Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
612/15.8T8GRD-C.P1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: INSOLVÊNCIA
EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE
RENDIMENTO DISPONÍVEL
Data do Acordão: 01/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA - GUARDA - INST. LOCAL - SECÇÃO CÍVEL - J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS. 46, 236, 239 CIRE
Sumário: 1. O limite mínimo dos rendimentos a excluir do rendimento disponível para efeitos do ponto ii), al. a), do nº3 do art. 239º do CIRE, não tem necessariamente que coincidir com as regras de impenhorabilidade consagradas no art. 824º do CPC, embora estas surjam como um referencial a atender pelo tribunal.

2. A fixação de um rendimento indisponível abaixo do rendimento mínimo garantido ou do Indexante de Apoios Sociais, não será possível sem o consentimento do insolvente.

3. Se os rendimentos do insolvente forem inferiores ao valor do salário mínimo nacional, não faz sentido a fixação do rendimento disponível em valor equivalente a este ou superior.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

I – RELATÓRIO

Nos presentes autos de insolvência, por apresentação dos devedores A (…) e L (…) vieram os requerentes, no seu requerimento de apresentação à insolvência, peticionar a exoneração do passivo restante, requerendo que o rendimento disponível lhes seja fixado no valor de 747,48 €, correspondente, ao tempo, ao total do rendimento mensal de ambos.

Declarados insolventes por decisão proferida em 22.04.2015, o Sr. Administrador de Insolvência manifestou-se favoravelmente quanto ao deferimento do peticionado, bem como quanto ao montante disponível proposto, e o Novo Banco declarou nada ter a opor.

Pelo juiz a quo foi proferido despacho a admitir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante, no qual se pronunciou ainda quanto ao montante disponível a fixar aos insolventes, nos seguintes termos:

“Importa ainda abordar a questão do rendimento disponível.

Propõem os insolventes que, em face da sua situação de vida, à qual acresce a circunstância de serem o único sustentáculo de um filho e de auferirem a título de reforma valores pouco expressivos, que lhes seja autorizado um rendimento mensal disponível no valor de 747,87€ para fazerem face aos encargos da vida corrente do seu agregado familiar e das despesas de saúde da insolvente mulher.

Tal valor é, igualmente, sugerido pela Sr.ª AI.

Ora, tendo em mente as despesas que os insolventes declararam na p.i. e que se dão aqui por reproduzidos, a sua situação de reformados e o estado de saúde da insolvente e a convicção de que esta figura da exoneração não é permissão para se manter ou aumentar o nível de vida prévio à declaração de insolvência, mas antes uma mão que se dá aos insolventes no sentido de, controlando os créditos que sobre eles impendem, 5 anos volvidos, poderem “começar de novo”, o tal fresh start propalado pelos americanos, entendemos adequado fixar a quantia global de € 700,00, na medida em que, não obstante os valores díspares das reformas, a vida enquanto casal ser vivida e, logo, dever ser abordada nesta sede, em comum.

Pelo exposto, profere-se despacho inicial de admissão do pedido de exoneração do passivo restante, determinando-se que: a) Durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência (período de cessão), o rendimento disponível que os insolventes venham a auferir se considera cedido ao AI, desde já nomeado fiduciário – englobando esse rendimento disponível todos e quaisquer rendimentos ou acréscimos patrimoniais que venham a receber, com exclusão do valor que se entende estritamente necessário ao seu sustento, que se fixa em € 700,00 por mês;”


*

Inconformados com a decisão proferida pelo juiz a quo relativamente ao montante por este considerado indisponível, os insolventes dela interpõem recurso de apelação, concluindo a respetiva motivação, com as seguintes conclusões:

1ª. O insolvente A (…) está reformado e tem como único rendimento a sua reforma mensal no valor de 473,08€, acrescida de um duodécimo mensal correspondente ao subsídio de natal no valor de 39,43€ e do subsídio de férias.

2ª. A insolvente L (…) está reformada e tem como único rendimento a sua reforma mensal no valor de 274,79€, acrescida de um duodécimo mensal correspondente ao subsídio de natal no valor de 22,90€ e do subsídio de férias.

3 ª. Os Insolventes têm um filho, de nome J (…) já maior de idade mas ainda dependente dos pais, uma vez que, se encontra desempregado.

4ª. Desde a entrada do processo de insolvência e sobretudo em consequência deste, o estado de saúde da insolvente mulher tem-se vindo a deteriorar ainda mais, o que tem implicado um acréscimo das suas despesas médicas e medicamentosas.

5ª. Para assegurar um sustento minimamente digno para si e contribuir para as despesas do seu agregado familiar com casa, alimentação, higiene pessoal e da habitação, vestuário, saúde e outras necessidades básicas, o insolvente A (…) necessita de quantia não inferior ao SMN.

6ª. Para assegurar um sustento minimamente digno para si e contribuir para as despesas do seu agregado familiar com casa, alimentação, higiene pessoal e da habitação, vestuário, saúde e outras necessidades básicas, a insolvente L (…) necessita também de quantia não inferior ao SMN.

7ª. A decisão ora posta em crise coarta a possibilidade de os insolventes proverem ao seu sustento, pondo inclusivamente em causa a sua saúde e consequentemente a sua subsistência condigna.

8ª - Determina o artigo 239.º, n.º 3, alínea b) do CIRE, que deverão integrar o rendimento disponível para cessão, todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exceção daqueles que sejam razoavelmente necessários para o sustento digno do devedor e do seu agregado familiar, bem como os necessários para o exercício da sua atividade profissional.

9ª - Resulta do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18/03, que aprovou o CIRE, que o mesmo diploma: “(…) conjuga o princípio fundamental do ressarcimento dos credores com a atribuição aos devedores singulares insolventes da possibilidade de se libertarem de algumas das suas dívidas, e assim lhes permitir a sua reabilitação económica”.

10ª - A doutrina e a jurisprudência têm vindo a entender esmagadoramente que o mínimo considerado necessário para que uma pessoa possa obter um sustento condigno se traduz na atribuição ao insolvente de um montante corresponde ao salário mínimo nacional.

11ª. A decisão recorrida entendeu deixar os insolventes na disponibilidade de um montante inferior ao valor global das suas reformas, mesmo tendo cada uma dela um valor inferior ao SMN.

12ª. A decisão recorrida viola, assim, o preceituado no artigo 239º, nº 3, alínea b) do CIRE, já que o montante nela fixado como valor a excluir da cessão é manifestamente insuficiente para assegurar o razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno de cada um dos insolventes e do seu agradado familiar pelo que deve ser, nessa parte, revogada, proferindo-se acórdão que fixe tal valor em quantia mensal não inferior a um salário mínimo nacional para cada um dos insolventes, ou pelo menos, em montante não inferior às suas respetivas reformas, como é, aliás, de inteira Justiça.

Conclui pela revogação do douto despacho, na parte que determinou o rendimento disponível que os insolventes, venham a auferir, com exclusão do montante equivalente a 700€, seja cedido ao fiduciário e, em consequência, declarar-se a entrega ao fiduciário do rendimento disponível, com exclusão do montante global equivalente a dois salários mínimos ou, pelo menos, do montante correspondente ao global das suas reformas, ou seja, 747,89€.


*

Não foram apresentadas contra-alegações.

Cumpridos que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no artigo 657º, nº2 in fine, há que decidir.

II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 684º, nº3 e 685º-A, do Código de Processo Civil, a questão a decidir é uma só:

1. Se é de alterar o despacho recorrido, na parte em que fixou o rendimento indisponível no montante de 700,00 €.

III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Dos elementos constantes dos autos, nomeadamente do Relatório apresentado pelo Administrador de insolvência, são os seguintes os factos a atender, para a decisão em apreço:

1ª. O insolvente A (…) está reformado e tem como único rendimento a sua reforma mensal no valor de 473,08€, acrescida de um duodécimo mensal correspondente ao subsídio de natal no valor de 39,43€ e do subsídio de férias.

2ª. A insolvente L (…) está reformada e tem como único rendimento a sua reforma mensal no valor de 274,79€, acrescida de um duodécimo mensal correspondente ao subsídio de natal no valor de 22,90€, e do subsídio de férias.

4º Auferem ainda uma renda anual no valor de 120,00 €, relativa a um arrendamento rural.

3 ª. Os Insolventes têm um filho já maior de idade mas ainda dependente dos pais, uma vez que, se encontra desempregado.

3. O Administrador de insolvente defendeu que o valor de 747,87 € auferido é necessário ao sustento minimamente condigno dos insolventes.

4. Os demais credores nada opuseram a tal parecer.

Alegando ascenderem as suas despesas a montante não inferior a 750,00 €, auferindo rendimentos mensais que, na sua totalidade atingem os 747,87,00 €, os insolventes, no seu requerimento de apresentação à insolvência, requereram a fixação do valor indisponível, para efeitos de cessão, no valor de 747,87,00 €.

 O juiz a quo veio a fixar o rendimento disponível no valor de 700,00 €, com a argumentação de que “esta figura da exoneração não é permissão para se manter ou aumentar o nível de vida prévio à declaração de insolvência, mas antes uma mão que se dá aos insolventes no sentido de, controlando os créditos que sobre eles impendem, 5 anos volvidos, poderem “começar de novo”, o tal fresh start propalado pelos americanos”.

Os insolventes insurgem-se contra tal decisão defendendo, nas suas alegações de recurso que, em conformidade com a posição assumida pela jurisprudência, o valor do “rendimento indisponível” deve ser fixado em montante equivalente ao salário mínimo nacional, ou, caso assim se não entenda, em valor correspondente ao valor de 747,87 €.

Encontra-se em causa a cessão do rendimento disponível que o devedor venha a auferir no prazo de cinco anos para efeitos da concessão do benefício da exoneração do passivo restante.

Uma das questões suscitadas pelo presente recurso passa por determinar se o juiz pode, contra a vontade do insolvente, fixar-lhe o rendimento indisponível em valor inferior ao do rendimento mínimo nacional.

E, a tal respeito, dispõe o artigo 239º, do CIRE:

“(…)

2. O despacho inicial determina que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, neste capítulo designado período da cessão, o rendimento disponível que o devedor venha a auferir se considera cedido a entidade, neste capítulo designado fiduciário, escolhida pelo tribunal de entre as inscritas na lista oficial de administradores da insolvência, nos termos e para os efeitos do artigo seguinte.

3. Integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão:

a) Dos créditos a que se refere o art. 115º cedidos a terceiros, pelo período em que a cessão se mantenha eficaz;

b) Do que seja razoavelmente necessário para:

i) O sustento minimamente digno do devedor e dos seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentada do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional;

ii) O exercício pelo devedor da sua atividade profissional;

iii) Outras despesas ressalvadas pelo juiz no despacho inicial ou em momento posterior, a requerimento do devedor.

4. Durante o período da cessão, o devedor fica ainda obrigado a:

a) Não ocultar ou dissimular quaisquer rendimentos que aufira, por qualquer título, e a informar o tribunal e o fiduciário sobre os rendimentos e património na forma e no prazo que lhe seja requisitado;

b) Exercer uma profissão remunerada, não a abandonando sem motivo legítimo, e a procurar diligentemente tal profissão quando desempregado, não recusando desrazoavelmente algum emprego para que seja apto;

c) (…)

d) Informar o tribunal e o fiduciário de qualquer mudança de domicílio ou de condições de emprego, no prazo de 10 dias após a respetiva ocorrência, bem como, quando solicitado e dentro do prazo, sobre as diligências realizadas para a obtenção de emprego.

(…)”.

A razão de ser da exclusão dos rendimentos prevista nas subalíneas da alínea b), do nº3 do artigo 239º, assenta na designada função interna do património (base ou suporte de vida do seu titular) e na sua prevalência sobre a função externa (garantia geral dos credores)[1].

Se o legislador estabeleceu um limite máximo para a exclusão do rendimento disponível a ceder pelo insolvente (o equivalente a três vezes o salário mínimo nacional, coincidente com o valor máximo de impenhorabilidade previsto no nº2 do artigo 824º do CPC[2],), optou por não fixar qualquer limite mínimo, a nosso ver pelo facto de não nos encontramos perante uma prestação coativamente imposta por lei, assentando a cedência do rendimento disponível num ato inicial voluntário do insolvente, como contrapartida de um benefício a que o mesmo pretende aceder[3] – o perdão das dívidas, com a extinção do passivo sobrante.

Como defende o Acórdão de 03.05.2011[4], não indicando o citado art. 239º, nº3, al. a), i), qualquer limite mínimo, fazendo apenas referência ao referido conceito geral e abstrato – “o montante razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar – é deixado ao juiz a tarefa de, caso a caso e atentas as circunstâncias específicas de cada devedor, concretizar e quantificar esse mesmo conceito”.

Assim sendo, não serão, nesta sede, de aplicar automaticamente as regras de impenhorabilidade de salários e outros rendimentos consagradas no artigo 738º do NCPC – anterior 824º – (impenhorabilidade de 2/3 do vencimento ou outros rendimentos periódicos, ou de um valor inferior à remuneração mínima mensal garantida), embora possam, e devam, servir de referenciais para a fixação do valor a excluir do rendimento disponível (assim como o valor do rendimento mínimo garantido), juntamente com a avaliação dos gastos necessários à subsistência e custo das necessidades primárias do devedor e do seu agregado familiar.

E, como tal, em nosso entender, nada obsta a que, com o acordo do insolvente, tais limites sejam ultrapassados: ou seja, que o insolvente aceite ceder parte do seu rendimento, guardando para si um valor inferior ao do salário mínimo nacional – correspondendo (nomeadamente no caso de, vivendo em casa dos seus pais e sendo ajudado por este, as suas despesas serem diminutas) ou um valor inferior a 2/3 do seu vencimento mensal.

Caso contrário, poderíamos estar a vedar àqueles que auferissem quantia equivalente ou igual ao salário mínimo nacional a possibilidade de se socorrerem do instituto da exoneração do passivo restante.

Contudo, a fixação de um rendimento indisponível abaixo de tais limiares (rendimento mínimo garantido ou Indexante de Apoios Sociais) não será possível sem o consentimento do insolvente, tal como o nº2 do artigo 46º do CIRE[5] prevê para a apreensibilidade de bens impenhoráveis.

Apesar da admissão liminar do pedido de exoneração do passivo restante, ter como um dos pressupostos a declaração do devedor de que se dispõe a ceder o seu rendimento disponível durante os cinco anos posteriores ao encerramento do processo de insolvência (disposições conjugadas dos arts. 236º, nº3, e 239º, ns. 2 e 3, do CIRE), pode suceder que, por razões que lhe são alheias, no decurso do referido período da cessão, o devedor/insolvente não disponha de rendimentos que lhe permitam efetuar qualquer cessão ao fiduciário (ou porque nenhuns aufere, ou porque aqueles que aufere são necessários para o seu sustento e do seu agregado familiar).

E, se o insolvente assume a posição de que tem despesas essenciais em valor não inferior ao rendimento mínimo nacional, o tribunal não poderá fixar-lhe uma quantia mensal indisponível inferior a tal valor.

Questão diferente, e que extravasa o objeto do presente recurso, será a de saber se aquele que assume a posição de que os rendimentos que aufere lhe não permitem a cedência de qualquer valor para a massa, por mínimo e simbólico que seja, atitude que mantém durante todo o período de cessão, terá direito, a final, a que lhe seja concedido o benefício da exoneração do passivo restante, com o perdão integral de determinadas dívidas.

No caso em apreço, os rendimentos auferidos pelos insolventes não atingem, per capita, a Remuneração Mínima Mensal Garantida, vulgarmente conhecida por salário mínimo nacional, que se encontrava fixada para o período de 1 de outubro de 2014 a 31 de dezembro de 2015, no valor de 505,00 € (Dec. Lei nº 144/2014, de 30 de setembro)[6], nem sequer o valor do indexante dos apoios sociais (IAS[7]), atualmente de € 419,22 € (Lei 82-B/2014, de 31 de dezembro).

Assim sendo, entende-se que, neste momento, se deverá reconhecer a inexistência de qualquer rendimento disponível, dispensando-se os devedores da cessão de qualquer rendimento enquanto tal situação se mantiver.

O objeto do recurso levanta ainda uma segunda questão – se no caso, de o insolvente auferir rendimentos inferiores ao rendimento mínimo nacional, o tribunal pode, ou deve, fixar-lhe o rendimento disponível em montante equivalente ao valor do rendimento mínimo nacional, valor que os rendimentos auferidos pelo insolvente não atingem.

É certo que se pode argumentar que poderá ter o interesse de, caso no decurso dos cinco anos pelos quais pode perdurar a cessão, o valor dos seus rendimentos venha a aumentar, os insolventes ficarem desde já garantidos de que as quantias que venham a auferir e que se contenham dentro de tal valor não serão atingidas.

Contudo, as decisões judiciais não são proferidas com base em ficções ou cenários prováveis, mas com base nos dados respeitantes à atual situação económico-social dos insolventes.

E, face aos rendimentos atualmente auferidos pelo agregado – 810,02 € mensais[8], mais 120 € anuais –, os devedores deverão ficar dispensados de efetuar qualquer cessão enquanto tal situação se mantiver. Se os seus rendimentos vierem a ser aumentados, os insolventes são obrigados a dar conhecimento imediato de tal alteração ao tribunal e ao fiduciário, concedendo-lhe a lei o prazo de 10 dias para o efeito (das alíneas a) e d), do nº4 do artigo 239º, do CIRE).

Como tal, não se descortina qual o interesse ou utilidade em o juiz fixar hipoteticamente qual o montante que asseguraria o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, nomeadamente num valor equivalente ao do salário mínimo nacional para cada um, quando os rendimentos dos insolventes não o atingem.

A Apelação será de proceder parcialmente.

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente o recurso, e alterando-se a decisão recorrida, declara-se indisponível a totalidade dos rendimentos auferidos pelos insolventes, no valor gobal de 810,20 € mensais.

Custas pelos insolventes na proporção do decaimento.                   

12 de janeiro de 2016

Maria João Areias ( Relatora )

Fernanda Ventura

Fernando Monteiro

V – Sumário elaborado nos termos do art. 713º, nº7, do CPC.

1. O limite mínimo dos rendimentos a excluir do rendimento disponível para efeitos do ponto ii), al. a), do nº3 do art. 239º do CIRE, não tem necessariamente que coincidir com as regras de impenhorabilidade consagradas no art. 824º do CPC, embora estas surjam como um referencial a atender pelo tribunal.

2. A fixação de um rendimento indisponível abaixo do rendimento mínimo garantido ou do Indexante de Apoios Sociais, não será possível sem o consentimento do insolvente.

3. Se os rendimentos do insolvente forem inferiores ao valor do salário mínimo nacional, não faz sentido a fixação do rendimento disponível em valor equivalente a este ou superior.

[1] Cfr., neste sentido, Lectícia Marques, “Fresh Start: a exoneração do passivo restante ou uma nova oportunidade concedida a pessoas singulares”, 2009, pág. 19, disponível in www.repositório-aberto.up.pt., e José Gonçalves Ferreira, “A Exoneração do Passivo Restante”, Coimbra Editora, pág. 91, e quanto à distinção entre a função interna e a função externa do património, cfr. Luís Carvalho Fernandes, “Exoneração do Passivo Restante na Insolvência das Pessoas Singulares no Direito Português”, in Coletânea de Estudos sobre a Insolvência”, QUID JURIS, pág. 295.

[2] No sentido de que se trata de um limite máximo, se pronunciam Luís A. Carvalho Fernandes, “Exoneração do Passivo Restante na Insolvência das Pessoas Singulares no Direito Português”, in Coletânea de Estudos sobre a Insolvência”, QUID JURIS, pág. 295, e Assunção Cristas, “Exoneração do Passivo Restante”, artigo publicado na revista THEMIS, da Faculdade de Direito da UNL, 2005, Edição Especial, Almedina, pág. 174.

[3] Embora a doutrina venha entendendo que a cessão não tem fonte negocial, mas legal, no sentido em que a cessão não depende da vontade do devedor, logo de qualquer ato seu, salvo, naturalmente, pelo que respeita ao facto de a exoneração ter sido por ele pedida – cfr., Luís Carvalho Fernandes, estudo e local citados, pág. 294.

[4] Acórdão do TR de Guimarães, relatado por Maria Rosa Tching, disponível in www.dgsi.pt.

[5] Norma que para além dos bens penhoráveis, permite ainda a apreensão dos que, embora impenhoráveis, sejam voluntariamente oferecidos pelo devedor e desde que a impenhorabilidade não seja absoluta.

[6] Valor atualizado para 530,00 €, a partir de 1 de janeiro de 2016, pelo DL 254º-A/2015, de 31 de dezembro.

[7] Valor base que serve de referência ao cálculo e atualização das contribuições, pensões e demais prestações sociais atribuídas pela Segurança Social.

[8] Resultante da soma das suas pensões mensais com o valor dos duodécimos.