Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
167/15.3PBVFX.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA PILAR DE OLIVEIRA
Descritores: PROIBIÇÃO DE PROVA
VIDEOVIGILÂNCIA
ESTABELECIMENTO COMERCIAL
Data do Acordão: 09/20/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DA FIGUEIRA DA FOZ)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 18.º, N.º 2, E 26.º, N.º 1, DA CRP; ART. 199.º DO CP; ARTS. 31.º, N.º 1, E 167.º DO CPP; ARTS. 8.º E 28.º DA LEI N.º 67/98, DE 26-10 (LEI DE PROTECÇÃO DE DADOS PESSOAIS).
Sumário: I – A obtenção de imagens, através do sistema de videovigilância existente num estabelecimento comercial, e a posterior utilização daquelas no âmbito de um processo penal, não corresponde a qualquer método proibido de prova, porquanto, no circunstancialismo referido - que não respeita ao “núcleo duro da privada” das pessoas visionadas, os arguidos -, existe justa causa, consubstanciada na documentação da prática de uma infracção criminal.

II – As precedentes considerações não são infirmadas pela falta de autorização da CNPD (Comissão Nacional da Protecção de Dados) para a instalação do sistema de recolha de imagens.

Decisão Texto Integral:







Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório

No processo comum com intervenção do tribunal singular 167/15.3PBVFX da Comarca de Coimbra, Instância Local da Figueira da Foz, Secção Criminal, J 1, após realização da audiência de julgamento com documentação da prova oral, foi proferida sentença em 31 de Outubro de 2016 com o seguinte dispositivo:

            Pelos fundamentos expostos julgo parcialmente procedente a acusação, e por conseguinte decide-se:

1. Condenar o arguido A... pela prática, em co-autoria material, na forma consumada, e em concurso aparente de um crime de falsificação de notação técnica, p. e p. pelo art.º 258º, nº 1, al. b) e d), com referência ao art.º 255º, al. b), ambos do Código Penal e de um crime de burla, p. p. pelo art.º 217º, nº 1, do Código Penal, pena de 140 (cento e quarenta) dias de multa à razão diária de €5,5 (cinco euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz o montante global de 770,00€ (setecentos e setenta euros) a que corresponde 93 dias de prisão subsidiária.

2.  Condenar o arguido B... , pela prática em co-autoria material, na forma consumada, e em concurso aparente de um crime de falsificação de notação técnica na forma consumada, p. e p. pelo art.º 258º, nº 1, al. b) e d), com referência ao art.º 255º, al. b), ambos do Código Penal e de um crime de burla, p. p. pelo art.º 217º, nº 1, do Código Penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão, a qual SUBSTITUO por 270 (duzentos e setenta) horas de TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE.

3. Condenar o arguido C... pela prática, em co-autoria material, na forma consumada, e em concurso aparente de um crime de falsificação de notação técnica na forma consumada, p. e p. pelo art.º 258º, nº 1, al. b) e d), com referência ao art.º 255º, al. b), ambos do Código Penal e de um crime de burla, p. p. pelo art.º 217º, nº 1, do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão, a qual SUBSTITUO por 180 (cento e oitenta) horas de TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE.

4. Condenar cada um dos arguidos nas custas criminais, fixando-se a taxa de justiça criminal em 3 UCs para cada um deles, e nos encargos do processo, sem prejuízo do eventual benefício de apoio judiciário de que beneficiem ou venham a beneficiar, ao abrigo dos arts. 513º/1 e 514º/1, ambos do CPP, e art. 8º/9 e tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.

Inconformados, recorreram os arguidos C... e B... .

O arguido C... condensou a motivação do seu recurso nas seguintes conclusões:

1 – O presente recurso é interposto da decisão proferida na douta Sentença que condenou o recorrente em co-autoria material, na forma consumada, e em concurso aparente de um crime de falsificação de notação técnica na forma consumada, p. e p. pelo art.º 258.º, n.º 1, al. b) e d) com referência ao art.º 255º, al. b), ambos do Código Penal e de um crime de burla, p. e p. pelo art.º 217º, n.º 1, do Código penal, na pena de 6 (seis meses de prisão, a qual substituída por 180 (cento e oitenta) horas de trabalho a favor da comunidade.

2 – Julgou a sentença com provado que em data anterior a 23-01-2015, os arguidos B... , A... e C... , de comum acordo, formularam o propósito de se apropriarem de garrafas Pera Manca, por valor inferior ao preço de venda, trocando as etiquetas dos códigos de barras referentes a vinho mais barato.

3 – O tribunal a quo fundou a sua convicção, nos depoimentos das testemunhas D... e E... , bem como documentos, imagens e fotogramas.

4 - Não tendo sido observadas as condições imperativas de recolha e tratamento de imagens e som, não podem aquelas imagens e os fotogramas daí obtidos, ser valoradas, como foram, pelo tribunal à quo, atento princípio da legalidade da prova, previsto no artigo 125.º do Código de Processo Penal.

5 - Os arguidos exerceram o direito constitucional de não prestarem declarações, não podendo ser por isso serem prejudicados, como de facto o foram na sentença ora recorrida.

6 - Da simples transcrição dos depoimentos das testemunhas, resulta à evidência de nenhuma delas presenciou os factos pelos quais o recorrente foi condenado.

7 - A única pessoa com conhecimento direto dos factos, ouvida em inquérito e arrolada na acusação, é H... , que foi prescindida pela Acusação a sua audição em sede de audiência de discussão e julgamento.

8 - O depoimento da testemunha D... , é, a todos os níveis, lamentável. Desde o início das suas declarações tomou uma atitude de quem tudo sabia, de que conhecia tudo e todos. Mais, às questões que, num primeiro momento respondia não saber (licenciamento pela CNPD), teve o descaramento e inconsciência de responder, por fim, que sabia!!!.

Mais, não se coibiu de com todas a letras dizer que se negava a responder a perguntas que lhe tinham sido formuladas. Não é compreensível que perante estas respostas a MMª Juiz tenha concluído (fls. 11 e 13), que “… depôs de forma circunstanciada, coerente, segura, não afirmando ter conhecimento matérias de que desconhecia sincera, desinteressada, objetiva e com razão de ciência suficiente …”.

9 - A testemunha E... , representante da queixosa, faz um depoimento puramente especulativo e fundado naquilo que ouviu dizer e imagens que diz ter visto, rematando, aliás, “… que se tivesse visto teriam sido detidos …”.

10 - Vistas e revistas as imagens e fotogramas não é inteligível em que fotograma “aparece” o recorrente. O mesmo se diga das imagens visualizadas em sede de audiência de discussão e julgamento.

11 - Não pode o recorrente deixar de notar que, o tribunal não necessita que qualquer testemunha identifique aquilo que o próprio tribunal está a observar, sejam situações, seja para identificar pessoas, quando estas testemunhas não estavam presentes no local.

12 -É evidente que é suficiente a visualização, no caso presente, pelo tribunal a quo, ou pelo tribunal superior, para identificar se determinado individuo, in casu, o recorrente, aparece ou não nas imagens.

13- Face à manifesta ausência de produção de prova direta, o tribunal à quo a fundou a sua convicção na prova indireta, é entendimento consensual que a prova indireta é fundada em presunções naturais, em ilações, com base nas regras da experiência comum. Prova essa que, deverá ser devidamente sustentada e a qual não poderão existir quaisquer dúvidas da existência daquele facto conhecido para firmar o facto “desconhecido”.

14 - Na douta sentença recorrida, em boa verdade, o único facto conhecido, que sustenta a prova da prática dos factos que vem acusado e consequente decisão condenatória são os antecedentes criminais do recorrente.

15 - A existirem dúvidas, o que não se concede, da prática pelo recorrente dois crimes em que foi condenado, sempre deveria prevalecer o princípio constitucional de presunção de inocência, consagrada no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, que assim foi objectivamente violado.

Nestes termos e nos mais de direito que V.s Ex.ªs muito doutamente suprirão:

Deve ser, por V.ªs Ex.ªs concedido provimento ao presente recurso, absolvendo-se o arguido, com as legais consequências.

Assim se fazendo JUSTIÇA

O arguido B... condensou a sua motivação de recurso nas seguintes conclusões:

1 – O presente recurso é interposto da decisão proferida na douta Sentença que condenou o recorrente em co-autoria material, na forma consumada, e em concurso aparente de um crime de falsificação de notação técnica na forma consumada, p. e p. pelo art.º 258.º, n.º 1, al. b) e d) com referência ao art.º 255º, al. b), ambos do Código Penal e de um crime de burla, p. e p. pelo art.º 217º, n.º 1, do Código penal, na pena de 6 (seis meses de prisão, a qual substituída por 180 (cento e oitenta) horas de trabalho a favor da comunidade.

2 – Julgou a sentença com provado que em data anterior a 23-01-2015, os arguidos B... , A... e C... , de comum acordo, formularam o propósito de se apropriarem de garrafas Pera Manca, por valor inferior ao preço de venda, trocando as etiquetas dos códigos de barras referentes a vinho mais barato.

3 – O tribunal a quo fundou a sua convicção, nos depoimentos das testemunhas D... e E... , bem como documentos, imagens e fotogramas.

4 - Não tendo sido observadas as condições imperativas de recolha e tratamento de imagens e som, não podem aquelas imagens e os fotogramas daí obtidos, ser valoradas, como foram, pelo tribunal à quo, atento princípio da legalidade da prova, previsto no artigo 125.º do Código de Processo Penal.

5 - Os arguidos exerceram o direito constitucional de não prestarem declarações, não podendo ser por isso serem prejudicados, como de facto o foram na sentença ora recorrida.

6 - Da simples transcrição dos depoimentos das testemunhas, resulta à evidência de nenhuma delas presenciou os factos pelos quais o recorrente foi condenado.

7 - A única pessoa com conhecimento direto dos factos, ouvida em inquérito e arrolada na acusação, é H... , que foi prescindida pela Acusação a sua audição em sede de audiência de discussão e julgamento.

8 - O depoimento da testemunha D... , é, a todos os níveis, lamentável. Desde o início das suas declarações tomou uma atitude de quem tudo sabia, de que conhecia tudo e todos. Mais, às questões que, num primeiro momento respondia não saber (licenciamento pela CNPD), teve o descaramento e inconsciência de responder, por fim, que sabia!!!.

Mais, não se coibiu de com todas a letras dizer que se negava a responder a perguntas que lhe tinham sido formuladas. Não é compreensível que perante estas respostas a MMª Juiz tenha concluído (fls. 11 e 13), que “… depôs de forma circunstanciada, coerente, segura, não afirmando ter conhecimento matérias de que desconhecia sincera, desinteressada, objetiva e com razão de ciência suficiente …”.

9 - A testemunha E... , representante da queixosa, faz um depoimento puramente especulativo e fundado naquilo que ouviu dizer e imagens que diz ter visto, rematando, aliás, “… que se tivesse visto teriam sido detidos …”.

10 - Vistas e revistas as imagens e fotogramas não é inteligível em que fotograma “aparece” o recorrente. O mesmo se diga das imagens visualizadas em sede de audiência de discussão e julgamento.

11 - Não pode o recorrente deixar de notar que, o tribunal não necessita que qualquer testemunha identifique aquilo que o próprio tribunal está a observar, sejam situações, seja para identificar pessoas, quando estas testemunhas não estavam presentes no local.

12 -É evidente que é suficiente a visualização, no caso presente, pelo tribunal a quo, ou pelo tribunal superior, para identificar se determinado individuo, in casu, o recorrente, aparece ou não nas imagens.

13- Face à manifesta ausência de produção de prova direta, o tribunal à quo a fundou a sua convicção na prova indireta, é entendimento consensual que a prova indireta é fundada em presunções naturais, em ilações, com base nas regras da experiência comum. Prova essa que, deverá ser devidamente sustentada e a qual não poderão existir quaisquer dúvidas da existência daquele facto conhecido para firmar o facto “desconhecido”.

14 - Na douta sentença recorrida, em boa verdade, o único facto conhecido, que sustenta a prova da prática dos factos que vem acusado e consequente decisão condenatória são os antecedentes criminais do recorrente.

15 - A existirem dúvidas, o que não se concede, da prática pelo recorrente dois crimes em que foi condenado, sempre deveria prevalecer o princípio constitucional de presunção de inocência, consagrada no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, que assim foi objectivamente violado.

Nestes termos e nos mais de direito que V.s Ex.ªs muito doutamente suprirão:

Deve ser, por V.ªs Ex.ªs concedido provimento ao presente recurso, absolvendo-se o arguido, com as legais consequências.

Assim se fazendo JUSTIÇA

Os recursos foram objecto de despacho de admissão.

O Ministério Público respondeu aos recursos, concluindo o seguinte:

1. A obtenção de fotogramas através do sistema de videovigilância existente num estabelecimento comercial, para protecção dos seus bens e da integridade física de quem aí se encontre, mesmo que se desconheça se esse sistema foi comunicado à CNPD, não corresponde a qualquer método proibido de prova, desde que exista uma justa causa para a sua obtenção, como é o caso de documentar a prática de uma infracção criminal, e não diga respeito ao «núcleo duro da vida privada» da pessoa visionada.

2. No caso concreto, as imagens foram captadas em estabelecimento comercial que se mostrava aberto ao público, em pleno horário de funcionamento, e visaram documentar a prática de um ilícito criminal, não se divisando que a captação das movimentações dos recorrentes, que aí haviam acedido na qualidade de clientes, contenda com o núcleo duro da respectiva vida privada.

3. Donde, ainda que se desconheça se (à data dos factos) o sistema de videovigilância existente no hipermercado « G... », na Figueira da Foz, teria sido comunicado à CNPD, não estamos, na situação em apreço diante de qualquer método proibido de prova, razão pela qual o visionamento e posterior valoração das imagens e fotogramas, pela Meritíssima Senhora Juíza «a quo», não deve merecer qualquer tipo de censura.

4. Devem ser rejeitados os recursos relativamente à matéria de facto, uma vez que os recorrentes incumpriram as imposições previstas nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 412.º, do CPP.

5. Não se descortina que tenha existido qualquer erro de julgamento – a Meritíssima Juíza «a quo», apoiando-se nas regras da experiência, fundamentou, de uma forma clara e lógica, os factos dados como provados e não provados, tendo recorrido legitimamente à denominada «prova indirecta», o que fez firmada na prova robusta realizada em audiência de julgamento, alicerçando a prova indirecta em inferências e deduções válidas e fortes, que não deixaram também de ser apreciadas à luz das máximas de experiência comum.

6. Tendo os arguidos/recorrentes, no legítimo exercício de um direito processual que lhes assiste, optado por não prestar declarações acerca dos factos criminalmente relevantes, não podem ver tal opção prejudicá-los, mas também não podem do exercício do silêncio colher benefícios; com efeito, se os arguidos/recorrentes prescindiram, com o seu silêncio, de dar a sua visão pessoal dos factos e eventualmente esclarecer determinados pontos de que tinham um conhecimento pessoal, não podem, depois, pretender que foram prejudicados pelo respectivo silêncio.

7. Não tendo o Tribunal «a quo» evidenciado quaisquer dúvidas sobre a prática dos factos desfavoráveis aos arguidos/recorrentes, não há lugar, «in casu», à aplicação do princípio «in dubio pro reo».

Nestes termos, devem ambos os recursos interpostos improceder, confirmando-se antes a decisão condenatória sob censura, pois que assim se fará, com o douto suprimento de Vossas Excelências, a tão costumada JUSTIÇA!

Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer em que acompanha a resposta aos recursos e se pronuncia pela improcedência destes.

 Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não ocorreu resposta.

Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos legais foi realizada conferência, cumprindo apreciar e decidir.


***

            II. Fundamentos da decisão recorrida

A decisão recorrida contém os seguintes fundamentos de facto:

Factos Provados da Acusação Pública:

1. Em data e hora não concretamente apuradas, mas situada antes de 23-01-2015, os arguidos B... , A... e C... , de comum acordo, formularam o propósito de se apropriarem de garrafas de vinho branco Cartuxa Pera Manca, por um valor inferior ao preço de venda, trocando as etiquetas dos códigos de barras por etiquetas referentes a vinho mais barato, no Hipermercado G... .

2. Assim, em comunhão de esforços e de intenções, na concretização do plano entre todos gizado, os arguidos B... , A... e C... , no dia 23-01-2015, dirigiram-se ao estabelecimento comercial G... , da sociedade F... , S. A., sito no centro comercial (...) , na Rua (...) , (...) , Figueira da Foz, área deste concelho e comarca.

3. Aí chegados, o arguido B... , pelas 14h33, entrou no estabelecimento comercial e dirigiu-se à zona da garrafeira onde localizou as garrafas acima referidas.

4. Em seguida, pelas 14h35, entraram os arguidos C... e A... com um carrinho de compras, que se dirigiram igualmente para a zona da garrafeira.

5. Aí, o arguido A... , colocou 10 garrafas de vinho branco Cartuxa Pera Manca, de valor unitário de 24,99 euros, no valor total de 249,90 euros, no carrinho de compras, e o arguido C... procedeu à alteração de um código de barras apondo numa das garrafas, por cima do código de barras original, o código de barras referente ao preço do vinho tinto Fazendas Perdidas, de preço unitário de 1,28 euros.

6. Após o arguido A... , tendo conhecimento da referida alteração, dirigiu-se para a caixa, e apresentou a garrafa com o código de barras que se encontrava alterado à funcionária do estabelecimento comercial, que não se apercebeu da alteração e registou as 10 garrafas como sendo de vinho tinto Fazendas Perdidas, com preço unitário de 1,28 euros.

7. Após o arguido pagou 12,80 euros, pelas 10 garrafas, em vez de pagar o preço verdadeiro de venda de 249,90 euros.

8. Provado apenas que por sua vez a funcionária do estabelecimento, deixou o arguido ficar com a referida mercadoria, que este levou consigo, abandonando a loja, no que a mesma só consentiu porquanto a actuação dos arguidos lhe criou e firmou a convicção, que a etiqueta aposta na garrafa de vinho era a correcta, pois que de outra forma o não teria consentido, como sucedeu, sem pagar o seu real valor.

9. E, em consequência, viu-se a referida sociedade F... prejudicada, em montante igual àquele que as garrafas valiam, descontado o valor de 12,90 euros e que correspondia ao preço da mercadoria que entregou aos arguidos nas circunstâncias acima relatadas.

10. Os arguidos, através deste esquema, e actuando sempre de forma livre, voluntária e consciente, visaram, assim, tirar partido da boa fé da funcionária da caixa do G... para fazer passar essas garrafas no sistema de leitura daquele estabelecimento comercial, pelo preço de 1,28€, sendo que esta, assumindo como correcto o valor da leitura apurado na máquina existente junto da caixa registadora e contando as restantes garrafas da marca Cartuxa Pera manca que se encontravam no carrinho, assumiria que teriam as 10 unidades apresentadas para pagamento idêntico preço e efectuaria a respectiva operação aritmética, com o propósito conseguido, de através da dita aparência de realidade, que provocaram junto da F... sobre a regularidade da etiqueta/código de barras, obterem para si um proveito, consistente na aquisição da mercadoria, no valor de € 249,90 por € 12,80, que sabiam ser ilegítimo, à custa do empobrecimento da sociedade F... .

11. No sobredito circunstancialismo o arguido C... , na execução do plano previamente delineado, agiu de forma livre e voluntária, no intuito de alterar os códigos de barras de uma garrafa de vinho tinto Cartuxa Pera manca (que se encontrava à venda ao público por 24,99 a unidade) por outro previamente modificado relativamente a vinho tonto da marca Fazendas Perdidas (vendido à unidade por 12,80€), para tanto, procedendo á colagem, antes da chegada às caixas de pagamento do G... , de um código de barras de vinho tinto, para, de seguida, o arguido A... , tendo conhecimento da referida alteração e colagem, e também na execução de plano comum, se dirigir à caixa 5, e apresentar como bem seleccionado para pagamento a garrafa do código alterado (uma garrafa de vinho branco da marca Cartuxa Pera Manca com o, entretanto, aposto código de barras de uma garrafa da marca Fazendas Perdidas).

12. Bem sabendo, ademais, que punham em causa com a sua conduta a segurança e a credibilidade do tráfico jurídico associadas ao valor dos códigos de barras enquanto representação gráfica de dados numéricos capaz, pela força probatória da notação que lhes está inerente, de proporcionar uma leitura rápida e fidedigna em contexto de médias/grandes superfícies comerciais, o que representaram.

13. Os arguidos, agiram de comum acordo e em comunhão de esforços, em todas as circunstâncias atrás descritas, livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei como crimes.

Outros Factos Provados:

14. O arguido B... tem 36 anos é casado e tem um filho de 4 anos; vive em casa própria pela qual paga uma prestação de crédito à habitação no valor de 300€; actualmente não exerce a sua profissão de carpinteiro; sofreu um acidente de mota em meados de 2015; como habilitações literárias possui o 5º ano de escolaridade.

15. O arguido B... já sofreu as seguintes condenações:
i. Por sentença proferida no âmbito do processo comum singular nº824/05.2GDGDM, do 2º juízo criminal do extinto tribunal judicial de Gondomar, em 22-01-2007, devidamente transitada em julgado em 02-05-2007, pela prática em 21-09-2005, de um crime de difamação, na pena de 120 dias de multa à razão diária de €3 com reparação do ofendido, pena essa extinta em 22/11/2007.
ii. Por sentença proferida no âmbito do processo n.º293/08.5 GDGDM, do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial da Comarca de Gondomar, foi o arguido condenado numa pena de 70 dias de multa, à taxa diária de 6€, pela prática de um crime de simulação de crime, por factos praticados em 12.03.2008, a qual transitou em julgado no dia 09.11.2009, extinta, pelo seu cumprimento, em 07.02.2011.
iii. Por sentença proferida no âmbito do processo n.º51/10.7 PAVLG, cujos termos correram pelo 3.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Valongo, foi o arguido condenado numa pena única de 225 dias de multa, à taxa diária de 6€, pela prática em 2009 de dois crimes de burla, declarada extinta, pelo seu cumprimento, em 24.11.2011, previstos e punidos pelo artigo 217.º do Código Penal, por factos praticados em 2009, a qual transitou em julgado no dia 24.11.2011.
iv. Por sentença proferida no âmbito do processo n.º27/08.4 GAVLF, do Tribunal Judicial da Comarca de Vila Nova de Foz Côa, foi o arguido condenado numa pena de 300 dias de multa, à taxa diária de 6€, pela prática em 12-03-2008, de um crime de furto qualificado, na forma tentada, previsto e punidos pelo artigo 204.º, 22.º e 23.º do Código Penal, por factos praticados em 12.03.2008, a qual transitou em julgado no dia 27.06.2011, pena essa substituída por 300 horas de Trabalho a Favor da Comunidade.
v. Por sentença proferida no âmbito do processo n.º1582/11.7 S6LSB, do 1.º Juízo do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa, foi o arguido condenado numa pena de 10 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, pela prática de um crime de burla simples, previsto e punido pelo artigo 217.º do Código Penal, por factos praticados em 5.12.2011, a qual transitou em julgado no dia 20.09.2012.
vi. Por sentença proferida no âmbito do processo n.681/11.0PAVLG, do 2.º Juízo do Tribunal VALONGO, foi o arguido condenado numa pena de 200 dias de multa à taxa diária de €6, pela prática de um crime de falsificação, por factos praticados em 2011, a qual transitou em julgado no dia 28.02.2013, pena esta substituída por 200 horas de Trabalho a Favor da comunidade.
vii. Por sentença proferida no âmbito do processo n.º158/10.0PBFIG, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Figueira da Foz, foi o arguido na pena única de 16 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período e sujeita ao regime de prova, pela prática de um crime de burla simples na forma tentada, previsto e punido pelo artigo 217.º, 22º e 23º, do Código Penal, e um crime de falsificação de notação técnica, por factos praticados em 02.02.2010, a qual transitou em julgado no dia 06.03.2013. Entretanto, por sentença cumulatória deste processo com o PCS º1582/11.7 S6LSB, foi o arguido condenado na pena única de 20 meses de prisão, suspensa por igual período.
viii. Por sentença proferida no âmbito do processo nº 112/14.3PFMTS, da I.L. de Matosinhos, foi o arguido condenado numa pena de 65 dias de multa à taxa diária de €5,5, e da pena acessória de 4 meses, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, por factos praticados em 13-04-2014, a qual transitou em julgado no dia 10-02-2015, tendo sido extinta a segunda em 10/06/2015.

16. O arguido C... , tem 40 anos, é divorciado, mas encontra-se a residir na mesma casa com a ex-mulher e dois filhos com 6 e 14 anos; como habilitações tem o 6º ano de escolaridade; é vendedor de produtos alimentares (doces caseiros que também confecciona), auferindo em média cerca de 500€; o agregado familiar reside em casa própria cuja prestação do crédito à habitação se cifra em 300€.

17. O arguido C... já sofreu as seguintes condenações:

i. Por sentença proferida no Processo Sumário nº496/12.8PEGDM, em 24-04-2012, devidamente transitada em julgado em 24-05-2012, pela prática em 15-04-2012, de um crime de injúria agravada na pena de 60 dias de multa, á taxa diária de €7, pena declarada extinta em 30-11-2013.

ii. Por sentença proferida no Processo Sumário nº758/13.7GDGDM, em 07-03-2013, devidamente transitada em julgado em 29-12-2013, pela prática em 26-10-2013, de um crime de desobediência na pena de 3 meses de prisão, suspensa por um ano, com a condição de, em 6 meses, a contar do trânsito em julgado, entregar €250 ao Centro de Apoio ao Desenvolvimento Infantil, e na pena de 4 meses e 15 dias, extinta em 12-06-2014 e 09-12-2014.

iii. Por sentença proferida no Processo Comum Singular 163/09.0PIVING em 06-02-2009, devidamente transitada em julgado em 04-06-2012, pela prática em 06-02-2009, de um crime de burla na forma tentada, na pena de 150 dias de multa à taxa diária de €7, substituída por 150 horas de trabalho a favor da comunidade e extinta em 16-01-2014.

iv. Por sentença proferida no Processo Sumário 763/12.0GDGDM em 10-10-2012, devidamente transitada em julgado em 30-10-2012, pela prática em 27-09-2012, de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 90 dias de multa à razão diária de €6,00, substituída por 90 horas de trabalho a favor da comunidade e na pena acessória de cinco meses, extinta em 13-04-2013 e 16/02/2014.

v. Por sentença proferida no processo comum singular nº95/12.4GDGDM, do então 1º juízo do Tribunal de Gondomar, em 30-01-2012, devidamente transitada em julgado em 30-01-2012, pela prática em 30-01-2012, de um crime de burla na forma tentada, na pena de 120 dias de multa à razão diária de €5,00, substituída por 120 horas de trabalho a favor da comunidade, extinta em 26-03-2014.

vi. Por sentença proferida em 07-06-2013, devidamente transitada em julgado em 30-10-2012, pela prática em 27-09-2012, de um crime condução de veículo em estado de embriaguez na pena de 90 dias de multa à razão diária de €6, substituída por 90 horas de trabalho a favor da comunidade, e extinta em 16-02-2014.

18. O arguido A... , tem 36 anos, consta como profissão no TIR a de pasteleiro, desempregado, e não tem antecedentes criminais.

19. Os arguidos B... e C... aceitaram a pena de trabalho a favor da comunidade.


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Factos Não Provados:

Não existem factos não provados com relevância para a boa decisão da causa.


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CONVICÇÃO DO TRIBUNAL:

A convicção do Tribunal é formada, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também por declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, parcialidade, coincidências e mais inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos.

As provas têm por função a demonstração da verdade dos factos, mas a verdade material, fim de todo o processo penal, não é uma verdade absoluta, mas antes uma verdade judicial, prática e, sobretudo, processualmente válida (cfr. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1ª Edição, 1974, Reimpressão, Coimbra Editora, 2004, pág. 194), encontrando-se o tribunal, na sua busca, sujeito ao princípio da livre apreciação da prova, previsto no 127º, do C. Processo Penal, segundo o qual, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.

É que esta “verdade” é o resultado de um labor judicial que se baseia nas declarações de quem vivenciou os factos, mas não despreza outros contributos quiçá mais relevantes (documentos, exames periciais e a própria experiência do julgador). Com efeito, é ponto assente que a comunicação não se estabelece apenas por palavras mas também pelo tom de voz e postura corporal dos interlocutores e que estas devem ser apreciadas no contexto da mensagem em que se integram, no que radica o princípio da imediação da prova. Trata-se de um acervo de informação não-verbal e dificilmente documentável, e nem sequer traduzível por palavras, face aos meios disponíveis mas rica, imprescindível e incindível para a valoração da prova produzida e apreciada segundo as regras de experiência comum e lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.

Como é sabido a apreciação da prova é feita de acordo com o princípio da livre apreciação da prova plasmado no art. 127° e 355.º do CPPenal, no entanto, não se exige a existência de provas directas e cabais do envolvimento do arguido nos factos, como seria no caso de alguém ter afirmado ter visto o arguido a vacinar os ditos animais, ou que este(s), expressamente o confessasse, sendo que se apresenta como condição necessária, e também suficiente, que os factos demonstrados pelas provas produzidas, na sua globalidade, inculquem a fundamental certeza, dentro de juízes de normalidade, razoabilidade, de lógica e acerto que as coisas sucederam tal qual a acusação as refere. Referimo-nos, portanto, à chamada prova indiciária ou indirecta. Daí que a prova criminal não vive só do «visto, claramente visto», como é óbvio. Na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 6.º, tomo 4.º, pág. 555 (citando-se o acórdão do STJ de 29 de Fevereiro de 1996) escreve-se “a inferência na decisão não é mais do que ilação, conclusão ou dedução, assimilando-se todo o raciocínio que subjaz à prova indirecta e que não pode ser interdito à inteligência do juiz.” (neste sentido, entre muito outros, veja-se o acórdão da Relação de Coimbra, de 9 de Fevereiro de 2000, ano XXV, 1.º, pág. 512).

Atentas as naturais dificuldades de reconstituição do facto delituoso, há que recorrer, por vezes, à prova indirecta para basear a convicção da entidade decidente sobre a existência ou não da situação de facto. Isto para dizer, em síntese, que para além da prova directa do facto, a apreciação dos Tribunais pode assentar em prova indirecta ou indiciária, a qual se faz valer através de presunções. Nos termos do artº 349º do Código Civil, presunções são as ilações que a lei ou a julgadora tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido. Por indícios, devem entender-se todas as circunstâncias conhecidas e provadas, a partir das quais, mediante raciocínio lógico, pelo método indutivo, se obtém a conclusão sobre um outro facto: a indução parte do particular e chega ao geral. Quando, em determinadas circunstâncias, não se alcança prova directa

No mesmo sentido veja-se o acórdão da Relação de Coimbra, de 9 de Fevereiro de 2000, ano XXV, 1.º, pág. 51; o artigo de Marta Pinto, na Revista do Ministério Público 128, Outubro: Dezembro 2011, a intervenção de José António Henriques dos Santos Cabral sobre “Prova indiciária e as novas formas de criminalidade” em Nov. de 2011 (disponível na internet), e finalmente, pela assertividade e actualidade citam-se os Acórdãos do STJ de 12/09/2007 (proc. nº07P4588), o Acórdão da Relação de Coimbra de 21/03/2012, e o recente Acórdão da Relação de Porto de 09-12-2015 (nº676/13.9GAMCN.P1) bem elucidativo quanto á prova indiciária e por presunções, cujo sumário aqui se reproduz: “I – A prova não pode ser analisada de forma compartimentada, segmentada, atomizada, mas, ao invés, dever ser valorada na sua globalidade, estabelecendo conexões, conjugando os diferentes meios de prova e não desprezando as presunções simples, naturais ou hominis que são meios lógicos de apreciação das provas e de formação da convicção [sublinhado nosso]. II – A convicção do tribunal tanto pode assentar em prova direta do facto como em prova indiciária da qual se infere o facto probando. III – É legítimo o recurso a presunções simples ou naturais, uma vez que são admissíveis em processo penal as provas que não forem proibidas por lei [Art. 125º, do CPP e Art. 349º e 351º do Código Civil]. IV – As provas não têm forçosamente que criar no espírito do julgador uma absoluta certeza dos factos a provar – certeza essa que, muitas vezes, seria impossível, ou quase impossível de alcançar. O que é necessário é que as mesmas indiquem um grau de probabilidade tão elevado que se baste como certeza possível para as necessidades da vida, de forma a se poder concluir, sem dúvida razoável, que um indivíduo praticou determinados factos.” 

Como acentua Euclides Dâmaso, no seu artigo «Prova indiciária (contributos para o seu estudo e desenvolvimento em dez sumários e um apelo premente)», publicado na Revista Julgar, n.º 2, 2007, «vale isto por dizer-se que a “prova indirecta, indiciária, circunstancial ou por presunções”, que alguns decisores por vezes meticulosa e exigentemente praticam sem claramente assumirem fazê-lo, tem que ganhar adequada relevância jurisprudencial e dogmática também entre nós. Sob pena de a Justiça não se compatibilizar com as exigências do seu tempo e de se agravar insuportavelmente o sentimento de impunidade face aos desafios criminosos de maior complexidade e desvalor ético-jurídico (…). Prieto-Castro Y Fernandiz e Gutiérrez de Cabiedes opinam mesmo que «o indício apresenta grande importância no processo penal, já que nem sempre se têm à disposição provas directas que autorizem a considerar existente a conduta perseguida e então, ante a realidade do facto criminoso, é necessário fazer uso dos indícios, com o esforço lógico -jurídico intelectual necessário, antes que se gere impunidade». 

Nesta decorrência de raciocínio não é pelo facto de uma árvore cair na floresta e ninguém a ter visto cair que a mesma não tenha caído. Isto para dizer, que a rainha das provas é a lógica humana (neste sentido acompanhando Enriço Ferri, in, Discursos de Acusação).

Para melhor fundamentar como se formou a convicção do tribunal, tendo em vista uma maior clareza na exposição e relacionação de todos os elementos probatórios, propomo-nos, num primeiro momento, descrever, por súmula, o teor dos principais elementos de prova [depoimentos testemunhais e documentais].

Os arguidos B... e C... , presentes em audiência, optaram por não prestarem declarações em audiência de discussão e julgamento.

A testemunha E... , responsável operacional do estabelecimento comercial G... , da sociedade F... , S. A., sito no centro comercial (...) , (...) , Figueira da Foz, de cujas funções faz parte gerir a equipa de segurança, e a testemunha D... , agente de investigação criminal da PSP da Figueira da Foz, depuseram de forma circunstanciada, coerente, segura, não afirmando ter conhecimento de matérias de que desconheciam (máxime o primeiro), pelo que mereceram a credibilidade do tribunal.

E... , confirmou a forma como teve conhecimento dos factos [quer pela visualização de imagens, quer pelo conhecimento e acesso que teve a outros casos ocorridos noutros estabelecimentos comerciais G... , pelo país fora], a apresentação de queixa conjunta por situações similares, pela responsável das Operações do Centro Nacional de Segurança do estabelecimento comercial G... , da sociedade F... , S. A., H... , o dia e hora dos factos em causa nestes autos [23/01/2015, pelas 14h33, esclarecendo que a hora do sistema CCTV coincide sensivelmente com a hora real, podendo haver um desfasamento no máximo de um minuto], em congruência com o auto de notícia de fls. 2 e 3 (do qual consta o seu nome como testemunha). Assim, em concreto, referiu que foi alertado por um vigilante via telefone de que havia “um buraco” na garrafeira, “espaço” esse onde teriam sido colocadas na manhã do dia 23-07-2015, 6 garrafas de vinho Pêra Manca branco, sendo que já lá existiam 4 garrafas, pelo que o repositor achou estranho, uma vez que não são garrafas que, pelo preço, se vendam num dia, nem sequer em trinta dias. Achou estranho e alertou a equipa de segurança. Como tinha conhecimento de factos ocorridos noutras lojas do grupo que exemplificou [no dia 10/01/2015, nos PA de Lagoa, G... Faro, e G... Portimão; no dia 12/01/2015, já no Norte, no PA de S. Tirso, e no G... de Famalicão; no dia 22/01/2015, no PA de Oeiras e no G... de Coimbra; no dia 23/01/2015 na Figueira], com os mesmos indivíduos, com o “mesmo modus operandi”, mandou verificar as vendas do vinho tinto “Fazendas Perdidas” por ter sido a etiqueta deste a ser usada noutras situações ocorridas com os mesmos indivíduos. Entretanto, no sistema, verificaram uma venda na caixa 5, no dia 23-01-2015, pelas 14h42m, de 10 garrafas de vinho tinto “Fazendas Perdidas” com o valor unitário de 1,28€. Confirmou o valor do vinho “Cartuxa Pêra Manca” (com o valor unitário de 24,99€), e que se trata dos vinhos mais caros vendidos em Hipermercados. Confirmando o valor do prejuízo e que este ainda não foi pago.

Esclareceu, com conhecimento de causa, os critérios usados na exposição dos vinhos: que estão em prateleiras diferentes os vinhos brancos, os tintos e os espumantes. Os vinhos com preços mais elevados, como é o caso do “Pêra Manca” (com o valor unitário 24,99€) encontram-se num patamar mais elevado; enquanto os mais baratos, como é o caso do “Fazendas Perdidas” (com o valor unitário de 1,28€) se encontram na prateleira de baixo. O vinho é ainda repartido por zonas geográficas.

Explicitou, ainda, que das garrafas mais caras, eram as únicas que não estavam alarmadas, explicitando que se estivessem alarmadas não seria possível levá-las, já que a operadora teria que retirar os alarmes, e nessa altura, seria mais fácil de perceber que não se tratava de vinho tinto, como passou na caixa, mas, de facto, de vinho branco.

Explicitou que o código de barras tinha sensivelmente o mesmo tamanho, e quando colocado por cima, a máquina apenas lê o de cima. Assim, só uma funcionária da caixa mais alerta poderia ver que existia algo (etiqueta colada por cima) com maior relevo.

Esta testemunha, cujo depoimento foi fundado não apenas na visualização das imagens, mas também naquilo a que teve acesso directo no exercício das suas funções de responsável operacional, descreveu, de forma detalhada e harmónica com o depoimento do D... , e com os fotogramas e CD junto aos autos, a dinâmica da situação, confirmando (por comparação com os fotogramas a que teve acesso de outras situações similares noutros estabelecimentos) ainda a identificação dos arguidos, quer presencialmente em audiência (dois presentes), quer com as fotografias de fls. 33, 34 e 35 dos autos, referindo ainda que o arguido A... , depois de ter colocado uma única garrafa em cima do tapete [o procedimento é registar a garrafa e não a caixa, pelo que a funcionária, depois de passar uma, não vai verificar uma a uma], que identifica como a que tinha o rótulo trocado, e levando apenas aqueles produtos [10 garrafas de vinho] procedeu ao pagamento do valor de 12,80€ em numerário. Mais esclareceu esta testemunha a concreta posição da garrafa em que viu colocar o código de barras através da visualização do vídeo (na segunda fila do lado esquerdo do carrinho de compras) tendo também sido nesse sítio que foi retirada na linha de caixa (não obstante, durante o percurso existir sempre ângulos mortos num hipermercado, como admitiu, de forma sincera, E... , certo é que é bastante revelador que aquela especifica posição tenha sido mantida até à caixa).

A testemunha D... , agente de investigação criminal da PSP da Figueira da Foz, depôs de forma sincera, desinteressada, objectiva e com razão de ciência suficiente [confirmou a forma como “chegou” aos arguidos, ou seja, como teve conhecimento, através da consulta do Sistema Estratégico de Informações da PSP, que naquele concreto dia, em Leiria, num esquema semelhante, teriam sido detidos e fotografados pela policia de Leiria, concluindo através da visualização dos fotogramas de fls. 33 e segs., que se tratavam das pessoas dos arguidos; e porque foi o investigador de um outro processo semelhante relacionado com o Pingo Doce], confirmou, de forma isenta, credível, e congruente com o depoimento da testemunha anterior e com os elementos documentais juntos aos autos, a denúncia efectuada pelo estabelecimento comercial G... , da sociedade F... , S. A, a data e hora dos factos, confirmando a apreensão das imagens, e o respectivo visionamento.

Da visualização que o próprio tribunal fez dos fotogramas e imagens do sistema de videovigilância[1] captadas nas circunstâncias de tempo, modo e lugar supra referidas, e reproduzido em audiência de julgamento (CD que se encontra apensado à contracapa) com os esclarecimentos prestados pelas testemunhas E... e D... que auxiliaram a perceber a forma como os arguidos actuaram, em conjugação com a restante prova documental incorporada nos autos, verifica-se que entra um primeiro individuo “calvo”, do lado esquerdo, que corresponde à descrição do arguido B... (identificação feita no âmbito de outros processos similares, e que em virtude de flagrante delito, foi possível a identificação; correspondendo também às imagens dos inúmeros fotogramas juntos aos autos), que se dirige de imediato ao liminar da garrafeira; passado um a dois minutos entram os outros dois arguidos, sendo que é o arguido A... que leva o carrinho de compras e encaminha-se directamente para a garrafeira, pára o carrinho a meio do corredor das bebidas, aí coloca as garrafas no carrinho, e deixa-o no limiar do corredor; entretanto o arguido C... que se tinha dirigido primeiro para uma zona afastada da garrafeira, dá um tempo de 1 ou 2 minutos, e depois dirige-se ao carrinho, onde pega numa garrafa de vinho e coloca a etiqueta [código de barras] na garrafa, larga o carrinho, e sai pela porta de entrada (com uma diferença temporal em relação ao arguido B... de 1 minuto (O B... saiu às 14:41 e o C... saiu às 14h40) e de cerca de 5 minutos em relação ao arguido A... que foi fazer o pagamento na caixa. Não há qualquer dúvida que se trata do mesmo carrinho, já que não há mais nenhum por perto. Entretanto, o arguido A... dirige-se para a linha de caixa, especificamente para a caixa 5, onde dá a garrafa com o código de barras alterado, a operadora faz o registo da garrafa e múltipla pelo número de garrafas que estão dentro do carrinho, procede ao pagamento de 12,80€, em numerário, das 10 garrafas e não leva qualquer outro produto. Entretanto, como referimos haviam saído da loja, apenas há escassos minutos, os arguidos B... e C... .

A convicção do tribunal assentou ainda nos standards objectivos que se extraem dos elementos documentais: auto de notícia de fls. 1/3 (data dos factos), relatório de visionamento de imagens com suporte fotográfico de fls. 36 e 37, e 7 a 12, respectivamente; talão de fls. 12 e 32; fotogramas de fls. 33, 34 e 35; certidão do inquérito 65/15.0PBLRA, de fls. 242 e segs, no qual consta o auto de noticia por detenção ocorrida no Pingo Doce de Leiria em 23-01-2015 a fls. 243, auto de noticia de fls. 244, auto de apreensão de fls. 246 (do qual consta também 10 garrafas de Pêra Manca, e a apreensão de 21 etiquetas colantes com a indicação de “vinho G... ” e até um talão de caixa do Pingo Doce da Figueira da Foz, que veio a dar origem ao  inquérito – 56/15.1PBFIG-, folha de suporte fotográfico de fls. 247 (de destaca as fotos das etiquetas autocolantes de fls. 249); auto de noticia de fls. 70 e segs [19-12-2012], do inquérito 2081/15.5PAALM, de Almada, com apreensão de vinhos de mesa, entre eles 11 garrafas de Pêra Manca; fls. 29, 80, 81 e 82 do Inq. 163/15.0PBVFX em que houve entrega das cópias das imagens dos suspeitos em  suporte (fls. 76 e segs., 12/01/2015); proc. nº166/15.5PBVFX (dia 22/01/2015) do G... de Coimbra, em que foram entregues cópias das imagens dos suspeitos em suporte de papel, maxime, fls. 91, 93, 94 e 95; fotogramas de fls. 123, 126 e 128 do Inquérito 160/15.6PBVFX, de Faro (10/01/2015), auto de noticia de fls. 139/141 e auto de visionamento de imagens de fls. 158 a 162 e fotogramas de fls. 145 a 149 do Inq. 165/15.7PBVFX, do G... de Eiras; auto de noticia de fls. 164 e ss do Inq. 161/15.4PBVFX do G... de Lagoa  (10/01/2015).

Aqui chegados, importa, agora, melhor fundamentar a convicção do tribunal no que concerne aos factos provados e não provados, analisando de forma crítica a prova produzida, para além do que já se deixou supra exposto e para que se remete.

Afigura-se-nos que da globalidade da prova produzida, respectivas conexões, conjugação dos diferentes meios de prova e não desprezando as presunções simples, naturais ou hominis - que são meios lógicos de apreciação das provas e de formação da convicção - existe matéria para que proceda a acusação quanto aos três arguidos neste esquema de comparticipação, pelos crimes de burla e de falsificação de notação técnica.

Vejamos.

Em primeiro lugar, é necessário referir que qualquer cidadão de mediana experiência, pode não perceber muito de vinhos, mas se há marcas de relevo e sonantes no mercado é o vinho “Cartuxa Pêra Manca”, que, obviamente, não tem o preço unitário de 1,28€, pelo que qualquer cidadão de boa fé teria que se dar conta de que, no mínimo, “haveria algum erro”, alguma falha.

Ora, no que respeita ao arguido A... , não obstante ser julgado na sua ausência, de acordo com as regras da normalidade da vida, será uma pessoa, para além de imputável, com frequência de escola, que se encontrará medianamente integrado na sociedade, pelo que se teria de ter apercebido deste mesmo facto, pagando um preço muito inferior a essas 10 unidades e não dando conta à funcionária da caixa. Prevalecendo-se da boa fé da funcionária da caixa, levaria essas 10 garrafas que valiam cerca de 250€ apenas por 5% desse valor [12,8€], Ora, isto juntamente com a alteração e uso do código de barras do “Vinho Fazendas Perdidas” são actos concludentes para a verificação dos dois nexos de causalidade necessários para a verificação da tipicidade da burla (note-se, como supra desenvolveremos, ao nível da fundamentação jurídica, o comportamento enganoso pode ser feito através de actos concludentes).

Ademais, a identificação quer do arguido A... , quer dos outros dois arguidos, foi feita pelo agente D... , que explicou como teve conhecimento que nesse mesmo dia, noutro hipermercado de Leiria, foi denunciada uma situação similar, onde estes três cidadãos foram identificados, para além de serem feitas apreensões de vinhos e etiquetas de código de barras colantes.

Por outro lado, as imagens são, efectivamente, um elemento valioso a sopesar.

Ora, da sua visualização, constatamos que o arguido B... entra no Hipermercado G... da Figueira da Foz, dirige-se para a zona da garrafeira, e não faz qualquer tipo de compra, o que se estranha porque se trata de um cidadão oriundo do norte do país, para mais num dia útil de semana (sexta feira), e que depois de entrar e ir ao corredor dos vinhos, sai sem fazer qualquer aquisição de vinho. Permanece no interior do estabelecimento apenas cerca de 10 minutos.

Por outro lado, A... e C... , também oriundos do norte do país, entram próximos, pela porta de entrada, do hipermercado G... e apenas 3 minutos depois do arguido B... .

O A... leva o carrinho e coloca 10 garrafas no mesmo – sendo de destacar que eram todas as garrafas disponíveis naquela altura na prateleira e que não estavam alarmadas-, garrafas que estão numa posição mais alta (que conforme foi explicado pela testemunha E... , é onde estão as garrafas de vinho mais caros) e numa prateleira que obedeceu a uma selecção e divisão entre vinhos brancos, tintos e de outras espécies e por região.

A determinada altura, de acordo com o visionamento das imagens e a conjugação de todos os elementos documentais e esclarecimentos da testemunha E... , o arguido C... coloca uma etiqueta de tamanho sobreponível exactamente ao código de barras da garrafa numa das dez unidades do vinho Pêra Manca.

Não obstante, uma parte mais obscura de captação de imagens, é visível que o arguido A... regressa e se dirige para o carrinho sem mais nenhuma compra até à caixa nº5, onde a funcionária o atende, onde apresentada uma das garrafas e aquela vendo que as outras garrafas eram de vinho, nessa mesma boa fé, acaba por multiplicar as 10 unidades pelo preço unitário de 1,28€, assim obtendo o valor de 12,8€.

Já depois dessa operação e já na posse dessas garrafas, e após os arguidos C... (às 14h40), B... (às 14h41) saírem, o arguido A... sai também (às 14h45).

Não restam dúvidas que houve a sobreposição da etiqueta na unidade da garrafa Pêra Manca, que permitiu essa confusão de leitura. Ou seja, não foi lida a barra original, mas a barra alterada da garrafa, alteração essa que só pode ter acontecido naquele momento. Portanto, não houve qualquer troca, por lapso, do Hipermercado na etiquetagem originária das garrafas. Recorde-se que seis delas tinham sido repostas naquele mesmo dia. Até à caixa nº5, não se vê pelas imagens que alguma troca tenha sido efectuada nesse momento, entre as 14h39 e as 14h41, ainda que se admita que possa haver um desfasamento na hora de cerca de 1 minuto, o que corresponde a uma décalage temporal muito pouco acentuada (fez referência a um minuto a testemunha E... com conhecimento de causa dadas as suas funções de responsável operacional pelo sector de segurança).

É certo que não houve uma apensação processual de todos os inquéritos existentes mencionados no auto de noticia e pela testemunha E... , mas também é certo que decorre da data do auto de noticia de fls. 44 (proc. 65/15.0PBLRA, de Leiria que naquele mesmo dia 23-01-2015, no Pingo Doce daquela cidade, pelo menos, o arguido C... foi interceptado pelo vigilante daquele espaço a pagar garrafas de vinho com etiquetas (códigos de barras) adulteradas, portanto num esquema semelhante, em que veio a ser identificado, fotografado e detidos, assim como os dois indivíduos que o acompanhavam e que estavam já no interior do veiculo de aluguer e após foram apreendidos diversos produtos que se encontravam nesse mesmo veiculo (cfr. auto de apreensão de fls. 49/51] entre os quais pela conexão se destacam a apreensão de 10 garrafas de Pêra Manca, para além de outros vinhos caros, e 21 etiquetas colantes com a indicação de “vinho G... ” [entre outras, como por exemplo, 10 etiquetas colantes com a indicação de Esp. Pingo Telheiras), para além do bem elucidativo talão de caixa do super-mercado Pingo Doce da Figueira da Foz, que veio depois a dar origem ao  NUIPC 56/15.1PBFIG. Da análise das fotografias de fls. 43, constata-se que as fotos dos códigos de barras aprendidos são sobreponíveis em tamanho aos códigos de barras das garrafas de vinho “Cartuxa Pera Manca” fornecidos pelos hipermercados. Por outro lado, da comparação desses fotogramas de Leiria, como salientou o agente D... , constata-se que vestem todos a mesma roupa com que foram fotografados (não obstante, não ter sido possível fotografar um deles, certo é que o mesmo naquelas circunstâncias foi identificado. Também não será de excluir o facto de existir uma condenação do arguido B... , já de 2012, e por factos de 2010, por este mesmo tribunal, por factos idênticos, conforme decorre do despacho de fls. 617 e 618 e do teor do seu CRC (alguém que também vem do norte e coloca a etiqueta de um vinho mais barato num vinho mais caro).

Se outros funcionários com conhecimentos vinícolas mais apurados, ou mais alertas e que tivessem reparado no relevo poderiam ter atentado na discrepância e terem detectado que havia ali um esquema para defraudar a própria funcionária do G... quanto ao preço, certo é que aquela funcionária, não se apercebeu de tal, até porque tais garrafas não estavam alarmadas, o que implicaria, ao ter que mexer em mais garrafas, aumentar as possibilidades de detectar o esquema.

Não se verificou propriamente uma actividade simultânea, mas uma actividade anterior e encadeada, pelo que em termos diacrónicos se percebe a resolução criminosa unívoca e um condomínio funcional do facto, ou seja, os arguidos não são vistos propriamente em conjunto, mas têm um papel especifico na execução do facto ilícito típico.

Com efeito, o arguido B... , natural do norte do pais, entra primeiro no hipermercado (dois minutos antes) parecendo olhar para um telemóvel que leva na mão, sabe perfeitamente o seu destino, dirigindo-se de imediato ao corredor das bebidas; menos de sete minutos depois está a sair pela porta de entrada, sem ter feito qualquer compra, e continua de cabeça baixa a olhar em direcção à mão, como enviando msn. Admitindo-se a sua deslocação com a necessidade de verificar o stock do vinho que interessava (valor elevado) e até se tais garrafas estavam ou não armadilhadas, o que permite concluir que o seu papel foi o de localizar/seleccionar o que ia ser levado. O que levou a polícia a chegar à sua identificação são factos alegadamente cometidos no mesmo estabelecimento, no mesmo dia, com o mesmo modus operandi.

Dois minutos depois entram os arguidos A... e C... , dirigindo-se para uma prateleira do corredor de vinhos, onde não estão garrafas armadilhadas, que vêm a ser a escolha do arguido B... , de acordo com juízes de lógica e da normalidade do acontecer, pelo que teve como “papel” a “escolha dos vinhos”.

Não tendo sido verificado um contacto directo entre os arguidos, pela forma como o arguido B... olhava para algo que levava na não, apresenta-se à luz das máximas da experiência comum, que tivesse havido um contacto por mensagem.

O arguido C... , retira as 10 garrafas de vinho de preço de 24,99€; já o arguido A... que “aparentemente” deixa ali o carro estacionado, permite ao arguido C... essa alteração (colagem) de rótulos.

Portanto, pelo circunstancialismo espácio-temporal [decorreram entre o inicio e o termo da operação cerca de uma dúzia de minutos, e entre a entrada dos arguidos A... e C... e o seu reposionamento no corredor das bebidas, cerca de meia dúzia de minutos], pelo facto de, quer o arguido A... quer o arguido C... terem contactado com aquele carrinho no corredor das bebidas, numa altura em que não se encontravam outros nas proximidades, conjugando estes factos com todos os outros supra descritos, afigura-se-nos que estes dados permitem afirmar acima de qualquer dúvida razoável, que foi nesse momento que o arguido C... coloca o rótulo das garrafas de Fazendas Perdidas tinto por cima do rótulo das garrafas de Pêra Manca branco; pelo itinerário seguido por este directamente para a caixa nº5, sem terem sido retirados quaisquer outros produtos de outras prateleiras e corredores (apenas foi adquirido o vinho, nada mais), onde depois de ser apresentada uma garrafa de vinho (sendo visível que no carrinho permanecem as outras nove), e depois do registo e cálculo aritmético pela funcionária, procede ao pagamento de apenas 12,80€, quando deveria ter pago 249,90€.

Aqui se traz à colação o que supra escrevemos sobre prova indirecta, porquanto não podendo a prova ser analisada de forma compartimentada, segmentada, atomizada, mas, ao invés, ser valorada na sua globalidade, estabelecendo conexões, conjugando os diferentes meios de prova e não desprezando as presunções simples, naturais ou hominis que são meios lógicos de apreciação das provas e de formação da convicção - a convicção do tribunal tanto pode assentar em prova direta do facto como em prova indiciária da qual se infere o facto probando – é imperiosos reiterar que as provas não têm forçosamente que criar no espírito do julgador uma absoluta certeza dos factos a provar – certeza essa que, muitas vezes, seria impossível, ou quase impossível de alcançar[2]. O que é necessário é que as mesmas indiquem um grau de probabilidade tão elevado que se baste como certeza possível para as necessidades da vida, de forma a se poder concluir, sem dúvida razoável, que um indivíduo praticou determinados factos.” 

Ora, é patente que existem várias conexões entre os arguidos, e entre os factos praticados naquele dia no G... da Figueira e noutra supermercado de Leiria, envolvendo os mesmos indivíduos, para além dos múltiplos outros inquéritos com modus de operandi semelhante, espalhados por todo o pais.

Ainda no âmbito da apreciação da prova indiciária da qual se infere o facto probando é necessário sopesar que se alguém ( B... ) que não é natural, nem residente na Figueira da Foz, que entra no estabelecimento comercial do G... desta cidade, onde permanece escassos 7 minutos no seu interior, e que nada leva/compra, e se passadas umas horas é detectado, conjuntamente com os outros dois, num estabelecimento em Leiria, e que existem as imagens a que fez alusão a testemunha E... de que teve conhecimento directo/acesso, de outros estabelecimentos do pais, nomeadamente, no Algarve, Eiras, Alverca e Coimbra, em que aparecem sempre ao mesmo tempo, às mesmas horas, no mesmo tipo de estabelecimentos comerciais, onde depois ocorrerem situações similares, de serem pagas garrafas de outra marca, portanto mais baratas, pagando um preço inferior por vinhos de nome e preços elevados, é muito mais do que uma coincidência estranha ou até de um circunstancialismo meramente sugestivo, longe de fazer desencadear qualquer dúvida razoável sobre a co-autoria dos factos em causa nestes autos.

Portanto, todos estes elementos coadjuvantes, conjugados entre si permitem dar lastro e verosimilhança ao facto de estamos perante um circunstancialismo bastante concludente no sentido em que efectivamente se verificou um (co)domínio funcional do facto, uma comunhão de esforços e vontades entre os três arguidos. Reiteramos, trata-se de cidadãos de outra zona do país, a dezenas de quilómetros da Figueira ao Porto, são vistos no mesmo dia, à mesma hora noutro estabelecimento similar, suspeitos de praticar factos da mesma natureza, e que depois de abordados/detidos em Leiria são identificados como sendo os aqui arguidos, e são apreendidos objectos relacionados com os factos (como as etiquetas dos códigos de barras); o modus operandi foi sempre o mesmo: substituição do código de barras original de uma garrafa de maior preço pelo código do vinho Fazendas Perdidas, com um preço de apenas 5% do valor (1,28€); sendo que a garrafa em que foi colado o novo código de barras foi a única a ser colocada em cima do tapete da caixa, passando as garrafas no carrinho ao preço da registada como Fazendas Perdidas.

Aliás, na posição que temos vindo a seguir, o facto dos arguidos se terem remetido ao silêncio quanto aos factos da acusação, se não podem ver juridicamente desfavorecida a sua posição, também não é menos certo que, quando é do seu interesse a invocação de um facto que os favorece – e que até eles poderão ser os únicos a conhecer - a manutenção do silêncio quanto a factos criminalmente relevantes podê-los-ão desfavorecer. Acompanhamos, portanto, Costa Andrade (in Sobre as Proibições de Prova em Processo Penal, pág. 129, citando Kuhl) quando ensina que “se o arguido exerce o seu direito ao silêncio, ele renuncia (faculdade que lhe é reconhecida), a oferecer o seu ponto de vista sobre a matéria em discussão, nessa medida vinculando o tribunal à valoração exclusiva dos demais meios de prova disponíveis no processo”. Destarte, afastando qualquer valoração negativa do silêncio, afigura-se-nos, todavia, que se do exercício do direito ao silêncio não podem resultar consequências desfavoráveis aos arguidos, também não pode, do seu exercício, retirar-se consequências probatórias favoráveis aos mesmos – v.g. explicativas, justificativas ou atenuativas que exijam uma atitude proactiva dos arguidos [neste sentido, citam-se a título meramente exemplificativo, Acórdãos da Relação de Coimbra de 21-04-2010, desembargador Brizida Martins, de 29-05-2013 e de 21-03-2012, ambos do desembargador Belmiro Andrade].

No que respeita ao elemento subjectivo do tipo de ilícito cumpre dizer que o dolo não constitui uma realidade ostensível e isto em face da sua natureza subjectiva. Como tal, não é passível de apreensão directa, pelo que só podendo captar-se a sua existência através de factos materiais, entre os quais o preenchimento dos elementos integrantes da infracção e por meio de presunções materiais ligadas ao princípio da normalidade ou das regras gerais da experiência (cfr. Ac. STJ de 01/04/1993, BMJ, nº426, pag. 154). Portanto, em suma, pode comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções materiais ligadas ao principio da normalidade ou da regra geral da experiência.

Ora, recorrendo às regras da experiência, e conforme já descrito, face ao circunstancialismo espácio-temporal em que os factos ocorreram e demais elementos já exaustivamente referidos, apenas cumpre citar as palavras de Malatesta, quando refere que “o homem, ser racional, não obra sem dirigir as suas acções a um fim. Ora quando um meio só corresponde a um dado fim criminoso, o agente não pode tê-lo empregado senão para alcançar aquele fim.” [A Lógica das provas em matéria Criminal, p. 172 ss; (cfr. acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 23 de Fevereiro de 2993, in BMJ nº 324, pág. 620]. E por aqui nos ficamos.

No que respeita às condições pessoais e económicas dos arguidos foram por si relatadas, com excepção do arguido A... que o tribunal ponderou o teor do TIR e das regras da experiência comum, sendo que quanto aos antecedentes criminais, o Tribunal atendeu ao teor dos C.R.C. de fls. 591, 592 a 599, 600 a 608.


***

            III. Apreciação do Recurso

A documentação em acta das declarações e depoimentos prestados oralmente na audiência de julgamento determina que este Tribunal, em princípio, conheça de facto e de direito (cfr. artigos 363° e 428º nº 1 do Código de Processo Penal).

Mas o concreto objecto do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da correspondente motivação, sem prejuízo das questões do conhecimento oficioso.

Vistas as conclusões do recurso, as questões a apreciar são as seguintes:

- Se as imagens obtidas através de câmara de videovigilância em estabelecimento comercial são meio proibido de prova;

- Se ocorre erro de julgamento da matéria de facto, devendo esta ser alterada e os arguidos recorrentes absolvidos.

Apreciando:

Da prova por imagens captadas por câmara

Os recorrentes invocam que o Tribunal não podia fundar a sua convicção em imagens e fotogramas que não foram objecto das condições imperativas de recolha e tratamento de imagens e som, atento princípio da legalidade da prova, previsto no artigo 125.º do Código de Processo Penal, colhendo-se na motivação que a ilegalidade radicará na falta de comunicação/autorização do CNDP.

Já é abundante a jurisprudência existente sobre a matéria da legalidade como meio de prova de imagens obtidas por sistemas de videovigilância instalados em espaços a que as pessoas podem aceder sem necessidade de autorização, ainda que sejam propriedade privada, como sejam habitações ou estabelecimentos comerciais, ainda que as imagens tenham sido obtidas sem conhecimento do visado (por não serem visíveis e por inexistência de aviso) e sem autorização/comunicação da Comissão Nacional de Protecção de Dados - CNPD.

Na abordagem desta matéria seguimos de muito perto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, adiante identificado, onde encontramos uma boa síntese das questões abundantemente debatidas noutras decisões das Relações sobre esta matéria e que também diz respeito a videovigilância em local de acesso público, embora do domínio privado.

Serve, aliás, de paradigma nesta matéria, por ser o único desse alto tribunal que conhecemos, o acórdão do STJ, proferido no processo 22/09.6YGLSB.S2, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral, que se refere a imagens de videovigilância instalada em parte comum de prédio constituído em propriedade horizontal.

Mas vejamos.

As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos – v.g. artigo 341º, do Código Civil – constituindo objecto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis e, ainda, os factos relevantes para a determinação da responsabilidade civil, se tiver sido formulado pedido nesse sentido – v.g. artigo 124º, do Código de Processo Penal.

Nos termos do disposto no artigo 125º, deste último diploma, são admissíveis as provas que não forem proibidas por lei.

As proibições de prova são verdadeiras limitações, ou prescrições de limite, à descoberta da verdade material. Como refere o Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo, 2008, 4ª edição, vol. II, pág. 138, “É manifesto que com a proibição de prova se pode sacrificar a verdade, já que a prova proibida, seja qual for a causa da proibição, pode ser de extrema relevância para a reconstituição do facto histórico, pode mesmo ser a única. Um facto pode ter de ser julgado como não provado simplesmente porque o meio que o provaria não pode ser utilizado no processo, porque é um meio de prova proibido e, por isso, não admissível para formar a convicção do julgador. Simplesmente (…) não se propõe a busca da verdade absoluta e por isso não se admite que a verdade possa ser procurada, usando de quaisquer meios, mas tão-só através de meios justos, ou seja, de meios legalmente admissíveis.”.

A proibição de prova originará, sempre, uma proibição de valoração de prova (outros casos previstos na lei processual penal dirigem-se apenas à proibição de valoração de prova originariamente obtida de forma legal).

A lei processual penal, no artigo 118º, reporta-se ao princípio da legalidade que consagra no domínio da violação ou inobservância das suas disposições, ressalvando expressamente do regime das nulidades as normas relativas a proibições de prova.

O artigo 126º do Código de Processo Penal, traduzindo o artigo 32º, nº 8, da Constituição da República Portuguesa, disciplina nos seus nºs 1 e 2, as provas absolutamente proibidas e no nº 3, as provas relativamente proibidas. As primeiras nunca podem ser utilizadas e as segundas podem ser utilizadas nos casos previstos na lei, ou seja, desde que respeitadas as regras estabelecidas na lei para a intromissão nos direitos tutelados, isto é, desde que respeitadas as regras da sua admissibilidade.

O artigo 26º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, sob a epígrafe “Outros direitos pessoais”, dispõe que “A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.”.

No direito à imagem está implícito, designadamente, o direito de cada um a não ser fotografado ou filmado sem o seu consentimento.

Contudo, a própria lei fundamental, no seu artigo 18º, nº 2, admite a restrição dos “direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.

Ou seja, pese embora os princípios gerais acima referidos, a própria lei fundamental admite excepções e uma delas é a prevista no artigo 167º do Código de Processo Penal.

Dispõe este preceito legal que:

1. As reproduções fotográficas, cinematográficas, fonográficas ou por meio de processo electrónico e de um modo geral, quaisquer reproduções mecânicas só valem como prova dos factos ou coisas reproduzidas se não forem ilícitas, nos termos da lei penal.

2. Não se consideram, nomeadamente, ilícitas para os efeitos previstos no número anterior as reproduções mecânicas que obedecerem ao disposto no título III deste Livro.”.

E, estatui a lei penal, no seu artigo 199º, sob o título “Gravações e fotografias ilícitas”, que:

“1. Quem sem consentimento:
a) (…);
b) (…);

2. Na mesma pena incorre, quem, contra vontade:

a) Fotografar ou filmar outra pessoa, mesmo em eventos em que tenha legitimamente participado; ou

b) Utilizar ou permitir que se utilizem fotografias ou filmes referidos na alínea anterior, mesmo que licitamente obtidos.

3. (…).”.

Caso esteja em causa prova proibida, a mesma deve ser oficiosamente reconhecida e declarada em qualquer fase do processo, surgindo como nulidade insanável, a par daquelas que expressamente integram o catálogo do artigo 119º do Código de Processo Penal.

Admitindo que no caso a recolha da imagem do recorrente, em local de acesso a habitação, e posterior utilização da mesma, seriam à partida penalmente ilícitas nos termos das disposições conjugadas dos artigos 167º, nº 1, do Código de Processo Penal e 199º, nº 2, alíneas a) e b), do Código Penal, dúvidas não se nos suscitam da existência de razão que exclui a ilicitude penal.

Na senda do expendido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 04.03.2010, proferido no processo nº 1630/08.8 PFSXL.L1-9, disponível in www.dgsi.pt/jtrl, em conflito estão dois direitos dignos de tutela: de um lado, o direito à propriedade e à segurança de pessoas e bens – cfr. artigos 62º, nº 1 e 27º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa – e, de outro, o direito à imagem e à intimidade – cfr. artigo 26º da Constituição da República Portuguesa. “De acordo com o artigo 199º do CP, impõe-se proceder a ponderação dos meios utilizados, no âmbito do princípio da necessidade, da adequação e da proporcionalidade com as finalidades estabelecidas e as pessoas e bens protegidos. (…) Tem sido entendimento da jurisprudência que não constitui crime a obtenção de imagens, mesmo sem consentimento do visado, sempre que exista justa causa para tal procedimento, designadamente quando sejam enquadradas em lugares públicos, visem a protecção de interesses públicos, ou hajam ocorrido publicamente. Será, por isso, considerada criminalmente atípica, a obtenção de fotografias ou de filmagens, mesmo sem consentimento do visado, sempre que exista justa causa nesse procedimento, designadamente quando as mesmas estejam enquadradas em lugares públicos (no sentido de poderem ser acedidos por qualquer pessoa, ainda que do domínio privado) visem a realização de interesses públicos ou que hajam ocorrido publicamente. É que a captação de imagens de um eventual suspeito, em tal circunstância, constitui um meio necessário e apto a repelir a eventual agressão ilícita da propriedade do ofendido. Aliás, o próprio artigo 79º, nº 2 do Cód. Civil prevê a desnecessidade do consentimento da pessoa retratada quando assim justifiquem exigências de polícia ou de justiça, o que, naturalmente, também deverá ser considerado extensível ao direito penal, face à sua natureza fragmentária e ao seu princípio de intervenção mínima. Consagrando o princípio de que o ordenamento jurídico deve ser encarado no seu conjunto, dispõe o artigo 31º, n.º 1 do Cód. Penal, que o facto não é criminalmente punível quando a sua ilicitude for excluída pela ordem jurídica considerada na sua totalidade. Quer isto dizer que as normas de um ramo do direito que estabelecem a licitude de uma conduta têm reflexo no direito criminal, a ponto de, por exemplo, nunca poder haver responsabilidade penal por factos que sejam considerados lícitos do ponto de vista civil. A justa causa apenas poderá ser afastada pela inviolabilidade dos direitos humanos, designadamente, a inadmissibilidade de atentados intoleráveis à liberdade, dignidade e integridade moral das pessoas, como seja o direito ao respeito pela sua vida privada.

Por maioria de razão se deverá estender ao direito penal o preceituado neste último segmento normativo, face à natureza fragmentária daquele ou ao seu correspondente princípio de intervenção mínima, resultante do artigo 18º, nº 2, da Constituição. Ora, a citada norma do Cód. Civil, não só afasta a ilicitude dos artigos 199º do Cód. Penal e 167º do Cód. Proc. Penal, como também não é inconstitucional, uma vez que, embora comprima o direito à reserva da vida privada, não o faz de uma forma de todo intolerável. (…) Acresce que, a obtenção de imagens nas circunstâncias em apreço também não constitui qualquer crime de devassa contra a vida privada (previsto no artigo 192º) ou de devassa por meio de informática (do artigo193º, ambos do Cód. Penal), uma vez que com estes ilícitos pretende-se tutelar apenas o núcleo duro da vida privada e mais sensível de cada pessoa, como seja a intimidade, a sexualidade, a saúde, a vida particular e familiar mais restrita, que se pretende reservada e fora do conhecimento das outras pessoas, o que não é manifestamente o caso da situação que nos ocupa. As imagens do arguido não foram registadas no contexto da esfera privada e íntima deste, (…). O que é constitucionalmente protegido é, apenas, a esfera privada e íntima do indivíduo. Sucede que, a gravação não contende nem com uma nem com outra.”.

Além dos já citados acórdãos, mencionamos ainda os seguintes:

Do Tribunal da Relação de Coimbra:

·   de 26.01.2011, proferido no processo nº 68/10.1PBLRA.C1, relativo a câmara instalada em estabelecimento de discoteca, sem aviso da sua existência e sem autorização da CNDP;

·    de 24.2.2016, proferido no processo nº 2638/12.4TALRA.C1, de 10.10.2012, relativo a imagens colhidas por câmara instalada em estabelecimento de supermercado sem autorização da CNDP;

·   de 10.10.2012, proferido no processo nº 19/11.6TAPGL.C1, relativo a imagens colhidas por câmara instalada em posto de abastecimento de combustíveis, desconhecendo-se autorização da CNDP;

·   de 02.11.2011, proferido no processo nº 106/09.0PAVNO.C1, relativo a imagens colhidas por câmara instalada em estabelecimento de ourivesaria sem aviso da sua existência;

Do Tribunal da Relação de Lisboa:

· de 28.05.2009, proferido no processo nº 10210/2008-9, relativo a imagens colhidas por câmara instalada no interior de um prédio rústico;

· de 4.3.2010, proferido no processo nº 1630/08.8PFXL.L1-9, relativo a imagens colhidas por câmara instalada no interior das instalações de uma sociedade comercial (escritório) desconhecendo-se autorização da CNDP;

· de 10.5.2016, proferido no processo 12/14.7SHLSB.L1.L1-5, citado pelo Magistrado do Ministério Público na resposta ao recurso, desconhecendo-se autorização do CNDP;

Do Tribunal da Relação do Porto:

· de 03.02.2010, proferido no processo nº 371/06.5 GBVNF.P1, relativo a imagens colhidas por câmara instalada em estabelecimento comercial e onde se define com precisão o campo de aplicação da Lei de Protecção de Dados Pessoais e de outra legislação que no âmbito da investigação criminal permite a captação de imagens;

· de 23.11.2011, proferido no processo nº 1373/08.2PSPRT.P1, relativo a imagens colhidas por câmara instalada em garagem colectiva de um prédio de apartamentos;

· de 11.6.2014, proferido no processo nº 1936/10.6JAPRT.P1, relativo a imagens colhidas por câmara instalada em estabelecimento bancário;

· de 25.2.2015, proferido no processo nº 349/13.2PEGDM.P1, relativo a imagens colhidas por câmara instalada em estabelecimento comercial de centro comercial sem autorização da CNDP;

Do Tribunal da Relação de Évora:

· de 28.06.2011, proferido no processo 2499/08.8 TAPTM.E1, relativo a imagens obtidas por câmara instalada no interior de um prédio de apartamentos em zona de utilização comum;

· de 11.11.2014, proferido no processo 442/12.9PAENT.E1, relativo a imagens colhidas por câmara instalada no exterior de habitação;

Do Tribunal da Relação de Guimarães:

· de 29.4.2014, proferido no processo nº 102/09.8GEBRG.G1 relativo a imagens de câmara direcionada para via pública;

· de 19.10.2015, proferido no processo nº 1384/13.0PBBRG.G1, relativo a imagens colhidas por câmara colocada no exterior de habitação.

E as precedentes considerações não são infirmadas pela falta de autorização do CNDP porque, como se esclarece no citado Acórdão do STJ e outros acima citados (especialmente o de conteúdo sublinhado) a Lei nº 67/98 (Lei de Protecção de Dados Pessoais) não é aplicável à apreciação da legalidade de meios de prova em processo penal.

Mas ainda que assim se não pudesse concluir a ilegalidade/ilicitude penal do uso de dados pessoais à face do preceituado na Lei referida sempre se encontraria excluída nos mesmos termos que se consignaram relativamente aos crimes previstos no Código Penal.

Contudo, interpretamos os artigos 8º e 27º da Lei de Protecção de Dados Pessoais no sentido de excluir a necessidade de autorização do CNDP quando esteja em causa investigação policial, disposições que são do seguinte teor:

Artigo 8º

1 - A criação e a manutenção de registos centrais relativos a pessoas suspeitas de actividades ilícitas, infracções penais, contra-ordenações e decisões que apliquem penas, medidas de segurança, coimas e sanções acessórias só podem ser mantidas por serviços públicos com competência específica prevista na respectiva lei de organização e funcionamento, observando normas procedimentais e de protecção de dados previstas em diploma legal, com prévio parecer da CNPD.

2 - O tratamento de dados pessoais relativos a suspeitas de actividades ilícitas, infracções penais, contra-ordenações e decisões que apliquem penas, medidas de segurança, coimas e sanções acessórias pode ser autorizado pela CNPD, observadas as normas de protecção de dados e de segurança da informação, quando tal tratamento for necessário à execução de finalidades legítimas do seu responsável, desde que não prevaleçam os direitos, liberdades e garantias do titular dos dados.

3 - O tratamento de dados pessoais para fins de investigação policial deve limitar-se ao necessário para a prevenção de um perigo concreto ou repressão de uma infracção determinada, para o exercício de competências previstas no respectivo estatuto orgânico ou noutra disposição legal e ainda nos termos de acordo ou convenção internacional de que Portugal seja parte.

Artigo 28º

1 - Carecem de autorização da CNPD:

a) O tratamento dos dados pessoais a que se referem o n.º 2 do artigo 7.º e o n.º 2 do artigo 8.º;

b) O tratamento dos dados pessoais relativos ao crédito e à solvabilidade dos seus titulares;

c) A interconexão de dados pessoais prevista no artigo 9.º;

d) A utilização de dados pessoais para fins não determinantes da recolha.

2 - Os tratamentos a que se refere o número anterior podem ser autorizados por diploma legal, não carecendo neste caso de autorização da CNPD.

Parece-nos resultar claro que o campo de previsão dos nºs 2 e 3 do artigo 8º é diferente, referindo-se o primeiro à utilização de dados por parte de pessoa que não tenha poderes de investigação criminal e o segundo a pessoa com esses poderes, não se exigindo nesta caso autorização prévia, o que é reforçado pela interpretação integrada do artigo 28º que apenas exige autorização para o tratamento de dados pessoais sensíveis, categoria que não está em causa, e para a previsão do nº 2 do artigo 8º.

Assim, o tratamento de dados pessoais, pelos menos os não sensíveis, como é o caso, não está dependente de autorização do CNDP para fins de investigação policial e, por maioria de razão, para fins probatórios nas subsequentes fases do processo penal, nunca podendo estar em causa o cometimento do crime previsto no artigo 43º da Lei nº 67/98.

O que se pode concluir dos argumentos de toda a jurisprudência exposta é que a utilização de câmaras de vigilância por particulares no sentido da protecção de pessoas e bens é lícita desde que não abranja espaços destinados à vida estritamente privada dos cidadãos (caso em que poderia estar em causa o cometimento do crime de devassa da vida privada do artigo 192º do CP e que constitui o limite da licitude de da captação de imagens por particulares) sendo lícita a utilização das imagens assim obtidas como meio de prova de ilícito criminal, independentemente de terem sido captadas com o conhecimento do visado, de autorização do mesmo, ou de esses sistemas de vigilância terem sido aprovados pela CNDP, ou a utilização dos respectivos dados.

Do exposto se extrai que, no caso em apreço, a obtenção de imagens (dos arguidos) através do sistema de videovigilância e a sua utilização para protecção da dos bens existentes no estabelecimento comercial (essa é a finalidade normal da instalação de tais sistemas e outra não resulta dos autos) não corresponde a qualquer método proibitivo de prova, porque existe justa causa para a sua obtenção e utilização como meio de prova, como é o caso de documentar a prática de uma infracção criminal, e não diz respeito ao “núcleo duro da vida privada” das pessoas visionadas, os arguidos.

Porque assim, concluímos que não só a recolha de imagens, através de videovigilância, como a sua posterior utilização, são lícitas porque não se traduzem na prática de qualquer ilícito penal, e, por isso, são válidas e não consubstanciam nenhuma proibição de produção de prova, nem de valoração de prova, não padecendo a decisão recorrida de qualquer vício nesta matéria.

Da impugnação da matéria de facto – Erro de julgamento da matéria de facto

Os recorrentes pretendem impugnar a decisão proferida sobre matéria de facto, entendendo incorrectamente julgados os factos que permitiram a sua condenação, indicando as alíneas a), b), c) e d) dos factos provados da decisão recorrida, sendo certo que esta contém elenco dos factos por números e não por letras, não procedendo a qualquer outra especificação concreta no âmbito desse fundamento de recurso, limitando-se a transcrever passagens telegráficas de depoimentos que demonstrarão a falta de conhecimento directo dos factos e falta de credibilidade e a contestar genericamente a convicção do tribunal fundada em prova indirecta e em outros meios de prova, como as imagens colhidas através de sistema de vídeo vigilância.

Do disposto no artigo 412º, nº 3 do Código de Processo Penal resulta que, quando impugne a decisão da matéria de facto o recorrente deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

            b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) As provas que devem ser renovadas (sendo o caso).

Acrescenta o nº 4 desse preceito que quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado em acta, nos termos do artigo 364º, nº 2, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.

E preceituando o nº 1 do citado artigo 412º que a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões em que o recorrente resume as razões do pedido, tal significa que a motivação se compõe de duas partes distintas a que poderemos chamar corpo da motivação ou motivação propriamente dita e conclusões, utilizando a terminologia de Simas Santos e Leal-Henriques, em Recursos em Processo Penal, 7ª ed., pág. 105.

No corpo da motivação deve o recorrente enunciar os fundamentos do recurso que se traduzem na indicação do que se decidiu mal, porque se decidiu mal e como deve em alternativa ser decidido.

Já as conclusões destinam-se exclusivamente a sintetizar os fundamentos do recurso de tal modo que estas não podem alargar o objecto do recurso a matérias não tratadas na motivação propriamente dita, como delimitam, por outro lado o seu objecto, não podendo ser consideradas questões que sejam enunciadas no corpo da motivação e não mencionadas nas conclusões.

A fundamentação do recurso, como se disse, exige que se especifique o que foi mal decidido, porque foi mal decidido e o que deve ser decidido em alternativa. Essa exigência resulta com maior expressividade do disposto no nº 2 do artigo 412º no que concerne a matéria de direito e do disposto no nºs 3 e 4 no que concerne à impugnação da matéria de facto.

Com efeito, a exigência da especificação dos concretos pontos de facto incorrectamente julgados corresponde à indicação por um lado do que se decidiu mal e por outro do que deve ser decidido em alternativa com a indicação da redacção que o recorrente propõe para cada facto mal julgado (passagem de facto provado a não provado um vice-versa, indicação de novo facto que deva constar como provado ou ainda indicação de nova redacção para factos que constem do elenco dos provados por adição ou subtracção de texto) a indicação das concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida corresponde à alegação das razões porque se decidiu mal, o que necessariamente deverá ser concretizado em relação a cada um dos pontos de facto que se alega terem sido mal decididos, sendo certo que a pertinência e eficácia da impugnação factual passará pela indicação dos meios de prova que impõem decisão diversa da recorrida em contraponto com os meios de prova valorados e considerados na decisão de que se recorre.

Resulta claramente do disposto no artigo 412º, nº 1 do Código de Processo Penal, aplicável quer ao recurso de facto quer ao recurso de direito, que a motivação deve enunciar especificadamente os fundamentos do recurso, cabendo às conclusões resumir esses fundamentos (razões do pedido) o que no que concerne ao recurso de facto impõe que o recorrente especifique em relação a cada ponto que considera mal julgado a prova que no seu entender impõe decisão diversa da recorrida, como também a razão de ser dessa pretensão (porque o tribunal considerou meio de prova que não devia ser considerado e porque razão não o devia ser, interpretou mal o meio de prova e em que sentido devia ser interpretado).

Note-se que as exigências em causa têm também uma finalidade claramente ordenadora. É que o recurso da matéria de facto não se destina a um novo julgamento, mas tão só a encontrar remédio jurídico para corrigir erros específicos que o recorrente expressamente indique (cfr. o Ac. desta Relação proferido no processo 185/05.0GAOFR.C1 de 25.6.2008 publicado em www.dgsi.pt) e, desse ponto de vista, tendo em consideração, aliás, o dever de colaboração das partes, bem se compreende a exigência legal mencionada.

 É dentro destes parâmetros que deve ser analisada a motivação em sentido lato do recorrente.

Quer no corpo da motivação, quer nas respectivas conclusões, como já resulta do antes exposto, nunca os recorrentes concretizam que segmentos dos factos provados consideram incorrectamente julgados e que redacção alternativa propõem, limitando-se a fazer referência genérica aos factos que permitiram a sua condenação, o que desde logo inviabilizou a indicação das concretas provas que impõem decisão da recorrida em relação a cada facto que se pretende impugnar e os conteúdos probatórios concretos em que alicerçam a sua pretensão, também em relação a cada um dos factos impugnados.

Note-se que a decisão recorrida assenta numa complexiva interligação de factos base de que há prova directa invocada e dos quais se extrai o conhecimento dos factos que não foram objecto de prova directa. Assentando parcialmente a decisão em prova indirecta mais se exigia aos recorrentes que especificassem em relação a cada facto impugnado, em contraponto com o que consta da motivação da decisão recorrida, porque não podia assentar a convicção do Tribunal recorrido nesse tipo de prova, especificando o conteúdo concreto dos meios de prova directa que não podiam conduzir à conclusão probatória que deles se extraiu.

Por via da apontada deficiência, está este Tribunal de Relação impossibilitado de proceder à modificação da decisão proferida em sede de matéria de facto pelo Tribunal a quo (cfr. artigo 431 º do Código de Processo Penal). E não se argumente que o caso justifica a prolação de despacho dirigido ao recorrente no sentido de aperfeiçoar a motivação de recurso.
Como advertia o Tribunal Constitucional no Acórdão nº 140/2004 de 10.3.2004, disponível em www.tribunalconstitucional.pt em relação à redacção anterior do artigo 412º “não está aqui em causa apenas uma certa insuficiência ou deficiência formal das conclusões apresentadas pelo arguido recorrente, isto é, relativa à forma de exposição ou condensação de uma impugnação que é, quanto ao mais, apreensível pela motivação do recurso - falta, essa, para a qual a rejeição liminar do recurso, sem oportunidade de correcção dos vícios formais detectados, constitui exigência desproporcionada.

Antes a indicação exigida pela al. b) do n.º 3 e pelo n.º 4 do art. 412.º do CPP - repete-se, das provas que impõem decisão diversa da recorrida, por referência aos suportes técnicos - é imprescindível logo para a delimitação do âmbito da impugnação da matéria de facto, e não um ónus meramente formal. O cumprimento destas exigências condiciona a própria possibilidade de se entender e delimitar a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, exigindo-se, pois, referências específicas, e não apenas uma impugnação genérica da decisão proferida em matéria de facto.

Importa, aliás, recordar, por um lado, que da jurisprudência do T.C. não pode retirar-se (...) uma exigência constitucional de convite ao aperfeiçoamento sempre que o recorrente não tenha, por exemplo, apresentado motivação, ou todos ou parte dos fundamentos possíveis da motivação (e que, portanto, o vício seja substancial, e não apenas formal). E ainda, por outro lado, que o legislador processual pode definir os requisitos adjectivos para o exercício do direito ao recurso, incluindo o cumprimento de certos ónus ou formalidades que não sejam desproporcionados e visem uma finalidade processualmente adequada, sem que tal definição viole o direito ao recurso constitucionalmente consagrado. Ora, é manifestamente este o caso das exigências constantes do artigo 412.º, nºs 3, alínea b) e 4, do CPP, cujo cumprimento (incluindo a referência aos suportes técnicos, com indicação da cassete em causa e da localização nesta da gravação das provas em questão) não é desproporcionado e antes serve uma finalidade de ordenamento processual claramente justificada. Aliás, o modo de especificação por referência aos suportes técnicos é deixado em aberto pelo n.º 4 do art. 412.º do CPP, não tendo, porém, no presente caso, existido sequer qualquer esboço dessa referência”.

O despacho de aperfeiçoamento neste caso “equivaleria, no fundo, à concessão de novo prazo para recorrer, que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso” ainda parafraseando o mencionado acórdão.

Do que se extrai que o Tribunal Constitucional colocado perante a questão da eventual inconstitucionalidade do artigo 412º, nºs 3, alínea b) e 4 do Código de Processo Penal interpretada no sentido de que a falta, na motivação e nas conclusões de recurso em que se impugne a matéria de facto, da especificação nele exigida tem como efeito o não conhecimento desta matéria e a improcedência do recurso, sem que ao recorrente tenha sido dada oportunidade de suprir tais deficiências, decidiu não julgar inconstitucional tal norma com o citado conteúdo interpretativo.

E foi, aliás, na senda dessa jurisprudência constitucional que a Lei nº 48/2007 introduziu disposição, nº 3 do artigo 417º, no sentido de consagrar expressamente a possibilidade de convite à correcção da motivação de recurso, mas apenas se esta não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas no artigo 412º, nºs 2 a 5, já não sendo tal possível quando estão em causa vícios do corpo da motivação. E tanto assim, que no nº 4 do mesmo preceito se menciona expressamente que o aperfeiçoamento não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação.

Do exposto resulta, como já antes se afirmou, que este Tribunal está impedido de alterar a decisão recorrida no que respeita à matéria de facto por via da impugnação substancialmente viciada que os recorrentes apresentaram e que não é passível de convite à correcção por parte deste Tribunal.
Na impossibilidade de conhecimento da impugnação da matéria de facto realizada, o acórdão recorrido apenas poderia ser objecto de alteração fáctica pela via mitigada do reconhecimento de algum dos vícios a que alude o artigo 410º, nº 2 do Código de Processo Penal, nos termos prescritos no artigo 426º do mesmo diploma legal.

Não vislumbramos, porém que a decisão recorrida padeça de qualquer desses vícios e nomeadamente de erro notório na apreciação da prova dado que assenta a sua convicção numa complexiva enunciação e interligação de factos base dos quais deriva a conclusão probatória da autoria dos factos por parte dos arguidos (não presenciados ou revelados por completo pelas imagem colhidas mas que colocam os arguidos no local dos acontecimentos em situação semelhante à de quase flagrante delito ocorrida no mesmo dia noutro estabelecimento) e que a torna imune a qualquer crítica que pudesse fundar-se na violação das regras da lógica e da experiência que derivam do princípio de livre apreciação da prova contido no artigo 127º do Código de Processo Penal.

Do mesmo modo não pode vislumbrar-se violação do princípio in dubio pro reo, convocado pelos recorrentes, posto que o Tribunal recorrido expõe um fundado e objectivado juízo de certeza sobre a ocorrência dos factos tal como os consignou como provados e nada obstava a que a convicção se fundasse em prova por presunção/indirecta.

Sobre o valor da prova indirecta pode ler-se no Acórdão do STJ de 12.9.2007 publicado em www.dgsi.ptVejamos que o indício apresenta-se de grande importância no processo penal, já que nem sempre se tem à disposição provas directas que autorizem a considerar existente a conduta perseguida e então, ante a realidade do facto criminoso, é necessário fazer uso dos indícios, como o esforço lógico-jurídico intelectual necessário antes que se gere a impunidade.” “ E sobre a prova indiciária (…) entende-se, ainda, que aquela é suficiente para determinar a participação no facto punível se (requisito de ordem formal) da sentença constarem os factos-base e se mostrarem provados, os quais vão servir de base à dedução ou inferência, se se explicitar o raciocínio através do qual se chegou à verificação do facto punível e da sua participação no facto de que é acusado, essa explicitação é imperativa para se controlar a racionalidade da inferência em sede de recurso. Requisito de ordem material é estarem os indícios completamente provados por prova directa, os quais devem ser de natureza inequivocamente acusatória, plurais, contemporâneos do facto a provar e sendo vários devem estar interrelacionados de modo a que reforcem o juízo de inferência. O juízo de inferência deve ser razoável, não arbitrário, absurdo ou infundado, respeitando a lógica da experiência da vida; dos factos base há-de derivar o elemento que se pretende provar, existindo entre ambos um nexo preciso, directo, segundo as regras da experiência.”

É manifestamente o que no caso resulta da motivação da decisão recorrida, esse nexo preciso e directo entre os factos base, segundo as regras da experiência, que permite o juízo de inferência retirado.

 Por outro lado, reflectindo sobre outra objecção dos recorrente, fundada no seu silêncio e no eventual prejuízo que dele foi retirado, não podemos deixar de ponderar que embora do silêncio do arguido se não possam extrair consequências negativas, também esse silêncio impede que se possam extrair consequências positivas. Ireneu Cabral Barreto, na sua Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada, a fls. 139, em anotação ao artigo 6º, transcreve passagem do acórdão do TEDH John Murray, do seguinte teor e da maior pertinência para a análise da prova indirecta:

 “O tribunal nacional não pode concluir pela culpabilidade do arguido simplesmente porque este decidiu guardar silêncio. Apenas quando as provas da acusação requererem uma explicação que o arguido está em condições de fornecer, dessa omissão se poderá concluir, por um simples raciocínio de bom senso, que não existe nenhuma explicação possível e que o arguido é culpado.

Também neste conspecto se não pode vislumbrar qualquer violação de princípios probatórios, estando a decisão recorrida isenta de vícios, devendo por consequência ser mantida de facto e direito.

Improcedem os recursos interpostos.


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IV. Decisão

Nestes termos acordam em negar provimento aos recursos interpostos pelos arguidos e, em consequência, manter integralmente a sentença recorrida.

Os arguidos recorrentes pelo seu decaimento em recuso vão condenados em custas, fixando-se a taxa de justiça devida por cada um em quatro UC (cfr. artigo 513º, nº 1 do CPP).


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Coimbra, 20 de Setembro de 2017 

Texto elaborado e revisto pela relatora.

(Maria Pilar Pereira de Oliveira - relatora)

(José Eduardo Fernandes Martins - adjunto)


[1]Se salientar, como já tivemos ocasião de nos pronunciar, em sede de audiência de julgamento, na esteira da jurisprudência, que cremos, uniforme, nesta matéria: A obtenção de fotogramas ou CD através do sistema de videovigilância existente num estabelecimento comercial, para protecção dos seus bens e da integridade física de quem aí se encontre, mesmo que se desconheça se esse sistema foi comunicado à CNPD [o que no caso em apreço, o terá sido, pelo depoimento credível de E... ], não corresponde a qualquer método proibitivo de prova, desde que exista uma justa causa para a sua obtenção, como é o caso do caso em apreço, já que permitem documentar a prática de uma infracção criminal, e não respeitam ao “núcleo duro da vida privada” da pessoa visionada.
[2] É legítimo o recurso a presunções simples ou naturais, uma vez que são admissíveis em processo penal as provas que não forem proibidas por lei [Art. 125º, do CPP e Art. 349º e 351º do Código Civil].