado, como são submetidas por lei à regulamentação específica dos arts. 1353º, nº3, e 1354º a 1360º do CPC; tais dívidas, independentemente de terem tido, ou não, oposição dos demais interessados, farão parte da relação de bens, a fim de serem submetidas à conferencia, a quem compete deliberar sobre a sua aprovação.

quanto aos créditos da herança (em que a herança assume a posição de credora constituindo um bem da herança) a que o legislador se refere como “dívidas ativas”, quando relacionados pelo cabeça de casal e sejam negados pelo devedor, encontram regulamentação específica no artigo 1351º.

De tal disposição resulta que, se uma dívida ativa, relacionada pelo cabeça de casal, for negada pelo pretenso devedor, será de ouvir os demais interessados e o cabeça de casal (é o que resulta da remissão para o artigo 1348º) e, tomados os esclarecimentos tidos por necessários, será tomada decisão sobre se é de manter ou não o relacionamento de tal crédito/débito[2]. Se for mantido o relacionamento do débito, a dívida reputa-se litigiosa, sendo eliminada, entende-se que fica salvo aos interessados o direito de exigir o pagamento pelos meios competentes.

Significa isto, que se uma dívida ativa, relacionada pelo cabeça de casal, for negada pelo pretenso devedor, nunca a decisão proferida no inventário a tal respeito terá carater definitivo, podendo sempre os interessados vir a discutir tal questão através dos meios comuns[3].

Prevendo o artigo 1351º unicamente a hipótese de uma dívida ser relacionada pelo cabeça de casal e negada pelo pretenso devedor, poderá levantar-se, a seguinte questão:

e, se tiver sido um interessado a acusar a existência de uma dívida ativa/ crédito da herança e esta for negada pelo pretenso devedor?

é de aplicar o regime geral previsto para a reclamação deduzida à relação de bens, na parte do ativo da herança (artigos 1348º e 1349º), e que acima descrevemos sob o nº1? ou, é de aplicar o regime previsto no artigo 1351º, para o caso das dividas ativas relacionadas pelo cabeça de casal? (regime este que se manteve intocado no artigo 37º da Lei nº23/2013, de 5 de março)?

Afigura-se-nos que, pelo menos, sempre que o devedor não seja interessado direto na partilha, quer a existência do crédito da herança seja trazida aos autos pela relacionação do cabeça de casal, quer seja por reclamação de algum interessado, se o pretenso devedor negar a divida, nunca poderá ser proferida decisão definitiva acerca da mesma no processo de inventário, sendo de aplicar, sem mais, o regime do artigo 1351º.

E se, como no caso em apreço, for apresentada reclamação à relação de bens, acusando a existência de uma dívida ativa, e esta é negada pelo cabeça de casal que, em simultâneo, corresponde ao pretenso devedor? Haverá razões para subtrair a apreciação do crédito ao regime especial do artigo 1351º e sujeitá-lo ao regime geral de reclamação de bens da herança, quando o pretenso devedor é um interessado direto na partilha?

Quer no âmbito do artigo 1386º CPC 1039, quer na vigência do correspondente artigo 1346º[4], António Lopes Cardoso sustentava que esta norma detinha um alcance estreito: “Praticamente, poucas ou nenhumas vezes poderá ter aplicação, porque os devedores não são citados para o inventário, não têm conhecimento dele e muito menos da descrição da dívida da sua responsabilidade. A aplicação da regra surgirá principalmente no caso do pretenso devedor ser um dos interessados no inventário, hipótese em que lhe ficará consentido tomar a posição aludida no artigo 1344º, isto no mesmo requerimento em que, porventura, requeira a exclusão de bens[5]”.

Da leitura do “Esboço de um Anteprojeto”, que Armando Simões Pereira apresenta, de revisão do regime do inventário contido no CPC de 1396, ressalta que a previsão do artigo 1386º se encontrava pensada para o devedor terceiro em relação ao inventário. Tal autor[6] comentava tal norma, nos seguintes termos: “É outra pequena inovação do código. Quase inútil pelo seu restritíssimo campo de aplicação.  Ainda se fosse obrigatório dar conhecimento ao indigitado devedor deste passo da descrição…, mas, não o sendo, a maior virtude do artigo vem afinal a estar em permitir a este que vá ao processo impugnar o crédito.” E, a fim de fazer funcionar o preceito com mais frequência, propunha que fossem “citados ou notificados para o que tiverem por conveniente os sujeitos passivos dos créditos relacionados”, esclarecendo que o termo notificação é deliberado porquanto “na verdade, não se trata de aqui propriamente de chamar os devedores ao processo, mas antes de lhes dar conhecimento de um facto – o facto de estarem indicados como devedores da herança”.

Também na jurisprudência se sustentou que, distinguindo a situação aqui prevista de dívidas da herança sobre terceiros, dos casos em que está em causa um litigio entre os interessados diretos na partilha acerca de um crédito do património comum  sobre um deles –, é de considerar que a decisão proferida na incidente de falta de relacionamento é definitiva, podendo após sentença homologatória da partilha, o interessado a que tal crédito foi adjudicado executá-lo[7].

Na vigência do artigo 1351º, António Lopes Cardoso e Augusto Lopes Cardoso, passaram a sustentar que, quando o devedor à herança seja interessado direito na partilha,

a decisão judicial que declara a existência de divida activa da herança sobre interessado direto na partilha, ou que a manda eliminar da relação por ser declarada como não existente, tem força de caso julgado, uma vez transitada.

Dir-se-á, então, que o bem autónomo que é uma divida ativa está ao nível da reclamação geral a que se reporta o artigo 1348º: a relacionar ou a excluir.

O regime, pois, subsiste para a situação, também frequente, em que o devedor à herança é o cabeça de casal e este não relaciona a sua dívida. Por isso não tinha de ser contemplado no sistema do art. 1351º. É evidente que, num caso destes, a discussão se trata ao mesmo nível do conteúdo da relação de bens, um dos quais é uma divida activa: qualquer interessado pode reclamar a inclusão dela na relação[8]”.

Já Domingos Silva Carvalho de Sá[9], faz a seguinte leitura do artigo 1351º: “(…) o procedimento previsto no artigo 1348º é o próprio para decidir as reclamações contra a relação de bens. Ora, dado que, ao contrário dos credores da herança, os devedores da herança não são citados para o processo de inventário, é raro surgir este incidente, o qual só por acaso poderá acontecer, ou, então, se o devedor for ele próprio interessado no processo a outro título. Claro que isto não torna certa a dívida para o pretenso devedor, podendo este defender-se pelos meios ao seu alcance, quando lhe for exigido por parte do credor.”

Também no Acórdão do TRP de 19-11-2012[10], se afirmou que “Sendo a verba partilhada no inventário, um crédito da herança ou divida ativa litigiosa não se forma caso julgado relativamente ao credor que não seja interessado no inventário”.

Sendo esta questão objeto de debate jurisprudencial e na doutrina, constata-se que apesar nas inúmeras alterações a que o regime do processo de inventário tem vindo a ser sujeito desde o CPC 1939 (quer no regime anterior e posterior ao Decreto-Lei n.º 227/94, de 8 de setembro, quer no introduzido pela Lei nº 23/2013, de 05.03, que o retirou do CPC), o legislador não quis tomar posição sobre a mesma, mantendo inalterada a redação de tal norma.

Mas, já quanto ao valor das questões apreciadas no processo de inventário, o Decreto-Lei n.º 227/94, de 8 de setembro (em vigor, à data da decisão relativamente à qual se discute a verificação de caso julgado) veio a dar a seguinte redação ao artigo 1336º (substituindo o anterior 1397º) relativamente às:

Questões definitivamente resolvidas no inventário”:

1. Consideram-se definitivamente resolvidas as questões que, no inventário, sejam decidias no confronto do cabeça de casal ou dos demais interessados a que alude o artigo 1327º, desde que tenham sido regularmente admitidos a intervir no procedimento que precede a decisão, salvo se for ressalvado o direito às ações competentes.

2. Só é admissível a resolução provisória, ou a remessa dos interessados para os meios comuns, quando a complexidade da matéria de facto subjacente à questão a dirimir torne inconveniente a decisão incidental no inventário, por implicar a redução da garantia das partes.

Da redação de tal norma, e contra o que constava do pretérito artigo 1397º[11], resulta que as decisões proferidas no processo de inventário só poderão obter a validade de caso julgado (“definitivamente resolvidas”) quando dirimidas no confronto cabeça de casal ou dos demais interessados a que alude o art. 1327º, ou seja, os interessados diretos na partilha, o Ministério Público, os legatários, os donatários e os credores, e mais nenhuns[12].

 Daí que, se nos afigure pertinente a distinção de regime entre os créditos em que o devedor é um terceiro ao inventário e os demais casos em que a reclamação do crédito decorre entre os interessados a que alude o artigo 1327º.

Ou seja, tenderíamos à exclusão do artigo 1351º e à sujeição às regras gerais da reclamação de créditos, quando a discussão entre a existência de um crédito da herança é efetuada entre interessados no inventário.

De qualquer modo, ainda que se assim não entendesse, o certo é que, no caso em apreço, o juiz do processo de inventário, sujeitou a apreciação de tal crédito ao regime geral dos artigos 1348º e 1349: conheceu-o e decidiu pela improcedência da reclamação, sem que tivesse afirmado a provisoriedade de tal decisão ou ressalvado a sua apreciação pelos meios comuns.

Tendo os, aí reclamantes, e aqui Apelantes, sido claros ao restringir o recurso que aí interpuseram à decisão que julgou improcedente a reclamação deduzida relativamente à verba número 2 (atinente à questão da respetiva área) – decisão esta que foi revogada e remetida as partes para os meios comuns –, a decisão que aí julgou (ainda que menos bem), em termos definitivos, a acusação da existência deste crédito da herança sobre a aí cabeça de casal, transitou em julgado.

O juiz não usou qualquer uma das faculdades previstas no artigo 1350º e 1336º – não decidiu provisoriamente a reclamação com ressalva das ações competentes e também não se absteve de a apreciar, remetendo os interessados para os meios comuns, apreciando o mérito da reclamação.

Como tal, entende-se que a questão então ali apreciada ficou definitivamente decidida entre os interessados.

b) falta de cumprimento do contraditório relativamente a alguns dos interessados.

Segundo os Apelantes, o facto de nem todos os interessados terem sido notificados da reclamação – apenas o teriam sido os interessados com mandatário constituído –, impediria a formação de caso julgado relativamente aos interessados que a quem não foi dada hipótese de exercício do contraditório.

Ora, não só, não esclarecem quem são os tais interessados que não terão sido aí notificados da reclamação quando, os aqui autores, tiveram necessariamente conhecimento de tal reclamação, uma vez, que, o recurso aí interposto do despacho proferido a 15-05-2015, foi subscrito por todos os interessados que aqui surgem na posição de autores.

 c) porque não se verifica a tríplice identidade exigida pela exceção de caso julgado.

Fazendo os Apelantes tal afirmação, destituída de qualquer concretização – nada mais dizem para além da mesma, ficando-se sem saber qual das três identidades se encontrará em falta e onde se situa a discrepância entre o incidente no inventário e a formulação do pedido formulado sob a al. c) na presente ação –, nada haverá aqui a apreciar.


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2. Aditamento dos factos relevantes para a apreciação do pedido formulado sob a al. c) do pedido, relativamente ao qual se decidiu pela confirmação do juízo de caso julgado.

Impedindo a verificação da exceção de caso julgado, o conhecimento do pedido formulado sob a al. c), fica prejudicada a apreciação das pretensões dos Apelantes relativamente ao aditamento de factos a que se reportam as conclusões H) a K), das suas alegações de recurso.


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A. Matéria de Facto

São os seguintes os factos dados como provados na decisão recorrida:

A) Sob o nº 6956/19... encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial ..., o prédio urbano, sito em ..., freguesia ..., com a área total de 5809 m2, composto de casa de habitação, pátio e logradouro, inscrito na matriz sob o art. ...98, a confrontar de norte com estrada, sul ... e Município de ..., nascente Município de ... e poente CCC, estando ainda anotado “Área restante após a desanexação do prédio ...08 freguesia ...”.

B) Mediante a Ap. 4355 de 2009/02/20 está inscrita a favor dos autores e réus a aquisição de ¾ do referido prédio, por sucessão hereditária por morte de MM.

C) Mediante a Ap. 772 de 2011/09/06 está inscrita a favor do chamado NN a aquisição de 1/4 do referido prédio, por doação de JJ.

D) MM faleceu a .../.../1989, no estado de solteira.

E) O irmão DD já havia falecido em .../.../1980, no estado de casado com DDD.

F) O irmão BBB faleceu no dia .../.../2001, no estado de divorciado.

G) Em 28 de Fevereiro de 2000, foi por todos os demandantes e demandados e outros, designadamente os referidos em E) e F), na qualidade de segundos outorgantes, celebrado um contrato promessa de compra e venda com o Município de ... que constitui o documento nº 4 junto à petição e aqui se dá por reproduzido, pelo qual, e além do mais, prometeram vender uma parcela de terreno com a área de 2510m2, a desanexar do logradouro  do prédio referido em A)., parcela essa que foi identificada numa planta anexa ao referido contrato.

H) Consta do contrato, entre outras, as seguintes cláusulas:

Cláusula primeira: “Os segundos outorgantes VV e sua falecida irmã MM, eram comproprietários do seguinte prédio, na proporção de 1/4 para aquele e ¾ para esta: “Urbano, casa de habitação, páteo e logradouro, sito em ..., inscrito na matriz respectiva da  freguesia ... sob o art. ...98, com a área coberta de 106 m2, páteo 576m2, logradouro 7637 m2, sendo a área total de 8319m3, omisso na Conservatória do Registo Predial ..., que confronta do Norte com estrada, do Sul com ..., do Nascente com Câmara Municipal ... e do Poente com TT, identificado na planta anexa, que faz parte integrante do presente contrato”.

Cláusula terceira – (…) “¾ do prédio indicado na cláusula 1ª fazem parte da herança por óbito da citada MM, falecida em .../.../1989”.

Cláusula quarta: “os segundos outorgantes são os únicos herdeiros da falecida MM referida na clausula 3ª, sendo que o 2ª outorgante VV, é, para além disso, Proprietário de ¼ do prédio identificado na cláusula 1ª”.

Cláusula quinta: “Os segundos outorgantes, na qualidade em que outorgam e indicada na cláusula 4ª, prometem vender ao Município de ... e este promete comprar-lhes, o seguinte:

a) – Pelo preço de 10.040.000$00 (dez milhões quarenta mil escudos), uma parcela de terreno com a área de 2510m2, a confrontar do norte com estrada, VV e prédio mãe, do Sul com ... dos ..., do Nascente com prédio do Município de ... e do Poente com TT, a desanexar do logradouro do prédio urbano indicado na cláusula 1ª, parcela também identificada na planta indicada na cláusula 1ª”.

I) Nos termos da cláusula nº 7 do referido contrato, o Município de ... ocupou de imediato a referida parcela, nela construindo a Praia Fluvial ....

J) Por escritura pública de 27.03.2013, também assinada pela demandada JJ, foi concretizada a compra e venda, nela sendo o referido prédio descrito nos seguintes termos:

prédio urbano composto de casa de habitação, pátio e logradouro, sito em ..., da freguesia ..., do concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número .../mil novecentos e noventa e nove, dez, catorze, da dita freguesia, registado o direito a três quartos em como e sem determinação de parte ou direito a favor dos primeiros outorgantes e seus representados à excepção do mandante NN pela Apresentação quatro mil trezentos e cinquenta e cinco de dois mil e nove/zero dois/vinte e registado o direito a um quarto a favor do mandante NN pela Apresentação setecentos e setenta e dois de dois mil e onze/zero nove/zero seis, prédio inscrito na respectiva matriz sob o artigo ...98”.

K) Correu termos no Juiz ... da Secção ..., sob o n.º 674/07...., processo de inventário para partilha das heranças deixadas por óbito de MM e BBB, em que são interessados/herdeiros os aqui autores e réus (com exceção do interveniente principal NN) e exerceu funções de cabeça de casal JJ.


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1. Impugnação da matéria de facto

Os tribunais da Relação, sendo tribunais de segunda instância, têm atualmente competência para conhecer tanto de questões de direito, como de questões de facto.

Segundo o nº1 do artigo 662º do NCPC, a decisão proferida sobre a matéria de pode ser alterada pela Relação, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.


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Deduzem os Apelantes impugnação à decisão proferida em sede de matéria de facto, requerendo o aditamento dos seguintes factos, à matéria de facto dada como provada:

M) O prédio referido na al. A), antes da cedência da parcela referida na alínea G) ao Município de ..., tinha a área de 8319 m2, conforme levantamento topográfico efetuado pelo topógrafo da Câmara Municipal ..., mediante a indicação das estremas pelo comproprietário VV.

N) O contrato promessa e a planta anexa foram assinados e rubricados por todos os autores e réus, que aceitaram as áreas constantes do levantamento e as cláusulas do contrato promessa”.

Mais requer que, ainda, que o complexo de factos dados como “não provados” – Sempre os referidos autores e réus, por si e antes, nas referidas qualidades e os seus antecessores, no referido prédio, à vista de quem quer que fosse, sem oposição de pessoa alguma, ininterruptamente, e até há mais de 30 anos e na convicção de usufruírem “coisa” exclusivamente sua, têm utilizado e fruído prédio descrito em A) numa área total de 5809m2, ocupando-a, nela permanecendo, vigiando-lhes as estremas, pagando os impostos relativos a esse imóvel, e colhendo todos os normais frutos e produtos” – sejam eliminados dos factos dados como “não provados”.

Para sustentar a sua posição, invocam os Apelantes o contrato promessa de compra e venda celebrado a 28 de fevereiro de 2000, assinado por todos os herdeiros de MM e por VV, comproprietários do prédio em causa, e a planta anexa, bem como os depoimentos das testemunhas UU, topógrafo da CM de ... e WW, funcionária da CM, e também das testemunhas, QQ, RR, XX, YY, ZZ e AAA, que referiram que o prédio que era compropriedade de VV e de MM, confrontava a poente com PP, a norte com estrada e a sul com ....

Desde já, adiantamos ser, nesta parte, de dar razão aos Apelantes.

Encontra-se em causa a área do prédio descrito nas Finanças sob o artigo ...98 – prédio este pertencente em compropriedade à herança por óbito de MM, em ¾ para esta, e os restantes ¼ a VV – prédio este que a cabeça de casal começa por relacionar com a área total de 5.809 m2 e que, mais tarde, após uma avaliação aos imóveis da herança efetuada no inventário, e face à indicação do perito de o prédio teria apenas a área de 10.300 m2 – valor a que chegou pelas indicações dadas pela própria cabeça de casal – é que esta veio a proceder à retificação da área do prédio para o valor de 10.300 m2, na descrição que dela é feita na relação de bens.

A posição dos Apelantes relativamente à área de 5.809 m2, assenta em que, tendo o prédio inicialmente a área de 8.319m 2 e dela tendo sido desanexados 2.510 m2 com a venda que efetuaram em 2013 ao Município de ..., será esse o valor sobrante atual do prédio.

E qual é a posição dos Réus, na contestação que deduzem à presente ação, (em que é 1ª Ré, a cabeça de casal JJ), relativamente à questão da área de tal prédio?

Os réus limitam-se a afirmar que “a área actual do prédio urbano, relacionado sob a verba nº2 da Relação de Bens Corrigida (depois de vendida uma faixa de 2.510 m2) é de 1.003 m2 – conforme relatórios de peritagem que se juntam e se dão por reproduzidos”, acrescentando que a perícia é um meio de prova, sendo que, apesar de no contrato constar uma área de 8.319 m2, “essa não é, nem nunca foi a realidade material”, sendo falso que a Ré JJ tenha anexado parte da área sobrante ou que queira ficar com uma parcela de terreno.

Vejamos, então, os elementos de prova existentes nos autos que possam esclarecer sobre se o prédio descrito na matriz sob o artigo ...98, à data do falecimento da MM (.../.../1989), teria, ou não, os tais 8.319m2, a partir dos quais em 28 de fevereiro de 2000 foi desanexada uma parcela de 2.510 m2, para venda à Camara Municipal ...:

1. o prédio inscrito na matriz sob o artigo ...98, pertencia em compropriedade, ¾ à herança por óbito de MM, e o outro ¼ ao irmão desta, VV;

2. em 28 de fevereiro de 2000, todos os herdeiros da MM (comproprietária de ¼) e o seu irmão VV (comproprietário de ¼) celebraram um contrato promessa de compra e venda com a Câmara Municipal ..., através do qual prometeram vender ao Município uma parcela com a área de 2.510 m2, a desanexar do prédio em questão, e destinada à criação no local de uma praia fluvial, parcela essa que foi identificada numa planta anexa ao referido contrato, aí descrevendo o prédio como “Urbano, casa de habitação, páteo e logradouro, sito em ..., inscrito na matriz respectiva da  freguesia ... sob o art. ...98, com a área coberta de 106 m2, páteo 576m2, logradouro 7637 m2, sendo a área total de 8319m3, omisso na Conservatória do Registo Predial ..., que confronta do Norte com estrada, do Sul com ..., do Nascente com Câmara Municipal ... e do Poente com TT, identificado na planta anexa, que faz parte integrante do presente contrato”.

3. Nessa planta anexa (cuja cópia se encontra a fls. 78 dos autos), encontra-se perfeitamente delimitada a totalidade do prédio, com uma área total de 8.319 m2, bem como a parcela a desanexar com uma área de 2.510 m2, constando da planta “Sr. VV”.

Quer o Contrato Promessa de Compra e Venda, quer a planta anexa para a qual remete, se encontram, respetivamente, assinados e rubricados por todos os intervenientes.

O levantamento topográfico que esteve na base e acompanha tal contrato promessa, foi elaborada por UU, topógrafo do Câmara Municipal ..., que afirmou que “para a aquisição desses terrenos e para fazer essa aquisição foi necessário proceder ao levantamento”, tendo sido ele quem apresentou as áreas de 8.319 m2 para o prédio e de 2.510 m2 para a parcela a desanexar; mais esclareceu que não conhecia o local e que, para identificar os pontos do terreno, “tivemos que contactar um Sr. que vivia ali próximo, numas casas que havia ali assim, que seria o dono do terreno, o Sr. VV, salvo erro, que nos mostrou as estremas”; mais afirma que nenhuma questão foi levantada por qualquer herdeiro relativamente à área do terreno que fez constar do levantamento topográfico; mais esclareceu que levantam os terrenos que estão associados a determinados artigos e seguem as estremas que lhes são indicadas; e quanto é questionado porque razão a área matricial do prédio coincide com o seu levantamento topográfico (insinuando o mandatário dos Réus que a área constante do levantamento seria uma mera reprodução do teor da matriz então existente), a testemunha afirmou “Ó Sr. Dr., a área que nós obtemos não coincide com a área matricial que está registada!” e que, se atualmente coincide é porque a Câmara procede aos registos em conformidade com os dados que lhe são fornecidos pela testemunha.

Do seu depoimento, resulta que a referida testemunha elaborou o referido levantamento topográfico, no qual procedeu à delimitação do prédio – confrontações e áreas – e da parcela a desanexar, com base nos documentos do prédio e com as indicações do referido VV.

Ora, esse referido VV, “dono do terreno”, só poderia ser … VV, o comproprietário do outro ¼ do prédio, ainda vivo à data do contrato promessa e que o subscreveu, tal como todos os restantes herdeiros dos restantes ¾.

E, se os prédios que a cabeça de casal JJ possa ali possuir nas redondezas, lhe advieram por herança, por óbito do tal VV (da qual era herdeira testamentária), ninguém melhor do que ele para indicar onde terminava o prédio em questão (do qual era comproprietário de 1/4 ), delimitando-o de outros prédios que ali pudesse eventualmente possuir: a JJ não pode ter herdado mais do que o VV possuía e dele temos a confissão de que aquelas eram as confrontações do artigo 1398º.

Por outro lado, temos, também, a circunstância de que, quer o contrato promessa quer a planta anexa, se encontram assinados e rubricados por todos os proprietários do artigo 1398º, neles incluídos o tal VV (e não é credível que ele não tenha olhado para o levantamento topográfico que terá sido elaborado a partir das suas próprias indicações) e a aqui Ré JJ, cabeça de casal no inventário por morte da MM.

Opõem os Apelados a tal respeito que, apesar de aí constar a área de 8.319 m2 e de o contrato ter sido assinado pelas partes, não se pode concluir que o prédio tivesse efetivamente a área de 8.319 m2, desde logo, porque:

- a planta anexa ao contrato “não se encontra legendada, desconhecendo-se se a mesma retrata apenas o prédio mãe e a parcela a desanexar, ou se abrange outros prédios, sendo certo que por cima da referência à área da parcela a desanexar (2510m2) de fez constar o nome de VV”.

- “de acordo com o declarado no contrato promessa, o prédio mãe teria 8319 m2, confrontando a nascente com Câmara Municipal e norte com estrada, enquanto que a parcela a desanexar, situada na parte nascente do prédio mãe, com a área de 2510m2, confrontaria do norte com estrada, VV e prédio mãe, sugerindo assim que aquela área total de 8318 m2 abrangeria área pertencente a terceiros”.

- os depoimentos das testemunhas YY, AAA, SS, foram nesse sentido ao afirmarem que o prédio confrontava a nascente com VV, o que indicia que o levantamento topográfico atribui mais área ao prédio mãe do que aquela que lhe pertencia.

Ora, quanto às dúvidas levantadas pelos Apelados quanto ao significado da indicação da área de 8.319 m2, na planta anexa, por “não se encontrar legendada”, e de na mesma poderem estar abrangidos prédios de terceiro, não têm qualquer razão de ser. Nala se encontram assinaladas as áreas descobertas (7.637 m2), uma área coberta de 106m2 e um pátio de 576m2, e ainda a parcela com a área de 2.510 m 2 a desanexar.

E, tendo a planta anexa sido elaborada na sequência de um levantamento topográfico levado a cabo por um topógrafo da CM, expressamente para o efeito de aquisição desta parcela por parte da C.M...., é com base com nesse levantamento topográfico e de acordo com a planta anexa que o prédio é descrito no contrato promessa de compra e venda, aí se fazendo constar: “Urbano, casa de habitação, páteo e logradouro, sito em ..., inscrito na matriz respectiva da  freguesia ... sob o art. ...98, com a área coberta de 106 m2, páteo 576m2, logradouro 7637 m2, sendo a área total de 8319m3, omisso na Conservatória do Registo Predial ..., que confronta do Norte com estrada, do Sul com ..., do Nascente com Câmara Municipal ... e do Poente com TT, identificado na planta anexa, que faz parte integrante do presente contrato”.

Se, por si só, a planta anexa nos tivesse deixado dúvidas sobre o respetivo significado, a descrição do prédio que é feita no contrato promessa, remetendo para a planta, funciona como uma legenda para tal planta, dizendo-nos exatamente qual o significado das medidas e delimitações apostas na planta anexa.

Se o levantamento topográfico teve em vista a delimitação do prédio mãe e da parcela a desanexar e se a soma das áreas assinaladas na planta elaborada pelo topógrafo da C.M. ascende a um total de 8.319m2 e se, com base no mesmo, ao redigirem o contrato promessa identificam o prédio como tendo a área total de 8.319 m2, dúvidas não há de que, de acordo com os elementos da matriz e as indicações que lhe foram então dadas por um dos comproprietários do prédio, o mesmo tinha a localização, delimitação e áreas assinaladas na planta anexa e descritas na clausula 1ª do contrato promessa.

Quanto à referência à confrontação da parcela a vender, a norte, “com a estrada e VV”, a audição das testemunhas ouvidas por indicação do próprios Réus/Apelados, deixa-nos uma explicação bem diferente da que dela é dada pelos Apelados:

A testemunha QQ, começa por afirmar que quem ocupava a casa e o quintal do prédio era a MM, ia bater com a ... e batia com a estrada principal.” (…) de lá era o Sr. PP (…) e depois de cá, batia com o Sr. VV, com o irmão que eram os dois irmãos, solteiros e viviam ali juntos”, para, mais adiante, quando lhe perguntam, “Esse terreno com o Sr. VV a nascente estava devidamente demarcado ou, havia alguma coisa que indicasse que o terreno …?”, respondeu: “Sim, porque o Sr. VV tinha uma loja no terreno dele e então quando arrendava a loja ia viver para uma quarta parta parte que ele tinha junto à irmã e vivia com a irmã, ao lado da irmã”.

Ou seja, a tal “confinância” com o VV, aparentemente, não se reportaria a qualquer outro prédio de que ele fosse dono e exclusivo proprietário, mas ao tal ¼ do prédio em questão (artigo 1398), que, embora formalmente permaneça indiviso e em compropriedade, na realidade, aparentemente, e de facto, se encontraria demarcado no local e a ser ocupado pelo VV.

A testemunha EEE, relativamente a confrontações, limita-se a afirmar que o prédio vai da ... até à estrada e está em pousio; depois que ela morreu nunca mais lá viu ninguém, nunca mais ninguém lá fez nada.

Já quanto à testemunha AAA, das suas declarações poderemos retirar muito mais do que o pequeno excerto de que delas reproduzem os Apelados (de que o prédio terá, “sei lá, mil e quinhentos metros, dois mil metros, talvez”. Com efeito, o depoimento de tal testemunha, que já viveu em frente ao prédio em apreço é perfeitamente esclarecedor relativamente à questão da área do prédio e à sua alegada confinância com um prédio do VV Teixeira.

Tal testemunha começa por firmar que o “prédio da MM”, era constituído por uma casa, uma eira e um logradouro, confrontando do lado norte com a Estrada, do lado sul, com a estrada, do poente com um sr. Amadeu e do nascente era com o irmão VV ao lado e que também partilhava a casa com a irmã. Mais afirma que entre o prédio da casa alta, da MM e o “prédio do VV” existia um muro, que o separa fisicamente do primeiro, esclarecendo que a ... está a nascente do prédio do VV.

E a, partir daqui, o seu depoimento começa a ser verdadeiramente esclarecedor, relativamente a que realidade se reporta quando se refere ao “prédio da MM” e o “prédio do Sr. VV” (quando o prédio em questão pertencia em compropriedade a ambos):

perguntando-lhe o mandatário dos Réus, “A seguir, a nascente do prédio da MM, existe o prédio do VV?, responde “Exato”,

e à pergunta “Mas aqueles terrenos da praia fluvial eram, de quem, sabe?, a testemunha responde: “Uma parte eram da Câmara e houve uma expropriação ao Sr. VV”,

“Só ao Sr. VV” perguntam-lhe, “Sim, Sim,

“E ainda havia mais terrenos?” – Não sei;

“Eu posso-lhe perguntar, onde está agora o restante, essa parte já pertencia ao Sr. VV?” – Sim.

“Foi o Sr. VV que foi expropriado? – Sim.

“Não foi nada da MM?” – Não, nada.

“A este prédio (da MM) foi desanexado, ou vendido, uma parcela de terreno. Sabe disso?” – Não sei.

“Não sabe que a C.M. comprou… - Não. A Câmara comprou ao Sr. VV, na parte nascente”.

E, mais adiante, quando o mandatário dos Autores lhe perguntam pelos 2.500 m que foram vendidos desde prédio, a testemunha volta a insistir, que “essa parte era do Sr. VV”. E, quando lhe é perguntado se o Sr. VV tinha lá mais algum prédio para além da parte que lhe cabia no prédio com a sua irmã, ele respondeu era só essa parte aí entre a casa da irmã e a parte da Câmara, da praia, e que ele vivia só sobre uma parte da casa da irmã, mesmo depois dela falecer; ele dizia que aquilo era dele e que a sua irmã, era lá do outro lado.

Quanto à testemunha SS, que, em 1985/86, andou lá a reparar os motores de rega, limitou-se a afirmar que, do lado nascente, o prédio da MM confinava com VV, sem qualquer explicação para tal declaração.

A testemunha XX, afirmou saber estar a ser ouvida “por causa da casa da MM, onde habitava a MM e o VV tinha lá uma quarta parte” E à pergunta, “Diz que o VV lá habitava. Mas o VV tinha uma outra casa?”, respondeu: - Ah, o VV tem uma quarta parte na casa da MM, mas aquilo é murado por muros muito altos e dentro desses muros ele fez, como lá tinha, fez então, um quarto, uma cozinha e curralitos para os animais., “Mas ele tinha outra casa, ou não?” – Ele tinha outra parte que era dele, a taberna, era uma loja que ele depois arrendou”, E quando lhe perguntam o que é que era murado, se era só a casa da MM, respondeu, “É, nós lá, fazemos a casa e depois muramos, assim, o espaço”, e a insistências do mandatário: “Não é o terreno todo, é só a casa?, respondeu: “Não. É só o espaço para termos os animais cercados”. “Então, para lá dos muros continuava a ser dos irmãos e da MM?” – Pois. E quando lhe perguntam se o VV tinha alguma parcela no logradouro que bate com o TT, responde que “Não. O logradouro era todo da MM”. Ou seja, da audição de algumas testemunhas ressalta que, relativamente à área total de terreno, apontam algumas partes como pertencendo só à MM e outras só ao VV (aparentemente segundo a utilização que dele faziam), quando nos encontramos perante um prédio que ambos eram titulares, em regime de compropriedade.

Concluindo, a imagem que o depoimento dessas testemunhas nos deixa, em conjugação com o teor do contrato promessa e planta anexa, é que existia um prédio único, que corresponde ao artigo 1398, inscrito e registado em compropriedade, com ¾ a favor da MM e ¼ a favor do seu irmão VV. E é sobre este prédio mãe (nele incluída a parte ocupada pelo irmão VV), que incidiu o levantamento e do qual foi desanexada a parcela de 2.5010 m2; aliás, segundo o depoimento do AAA, a parcela desanexada com a área de 2510 m2 terá saído precisamente da parte ocupada pelo VV Teixeira, o que, a ser verdade, dá sentido à inscrição efetuada na planta anexa “Sr. VV, ..., ...”. E é a partir de, e com fundamento no direito a ¼ do prédio inscrito sob o artigo ...98, que o VV passa a ocupar uma parte do mesmo.

Inexiste qualquer elemento nos autos que nos indique que o VV fosse ... de qualquer outro prédio confinante com o artigo 1386 (aliás, chama-se a atenção de que os próprios Réus também não alegam, nunca, a existência de qualquer outro prédio do VV confinante com aquele e muito menos o identificam por referencia a qualquer artigo matricial). Ou seja, nessa área global de 8319 m2 a que se faz referência encontram-se incluídos quer o tal prédio que a testemunha diz ser da MM e o prédio que algumas testemunhas dizem ser do VV. Assim como, os próprios Réus não alegam, nunca, a existência de qualquer outro artigo matricial de que o VV pudesse ser ...; ou seja, a ocupação que o VV faria de uma parte do terreno, a nascente da casa da “MM”, sê-lo-ia enquanto comproprietário do prédio (que não era da MM, mas de ambos, em compropriedade).

Quanto à circunstância, alegada por algumas testemunhas, de que a MM ocuparia umas partes do prédio (nomeadamente a ... e o logradouro, embora outras dissessem que o VV também lá moraria, a MM e o VV eram ambos solteiros) e de que o VV ocuparia outras – referida por algumas testemunhas, mas não alegada por qualquer das partes, nem sequer pelos Réus –, afiguram-se como irrelevantes (sobretudo quando o próprio VV ao dar as indicações ao topógrafo sobre os limites do mesmo, nele inclui toda a área atribuída pelos autores a tal prédio, inclusivamente as partes de terreno que as testemunhas dizem ser dele).

Mas, não ficamos por aqui, no reconhecimento de que o prédio inscrito na matriz sob o artigo ...98 tinha, então – à data de 28 de fevereiro 2000, as confrontações e a área do terreno constantes do levantamento topográfico.

3. instaurado inventário por óbito da MM, a Ré JJ, na qualidade de cabeça de casal, a 17 de julho de 2007 apresentou relação de bens, na qual relaciona a titularidade de ¾ do identificado prédio, descrevendo-o como tendo a área total de 8.319 m2, 

4. posteriormente, supondo-se que reconhecendo que na indicação de tal área, de 8.319 m2, não ter sido tida em consideração a desanexação da tal parcela de terreno com a área de 2.510m2, que havia sido cedida à CM de ..., a cabeça de casal procede à retificação da verba nº2, passando aí a constar a área de 5.809 m2 – a área de 8.219 m2, surge como rasurada, sobre a mesma apondo a área de “5.809” m2, sob a anotação de “Rectificação conforme despacho de fls. 274”. (doc. junto coma P.I., fls. 32, suporte físico);

5. E, só depois de, no Auto de avaliação aí efetuado, para aferição do valor de mercado dos imóveis relacionados, o perito, seguindo as indicações da cabeça de casal indicar que o prédio tinha a área de 1.003 m2, é que o cabeça de casal vem proceder a nova retificação da área do prédio para o valor de 1.003 m2.

Tanto quanto nos é dado a perceber, ninguém questionou a área do prédio de 5.809 m2, constante da relação de bens até que, a 23.12.2010, no referido processo de inventário foi apresentado um auto de avaliação dos bens imóveis, destinado a determinar o valor de mercado de 18 imóveis descritos no inventário, aí se declarando que “as informações quanto à localização e indicação das estremas dos prédios foram-me prestadas pela Cabeça de Casal, Sra. JJ, por quem fui acompanhado nesta diligência” (doc. junto com a P.I., fls. 48 do suporte físico); e, é na sequência desse Auto de Avaliação, que a Cabeça de Casal vem apresentar nova “Relação de bens corrigida”, na qual, os tais ¾ do prédio inscrito sob o artigo ...98º, então relacionados sob a verba nº2, retificando a área de tal prédio para 1.003 m2, com a explicação de que “do qual foi destacada e vendida uma faixa de terreno de 2.510 m2 ao Município de ... com a área conferida pela peritagem. Conforme relatório de fls. 279 a fls. 291 e de fls. 316 a fls. 323” (fls. 62).

O prédio descrito sob o artigo ...98 foi objeto de um levantamento topográfico por parte de um topógrafo da Camara Municipal ..., no ano de 2000, a partir da descrição matricial e com base nas indicações de um dos comproprietários, VV, assinado por todos os interessados, inclusivamente pela cabeça de casal. Foi com base nesse levantamento que as áreas e atuais confrontações do prédio foram feitas constar, quer da descrição matricial, quer da descrição no registo, do qual ficou, assim, a constar a área de 5.809 m2.

Tendo a assunção do prédio com essas áreas e confrontações tido a concordância de todos os, então, interessados na questão aqui a decidir (dos comproprietários do artigo 1398, entre os quais se inclui a Ré JJ), como é que tal área poderia ser posta em causa por uma medição que vem a ser efetuada no âmbito de do inventário por óbito da MM – medição que não foi resultado de qualquer impugnação da área por parte dos interessados, mas unicamente na sequencia de um pedido de avaliação de todos os imóveis para efeito de aferição – e que, “quanto à localização  e indicação das estremas dos prédios”, foram-lhe indicadas pela MM (cujo interesse em diminuir a área do prédio da herança residiria, segundo os Apelantes, em aditá-lo à área do prédio que terá herdado do VV Marques Teixeira, sem que a Ré JJ alegue, sequer que alguma parte desses 5809m2 sejam seus)?

Tal medição não nos merece um mínimo de credibilidade, sendo que, essa retificação da área foi aí, de imediato, objeto de impugnação.

No processo de inventário, o perito sob tal questão, veio, ainda, prestar os seguintes esclarecimentos, para a indicação da tal área de 1.003 m2, contrariando o valor de 5. 809 m2, constante da matriz e do registo:

Relativamente à verba nº1 foi-me referido que era constituída por ¾ indivisos de um prédio urbano composto por uma casa de habitação, páteo e logradouro, tendo procedido ao cálculo da sua área total que é de 1.003 m2.

2. Pelo que me foi dado a observar não se compreende que a área total do prédio seja atualmente de 5.809,00 m2 (8.319,00 m2 – 2.510,00 m2), a não ser que a área ocupada pela piscina fluvial restaurante e balneários façam parte também do prédio e pela casa contígua que, segundo a cabeça de casal nada teriam a ver com esta verba”.

E, da decisão singular proferida nos autos de recurso de Apelação interposto no referido processo de inventário, fez-se constar:

Tanto quanto é dado a perceber, aquela primeira informação do próprio (perito) – ter o prédio a área real/atual de 1.003 m2 – foi resultado, em exclusivo, do cabeça de casal.

Acresce que, ao contrário do asseverado no despacho recorrido de 15-05-2014, o dito Sr. Perito não se mostrou muito seguro quanto a área de 1003,00 m2 ser a real/atual do prédio, pois que, no seu esclarecimento de fls. 346, o mesmo não deixou de relatar que face a indicações que lhe foram transmitidas pelo interessado EE, havia procedido à avaliação de um espaço físico com a área total de 5809 m2, constituído por duas casas em ruínas, eira, páteo, currais, logradouro, quintal e terra de semeadura.

Ora se assim é, uma primeira conclusão que é possível retirar é que tal espaço físico totalizando 5809 m2 existe materialmente no local, mesmo depois do destaque dos 2.510 m2 alienados ao Município de ..., o que é obviamente relevante.

E, o certo, é que a única motivação dada pela cabeça de casal e pelos demais réus, para sustentarem que a área do prédio não é a de 5.809 m2 – correspondente à descrição matricial e registral, e contrariando a área por si indicada aquando da apresentação da relação de bens – mas a de 1003 m2, é o resultado da medição levada a cabo por aquele perito, medição esta efetuada, única e exclusivamente, a partir das indicações dadas pela própria cabeça de casal, e sem que seja acompanhada com a alegação do historial do prédio que pudesse ter levado à redução da área do mesmo até chegar aos tais 1.003 m2.

Resumindo, considerando que as partes declararam que aquele prédio tinha a área de 8.319 m2, e que dele foi desanexada uma parcela com a área de 2.510 m2, e que a área sobrante de 5.809 m2, corresponde a um espaço físico efetivamente existente no local (e sem que os réus aventem qualquer razão para o prédio ter sido despojado de parte da restante área, nem adiantam como é que, de uma área de 5.809 m2 o prédio poderia ter passado a ter somente os tais 1.003m2), é de julgar parcialmente procedente a impugnação deduzida pelos AA/Apelantes, aditando-se os seguintes factos à matéria de facto dada como provada:

M) Antes da cedência da parcela referida na alínea G) ao Município de ..., foi efetuado um levantamento topográfico efetuado pelo topógrafo da Câmara Municipal ..., mediante a indicação das estremas pelo comproprietário VV, dele resultando uma área de 8319 m2, levantamento cujo teor aqui se dá por reproduzido;

N) O contrato promessa e a planta anexa (resultante do tal levantamento topográfico) foram assinados e rubricados por todos os autores e réus, que aceitaram as áreas constantes do levantamento e as cláusulas do contrato promessa”.


*

Vem ainda os Apelantes, nas als. T) e U), das suas alegações de recurso, requerer que seja “eliminado” o complexo de factos por si alegados e que vieram a ser dados por “Não Provados” – Sempre os referidos autores e réus, por si e antes, nas referidas qualidades e os seus antecessores, no referido prédio, à vista de quem quer que fosse, sem oposição de pessoa alguma, ininterruptamente, e até há mais de 30 anos e na convicção de usufruírem “coisa” exclusivamente sua, têm utilizado e fruído prédio descrito em A) numa área total de 5809m2, ocupando-a, nela permanecendo, vigiando-lhes as estremas, pagando os impostos relativos a esse imóvel, e colhendo todos os normais frutos e produtos” –, chamando-se a atenção de que a sua pretensão, não passa por serem tais factos dados como “provados”, mas, pela sua pura eliminação da matéria relevante.

Os Apelantes justificam tal pretensão, nos seguintes moldes:

- quem tem a seu favor uma presunção legal escusa de provar o facto que a ela conduz, pelo que, sendo os autores e réus herdeiros de MM, aplicar-se-lhes-á a presunção legal do artigo 1255º do CPC, segundo qual, por morte do possuidor, a posse continua nos seus sucessores desde o momento da morte, independentemente da apreensão material da coisa; pelo que, tendo a MM falecido em .../.../1989, na data em que foi proferida sentença já haviam decorrido mais de 30 anos sobre a sua morte, pelo que, existindo todos os requisitos da posse, “deve ser eliminado este facto – mais exatamente este complexo de factos – dos factos não provados”.

Quanto a esta questão suscitada pelos Apelantes, na sequência do seu pedido de eliminação dos factos dados como “não provados” – de que, encontrando-se provados que os autores e réus são herdeiros de MM, se lhes aplica a presunção do artigo 1255º do CC, pelo que, falecendo a Ré em .../.../1989, na data em que foi proferida a sentença já haviam decorrido mais 30 anos desde a sua morte, pelo que existindo todos os requisitos da posse, devem ser eliminados tais factos dos factos dados como não provados – não se atinge o seu FFF sentido. ... os Apelantes, com tais afirmações, sustentar terem eles próprios, os herdeiros, adquirido o prédio por usucapião? Mas como, se o seu pedido na ação é o reconhecimento de que a herança é comproprietária de ¾ e do direito a ver tal direito partilhado no inventário por óbito da MM?

Para a aquisição de tal prédio por usucapião, do qual a herança da MM é comproprietária de ¾ e o R. ... do outro ¼, a posse relevante para o efeito (ainda que continue nos seus herdeiros) teria de reportar-se a data anterior à sua morte.

E assim sendo, mantendo aparentemente os autores a sua pretensão ao reconhecimento da aquisição do prédio – reportado à totalidade da área constante na matriz e no registo – por usucapião, a pura eliminação de tais factos dos factos dados como não provados (sem que, em simultâneo, requeiram que os mesmos sejam levados aos factos dados como provados) – quando seriam factos relevantes para esse efeito – é de improceder.


*

B. Subsunção dos factos ao direito

... os Autores/Apelantes a presente ação, na qualidade de comproprietários, juntamente com os demais Réus, do prédio em questão – relativamente ao qual se encontra inscrito o direito a ¾ a favor de autores e réus e o direito a ¼ a favor do interveniente NN (por lhe ter sido doado pela sua mãe, HH, aqui Ré) – pretendem ver declarado pelo tribunal:

1. o reconhecimento de que tal prédio tem a composição, confrontações e a área de 5.809m2, referidos no art.1º, em conformidade com a descrição matricial e registral dele é feita,

2. que no inventário da MM, no relacionamento do direito a ¾ de tal prédio, este seja descrito como tendo essa área e confrontações.

Os Autores fazem assentar a sua posição relativamente à composição e área atuais de tal prédio, no seguinte circunstancialismo de facto (que veio a ser dado como provado):

- pertencendo ¾ do prédio à herança indivisa por óbito da MM (falecida em a .../.../1989) e os restantes ¼ ao seu irmão VV, em 28 de fevereiro de 2000, foi por todos os demandantes e demandados celebrado um contrato promessa com o Município de ..., pelo qual prometeram vender uma parcela com a área de 2510 m2, a desanexar do logradouro do prédio em questão, parcela essa que foi identificada na planta anexa ao contrato;

- antes da cedência da parcela referida na alínea G) ao Município de ..., foi efetuado um levantamento topográfico da totalidade do prédio, levado a cabo pelo topógrafo da CM…, mediante a indicação das estremas que lhe foi feita pelo comproprietário VV, dele resultando uma área total de 8319 m2, levantamento cujo teor aqui se dá por reproduzido;

- o contrato promessa e a planta anexa (resultante do tal levantamento topográfico) foram assinados e rubricados por todos os autores e réus, que aceitaram as áreas constantes do levantamento e as cláusulas do contrato promessa”.

Ou seja, segundo os autores, a área de 8.319m2 e as referidas confrontações foram reconhecidas por todos os, então, comproprietários, aquando da celebração, em 28 de fevereiro de 2010, desse contrato promessa de compra e venda de uma parcela do prédio com a área de 2.510m2, dela resultando, após desanexação, uma área de 5.809 m2, em conformidade com um levantamento topográfico então efetuado e assinado por todos os interessados.

Mais invocam a aquisição área total sobrante de 5809m2, por usucapião.

Como já atrás referimos, na contestação que deduzem à presente ação, e quanto a tal pretensão, os Réus limitam-se a afirmar que “a área actual do prédio urbano, relacionado sob a verba nº2 da Relação de Bens Corrigida (depois de vendida uma faixa de 2.510 m2) é de 1.003 m2 – conforme relatórios de peritagem que se juntam e se dão por reproduzidos”, alegando que a perícia é um meio de prova, sendo que, apesar de no contrato promessa constar uma área de 8.319 m2, “essa não é, nem nunca foi a realidade material”, sendo falso que a Ré JJ tenha anexado parte da área sobrante ou que queira ficar com uma parcela de terreno.

Ou seja, os Réus negam que a área sobrante do prédio, após a desanexação dos tais 2.510m2 cedidos à CM para a execução da praia fluvial, tenha a área de 5.809m 2 que consta na matriz predial e no registo, afirmando que o prédio tem atualmente unicamente a área de 1.003, m2.

E sustentam a indicação destes tais 1.003m2, numa medição efetuada por um perito avaliador no âmbito do processo de inventário, que procedeu à avaliação desde e dos mais prédios relacionados, a partir das próprias indicações dadas pela cabeça de casal quanto a localização, áreas e confrontações.

Contudo, e desde logo, a Ré JJ e os demais réus não esclarecem com base em que factos, em seu entender, o prédio (de que a herança é titular de ¾), descrito com possuindo uma área de 8.319 m2, na sequência de um levantamento topográfico levado a cabo em 2020 pelos interessados, para o efeito de desanexação de uma parcela de 2510 m2 a ceder ao Município de ..., terá hoje unicamente área de 1003m2 (parcela de terreno que nem sequer situam no local).

Os RR são completamente omissos quanto às razões pelas quais, em seu entender, a área do prédio não corresponde aos tais 5.809 m2, constantes da descrição matricial e registral (resultantes da desanexação de uma parcela de 21510m2, vendida à CM… para o complexo da Praia Fluvial), mas, apenas aos por si alegados 1.003 m2 – tal área nunca existiu no local? o prédio já teve essa área, mas dele foi desanexada uma parte, que parte ou partes? abarcando apenas 1.003 m2, a quem, ou a que prédio pertencem os restantes 4.806 m2? – assumindo uma posição perfeitamente ambígua, não exercendo qualquer pretensão relativamente à área descrita como pertencendo ao prédio em questão, na parte excedente aos tais 1.003 m2 que os réus dizem corresponder a tal prédio.

Quanto às confrontações constantes da matriz e do registo predial e indicadas pelos autores como correspondendo aos limites do prédio, os réus nem sequer as impugnam.

Analisemos, então, os factos que temos por demonstrados nos autos face ao direito a aplicar.

Quer na inscrição na matriz predial, quer na conservatória de registo predial – que correspondem, como que, ao bilhete de identidade de um prédio –, o prédio em questão apresenta as seguintes área e confrontações: “prédio urbano, sito em ..., freguesia ..., com a área total de 5809 m2, composto de casa de habitação, pátio e logradouro, inscrito na matriz sob o art. ...98, a confrontar de norte com estrada, sul ... e Município de ..., nascente Município de ... e poente CCC, estando ainda anotado “Área restante após a desanexação do prédio ...08 freguesia ... (ponto 1 dos factos provados).

Aceitando que a presunção da propriedade decorrente do registo, a que se reporta o artigo 7º do Código de Registo Predial, não se estende aos elementos da descrição dos prédios, vejamos que outros elementos de facto dispomos relativamente à área e confrontações do prédio:

M) Antes da cedência da parcela referida na alínea G) ao Município de ..., foi efetuado um levantamento topográfico efetuado pelo topógrafo da Câmara Municipal ..., mediante a indicação das estremas pelo comproprietário VV, dele resultando uma área de 8.319 m2, levantamento cujo teor aqui se dá por reproduzido;

N) O contrato promessa e a planta anexa (resultante do tal levantamento topográfico) foram assinados e rubricados por todos os autores e réus, que aceitaram as áreas constantes do levantamento e as cláusulas do contrato promessa”.

H) De tal contrato, fizeram constar, entre outras, a seguinte cláusulas: “Os segundos outorgantes VV e sua falecida irmã MM, eram comproprietários do seguinte prédio, na proporção de 1/4 para aquele e ¾ para esta: “Urbano, casa de habitação, páteo e logradouro, sito em ..., inscrito na matriz respectiva da  freguesia ... sob o art. ...98, com a área coberta de 106 m2, páteo 576m2, logradouro 7637 m2, sendo a área total de 8319m3, omisso na Conservatória do Registo Predial ..., que confronta do Norte com estrada, do Sul com ..., do Nascente com Câmara Municipal ... e do Poente com TT, identificado na planta anexa, que faz parte integrante do presente contrato”.

Através de tal contrato, os herdeiros da falecida MM e o seu irmão VV prometeram vender uma parcela de tal prédio com a área de 2.510 m2, à CM de ..., venda que veio a ser formalizada por escritura publica de 27.03.2013.

Ora, se da descrição predial não se pode retirar qualquer presunção de veracidade/propriedade relativamente às áreas e confrontações, quando no confronto com um possuidor, haverá que retirar as devidas ilações, do facto de, aquando da assinatura daquele contrato promessa, todos os, então, comproprietários do prédio terem reconhecido ter o mesmo a área e confrontação constantes da planta anexa ao contrato.

O contrato promessa e levantamento topográfico, devidamente assinado e rubricado por todos os interessados, tem o valor de um documento particular, fazendo prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade do documento, nos termos do artigo 376º do Código Civil[13].

Não sendo impugnada a genuinidade dos documentos e das declarações nele apostas, encontra-se provado que os réus fizeram as declarações dele constantes.

Claro que tal força probatória não prova que as declarações são verdadeiras ou que não estejam inquinadas por vícios de vontade (arts. 376º, nº2 e 359º, ns. 1 e 2, CC).

“A força probatória plena reporta-se tão só às declarações documentadas, ficando por demonstrar que tais declarações correspondiam à realidade dos factos materiais e, sobretudo, não se excluindo a possibilidade de o seu autor demonstrar a inveracidade daqueles factos por qualquer meio de prova, com ressalva do disposto no art. 394º, nº2[14]”.

E, compreendendo factos contrários ao declarante, constituem declarações confessórias que, embora não assumam a natureza de prova plena, por não estarem a ser aqui a ser invocadas pela parte contrária a quem as mesmas se dirigiam, mas por outros intervenientes no documento, estão sujeitas à livre apreciação do julgador[15].

Ora os aqui Réus, JJ, KK e LL, na qualidade de comproprietários/promitentes vendedores, declaram que o prédio, do qual ia ser destacada uma parcela com a área de 2.510 m2, tinha a área e confrontações que aí descrevem, em conformidade com a planta anexa ao contrato.

E chama-se a atenção de que a indicação dessa área e confrontações, não resultou de uma simples remissão para os termos constantes da descrição matricial do prédio (na altura encontra-se ainda omisso no registo), tendo resultado de uma indagação no terreno da localização do prédio, estremas, e mediação da área total do mesmo pelo topografo da CM, em conformidade com as indicações do, então, proprietário de ¼ do prédio, o tal VV.

Como tal, qualquer impugnação por si deduzida não se pode basear na simples alegação de desconformidade entre o que é afirmado e a realidade: depois de os réus terem aposto a sua assinatura naqueles documentos, não podiam vir negar que a composição e área do prédio não era a por si aí declarada, sem que, simultaneamente tivessem alegado a falsidade do documento ou a ocorrência de algum erro ou vício nas declarações por si aí apostas. Ora, os réus não alegam que se tenham enganado ao dar o seu assentimento à composição e área do prédio nos termos constantes da planta topográfica, tal como foram assumidos no contrato promessa de que constitui anexo.

Face ao reconhecimento por todos os, então, comproprietários que essa era a área e composição do prédio, do qual a herança era titular de ¾  em compropriedade, a posterior alegação, pela cabeça de casal (contrariando as declarações anteriormente por si assumidas no referido contrato promessa e planta anexa), de que a área do prédio seria, não os tais 5.809m2 (resultantes da desanexação dos 2510 m2 cedidos para a construção da praia fluvial) mas apenas 1.003 m2 – sem alegar, sequer, a ser assim, a quem pertenceria o resto da área do terreno assinalada no levantamento topográfico e porque vinha, agora, contrariar a composição e área do prédio que anteriormente aceitara – não terá força para pôr em causa a composição – área e confrontações – constantes dos documentos identificativos do prédio e que terão aí sido levadas na sequencia de um levantamento topográfico assinado por todos os comproprietários do prédio.

Aqui, chamamos a atenção para a circunstância de não nos encontrarmos perante uma ação de reivindicação, onde o autor tenha de provar uma forma de aquisição originária da propriedade. Não nos encontramos perante um pedido de reconhecimento de propriedade, associado a um pedido de restituição de qualquer parcela de terreno que se encontre em poder dos Réus; assim como, não alegam os Réus que alguma parte do terreno, tal como vem descrito no levantamento topográfico, seja seu ou se encontre na sua posse.

Não se trata de uma ação em que o autor venha requerer o reconhecimento da propriedade de um prédio, ou de uma parcela, que se encontre ilegitimamente na posse dos Réus – (nem os autores, nem os réus configuraram o conflito nesses termos), mas, perante uma ação que corre, única e exclusivamente, entre os comproprietários do mesmo e sem que os réus aleguem quaisquer atos de posse sobre qualquer parte do mesmo.

Assim, como, não alegam os Réus a existência de qualquer outro prédio (na sua posse ou de terceiros) a que possa pertencer a restante área assinalada naquela planta como integrando o prédio em discussão.

E, chamamos ainda a atenção de, que, ainda que os réus alegassem atos de posse sobre alguma parte dessa área – e, mais uma vez, repete-se, não alegam, sendo completamente omissos quanto à titularidade ou posse da restante área –, sendo a MM e o VV (e, depois deles, os aqui autores e réus), comproprietários do prédio em causa, qualquer uso que algum deles fizesse da coisa comum não constituiria posse exclusiva ou posse superior à sua quota, salvo se tivesse havido inversão do título de posse (artigo 1402º, nº2 do Código Civil)[16].

Aliás, como está provado nos autos, foi o próprio comproprietário VV que fez a indicação dos pontos e estremas, no local, ao topografo da C.M. que executou o levantamento topográfico, incluindo nele a totalidade do terreno aí referenciada (inclusivamente, a parte que algumas testemunhas aqui afirmaram estar, então, a ser ocupada pelo VV).

Não se tratando de uma ação de reivindicação[17], o autor não tem de fundamentar com uma alegação tão plena e rigorosa o seu direito, não se exigindo aqui a prova de uma forma originária de aquisição, como o é a usucapião, bastando uma prova prevalente à do seu adversário.

A descrição do prédio – área, localização, confrontações –, tal como se acha na matriz e no registo, resultou, não de uma mera reprodução ou remissão para antigos documentos, mas de um levantamento topográfico realizado por um topógrafo da Câmara Municipal e que obteve a concordância e a assinatura de todos os comproprietários do mesmo, precisamente para efeitos de determinação da exata composição da prédio e posterior desanexação do mesmo de uma parcela a favor da Camara Municipal. E, atentar-se-á que, até então, o prédio apenas se encontrava na matriz, e que, só posteriormente, foi feita a sua inscrição do registo, nos exatos termos em que haviam sido declarados pelos interessados.

É certo que o registo pode ceder perante a posse, mas, não sendo aqui invocada qualquer posse em contrário, não vemos como o prédio possa ser descrito e partilhado no inventário por outro modo, que não, nos termos em que se encontra descrito na matriz e no registo.

Com efeito, o prédio terá sempre de ser descrito no registo predial em conformidade com os títulos e com a matriz.

Aliás, nenhum imóvel pode ser relacionado num inventário, ou ser objeto de qualquer negócio translativo de propriedade, sem que o mesmo se encontre inscrito na matriz, e sem que previamente se proceda à abertura da respetiva descrição predial, destinada esta à identificação física, económica e fiscal dos prédios.

E a identidade do prédio é definida face à sua inscrição matricial e aos títulos existentes, devendo existir harmonização entre eles.

A matriz predial representa o "bilhete de identidade" dos prédios, rústicos e urbanos, cujo registo se encontra efetuado no Serviço de Finanças, caracterizando a composição do prédio, a área do mesmo, o seu valor patrimonial tributário, a identidade dos seus proprietários ou usufrutuários.

Reconhece-se que muitos são os casos em que ocorrem divergências quanto aos elementos descritivos e identificativos do prédio, seja no plano jurídico-formal estrito, quando as mesmas recaem sobre os elementos declarados (registados na descrição e inscritos na matriz predial), seja nas situações em que as divergências ocorrem entre a realidade física (área real do prédio) e os elementos registados e inscritos (descrição e/ou matriz predial).

De qualquer modo, a verificar-se alguma discrepância entre os elementos da descrição constantes do registo e a realidade existente (aqui não minimamente comprovada), a lei prevê procedimentos adequado à retificação de tais elementos e nomeadamente quanto à alteração da área constante na matriz, não havendo notícia de que a cabeça de casal, ou os demais aqui Réus, deles se tenham socorrido.

Concluindo, é de reconhecer aos autores o direito a verem o prédio relacionado no inventário por óbito de MM (da qual é comproprietária de ¾), nos exatos termos em que o mesmo se mostra identificado e descrito na matriz predial e no registo e com a composição e áreas aí constantes.

A apelação é de proceder parcialmente, com a revogação parcial da decisão recorrida.


*

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a Apelação:

a) parcialmente improcedente, confirmando a decisão de procedência da exceção de caso julgado relativamente ao pedido formulado sob a al. c);

b) revogando parcialmente a decisão recorrida, reconhecendo-se que a herança por óbito de MM é comproprietária de ¾ do prédio identificado no artigo 1º da P.I., e que o mesmo apresenta a composição, área e confrontações aí referidas, devendo ser partilhado como tal.

Custas da ação e da Apelação a suportar pela Autora/Apelada

                                                                   Coimbra, 10 de maio de 2022       

Relator: Maria João Areias

1º Adjunto: Helena Melo

2º Adjunto: José Avelino Gonçalves                                      


 V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.
(…)



[1] Que aqui se reproduzem apenas parcialmente face ao nítido incumprimento do dever de nelas sintetizar os fundamentos do recurso, em violação do nº1 do artigo 639º CPC.
[2] João Lopes Cardoso, “Partilhas Judiciais, Vol. I, Almedina (4ª reimpressão da ed. 1990), p. 558, 559. Da leitura que Eduardo Sousa Paiva e Helena Cabrita, fazem relativamente ao atual artigo 37º, parece resultar que, em seu entender, não chega a existir uma apreciação por parte do tribunal: “caso o pretenso devedor negue uma dívida activa relacionada pelo cabeça de casal, deverá apresentar reclamação, requerendo a exclusão de tal crédito da relação, após o que o cabeça de casal será notificado para se pronunciar. Se mantiver o relacionamento da divida em causa, a mesma reputa-se litigiosa (art. 37º, nº2). Mas, se, pelo contrário o cabeça de casal reconhecer razão ao reclamante, excluindo a dívida (crédito da herança) da relação de bens, os interessados mantêm o direito de exigir o pagamento pelos meios comuns (artigo 37º, nº3)” – Manual do Processo de Inventário à Luz do Novo Regime aprovado pela Lei nº 23/2013, de 5 de março, e regulamentada pela Portaria nº 278/2013, de 26 de Agosto, Coimbra Editora, pp.106-107.
[3] Como afirmava o Armando Simões Pereira, a propósito do pretérito artigo 1386º, do CPC de 1939 (ao qual lhe sucedeu o artigo 1346º, e, posteriormente o artigo 1351º, aqui em análise), “Se o crédito existe ou não é problema que continua de pé. E, em boa verdade, ao devedor interessa muito pouco, normalmente não interessa nada, que o seu nome figure na lista dos obrigados para com a herança. O verdadeiro mérito deste artigo está em que se estabelece a boa doutrina: um processo sumário, com limitada intervenção de interessados, sobre se determinados bens ou valores fazem ou não parte da herança só pode conduzir a uma decisão de circunstancia: figurarem ou não figurarem na relação de bens – o fundo, isto é, se verdadeiramente pertencem à herança, há-de tratar-se fora do inventário, pelos meios adequados” - “Processo de Inventário e Partilhas, esboço de um anteprojeto”, Lisboa – 1982, p. 249.
[4] Quer o artigo 1386º, quer o artigo 1346º, que lhe sucedeu, apresentavam a seguinte redação:
Negação de dívida activa”
Se uma dívida activa, relacionada pelo cabeça de casal, for negada pelo pretenso devedor, há-de a respetiva descrição manter-se ou eliminar-se depois de ouvido o cabeça de casal e obtidos todos os esclarecimentos necessários.
Sendo mantida a descrição, a divida reputa-se litigiosa; sendo eliminada, entende-se que fica a salvo aos interessados o direito de exigir o pagamento pelos meios competentes”.
[5] “Partilhas Judiciais”, Volume I, Almedina 2000 (Reimpressão da 4ª ed. De 1990).
[6] Obra citada, pp. 249 a 251.
[7] Cf., Acórdão da Relação in CJ IV/00, p. 5, citado por Lopes do Rego, in Comentários ao Código de Processo Civil, Vol. II, 2ª ed., 2004, p. 269.
[8] Partilha Judiciais”, Volume I, 5ª ed., Almedina, 2006, p. 603, e em igual sentido, no âmbito da Lei nº 23/2013, “Partilhas Judiciais”, Vol. I, 6ª ed., pp.746 e 747.
[9] “Do Inventário, Descrever, Avaliar e Partir”, 4ª ed., Almedina 2003, pp. 105-106.
[10] Acórdão relatado por Caimoto Jácome, in www.dgsi.pt.
[11] O artigo 1397º, do CPC, na redação anterior ao Decreto-Lei n.º 227/94, de 8 de setembro, apresentava a seguinte redação:
1. As questões que sejam decididas no inventário consideram-se definitivamente resolvidas, tanto em relação ao cabeça de casal e às pessoas citadas na qualidade de herdeiros, como em relação àqueles que intervenham na solução, salvo se for expressamente ressalvado o direito às ações competentes.
(…)
3. Entende-se que intervieram na solução de uma questão as pessoas que a suscitaram ou sobre ela se pronunciaram e ainda as que foram ouvidas, embora não tenham dado resposta”.
[12] António Lopes Cardoso e Augusto Lopes Cardoso, segundo os quais, não devem ser resolvidas no inventário as questões que exijam a participação ou intervenção de quem não tem legitimidade para requerer ou intervir no processo, daí decorrendo ser forçosa a remessa para os meios comuns para a resolução de tais questões; “o terceiro (para além dos herdeiros) que permita a resolução da questão relativa aos bens terá de ter alguma daquelas categorias e nunca outra. Qualquer decisão aí tomada não pode ter a veleidade de caso julgado sobre a parte não interveniente – “Partilhas Judiciais” Volume I, 5ª ed., p. 603.
[13] O artigo 376º, do CC, atribui aos documentos particulares cuja autoria se mostre reconhecida, a seguinte força probatória: de prova plena quanto às declarações (de ciência ou de vontade) atribuídas ao seu autor; de prova plena dos factos compreendidos na declaração na medida em que forem contrários aos interesses do declarante, sendo a declaração indivisível nos termos prescritos para a prova por confissão. Na parte em que contenham uma declaração confessória – enquanto reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e que favorece a parte contrária (artigo 352º CC) –, esta considera-se provada nos termos aplicáveis aos documentos autênticos e, se for feita à parte contrária ou a quem a represente, tem força probatória plena (nº2 do artigo 358º) – Entre outros, José Lebre de Freitas, “A Falsidade no Direito Probatório”, Almedina 1984, pág. 38.
[14] Luís Filipe Pires de Sousa, “Direito Probatório Material Comentado”, Almedina, p. 164.
[15] José Lebre de Freitas, Código Civil Anotado, Vol. I (Artigos 1º a 1250º), 2017, Almedina, Coord., Ana Prata, anotação ao artigo 358º, CC.
[16] Assim como, ainda que tivesse ocorrido alguma divisão material do prédio – e tal não foi alegado e, muito menos, provado, para que ocorresse a divisão jurídica do mesmo seria ainda necessário que os respetivos interessados houvessem invocado a respetiva aquisição por usucapião.
[17] Onde se exige ao autor, aí sim, uma prova absoluta da propriedade – uma forma de aquisição originária da propriedade – sendo, de contrário, o réu absolvido, ainda que nada prove ou alegue, precisamente porque ele está na posse da coisa – Manuel Salvador, Elementos da Reivindicação, Lisboa 1958, pp. 50-53.