Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
81/11.1PBCVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CORREIA PINTO
Descritores: ASSISTENTE
MANDATO
REVOGAÇÃO
APOIO JUDICIÁRIO
NOMEAÇÃO DE PATRONO
JULGAMENTO
FALTA DE ADVOGADO
Data do Acordão: 02/27/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 1.º JUÍZO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COVILHÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: NULIDADE PARCIAL
Legislação Nacional: ARTIGO 39.º DO CPC; ARTIGO 330.º, N.º 2, DO CPP
Sumário: I. Os efeitos da renúncia ao mandato não dependem da vontade ou arbítrio das partes, já que a mesma não desonera de imediato do patrocínio.

II. Após a notificação da renúncia, a parte tem o prazo de vinte dias para constituir novo mandatário e até à concreta constituição de mandatário, dentro desse prazo, mantém-se o mandato anterior.

III. No especifico caso dos autos, só em momento posterior ao da realização da 2.ª sessão de julgamento foi nomeado, no âmbito do apoio judiciário, patrono à assistente e, por conseguinte, na data dessa sessão o mandato antes conferido por aquela a advogado era válido e eficaz, estando o mandatário, nessa fase processual, vinculado ao contrato de mandato, com todas as suas consequências.

IV. Em conformidade, em face da falta à referida sessão de julgamento do mandatário da assistente, e estando imputado ao arguido crime público, mais não havia a fazer senão aplicar o disposto no n.º 2 do artigo 330.º do CPP.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I)

Relatório

1.        No âmbito do processo comum, com intervenção de tribunal singular, n.º 81/11.1PBCVL, do 1.º Juízo do Tribunal Judicial da Covilhã, é arguido:

–   A..., residente na … .

O Ministério Público deduziu acusação contra o arguido, imputando-lhe a prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de dois crimes de ofensa à integridade física agravada, com referência aos artigos 132.º, n.º 2, alínea a), 143.º, n.º 1, e 145.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Código Penal, por alegadas agressões a seus filhos menores,

Constituiu-se assistente no processo B..., em representação de seus filhos menores,

Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença onde se decidiu julgar totalmente improcedente a acusação pública e, em consequência, absolver o arguido relativamente à prática dos aludidos crimes.

A assistente, notificada da sentença proferida, apresentou requerimento onde afirma invocar, nos termos do artigo 123.º do Código de Processo Penal “irregularidades processuais na Audiência de Discussão e Julgamento”, aí alegando a existência de nulidade ou, a não se entender assim, de irregularidade processual – fls. 212 a 215.

Essencialmente, defende que a audiência de julgamento realizada em 14 de Março de 2012 é nula por ter violado dispositivos legais (artigo 70.º, n.º 1, do Código de Processo Penal) e desrespeitando anteriores despachos que concediam prazo de 20 dias à assistente para constituir mandatário, pretendendo que se proceda à repetição do julgamento, com observação do formalismo legal, designadamente, a audição dos menores arrolados e que diz terem sido vítimas das ofensas corporais e da presença do advogado nomeado à assistente.

E mesmo que se entenda que se trata de mera irregularidade, requer a sua reparação, nos termos do artigo 123.º do Código de Processo Penal.

Foi proferido despacho nos seguintes termos: “Não obstante não ter sido o signatário que presidiu à audiência, entendo que inexiste qualquer nulidade da audiência de julgamento, pelos motivos já exarados em acta do dia 14.03.2012, que se subscrevem e aqui reproduzem” – fls. 218.

2.1      A assistente, não se conformando com estas decisões, delas veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

1 - Nos autos foi o arguido acusado da prática de dois crimes de ofensas corporais agravadas p.p. art. 145.º n.º 1 aI. a) e n.º 2 do Código Penal.

2 - A primeira sessão de julgamento decorreu no dia 23 de Fevereiro de 2012.

3 - Por motivos técnicos não foi possível ouvir as testemunhas menores por videoconferência;

4 - A Mma Juiz do Tribunal “a quo” marcou 2.ª sessão de Julgamento para o dia 14 de Março de 2012, para tomada de depoimento, entre outros, dos menores que não foram ouvidos por videoconferência;

5 - A ora Recorrente constituiu-se Assistente nos autos e foi representada por mandatária constituída até final da 1.ª Sessão de Julgamento;

6 - No dia 1 de Março de 2012 a sua mandatária judicial renunciou à procuração e deu conhecimento aos autos;

7 - No dia 2 de Março de 2012 foi proferido despacho dando conhecimento à Assistente e concedendo-lhe, por carta de 7 de Março de 2012, um prazo de 20 dias para constituir novo mandatário, folhas 178;

8 - A Assistente requereu apoio judiciário com nomeação de mandatário judicial, facto que deu conhecimento ao Tribunal pedindo o adiamento da 2.ª Sessão de Julgamento em virtude da proximidade da mesma.

9 - Não obstante isso a Mma. Juiz realizou a 2.ª sessão e conclusão do julgamento sem a presença da Assistente nem de mandatário, com violação do disposto no n.º 1 do artigo 70.º do C.P.P.;

10 - O mandatário da Assistente só veio a ser nomeado no dia 15 de Março de 2012;

11 - O Advogado nomeado não foi convocado para a Leitura de Sentença, que decorreu no dia 29 de Março de 2012 tendo faltado também a Assistente que não foi convocada para a mesma.

12 - O Tribunal “a quo”, na 2.ª sessão de Julgamento sem a presença da Assistente nem de advogado que a representasse, dispensou Testemunhas arroladas pela Assistente sem o seu prévio consentimento;

13 - Foi o digníssimo Magistrado do Ministério Público quem dispensou as Testemunhas arroladas pela Assistente, menores que o Tribunal “a quo” mandara ser ouvidas presencialmente, o que contrariou anterior despacho e não respeitou a legalidade que deve presidir ao Julgamento;

14 - À Assistente foi remetida cópia da sentença que absolveu o Arguido em 29 de Março de 2012;

15 - Em 13 de Abril de 2012, a Assistente, através do Advogado nomeado, arguiu as nulidades processuais que ocorreram no processo e em fase de Julgamento (2.ª sessão) em virtude de ter sido realizada a Audiência de Discussão e Julgamento sem a sua presença e sem a presença de mandatário judicial;

16 - É entendimento da Assistente que a Mma. Juiz do Tribunal “a quo” fez letra morta da lei processual penal (Código de Processo Penal) e ignorou a Assistente e o mandatário nomeado, ora subscritor deste recurso;

17 - Violou o disposto nos artigos 68.º, 69.º e 70.º do CPP entre outros dispositivos legais.

18 - O processo enferma de nulidades que sendo sanáveis foram arguidas, tempestivamente, pela Assistente pelo requerimento de 13 de Abril de 2012 que, o Tribunal “a quo” indeferiu e do qual se recorre para este Venerando Tribunal da Relação.

19 - Não obstante a ausência de produção de toda a prova arrolada pela Assistente, com a prova documental e testemunhal produzida nos autos devia o Tribunal “a quo” ter proferido decisão que condenasse o Arguido pela prática dos crimes de ofensas corporais agravadas de que vinha acusado;

20 - Por errada aplicação da Lei e pela prática repetida de actos prejudiciais à Assistente sofre o processo de nulidades processuais e irregularidades que o Tribunal “a quo” deveria ter apurado e de...do, o que não fez.

21 - Nestes termos deve o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, apreciar tais alegadas nulidades, declará-Ias e ordenar a sua reparação ou a repetição do Julgamento com observância de todo o formalismo legal designadamente a representação e assistência da Assistente em Julgamento por mandatário judicial e a inquirição da prova testemunhal arrolada pela Assistente;

22 - Deste modo a Assistente está convicta que provará a matéria factual da acusação e o Arguido será punido pela prática do crime praticado na pessoa dos filhos menores.

23 - Deverão V.Exas., caso entendam que os autos contêm elementos para proferir Decisão que condene o Arguido, ordenar a reforma da Sentença e a substituição por outra que condene o Arguido pela prática dos factos constantes da Acusação Pública.

2.2 O Ministério Público, em primeira instância, apresentou resposta onde conclui que o “Mmº Juiz fez uma correcta análise dos factos e uma criteriosa aplicação do direito e o julgamento decorreu no estrito respeito de todas as normas processuais em vigor”.

Termina afirmando que deve ser negado provimento ao recurso.

2.3 O arguido, notificado, não respondeu.

3.1 Neste Tribunal da Relação, o Ministério Público, com vista nos autos, acolhendo no essencial a argumentação da resposta em 1.ª instância, emitiu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento.

3.2 A assistente e o arguido, notificados, não responderam.

4. Colhidos os vistos e remetidos os autos a conferência, cumpre apreciar e decidir.

O âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso, nomeadamente a indagação dos diferentes vícios que estão previstas no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, ou de alguma das causas de nulidade da decisão que é objecto do recurso (artigo 379.º, n.º 1, do mesmo diploma legal).

A motivação do recurso enuncia especificamente os respectivos fundamentos e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido – artigo 412.º.

O objecto do recurso consubstancia-se então na apreciação das seguintes questões:

As alegadas nulidades e irregularidades do processo.

A alegada existência de erro de julgamento.

II)

Fundamentação

1. Factos relevantes.

1.1 Discutida a causa em audiência de julgamento, na sentença recorrida julgaram-se provados os seguintes factos:

«1. O arguido foi casado com B..., tendo celebrado casamento civil em 14 de Janeiro de 2004, sendo que tal casamento se encontra dissolvido por força do divórcio de ambos, ocorrido em 28 de Janeiro de 2005.

2. Desta união nasceram dois filhos, menores de idade, com, respectivamente, seis e quatro anos de idade.

3. No decurso do divórcio, ficou acordado que a ofendida ficava com a guarda dos filhos e o arguido tinha direito de visitas quinzenais.

4. Os menores ... e ... passaram o fim-de-semana de 4 a 6 de Março de 2011, com o arguido.

5. A menor ... foi levada, pela progenitora, às Urgências do CHCB, no dia 6 de Março de 2011, pelas 22h49, onde lhe observado resíduos de sangue na narina esquerda, conforme atesta o relatório detalhado do episódio de urgência, de fls. 48 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

6. O arguido não tem antecedentes criminais;

7. O arguido está divorciado, exerce a profissão de distribuidor de produtos alimentares, aufere por mês cerca de 511,00€, vive com a companheira numa casa arrendada pela qual paga 50,00€, paga de pensão de alimentos aos filhos a quantia de 150,00€ e tem o 9º ano de escolaridade.»

1.2 Ainda na sentença recorrida, julgaram-se não provados os seguintes factos:

«a) Em data não concretamente apurada, mas que se sabe situar-se entre os dias 4 e 6 de Março de 2011, na residência do arguido, sita na … , o arguido, desferiu vários golpes, de forma não concretamente apurada, nos filhos, causando-lhes dor e sofrimento, nomeadamente uma chapada, com força, no nariz da filha ... e várias palmadas nas faces do filho ....

b) O ... foi levados, pela progenitora, às Urgências do CHCB, no dia 6 de Março de 2011, pelas 22h49, e que ambos os menores tenham recebido tratamento médico;

c) Em virtude das condutas levadas a cabo pelo arguido, a menor ... teve as lesões referidas em 5.;

d) O arguido agiu de forma voluntária, livre e conscientemente com intenção de ofender corporalmente os seus próprios filhos, causando-lhes dores e sofrimento, o que conseguiu.

e) Em virtude das reiteradas condutas acima descritas, praticadas pelo arguido, vieram os descendentes deste a sofre dores e sofrimento.

f) Por outro lado, as referidas condutas do arguido revelam a falta de consideração e respeito deste para com os filhos, comportamento esse que deve merecer uma especial censura.

g) Em tudo actuou o arguido bem sabendo que tais comportamentos lhe eram proibidos e punidos pela lei penal.»

1.3 Em sede de fundamentação, consignou-se o seguinte:

«O Tribunal formou a sua convicção com base na análise, crítica e global, de toda a prova produzida em audiência, bem como da que consta dos autos, com recurso a juízos de experiência comum, nos termos do artº 127.º do Código de Processo Penal.

Quanto aos factos provados:

Quanto aos factos elencados em 1. e 2., foi valorado o teor objectivo das certidões juntas aos autos a fls. 52 a 60;

Quanto ao facto elencado em 3. o tribunal teve em atenção o depoimento do arguido e da assistente, dado que ambos explicitaram, o regime de responsabilidades parentais acordado no decurso do divórcio;

Quanto ao facto elencado em 4. o tribunal teve em atenção o depoimento de todas as testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento, dado que todas confirmaram que os menores passaram o fim-de-semana de 4 a 6 de Março de 2011 com o arguido.

Quanto ao facto elencado em 5. o tribunal teve em atenção o relatório de urgências do CHCB, de fls. 48 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

Quanto ao facto elencado em 6., teve-se em atenção o CRC de fls. 109;

Quanto ao facto elencado em 7., relativamente às condições sócio-económicas do arguido o Tribunal atendeu às de...ções do mesmo.

Quanto aos factos não provados:

Quanto a estes, o arguido negou que tivesse desferido qualquer bofetada aos seus filhos.

A assistente nas suas de...ções, referiu que o arguido foi levar os menores a sua casa na noite do dia 6 de Março, e que depois já no interior da residência referiu que os filhos lhe terão dito que o pai lhes bateu, sendo que a filha ... tinha um pouco de sangue seco no interior do nariz, bem como tinha este ligeiramente inchado, pelo que a levou ao Hospital. Estas de...ções foram corroboradas pela testemunha … , marido da assistente. Porém quando questionado se a menor ... tinha alguma marca no rosto, o mesmo referiu que além de um pouco de sangue seco no nariz, que a mesma não tinha qualquer marca. Os referidos depoimentos tanto da assistente como do seu marido revelaram uma grande animosidade em relação ao arguido, o que lhes retirou credibilidade. Ao que acresce, e recorrendo às regras da experiência, se alguém desfere com bastante força, atendendo ao depoimento das referidas testemunhas, ao ponto de o nariz sangrar, necessariamente não só com hematoma, mas também com uma equimose na face. Ora, atento o relatório de urgências do CHCB, de fls. 48 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, o mesmo apenas refere a existência de vestígios de sangue, não havendo quaisquer vestígios de hematoma ou equimose.

Acresce que as testemunhas … , cunhado do arguido,  … , mãe do arguido, e … , companheira do arguido, relataram de forma credível ao Tribunal que é costume de família jantarem todos os domingos em casa da mãe do arguido, pelo que no dia 6 de Março, não foi excepção, tendo jantado todos juntos acompanhados das crianças. Referiram assim, que as crianças ... e ... encontravam-se bem dispostas nessa noite, não tendo quaisquer sinais físicos ou psíquicos de terem sido batidos, e que terminado o jantar o arguido foi levá-los a casa da mãe.

Face ao exposto, e à míngua de outra prova, teve o Tribunal que dar tais factos como não provados.»

1.4 Ainda com interesse na apreciação do recurso, importa considerar os seguintes factos, documentados no processo:

O Ministério Público deduziu acusação, imputando ao arguido a prática, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, de dois crimes de ofensa à integridade física agravada, com referência aos artigos 132.º, n.º 2, alínea a), 143.º, n.º 1, e 145.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Código Penal, por alegadas agressões a seus filhos menores, ... e ... ... (teor de fls. 61 a 64).

Arrolou como testemunhas os referidos menores e sua mãe, B..., nos termos documentados a fls. 64.

Esta, depois de deduzida a acusação mas ainda antes da remessa dos autos para distribuição, constituiu mandatário e, em requerimento dirigido ao Ministério Público (teor de fls. 76 a 81), veio requerer a sua constituição como assistente, informar “que pretende requerer a audição dos seus três filhos, na data a designar” e requerer a transferência dos autos para a comarca de Cascais, para cuja área foi residir.

A pretendida transferência foi indeferida por despacho do Ministério Público (teor de fls. 82).

Em 3 de Outubro de 2011, pelo despacho exarado a fls. 90, a requerente foi admitida a intervir nos autos na qualidade de assistente.

Em 21 de Dezembro de 2011, após a distribuição dos autos e a designação de data para a realização de julgamento, a assistente, através do requerimento de fls. 101 a 104, veio requerer a designação de nova data, por impedimento da respectiva mandatária, pedindo ainda que a audição dos menores ... e ... fosse feita por videoconferência, a partir do Tribunal de Cascais, dado residirem na respectiva área. No mesmo requerimento pediu a audição, também como testemunha e por videoconferência, de sua filha– alegando para o efeito que, não sendo filha do arguido, assistiu às agressões dos irmãos; indica ainda como testemunha o seu actual marido, … .

O Ministério Público, com vista nos autos, afirmou nada opor ao requerido, posto o que foi proferido despacho, em 11 de Janeiro de 2012, apreciando este requerimento, nos seguintes termos (fls. 106):

“Quanto à inquirição das testemunhas ... e ... defere-se que os mesmos sejam ouvidos por videoconferência, nos termos do art. 318º do CPP.

Quanto à … , uma vez que a mesma não faz parte do rol de testemunhas de acusação indefere-se o requerido.”

No mesmo despacho foi designada a data de 23 de Fevereiro de 2012 para realização da audiência de julgamento.

Em 24 de Janeiro de 2012 (fls. 116 a 118), a assistente apresentou novo requerimento onde veio reiterar o pedido da audição como testemunhas de seu marido,  … , e de sua filha,  … , esta por videoconferência, alegando terem conhecimento de factos relevantes.

O Ministério Público afirmou nada ter a opor, posto o que foi proferido o despacho de fls. 123, em 7 de Fevereiro de 2012, nos seguintes termos:

“Face à não oposição do Ministério Público, defere-se o requerido. Notifique e d.n.”.

Em 23 de Fevereiro de 2012 teve lugar a primeira sessão da audiência de discussão e julgamento, nos termos documentados na acta de fls. 141 a 143, com a presença de todas as pessoas convocadas para o efeito.

No decurso da audiência e após a audição do arguido, pela sr.ª juíza foi proferido o seguinte despacho:

“Face à tenra idade dos menores ..., ... ...  e … , de 5, 7 e 9 anos respectivamente, não se procederá à inquirição dos mesmos por vídeo, mas sim presencialmente, uma vez que tentada a inquirição da menor … , a mesma verificou-se ser infrutífera, atendendo até à maturidade revelada pela mesma, pelo que se procederá à inquirição dos mesmos em data a designar”.

Prosseguindo a audiência com a inquirição da assistente e da testemunha por esta indicada,  … , bem como de testemunha de defesa indicada pelo arguido, foi designada a data de 14 de Março para continuação da mesma.

Entretanto, em 2 de Março de 2012, a mandatária da assistente apresentou requerimento onde afirma que, de comum acordo com a assistente, renunciou ao mandato e que já não será mandatária na sessão agendada para 14 de Março.

Proferido despacho determinando a notificação da assistente, foi esta notificada por carta registada expedida em 7 de Março e recebida em 9 de Março de 2012, nos termos documentados a fls. 178, onde consta, nomeadamente, que é notificada da renúncia ao mandato, que produz efeitos a contar da notificação, e que, “sendo obrigatória a constituição de mandatário, deverá no prazo de 20 dias constituir novo mandatário – art.º 70º, n.º 1 do C. P. Penal, sob pena de perda de todos os direitos de assistente”.

No dia 14 de Março teve lugar a continuação da audiência de discussão e julgamento, documentada na acta de fls. 181 a 183, sem que estivessem presentes a assistente, o seu mandatário e as testemunhas/menores antes referidas, ..., ... e  …

No início da sessão foi proferido o seguinte despacho: “Não obstante a ilustre mandatária ter renunciado ao mandato, dado que estamos perante um crime de natureza pública, o titular da acção penal é o Mº Pº, motivo pelo qual a audiência de julgamento designada terá na mesma lugar, ao que acresce de uma outra forma também não seria viável, a não realização de audiência de julgamento face à necessidade de assegurar o princípio da continuidade da audiência de julgamento, no prazo de 30 dias, elemento aliás exigido pela Lei”.

Após a prolação deste despacho, pelo Ministério Público foi dito que, “uma vez que a progenitora dos menores foi regularmente notificada para comparecer no dia de hoje, com os mesmos, neste Tribunal, a fim de serem ouvidos. Não tendo até ao momento sido comunicado qualquer impedimento, face à tenra idade dos menores, requer-se que se prescinda do depoimento dos mesmos”.

Perante a não oposição da defensora do arguido, foi proferido despacho em que, depois de condenar a assistente por falta injustificada, se determinou:

“Uma vez que a menor ... (…), atenta a douta acusação, bem como o depoimento da testemunha, (…), não terá conhecimento directo dos factos, uma vez que não assistiu aos mesmos, defere-se o requerido.

Quanto à ... (…) e ao ... (…), face à tenra idade dos mesmos (4 e 6 anos) e à maturidade geralmente revelada por crianças, defere-se também o requerido”.

A audiência prosseguiu com a audição das testemunhas indicadas pelo arguido, posto o que foi designado o dia 29 de Março de 2012 para leitura da sentença.

Em 16 de Março de 2012 foi comunicado ao processo que, deferido pedido de apoio judiciário, foi nomeado novo advogado para exercer o patrocínio da assistente, com identificação do mesmo, conforme teor de fls. 186.

Entretanto, em 22 de Março (cf. termo de juntada de fls. 191) foi integrado nos autos fax que entrara em tribunal no dia 9 de Março e em que a assistente, afirmando que requereu junto dos Serviços de Solidariedade e Segurança Social protecção jurídica na modalidade de nomeação de patrono (anexando cópia do respectivo requerimento), e que até à competente nomeação “não se sente devidamente representada ou crê estarem salvaguardados os seus direitos (ou o da menor em causa nos presentes autos)”, requer o adiamento da sessão do dia 14 de Março e “que os presentes autos aguardem a Nomeação de Patrono para qualquer designação de nova data” – teor de fls. 188 a 190.

O Ministério Público, com vista nos autos, promoveu que “se considere justificada a falta atentas as razões invocadas”. Este requerimento não foi, no entanto, objecto de qualquer despacho.

Em 29 de Março de 2012 teve lugar a leitura da sentença, com a respectiva acta a fls. 202.

Apesar da comunicação do novo advogado nomeado para o patrocínio da assistente, não foi o mesmo notificado da data designada para a leitura da sentença; nesta sessão não estiveram presentes nem a assistente, nem o seu defensor entretanto nomeado.

2. Mérito do recurso:

Como resulta do que antes se deixou enunciado, são as seguintes as questões a apreciar, quanto às alegadas  nulidades e irregularidades:

Realização da 2.ª sessão da audiência de julgamento sem a presença da assistente e de mandatário da mesma dado que o mandatário constituído renuncio à procuração.

A não audição dos menores.

A falta de convocação da assistente e do mandatário entretanto nomeado.

A falta de representação da assistente na leitura da sentença.

2.1 Entende a assistente que, devido ao facto do seu mandatário constituído ter renunciado à procuração em data anterior à realização da 2.ª sessão da audiência de discussão e julgamento e porque ainda estava em tempo de constituir novo mandatário (20 dias), tendo requerido lhe fosse nomeado patrono, deveria o tribunal ter adiado a audiência.

Vejamos:

Impõe o artigo 70.º do Código de Processo Penal a representação do assistente por mandatário.

Nessa sequência, recebido em tribunal, em 2 de Março de 2012, o requerimento onde a mandatária da assistente afirma que, de comum acordo com a assistente, renunciou ao mandato e que já não será mandatária na sessão agendada para 14 de Março.

Proferido despacho determinando a notificação da assistente, foi esta notificada por carta registada expedida em 7 de Março e recebida em 9 de Março de 2012, nos termos documentados a fls. 178, onde consta, nomeadamente, que é notificada da renúncia ao mandato, que produz efeitos a contar da notificação, e que, “sendo obrigatória a constituição de mandatário, deverá no prazo de 20 dias constituir novo mandatário – artigo 70.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, sob pena de perda de todos os direitos de assistente”.

Ora a questão que se coloca desde já é a de determinar os efeitos da renúncia ao mandato.

Na falta de norma expressa do Código de Processo Penal, há que, subsidiariamente, recorrer às normas do processo civil (artigo 4.º do daquele diploma legal).

 A propósito, dispõe o artigo 39.º do Código de Processo Civil que:

“1. A revogação e a renúncia do mandato devem ter lugar no próprio processo e são notificadas, tanto ao mandatário ou ao mandante, como à parte contrária.

2. Os efeitos da revogação e da renúncia produzem-se a partir da notificação, sem prejuízo do disposto nos números seguintes; a renúncia é pessoalmente notificada ao mandante, com a advertência dos efeitos previstos no n.º 3.

3. Nos casos em que é obrigatória a constituição de advogado, se a parte, depois de notificada da renúncia, não constituir novo mandatário no prazo de 20 dias, suspende-se a instância, se a falta for do autor; se for do réu, o processo segue os seus termos, aproveitando-se os actos anteriormente praticados pelo advogado. […]”.

Como se sabe o mandato forense, sendo de óbvia constituição voluntária, tem na sua base uma relação de confiança entre o mandante e o advogado que contrata como mandatário.

Daí que a lei processual, no artigo 39.º, face às consequências da quebra de confiança postulada pela renúncia ao mandato, regule os termos a seguir para não deixar desprotegido o mandante que vê o seu mandatário retirar-se do patrocínio no momento por si escolhido.

No caso dos autos, a mandatária da assistente veio informar que não patrocinaria a assistente na sessão do dia 14 de Março.

No entanto, como referido, os efeitos da renúncia não dependem da vontade ou arbítrio das partes já que a mesma não desonera de imediato do patrocínio.

Após a notificação da renúncia a parte tem o prazo de 20 dias para constituir novo mandatário e até à concreta constituição de mandatário dentro desse prazo, mantém-se o mandato anterior.

A propósito, v.g., em comentário ao artigo 39.º do Código de Processo Civil, Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto: “Estabeleceu-se um prazo legal de vinte dias para o mandante constituir novo mandatário, durante o qual se mantém o patrocínio inicial (embora a lei tenha deixado de o dizer expressamente, tal resulta do prosseguimento do processo até ao termo do prazo).

Simplificou-se assim o regime anterior, segundo o qual o estabelecimento do prazo (judicial) estava na disponibilidade do mandatário renunciante. Logo que, dentro do prazo, a parte constitua novo advogado, a renúncia produz os seus efeitos, o mesmo acontecendo no termo do prazo, se não o constituir. Neste caso, deixando a parte de ter mandatário, dá-se a suspensão da instância no caso de faltar advogado ao autor; mas prossegue o processo, por não poder ser penalizado o autor, no caso de faltar advogado ao réu […].

[…] De qualquer modo, não obstante esta necessária adaptação às realidades do processo, mantém-se a livre revogabilidade do mandato por qualquer das partes, estabelecida em geral no art. 1170.º-1 Código Civil.” – “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1º, 1999, pág. 80.

Em sentido idêntico, Lopes do Rego, in “Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. 1, 2.ª edição, págs. 77/78.

No mesmo sentido Ac. STJ, de 16 de Abril de 2002, in CJSTJ, Ano X, Tomo II – 2002 – pág. 32 “I — Mesmo depois da Reforma introduzida pelo D-L 329-A/95, o mandato judicial em caso de renúncia do mandatário só se extingue depois da notificação prevista no artigo 39º do Código de Processo Civil. Até aí o advogado renunciante continua ligado ao mandato. II — Esta interpretação não é violadora de qualquer norma constitucional.

Ac do STJ datado de 15 de Janeiro de 2004, acessível em www.dgsi.pt: “Sendo obrigatória em processo penal a constituição de defensor (nomeadamente, art. 64.º, n.º 1, al. d), do CPP), a revogação do mandato só operará após a substituição respectiva. Enquanto isso, o primitivo mandatário permanece em funções, a ele devendo continuar a serem dirigidas, entretanto, todas as atinentes notificações; o processo não pára apenas porque alguém decide revogar a procuração ao mandatário constituído.

Ac. da R. Coimbra de 12.12.2006, acessível in www.dgsi.pt – “O legislador, embora sem expressar o seu pensamento com correcção ou pelo menos com clareza, quis que o renunciante ficasse desligado do seu cliente logo que este fosse notificado da renúncia, com prazo marcado para a constituição de novo mandatário, cumprindo-se assim ambas as suas intenções – inexigibilidade do exercício do patrocínio e celeridade na resolução do conflito. O que marca agora o instituto da renúncia é a sua notificação ao patrocinado. A partir daí, segue-se um hiato curto com vista ao futuro prosseguimento do processo”.

Voltando então ao caso dos autos verifica-se que só em data posterior à realização da 2ª sessão de julgamento a assistente veio a constituir novo mandatário (patrono nomeado dentro do prazo concedido já que o requereu a 9 de Março).

O mandato conferido à mandatária da assistente, à data da realização da audiência de julgamento, era válido e eficaz, estando aquela (mandatária) vinculada ao contrato de mandato com todas as suas consequências. Ora, nesta medida, ao juiz do julgamento mais não restava do que aplicar o disposto no artigo 330.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.

O que veio a fazer, ou seja, não adiar a audiência de julgamento por falta de fundamento legal.

Condenar a assistente pela sua falta injustificado, por não se encontrar presente como o impunha o artigo 353.º do Código de Processo Penal.

E compreende-se esta opção legislativa na medida em que, não estando em causa um crime particular e sendo o Ministério Público o titular da acção penal, tendo o assistente uma posição de colaborador, conforme decorre do artigo 69.º do Código de Processo Penal, ficam sempre salvaguardados os direitos do assistente.

Pelas razões expostas e perante o disposto no artigo 330.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não ocorre a pretendida violação do disposto no artigo 70.º do mesmo diploma legal, pelo que improcede nesta parte a pretensão da recorrente.

2.2 Chegados aqui, há que na sequência apreciar a questão da não inquirição das testemunhas arroladas pela assistente.

Como referido, a assistente e seu mandatário faltaram injustificadamente.

Nesta medida não podem agora invocar irregularidade que, no decurso dessa audiência tivesse ocorrido (Paulo Pinto Albuquerque, “Comentário ao Código de Processo Penal”, 4.ª edição, pág. 328).

Mas, no caso dos autos não foi cometida qualquer irregularidade já que, a não inquirição das testemunhas ocorreu a requerimento do magistrado do Ministério Público (repita-se, o titular da acção penal).

Na aludida sessão, não foi dada a palavra à assistente, nem o tinha que ser já que injustificadamente faltou.

2.3 Finalmente quanto à falta de convocação da assistente e do mandatário entretanto nomeado e à falta de representação da assistente na leitura da sentença.

Consta dos autos que em 16 de Março foi comunicado ao processo que, deferido pedido de apoio judiciário, foi nomeado novo advogado para exercer o patrocínio da assistente, com identificação do mesmo, conforme teor de fls. 186.

A questão que ora se coloca é a de saber se ainda assim deveria ter sido notificada ao patrono ora nomeado a data para a leitura da decisão, ou considerava-se prejudicada tal questão, face à ausência injustificada da assistente e mandatário na sessão anterior.

No caso específico dos autos entendemos que, nesta parte, assiste razão à assistente.

Na verdade, resulta dos autos que esta teve o cuidado de informar o tribunal do pedido de nomeação de patrono. Teve o cuidado de informar ter-lhe sido nomeado patrono, data a partir da qual a renúncia ao mandato anterior operou.

Sendo direito do assistente, ser notificado através do seu mandatário da data da leitura da sentença, não tendo este sido notificado ocorreu efectivamente a irregularidade invocada.

Tal irregularidade foi tempestivamente arguida.

Assim, no que concerne ao assistente o acto de leitura da decisão é inválido (artigo 123.º do Código de Processo Penal).

Ponderando o disposto no artigo 122.º, n.º 2, do deste diploma legal, entendemos dever ser notificada ao assistente (através do seu patrono) a sentença proferida nos autos, suprindo-se a falta de notificação, com todas as consequências legais.

Face à decisão ora tomada fica prejudicado o conhecimento do restante.

III)

Decisão:

Pelo exposto, dando parcial provimento ao recurso e reconhecendo-se a existência da arguida irregularidade consubstanciada na omissão de notificação do defensor nomeado à assistente, relativamente à sentença proferida nos autos, determina-se que, descendo os autos à 1.ª instância, aí seja proferido despacho que determine a prática do acto omitido.

Sem custas – artigo 515.º do Código de Processo Penal.

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Joaquim Correia Pinto (Relator)

Fernanda Ventura