Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
623/17.9T8PBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: RESPONSABILIDADES PARENTAIS
MENORES
RESIDÊNCIA ALTERNADA
Data do Acordão: 10/09/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:
TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - POMBAL - JUÍZO FAM. MENORES - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS. 1901, 1906 CC, LEI Nº 61/2008 DE 31/10, ARTS.13, 36 CRP
Sumário:
1. É posição dominante na jurisprudência a admissibilidade da guarda compartilhada (ou residência alternada), por acordo ou por imposição do tribunal, desde que haja uma boa relação entre os pais ou que, pelo menos, os conflitos entre os progenitores possam ser, de algum modo, amenizados.
2. A mudança de paradigma impõe que a residência alternada surja hoje, não só, como uma das soluções a equacionar, mas ainda que, na tomada de decisão sobre a entrega da criança, se deva avaliar, em primeiro lugar, a aplicação do regime de residência alternada e, só se a mesma não se mostrar adequada ao caso concreto e não for aquela que melhor salvaguarda os interesses da criança, ponderar se a residência deve ser fixada junto do pai ou da mãe.
3. Tratando-se de duas menores com 12 e 15 anos, cujo pai reside apenas a alguns quilómetros de distância da residência da mãe e do estabelecimento de ensino frequentado por ambas, e com o qual mantêm uma relação afetiva, demonstrando apreço na sua companhia, não se encontram razões que impeçam a fixação de um regime da residência alternada junto de cada um dos progenitores.
Decisão Texto Integral:
Relator: Maria João Areias
1º Adjunto: Alberto Ruço
2º Adjunto: Vítor Amaral

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2ª Secção):

I – RELATÓRIO

C (…) intentou a presente ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais relativamente às menores L (…) e I (…) contra N (…)

Alegando, em síntese, que a requerente e requerido são pais das menores, vivendo separados, não se encontrando de acordo relativamente ao exercício das responsabilidades parentais referentes às mesmas.

Realizada a conferência a que alude o artigo 35º do RGPTC, não foi possível obter o acordo de ambos os progenitores, sendo as partes remetidas para Audição Técnica Especializada, sem que se tenha alcançado o entendimento entre os progenitores.
Foi realizado Inquérito Social, encontrando-se junto aos autos o respetivo relatório.

Ambos os requeridos apresentaram alegações:
- pugnando a Requerente que a residência de ambas as suas filhas seja fixada junto de si, na medida em que era esse o sattus quo antes da separação e por ser a solução que representa maior bem-estar para as mesmas ambos;
- defendendo o Requerido o estabelecimento de uma residência junto de ambos os progenitores, alternadamente, por ser essa a solução que melhor defende os interesses das filhas ao permitir a manutenção de um relacionamento equivalente com ambos os progenitores.

Realizada a audiência de julgamento, o juiz a quo proferiu sentença, regulando as responsabilidades parentais nos seguintes termos:

“1. 1. As menores ficarão confiadas à mãe, junto de quem residirão e que assumirá as decisões referentes aos atos da vida diária das filhas outro tanto se passando com o pai durante os períodos em que as mesmas consigo convivam.

2. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida das filhas serão exercidas em comum, por ambos os progenitores.

3. O pai poderá e deverá visitar as filhas e com elas contactar sempre que o entender, sem prejuízo dos horários escolares e horários de descanso, mediante aviso prévio à mãe.

4. Terá ainda ter as filhas consigo em fins-de-semana alternados, de quinze em 15 dias, para o que as irá buscar (por si ou por pessoa da sua confiança), ao estabelecimento escolar que as mesmas frequentam, á sexta-feira, no final do seu horário letivo, entregando-as, no mesmo local, em respeito pelo dito horário, na manhã de segunda-feira seguinte.

5. Igualmente terá as filhas na sua companhia, às quartas-feiras, indo-as buscar, em termos idênticos aos referidos no ponto anterior, e entregando-as nos mesmos termos na manhã do dia seguinte.

6. O regime previsto nos pontos anteriores será aplicável durante os períodos lectivos da L (…) e I (…), sendo o progenitor responsável pelo cumprimento das rotinas das filhas nos referidos dias e bem assim pelo seu acompanhamento em termos escolares em todo o que na ocasião se revelar necessário.

7. Terá, ainda, as filhas na sua companhia durante metade dos respetivos períodos de férias escolares, em períodos a combinar previamente com a progenitora.

8. Nas férias de Verão, os contactos serão divididos em blocos de 15 dias alternados, a combinar previamente entre os progenitores e de forma que, em caso de sobreposição as duas menores passem com cada um dos progenitores pelo menos uma semana das respetivas férias laborais, efetuando-se as alterações necessárias em ordem a que tal efetivamente aconteça.

9. Os dias de aniversário dos progenitores e dias da mãe e do pai, independentemente daquele com quem as menores devessem estar, em virtude do regime antes mencionado serão passados com o progenitor a que respeitar a efeméride.

10. Os dias de aniversário das menores serão passados sensivelmente na proporção de metade com ambos os progenitores, por forma a permitir que cada uma das refeições principais seja consumida com cada um deles, com alternância anual, em caso de impossibilidade de acordo noutro sentido.

11. Os períodos festivos de Natal, ano Novo e Pascoa serão passados alternadamente com cada um dos progenitores, iniciando-se neste ano de 2018 o Natal com o pai e o Ano Novo com a mãe e a Páscoa do próximo ano (entendida como de Sexta-Feira Santa ao Fim do Domingo de Páscoa, entre horários a agendar entre os progenitores) com o pai Independentemente do progenitor com quem as menores devessem estar no período correspondente, se não houver coincidência dos períodos ditos em 7., o que é aconselhável que ocorra.

12. Qualquer alteração ao regime fixado, por motivo de impossibilidade de qualquer dos progenitores ou das próprias filhas será, sempre que previsível, comunicado com a antecedência possível e em todo o caso nunca inferior a 24h, ressalvados os casos imprevistos ou de urgência.

13. O Pai contribuirá com a quantia mensal de 100€ a título de alimentos para cada uma das suas filhas, a pagar através de depósito ou transferência bancária até ao dia 8 do mês a que respeitar.

14. A mencionada quantia engloba a totalidade das despesas referentes às duas menores, à exceção das despesas médicas e medicamentosas extraordinárias e de vulto, designadamente com tratamentos dentários prolongados, incluindo o uso de aparelhos, aquisição de óculos, tratamentos dermatológicos, e intervenção cirúrgicas, bem como com as despesas escolares de início de ano letivo, na parte não comparticipada, as quais serão suportadas na proporção de metade por ambos os progenitores, mediante a apresentação de cópia do recibo correspondente.

15. A quantia mencionada em 14. será anualmente atualizada no mês de Janeiro, pelo valor de 1,50€ para cada filha.”


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Inconformado com tal decisão, o progenitor dela interpôs recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem por súmula Face ao manifesto incumprimento da obrigação de nelas sintetizar os fundamentos do recurso (nº1 do artigo 639º CPC).:

(…)


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Quer a progenitora, quer o Ministério Público, apresentaram contra-alegações no sentido da manutenção do decidido.

Cumpridos os vistos legais, cumpre decidir do objeto do recurso.

II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., arts. 635º, e 639, do Novo Código de Processo Civil –, as questões a decidir são as seguintes:

1. Nulidades da sentença nos termos do art. 615º, nº1, alíneas b) e d), do CPC.

2. Impugnação da matéria de facto.

3. Se é de alterar o decidido quanto à confiança do menor.

III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

1. Nulidade da sentença nos termos da alínea c) do artigo 615º do CPC.

O facto de o apelante entender que os factos dados como provados mereciam uma outra decisão ao nível da aplicação do direito não integra uma nulidade da sentença, mas uma mera discordância com o decidido.

A oposição entre os “fundamentos e a decisão” geradora de nulidade da sentença respeita unicamente à contradição lógica – se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, seguir noutro sentido, oposto ou divergente –, não se confundindo com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante um erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade Neste sentido, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, 3ª ed., Almedina, Julho 2107, pp. 736-737..

Não se reconhece, assim, a verificação da invocada nulidade.

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1. Impugnação da matéria de facto.

Os tribunais da Relação, sendo tribunais de segunda instância, têm atualmente competência para conhecer tanto de questões de direito, como de questões de facto.

Segundo o nº1 do artigo 662º do NCPC, a decisão proferida sobre a matéria de pode ser alterada pela Relação, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.


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Segundo a Apelante, os factos dados como provados sob os ns. 20 e 21 e 9 não se encontrarão corretamente julgados, propondo que seja dado como provado que os progenitores têm posturas semelhantes em relação à educação dos filhos e que a residência do pai dista apenas 5 km da residência da mãe e dos estabelecimentos de ensino das menores e não que a mesma dista “alguns Kms”.

Em nosso entender, as alterações propostas pelo progenitor /Apelante mostram-se irrelevantes para a decisão da questão central do presente recurso – fixação da residência das menores junto da mãe ou residência alternada, questão que passamos a apreciar.

Não se conhecerá, assim, da impugnação à matéria de facto deduzida pelo Apelante.


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A. Matéria de facto
É a seguinte a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida:

1. L (…) e I (…), nascidas respetivamente a ….2003 e ….2006, são filhas de C (…) e N (…)

2. Embora não sejam casados entre si, os progenitores viveram em condições semelhantes às dos cônjuges durante cerca de 18 anos, desse relacionamento tendo nascido as menores.

3. No âmbito de tal relação, passaram a residir na casa que foi a de morada da família em 2001, o que se manteve até ….2016, altura em ocorreu a separação e na qual o requerido progenitor deixou de ali morar, permanecendo a requerente progenitora e as duas filhas.

4. A mencionada casa fica próximo do estabelecimento escolar que as menores frequentam, permitindo inclusivamente que façam o percurso a pé.

5. Ficam ainda muito próximo da casa dos avós maternos, casal que já durante a vivência comum do casal se apresentava como suporte importante na prestação de cuidados às netas, que inclusivamente almoçam todos os dias na sua casa, por não “gostarem da comida da escola”.

6. Embora os primeiros anos de vivência comum entre os progenitores sejam descritos como gratificantes, há cerca de 10 anos (relativamente coincidente com o nascimento da I…) a relação começou a apresentar conflitos, devidos sobretudo a maneiras de ser divergentes, agravadas por problemas económicos.

7. De facto, N (…) mantinha atividade profissional relacionada com a produção de eventos através de empresa constituída para o efeito), atividade que passou a gerir em termos contabilísticos em 2013, o que foi motivos de discussões entre o casal pois passaram a existir dívidas à segurança social e às finanças, o que levou ainda a que a quota do requerido, na que era a casa de morada da família tenha sido penhorada.

8. Todo esse circunstancialismo levou à separação, ocorrida na altura supra mencionada, após a qual N (…) passou a residir sozinho em casa propriedade da sua mãe que beneficiou de obras de recuperação e encontra-se atualmente com obras de ampliação (construção de um piso superior), já que no piso térreo apenas dispõe de um quarto, cozinha e duas casas de banho, visando a ampliação, precisamente permitir a acomodação das filhas, dotando-as de quartos próprios, quando estiverem junto do pai.

9. A dita casa, embora situada na mesma cidade dista alguns Kms da casa de morada da família o que obriga a que a deslocação de e para a atual casa de morada da família, para a casa dos avós maternos e bem assim para o estabelecimento de ensino que as menores frequentam seja feita em transporte motorizado seja particular ou público (autocarro).

10. No piso existente a habitação dispõe de condições de habitabilidade, de conforto e apresenta-se higienizada.

11. N (…)mantém atividade na área da produção de eventos, que exerce desde 2013, através de empresa, embora a ela se dedique em termos individuais desde 1997.

12. O seu trabalho é desenvolvido em festas de casamento, parques de campismo, etc., consoantes as solicitações, sendo incerta a sua disponibilidade, intensificando-se o trabalho aos fins-de-semana.

13. Refere estar a pensar aumentar tal atividade, através da instalação de uma tenda em imóvel propriedade de um amigo, com a finalidade de organizar outras atividades, mormente festas de aniversário.

14. Menciona auferir como rendimentos mensais o salário de 557€, referindo estar a trabalhar na angariação de novos clientes e recuperação de alguns que considera ter perdido, por problemas relacionados com o período imediatamente anterior à separação.

15. O mesmo fez oficialmente descontos para o sistema de segurança social entre Março de 2013 e Setembro de 2016, sobre um rendimento base na ordem dos 419,22€ mensais.

16. Refere contar com o apoio da progenitora, que diz estar a suportar as obras de ampliação da moradia e os consumos domésticos referentes à mesma.

17. Refere ter como despesa mensal fixa 110€, referente a metade do valor mensal devido para liquidação do empréstimo contraído com vista à aquisição da que foi a casa de morada de família, incluindo o valor referente a despesas de manutenção da conta.

18. A tal valor acrescem as despesas com alimentação, vestuário, calçado e hábitos de consumo quotidiano e algumas despesas referentes á menores, designadamente com refeições que consomem quando se encontram na sua companhia e algumas peças de vestuário que refere adquirir pontualmente para as mesmas.

19. Desde a separação, não contribuiu com qualquer valor entregue à progenitora para o sustento das filhas, o qual tem sido assegurado exclusivamente pela progenitora com o apoio dos avós maternos.

20. Embora durante a vivência comum, a gestão do dia-a-dia das filhas, fosse maioritariamente responsabilidade da progenitora, que as acompanhava ao nível da saúde, educação e prestação dos cuidados básicos, o progenitor mantinha com elas um relacionamento próximo e de companheirismo, que se estendeu para além da separação.

21. Não obstante, ambos apresentam posturas diferentes relativamente às filhas, seja no que tange á imposição de regras e limites, seja no que refere à definição e acompanhamento em termos educativos, sendo a progenitora descrita como “mais séria” e disciplinadora e o progenitor como “mais desportivo”.

22. Nos últimos anos, antes e depois da separação, o casal viveu um clima de grande conflitualidade, sentido pelas filhas e que não contribuiu para o seu equilíbrio emocional.

23. Após a separação, as menores ficaram junto da mãe, mantendo vivência em tudo semelhante á que antes tinham, incluindo o apoio e suporte dos avós maternos, figuras muito importantes para as mesmas e que mantiveram o seu papel de ajuda na prestação de cuidados às netas, em termos semelhantes aos já antes mencionados.

24. Já o pai não dispõe de suporte da família alargada que o auxilie, agora, na prestação de cuidados às filhas, mormente no cumprimento das respetivas rotinas, em caso de impedimentos profissionais próprios.

25. Após a dita separação N (…) demonstrou querer estar mais presente na vida das filhas e fez um esforço nesse sentido, considerando as filhas ser muito importante manter o pai uma presença o mais ativa possível na sua vida, muito embora reconheçam que o convívio com o mesmo se cinge mais aos tempos de lazer (jogar, ir ás compras, ao cinema, confecionar refeições), enquanto as rotinas são mais desenvolvidas na casa materna (estudar, fazer trabalhos de casa, cumprir horários de descanso), com o auxílio dos avós.

26. Na sequência da separação, requerente e requerido continuaram a manter um relacionamento muito divergente/conflituoso, o que era intensificado pela circunstância de após ter saído da casa de morada de família, ter continuado a ir ali, para estar com as filhas, com frequência mais variável, mas quase diária, após o jantar, ali se instalando a conviver com elas, por várias horas o que a progenitora considerava perturbar a vida familiar e o tempo de descanso das filhas.

27. Durante o mencionado período, quando não ocorriam tais deslocações, estabelecia contacto telefónico com a filha L (…), por vezes para além dos horários instituídos pela progenitora para o descanso das filhas.

28. Tal clima de grande conflito, motivou uma ausência quase total de comunicação entre os progenitores e as diferenças entre ambos ao nível educacional foram percecionadas pelas filhas, que chegaram a desautorizar a mãe, nas diretivas dadas, designadamente quanto ao uso do telemóvel e aos horários de deitar, chegando L (…) (que mantinha com a mãe um conflito mais aceso) a “gravar as conversas tidas com a mãe para depois as mostrar ao pai”.

29. Em face de tal incapacidade de comunicação, (de tal maneira premente que não foi possível estabelecer cessão de ATE totalmente conjunta no âmbito deste processo, por recusa do requerido a tal, após a primeira cessão), o avô materno das menores tem servido de elo de ligação entre os progenitores no que às questões referentes às filhas respeita.

30. Tal situação conheceu uma melhoria após a realização da ATE neste processo, tendo a partir de Maio de 2017 por consenso, sido instituído que N (…) poderia estar com as filhas se assim o desejasse e permanecer na que foi a casa de morada da família até à hora que C (…) chegasse a casa, cerca das 18,30horas ou tê-las na sua companhia noutro local desde que não perturbasse os respetivos horários escolares e de descanso.

31. Não obstante, a partir da mencionada ocasião, o progenitor optou, para evitar o mau estar adveniente e possíveis situações de confronto, por não voltar a conviver com as filhas na mencionada habitação, passando a enviar à progenitora um email a informar das datas e horários em que pretendia estar com as filhas, tendo mantido contactos com as mesmas em regra contactos duas vezes por semana, às sextas e domingos.

32. Para além disso, existem contactos entre pai e filhas diariamente por telefone ou mensagem e as duas filhas passaram com o pai alguns dias das férias de Verão (entre 27 de Julho e 4 de Agosto de 2017), o que se reveliu gratificante para ambas.

33. L (…) confirma a perceção dos conflitos entre os progenitores e o facto de algumas vezes ter atuado contra as ordens da mãe e ter mantido com ela discussões e conflitos, parte dos quais assumiu como sentindo serem da sua responsabilidade, referindo embora que neste momento a situação está mais calma, embora desejasse uma maior harmonia familiar.

34. Admite que é fundamental para si manter um relacionamento próximo com o pai, mas revela agora que a proximidade aos avós (que considera fundamentais no seu processo de crescimento) e a manutenção dos seus hábitos diários e do seu espaço (quarto, pertences, casa) é fundamental para a sua estabilidade emocional.

35. Já I (…) declara que em seu entender não “é justo” que as duas irmãs fiquem a residir com a mãe, estando por vezes com o pai, pois o tempo deveria ser dividido igualmente e quando questionada sobre questões práticas do dia-a-dia, como refeições, deslocações para a escola, desvaloriza-as, embora sem raciocínio estruturado.

36. A requerente que laborou até final de Agosto de 2017 numa empresa de informática, encontra-se desde então em situação de desemprego, com frequência de curso na área da contabilidade, com duração de um ano promovido pelo IEFP, de 2ª a 6ª feiras, das 9h às 13h e das 14 às 17.30h.

37. Recebe de subsídio 421,20€ a que acresce subsídio de alimentação em virtude da dita frequência no montante aproximado de 105€ mensais.

38. A tais valores somam-se ainda as prestações sociais pagas em favor das filhas no valor de 73,20€ mensais.

39. Refere ter como despesas fixas mensais: cerca de 100€ para pagamento de prestação do empréstimo contraído com vista à aquisição da casa (metade), cerca de 147€ de consumos domésticos (água, luz, gás, televisão e internet, condomínio), 7,50€ de seguro da habitação e cerca de 100€ em deslocações 8combustível).

40. A tais despesas acrescem a alimentação, vestuário, calçado e hábitos de consumo quotidiano dos 3 membros do agregado que constitui com as filhas em valores exactos não apurados.

41. As menores encontram-se bem desenvolvidas para a idade não apresentando problemas de saúde significativos, à exceção de problemas respiratórios (asma), problemas de visão, apresentados com a I(…), que usa óculos e uso de aparelho de correção dentária por parte de L (…)

42. Em média, com consultas de dentista para a L (…), são gastos cerca de 60€ mensais, em bombas para a asma cerca de 15€ mensais cerca de 65€ anuais, para consulta de oftalmologia da I (…)

43. Os avós maternos prestam auxílio ao agregado na satisfação das necessidades da filha e neta, sempre que necessário e possível, sendo tal apoio regular no que se refere ao fornecimento do almoço às netas durante o período escolar.

44. Ambas frequentam a escola pública, no mesmo agrupamento, no 9º ano a L (…)e no 6º a I (…), sendo presença assídua sem problemas comportamentais de relevo e bom relacionamento com os pares.

45. L (…) é considerada como aluna de nível satisfatório mas I (…) apresenta alguma falta de concentração o que originou algumas notações negativas na avaliação intercalar.

46. A progenitora comparece no estabelecimento sempre que necessário ou quando é convocada.

47. Ambas beneficiam da ação social escolar, pelo que não obstante ser adiantado o custo de livros e material escolar, posteriormente, o mesmo é ressarcido.

48. Não obstante a evolução supra mencionada os progenitores continuam a revelar-se incapazes de estabelecer uma relação de cooperação, cumplicidade e comunicação em prol dos interesses das filhas, proferindo acusações mútuas e querendo sobressair no desempenho da parentalidade, mostrando-se centrados em vigiar o que o outro faz e diz do outro às filhas, com acusações mútuas que acabam por denegrir a imagem e a autoridade de ambos perante L (…) e I (…), as quais, amiúde tomam partido, envolvendo-se na contenda.


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B. O Direito

1. Residência das menores – residência junto da mãe ou residência alternada

Encontrando-se os progenitores separados desde 31 de Outubro de 2016, a progenitora assumiu nos autos a posição de que as menores deveriam ficar a residir consigo, enquanto o progenitor defende a fixação de um regime de residência alternada.

A sentença recorrida faz assentar todo o seu raciocínio no pressuposto de que a decisão de confiança ou guarda da criança deve ter como referência quatro fatores essenciais: “a continuidade do status quo, a presunção de que o interesse da criança reside na permanência junto do progenitor que, em termos predominantes cuidou de si desde o nascimento – pessoa de referência – ideia de que, o decidido não deve ser alterado a não ser que tenha ocorrido alteração substancial das circunstancias, a não imposição legal ou judicial de guarda conjunta (mas até mesmo, se for caso disso, em casos mais estrados) do próprio exercício conjunto das responsabilidades parentais.”
Seguidamente defende que a “guarda partilhada” ou “dupla residência da criança”, só será possível e conveniente para a criança, nos casos em que “ocorra uma grande cumplicidade e elevado entendimento entre os progenitores, que coloque o filho a salvo de disputas, mas também uma similitude de vinculações da criança a ambos os pais e uma adequada proximidade geográfica que não implique deslocações inúteis e morosas, com perda de contacto reiterado com a “outra” realidade da criança.

Seguindo esta linha de raciocínio, que a faz rejeitar liminarmente a hipótese de fixação de residência alternada, a decisão da juiz a quo, de optar pela fixação da residência das menores junto da progenitora e um regime de visitas ao outro progenitor, surge como lógica e expectável:
“No caso dos autos, as menores I (…) e L (…) por circunstâncias que não importa agora averiguar com exactidão, no que á atribuição de culpas diz respeito, nasceram e viveram até à separação dos pais, numa família que se organizou em termos tradicionais, ou seja, pai e mãe tinham um papel muito diverso perante as filhas, tendo sido cometida a esta, com o auxílio dos seus pais (avós maternos das duas menores) a prestação quase total dos cuidados diários às filhas, seja ao nível doméstico (preparação das refeições, controle dos horários de descanso, imposição de regras, realização dos trabalhos de casa, acompanhamento no estudo), seja ao nível do relacionamento com terceiros (contactos com a escola, fornecimento de cuidados de saúde e afins) e apresentando o pai um papel mais ausente do dia-a-dia das suas filhas e em todo o caso mais relacionado com os tempos de lazer (brincadeiras, estabelecimento de excepções ás regras, idas ao cinema, passeios e afins).
A dita diferença e a verdadeira definição entre o essencial e o necessário, mas não básico foi tacitamente aceite por ambos os progenitores com a separação, pois o requerido N (…) saiu da que foi a casa de morada da família e ali deixou a requerente C (…) e as duas filhas ao cuidado da mesma, sem preocupação de qualquer ordem até esta acção ter sido instaurada, que não fosse manter o seu papel mais lúdico (mas diga-se nem por isso menos importante) na vida das filhas, limitando os seus contactos a períodos isentos de obrigação, sem contribuir para o seu sustento, seguramente porque tinha a garantia ou secreta certeza de que às mesmas, excepção feita à sua presença, nada de essencial faltaria, como efectivamente não faltou, pois a progenitora e os avós continuaram a levar a cabo todas as rotinas e prestação de cuidados às duas menores como até então.
Em altura exacta que não foi possível apurar, aparentemente mudou a sua perspectiva, pois passou a defender uma residência alternada, sustentando-se em critérios de justiça, no que aparentemente foi secundado pelas filhas, embora com uma mudança de posição final, diga-se digna de louvor, por banda de L (…)
O requerido não dispõe de condições habitacionais para receber as filhas, que na casa onde habita (pertença da sua mãe) não têm, sequer, por enquanto, um quarto próprio; não tem apoio familiar ou rede de apoio de outro nível ou origem que o auxilie na prestação de cuidados efetivos às filhas nos seus impedimentos profissionais que surgirão, atenta a sua natureza, em termos inesperados, nas datas que vierem a ser agendadas, longe ou perto da casa onde habita, por períodos mais ou menos prolongados, dependendo dos serviços que os clientes lhe solicitarem e nessas ocasiões, não poderá, naturalmente ir levar e buscar as filhas à escola, providenciar pelo acompanhamento do seu estudo, tarefas necessárias para o dia seguinte, confeccionar refeições, levá-las ao médico e tudo o mais que no dia-a-dia, as mesmas venham a carecer, efectivamente, e não demonstrou que seja capaz de o fazer sozinho ou de alterar a sua própria rotina em conformidade, o que não nos parece evidente até porque não o fez durante a vivência comum e nem sequer em termos duradouros após a separação;
A alteração das rotinas das duas filhas, geradas com um tal tipo de solução iria afastá-las dos avós maternos, presença diária nas respectivas vidas desde sempre, da escola que frequentam, que dista escassos metros da casa onde reside a progenitora e os próprios avós (que moram na mesma rua), força-las a levantar mais cedo, pois a casa do pai é mais distante, a regressar mais tarde, eventualmente sozinhas, se o pai estiver a trabalhar, em claro prejuízo do que estão acostumadas a fazer, dos seus tempos de descanso, mas também do empenho de que carecem na sua vida académica.
Porém, ainda que assim se não considerasse, sempre o regime em causa seria insusceptível de implementar na prática em prol dos superiores interesses das duas filhas.
É que, estes pais, não só têm hoje, fruto da sua vivência, papéis completamente diferentes na vida das filhas, como perspectivas educacionais completamente diferentes, que as filhas conhecem e não tardarão, em fase própria de usar em seu favor.
Mais do que isso, estes pais não respeitam tais diferenças, nem as usam para se complementar em ordem a uma melhor defesa das descendentes, muito pelo contrário, centram-se em esgrimi-las, desvalorizando o outro e fazem-no a ponto de se desautorizarem reciprocamente, levando L (…) e I (…) à rebelião, por ora relativamente ao modelo educativo da mãe (para elas menos confortável porque menos lúdico e mais rígido), mas a médio/curto prazo, seguramente de ambos os progenitores, se e quando contrariadas; não são capazes de falar um com o outro directamente, ainda que com a mediação de terceiros, carecendo que o avô materno fale ora com um ora com outro ainda que para tratar dos assuntos referentes às filhas.”

O Apelante insurge-se contra o decidido, defendendo, em síntese, que a guarda conjunta, com residência alternada, é a que melhor responderá ao interesse das menores:
- o recorrente reside agora numa casa de habitação que reúne as condições necessárias para as acolher, sendo que o trajeto entre ambas as residências e o estabelecimento de ensino é servido por boas redes de transporte com paragem em frente à residência do progenitor; a L (…) para o ano, na passagem para o 10º ano, vai mudar de escola, e o estabelecimento de ensino escolhido fica mais próximo da residência do pai;
- atualmente os progenitores lograram minimizar as situações de conflito e de desenvolvimento previamente existentes;
- a vontade de ambas as menores em residir alternadamente com ambos os progenitores, ainda que a menor L (…) na audiência de julgamento tenha mudado de opinião;
- ambos os progenitores são disciplinadores;
- o relatório social junto aos autos é favorável à fixação da residência alternada;
- a manutenção de laços afetivos não se compadecem com o tradicional regime de fins de semana tradicionais;

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Vejamos, separadamente, cada uma das questões que se colocam, face os termos em que se acha configurada a decisão recorrida, de exercício comum das responsabilidades parentais com atribuição de guarda da menor a um dos progenitores:

1. Admissibilidade legal e condições da determinação da guarda ou residência “alternada”.

2. No caso de a mesma não ser admissível ou se mostrar inadequada no caso em apreço, qual dos dois progenitores se encontraria em melhores condições para fixar junto dele a residência da menor.


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1. Exercício conjunto das responsabilidades parentais – admissibilidade de residências alternadas.

A Lei nº 61/2008, de 31 de outubro, que procedeu à última reforma ao Código Civil em matéria do Direito da Família, introduziu importantes alterações às regras que estabelecem o exercício das responsabilidades parentais dos filhos menores em caso de dissociação familiar.

A primeira alteração consistiu, desde logo, na substituição da expressão “poder paternal”, por “responsabilidades parentais”, consagrando a igualdade de direitos e de deveres de ambos os pais relativamente à pessoa e ao património dos filhos menores Ou, como se afirma no Acórdão do TRL de 28-06-2012, com os progenitores a adquirirem igual poder de decisão relativamente às questões do menor, seu filho, nos termos preceituados nos artigos 1901º e ss., do CC – Acórdão relatado por Ana Luísa Gonçalves, disponível in www.dgsi.pt. .

Do percurso pelas alterações introduzidas aos artigos 1901º a 1912º do Código Civil (CC), surge realçada a funcionalidade dos poderes que integram as responsabilidades parentais, colocando a criança e o seu interesse no centro do exercício de tais responsabilidades.

Mais se salienta a imposição legal, em caso de dissolução familiar, de que o regime fixado garanta “uma grande proximidade da criança com ambos os progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades” – artigo 1906º, nº7.

E, como se afirma no acórdão do TRL de 28-06-2012 Relatado por Ana Luísa Geraldes, disponível in www.dgsi.pt. , com a publicação e alterações introduzidas pela Lei nº 61/2008, não mais serão admissíveis ou defensáveis teorias ou práticas que desconsiderem ou menosprezem a realidade jurídica subjacente e vertida neste novo modelo, com a instituição da mudança de paradigma.

Como corolário dos princípios citados, o artigo 1906º estabeleceu como regime regra, em caso de divórcio ou separação dos pais, o exercício em comum por ambos os progenitores quanto às questões de particular importância na vida do filho.

O exercício conjunto, porém, refere-se unicamente aos atos de particular importância, pois a responsabilidade pelos “atos da vida corrente” cabe exclusivamente ao progenitor com quem ele reside habitualmente ou ao progenitor com quem ele se encontra temporariamente – nº 3 do artigo 1906º.

A abandonando o conceito de “guarda” da criança, adota-se o conceito de “residência Segundo Guilherme de Oliveira, a evolução foi no sentido de um abandono progressivo do uso das palavras “guarda”, direitos de “visita”, ao mesmo tempo que as leis passaram a recomendar ou a exigir “planos de parentalidade” que cumpram o objetivo de regular a convivência dos dois progenitores com o filho, sendo que a ideia de um dos progenitores com um papel principal foi desaparecendo nos Estados Unidos e na Europa – «Ascensão e queda da doutrina do “cuidador principal”, Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito da Família, Coimbra Editora 2011, Ano 8, nº16, p.16. do filho, que deverá ser determinada “de acordo com o interesse deste, tendo em atenção todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais do filho com o outro” – nº5 do artigo 1906º.

Antes de mais, cumpre distinguir os conceitos, que continuam a ser usados na doutrina e na jurisprudência, de “guarda exclusiva” – exercício exclusivo das responsabilidades parentais com residência exclusiva –, “guarda conjunta” – exercício conjunto das responsabilidades parentais com residência exclusiva a um dos progenitores e um regime de visitas a outro –, “guarda alternada” – residência alternada com exercício exclusivo nos respetivos períodos de residência de cada um dos pais –, e “guarda compartilhada” como exercício conjunto das responsabilidades parentais com residência alternada Formulações assim sintetizadas por Joaquim Manuel da Silva, Juiz de Direito do Tribunal de família e Menores, “A Família das Crianças na Separação dos Pais, a Guarda Compartilhada”, Petrony Editora, 2016, p. 45. Para maiores considerações, cfr., Clara Sottomayor, “Entre Idealismo e Realidade: a dupla residência das crianças após o divórcio”, in “Temas de Direito das Crianças”, Almedina 2014, p.69-76..

Tendo, no caso em apreço, sido determinado pelo juiz a quo o regime regra do exercício conjunto das responsabilidades parentais, determinação que os progenitores não põem em causa, discute-se apenas no presente recurso, a fixação da residência às menores: se junto da mãe, como foi determinado na sentença de que se recorre, ou com residência alterada junto de ambos os pais, como defende o progenitor/recorrente.

Face à definição anteriormente exposta, o primeiro passo a dar passa por determinar se é de fixar a guarda conjunta (com residência junto de um dos progenitores e com um regime de visitas ao outro) ou a guarda compartilhada (com residência alterada junto de cada um dos progenitores).

Uma passagem pela jurisprudência dos tribunais superiores permite-nos concluir ser posição dominante a admissibilidade da guarda compartilhada, inclusivamente por imposição do tribunal (ou seja, na falta de acordo entre os pais, porquanto ambos pretendem a residência exclusiva), colocando, contudo, como requisito que haja uma boa relação entre os pais ou que, pelo menos, os conflitos entre os pais possam ser de algum modo amenizados Cfr., entre outros, Acórdão do TRC de 05-05-2009, relatado por Távora Vítor, e Acórdãos do TRL de 17-12-2015, relatado por Anabela Calafate, de 13-12-2012, relatado por Rijo Ferreira, e de 28-12-2012, relatado por Ana Luísa Geraldes, embora este diga respeito unicamente à homologação de um acordo entre os progenitores que previa a guarda compartilhada..

Já ao nível da doutrina, com exceção de Maria Clara Sottomayor “Entre o idealismo e a realidade: A dupla residência das Crianças após o divórcio”, in “Temas de Direito das Crianças”, Almedina 2014, pp. 165 e ss., em especial, p.178-182. – face aos novos dados da investigação científica e das novas tendências ao nível dos demais ordenamentos jurídicos europeus –, se constata uma quase unanimidade na assunção da guarda compartilhada como a “solução ideal” (embora nem sempre possível, como é o caso de famílias com histórico de violência doméstica ou de os progenitores residirem em diferentes localidades) em caso de dissociação familiar.

Também os instrumentos internacionais europeus vêm refletindo esta nova tendência, sendo que a Resolução 1921 do Conselho da Europa (2013), que apenas apelava “às autoridades dos Estados-Membros a respeitar o direito dos pais a desfrutar a responsabilidade partilhada, assegurando que legislação sobre a família e as crianças, em caso de separação ou divórcio, contemple a possibilidade de residência alternada/guarda partilhada das crianças, no seu superior interesse, baseado no mútuo acordo entre progenitores”, apenas dois anos após, veio a ser substituída pela Resolução 2079 do Conselho da Europa (de 02-10-2015), instando os Estados Membros a “Introduzir na sua legislação o princípio da residência alternada depois da separação, limitando as exceções aos casos de abuso infantil ou negligência ou violência doméstica, ajustando o tempo em que a criança vive na residência de cada progenitor em função das suas necessidades e interesses”.

Embora o nosso legislador não tenha ainda transposto para o direito nacional o princípio da residência alternada, o artigo 1906º CC não exige o acordo dos progenitores para a sua fixação No sentido de que a residência alternada pode ser consensualizada pelos pais ou imposta pelo tribunal, se pronunciam Helena Bolieiro e Paulo Guerra, “A Criança e a Família – uma questão de direitos”, 2ª ed., Coimbra Editora 2014, p. 201, nota 31, e p. 209. Também Joaquim Manuel Silva, Juiz de Direito da Secção de Família e Menores de Lisboa-Oeste, se apresenta como acérrimo defensor da guarda compartilhada: “A guarda compartilhada assume-se hoje na nossa prática jurisprudencial como central na consagração do direito da criança a ter pai e mãe e até importante na tarefa de afastar o conflito e de manter ou construir a sua família. A guarda compartilhada mantém os pais implicados na vida dos filhos, desenvolvendo, em regra, plataformas de funcionamento conjunto que criam novas emoções positivas, que depois contribuem para ultrapassar as memórias emocionais negativas da vindas, em regra, da “separação conjugal” – “A Família das Crianças na Separação dos Pais, A Guarda Compartilhada”, p.135.. nem sequer a inexistência de conflitualidade entre os cônjuges, sendo que a existência de alguma conflitualidade será mesmo compreensível e expectável numa situação de pós rutura do casal.
De qualquer modo, ao consagrar entre as circunstancias relevantes para o interesse do menor, “as que promovam uma relação de grande proximidade com os dois progenitores e favoreçam amplas oportunidades de contacto do filho, com ambos os progenitores”, não deixa de implicitamente apontar para esta solução, por se afigurar a residência alternada como a mais apta a possibilitar-lhe contactos em igual proporção e em circunstancias similares, com ambos os progenitores e respetivas famílias, por contraposição à residência habitual do filho com um dos progenitores e o convívio com o outro apenas em férias, dias festivos e fins de semana Cfr., Acórdão do TRE de 09-11-2017, relatado por Francisco Matos, disponível in www.dgsi.pt. .

A solução da residência alternada tem ganhado força pela consciência de que os laços afetivos se constroem dia-a-dia e não se compadecem com o tradicional regime de fins de semana quinzenais – a fixação da residência junto de um só dos progenitores leva ao progressivo esbatimento da relação afetiva com o outro progenitor, fazendo com que o menor se sinta uma mera “visita” em casa deste, levando a que o progenitor desista de investir na relação por se sentir excluído do dia-a-dia da criança.
Haverá que promover um tempo de qualidade com ambos os progenitores, de modo a que, cada um deles possa acompanhar o dia-a-dia do seu filho, nos trabalhos escolares, nas brincadeiras, no momento de deitar, etc., levar e ir buscar à escola, conhecer os professores, os amigos, etc., de modo a que o menor continue a ter um pai por inteiro e uma mãe por inteiro Neste sentido, António José Fialho, “Residência alternada – visões de outras paragens”, in “A Tutela Cível do Superior Interesse da Criança”, Tomo I, julho 20114, E-book CEJ p.397, disponível in http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/Tutela_Civel_Superior_Interesse_Crianca_TomoI.pdf. ..

O argumento base dos opositores da guarda compartilhada prende-se com a estabilidade da criança. Contudo, tal ideia sobrevaloriza a estabilidade que possa advir de um só espaço físico a que possa chamar casa, face ao conforto emocional de ter ambos os progenitores junto de si: deste modo “tem dois espaços físicos a que chama casa e tem pai e mãe, em doses reduzidas de tempo, é certo, mas emocionalmente por inteiro, pois partilha as pequenas e as grandes coisas com ambos, no período que passa com esse progenitor Neste sentido, “Cidalina Freitas, “Notas soltas sobre a residência alternada”, “A Tutela Cível do Superior Interesse da Criança”, Tomo I, julho 20114, E-book CEJ p.297, disponível in http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/Tutela_Civel_Superior_Interesse_Crianca_TomoI.pdf.”.
A ideia de que a guarda partilhada expõe a criança ao conflito tem implícita a afirmação de que, em caso de conflito, a criança fica mais protegida se confiada a um deles, o que é extremamente discutível: a confiança a um só dos progenitores ao atribuir a este um poder de facto sobre a criança (progenitor que, na prática tudo decide) em detrimento do outro, que assim se vê afastado do dia-a-dia da criança, alimentando a posição de irredutibilidade do progenitor guardião (que, face ao poder que a guarda exclusiva lhe dá não se vê na necessidade de fazer concessões) e aumentando o sentido de frustração do outro, é potenciador da conflitualidade entre os progenitores.
Como salienta Joaquim Manuel da Silva “A Família das Crianças na Separação dos Pais, a Guarda Compartilhada”, p.121., havendo conflito entre os progenitores, a residência exclusiva agrava-o, consolida-o, aumentando-o muitas vezes, gerando um grande número de abandonos, de “órfãos de pais vivos”, que, quando não ocorrem, por força da exposição da criança a este stresse tóxico, permanente e intenso, gera nelas profundos problemas de desenvolvimento emocional e cognitivo, que são na sociedade atual um problema grave de saúde.
Já a guarda ou residência alternada ou compartilhada favorece o atenuar do conflito entre os progenitores: colocando-os em condições de igualdade, levará precisamente a que, qualquer um deles, tendo por contraponto um período de tempo em que o menor estará longe de si e entregue ao outro, terá todo o interesse em facilitar ao outro os contactos com o menor no período em que é ele a deter a guarda, precisamente porque é isso que espera e deseja que lhe seja proporcionado quando o menor está com o outro No sentido de que a parentalidade partilhada diminuiu o conflito parental e previne a violência familiar pós-separação, se pronuncia, ainda, entre outros, Edward Kruk: “Nos acordos de custódia partilhada, o conflito entre progenitores reduz-se ao longo do tempo, aumentando, ao invés, nos acordos de custódia única, já que os pais ameaçados pela perda dos seus filhos e da sua identidade parental lutam durante anos após a separação dos filhos”, in “Os direitos e as necessidades das crianças após a separação dos pais – a fundamentação para a responsabilidade parental partilhada”, in “Uma família parental, duas casas”, Sofia Marinho e Sónia Vladimiro Corria, Edições Sílabo, 2017, p. 49. .

Concordamos, assim, com Ana Teresa Leal “Novos modelos e tendências na regulação do exercício das responsabilidades parentais”, in “A Tutela Cível do Superior Interesse da Criança”, Tomo I, julho 20114, Ebook CEJ p.372, disponível in http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/Tutela_Civel_Superior_Interesse_Crianca_TomoI.pdf. Em defesa da residência alternada se pronunciam todos os participantes no tema “Residência Única ou Residência Alternada – Vantagens e Inconvenientes”, incluídos no referido Ebook do CEJ, desde Helena Bolieiro, António José Fialho e outros. Não resistimos a reproduzir aqui os 16 argumentos que legitimarão a imposição judiciária da residência alternada, apontados por Edward Kruk num estudo publicado em 2012 e aí citados por Helena Bolieiro (in “Novos modelos e tendências na regulação do exercício das responsabilidades parentais. A residência alternada – casa do pai – casa da mãe – E agora”,p.235-241):

1. Preserva a relação da criança com ambos os pais.
2. Preserva a relação dos pais com a criança.
3. Diminui o conflito parental e previne a violência na família.
4.Respeita as preferências da criança e a opinião da mesma acerca das suas necessidades e superior interesse.
5. Respeita as preferências dos pais e a opinião dos mesmos acerca das necessidades e superior interesse da criança.
6. Reflete o esquema de cuidados parentais praticado antes do divórcio;
7. Potencia a qualidade da relação progenitor/criança;
8. Reduz a atenção parental centrada na “matematização do tempo” e diminui a litigância;
9. Incentiva a negociação e a mediação interparental e o desenvolvimento de acordos do exercício das responsabilidades parentais;
10. Proporciona guidelines claras e consistentes para a tomada de decisão judicial;
11. Reduz o risco e a incidência da “alienação parental”,
12. Permite a execução dos regimes de exercício das responsabilidades parentais, pela maior probabilidade de cumprimento voluntário pelos pais.
13. Considera os imperativos de justiça social relativos aos direitos da criança;
14. Considera os imperativos de justiça social relativos à autoridade parental, à autonomia, à igualdade, direitos e responsabilidades;
15. O modelo “interesse superior da criança/guarda e exercício unilateral” não tem suporte empírico;
16. A presunção legal de igualdade na guarda e exercício das responsabilidades parentais rem suporte empírico. quando afirma que a mudança de paradigma impõe que a residência alternada surja hoje, não só, como uma das soluções a equacionar, mas ainda que, na tomada de decisão sobre a entrega da criança, se deva avaliar, em primeiro lugar, a aplicação do regime de residência alternada e, só se a mesma não se mostrar adequada ao caso concreto e não for aquela que melhor salvaguarda os interesses da criança, ponderar se a residência deve ser fixada junto do pai ou da mãe.
Jorge Duarte Pinheiro “Estudos de Direito das Famílias e das Crianças”, AAFDL Editora 2015, p. 338-339. defende que a regra deve ser a concessão a cada um dos progenitores de igual tempo de contacto ou residência, com o filho, e a atribuição da titularidade do exercício de todas as responsabilidades parentais a cada um dos progenitores que estiver, e enquanto estiver, com o filho, indicando as seguintes quatro fortes razões em abono do exercício alternado das responsabilidades parentais:
1. É um modo de tentar dar à criança dois pais em vez de um só ou de um meio.
2. É uma forma de organização que contribui para criar uma cultura autêntica de partilha das responsabilidades entre os pais.
3. É a modalidade que satisfaz o princípio da igualdade dos progenitores, imposto pelos artigos 36º, nº5 e 13º, da CRP e pelo artigo 18º da Convenção sobre os direitos da Criança.
4. É a forma de organização que melhor se adequa ao princípio de que os filhos não devem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles (art. 36º, nº6, da CRP).

Assentamos, assim, na ideia base de que, no seguimento das tendências do direito europeu da família, a residência alternada deverá constituir o regime preferencial, que só deverá ser afastado se, a ponderação das circunstâncias do caso concreto o tornarem desaconselhável (ex. desinteresse de um dos progenitores ou falta de condições para o efeito por parte de um dos progenitores, violência doméstica, etc.) ou inviabilizarem (ex. por força da distância entre as residências dos progenitores).

2. Escolha da residência das menores

Assim expostos os princípios gerais com interesse para apreciação da decisão a tomar, debrucemo-nos, então, sobre o caso em apreço, fazendo uma súmula do que, de essencial, foi levado aos factos dados como provados:

- desde que nasceram (a L (…) a …2003, e a I (…) a …-2006) e até que os seus progenitores se separaram, a … outubro de 2016, as menores residiram com ambos os progenitores;

- com a separação, saindo o progenitor da casa de morada de família, as menores ficaram aí a residir com a mãe;

- a residência da mãe fica próximo do estabelecimento de ensino frequentado pelas menores, permitindo que façam o percurso a pé;

- as menores almoçam diariamente na casa dos avós maternos que também fica próimo da escola;

- a residência do pai dista alguns kms da residência da mãe e do estabelecimento de ensino atualmente frequentado pelas menores, implicando a utilização de transporte, publico ou privado, para as deslocações;

- embora durante a vivência comum, a gestão do dia-a-dia das filhas, fosse maioritariamente responsabilidade da progenitora, que as acompanhava ao nível da saúde, educação e prestação dos cuidados básicos, o progenitor mantinha com elas um relacionamento próximo e de companheirismo, que se estendeu para além da separação.

- ambos apresentam posturas diferentes relativamente às filhas, seja no que tange á imposição de regras e limites, seja no que refere à definição e acompanhamento em termos educativos, sendo a progenitora descrita como “mais séria” e disciplinadora e o progenitor como “mais desportivo”.

- o pai não dispõe de suporte da família alargada que o auxilie, na prestação de cuidados às filhas, mormente no cumprimento das respetivas rotinas, em caso de impedimentos profissionais próprios;

- após a separação N (…) demonstrou querer estar mais presente na vida das filhas e fez um esforço nesse sentido, considerando as filhas ser muito importante manter o pai uma presença o mais ativa possível na sua vida, muito embora reconheçam que o convívio com o mesmo se cinge mais aos tempos de lazer (jogar, ir ás compras, ao cinema, confecionar refeições), enquanto as rotinas são mais desenvolvidas na casa materna (estudar, fazer trabalhos de casa, cumprir horários de descanso), com o auxílio dos avós;

- na sequência da separação, a requerente e requerido começaram por manter um relacionamento muito divergente/conflituoso, conflitualidade que tem vindo a diminuir, nomeadamente após a realização da ATE no processo;

- o pai tem mantido contactos com as menores duas vez por semana à sextas e aos Domingos e as filhas passaram alguns dias de férias com o pai em 2007, o que se revelou gratificante para ambos;

- a I (…) quer na entrevista efetuada em sede de Audição Técnica Especializada, quer em audiência de julgamento, verbalizou que gostaria de passar o mesmo tempo com a mãe e com o pai;

- a L (…), na entrevista efetuada em sede de ATE, afirmou que não queria ficar a viver com um dos progenitores e a visitar o outro ao fim de semana, posição que veio a alterar quando ouvida em audiência: admitindo que é fundamental para si manter um relacionamento próximo com o pai, mas que a proximidade com os avós e a manutenção dos seus hábitos diários é fundamental para a sua estabilidade emocional;

- os progenitores continuam a revelar-se incapazes de estabelecer uma relação de cooperação, cumplicidade e comunicação em prol do interesse das filhas, querendo sobressair no desempenho da parentalidade.

- em face de tal incapacidade de comunicação, o avô materno das menores tem servido de elo de ligação entre os progenitores no que às questões referentes às filhas respeita;

- o progenitor reside sozinho em casa propriedade da sua mãe que beneficiou de obras de recuperação e que se encontra com obras de ampliação (construção de um piso superior ) já que o piso térreo apenas dispõe de um quarto, cozinha e duas casas de banho, visando a ampliação permitir precisamente a acomodação das filhas, dotando-as de quartos próprios quando estiverem junto do pai.

Face aos princípios atrás expostos, vejamos se, no caso em apreço, é de afastar a fixação de um regime de residência alternada das menores junto de cada um dos progenitores.

O primeiro argumento de que socorre a decisão recorrida respeita à denominada “figura de referência” – até à separação dos pais, as menores terão vivido numa família que se organizou em termos tradicionais, assumindo a mãe (auxiliada pelos avos maternos) a quase totalidade dos cuidados diários das menores, apresentando o pai um papel mais ausente no dia-a-dia.
Tal argumento perderá a sua força se se atentar em que está igualmente dado como provado que já antes da separação o pai mantinha com as suas filhas um relacionamento próximo e de companheirismo e que, após a separação demonstrou querer estar mais presente na vida das filhas. Por outro lado, tratando-se de menores com 12 e 15 anos de idade, a peso dos cuidados básicos a prestar diminui, face ao fator relacional, a assumir extrema importância na fase da adolescência.
Salienta-se ainda que, após a separação, a relação existente entre o progenitor e as menores é também o resultado dos contatos que até agora lhe foram permitidos (e supõe-se também derivados da circunstância de o progenitor não então reunido ainda condições para as menores pernoitarem em sua casa), sendo que o estabelecimento de um mero regime de “visitas” tenderá a acentuar, precisamente, esse desequilíbrio de posições entre os progenitores.
Por fim, como salienta Guilherme de Oliveira “Ascensão e queda da doutrina do “cuidador principal”, Lex Familiae, Revista Portuguesa de Direito da Família, Coimbra Editora, Ano 8, nº16., a doutrina do “cuidador principal” – enquanto fator determinante para a atribuição da guarda, ou “presunção de guarda” em favor do cuidador principal – encontra-se ultrapassada pela tendência contemporânea para manter os dois progenitores em relação próxima com o filho. “Isso não quer dizer que uma relação privilegiada com um dos progenitores não seja tida em consideração; mas sempre numa ponderação mais vasta de todos os factos que tende para a inclusão dos dois progenitores, em vez de se contentar com a fixação da guarda exclusiva e o exercício exclusivo das responsabilidades que lhe andava associado.”

O segundo argumento respeita à falta de condições habitacionais para receber as filhas.
Ora, se tal correspondia à realidade à data em que foi elaborado o relatório social – em novembro de 2017, a casa onde o progenitor vivia estava em obras de ampliação, envolvendo a sua ampliação: no piso térreo disponha só de um quarto, cozinha, sala e duas casas de banho, estando a ser construir um piso superior que iria dispor de dois quartos e, possivelmente, de uma casa de banho, para permitir a acomodação das filhas, dotando-a de quartos próprios, quando estiverem junto do pai (ponto 8 da matéria de facto) –, cerca de um ano depois (a audiência final ocorreu em novembro de 2017, mas a sentença recorrida só veio a ser proferida em maio de 2018), alega o Apelante ter entretanto concluído as obras na habitação, facto este que não é contestado pela progenitora nas suas contra-alegações de recurso.

Afirma a sentença recorrida que a alteração das rotinas gerada pela fixação de residência alternada iria afastar as menores dos avós paternos, afirmação com a qual temos de discordar.
Não se vê por que motivo a circunstância de residirem uma semana com a mãe e outra semana com o pai inviabilizará que as menores continuem, por ex., a almoçar aos dias de semana em casa dos avós maternos, mesmo na semana em ficam em casa do pai, sobretudo quando, nos factos dados como provados, é dado especial relevo à relação existente entre o progenitor e o avô materno que “tem servido de elo de ligação entre os progenitores no que às questões referentes às filhas respeita”, não inibindo os avos de continuar a prestar às menores todo o auxilio de que estas necessitem, independentemente de se tratar da “semana da mãe” ou da “semana do pai”.

Quanto aos “papéis completamente diferentes na vida das filhas, com perspetivas educacionais completamente diferentes”, imputados aos progenitores pela sentença recorrida, sempre se dirá que, a nosso ver, as diferentes abordagens que cada um dos progenitores possa assumir, derivadas, desde logo, pela personalidade de cada um (um mais sério e outro mais brincalhão, um mais superprotetor e outro que concede um pouco mais de liberdade, umas vezes zangando-se um e sendo o outro mais racional, para na vez seguinte ocorrer o oposto), podem complementar-se, acabando por ser enriquecedoras para a educação e crescimento das menores.

Quanto à existência de conflito entre os progenitores, também da matéria dada como provada se pode retirar que as relações entre os progenitores têm sofrido uma evolução positiva e que, nomeadamente o progenitor, após o acompanhamento da ATE, soube eliminar os comportamentos que, até então, da sua parte, constituiriam a maior fonte de conflito. Por outro lado, salienta-se igualmente o papel de mediador que, com sucesso, tem vindo a ser desempenhado pelo avô materno junto de ambos os progenitores.

Não reconhecemos, assim, a verificação de qualquer impedimento sério à fixação da residência alternada.

Partindo de um conceito indeterminado – interesse da criança – enquanto critério para determinação da residência do menor e dos direitos de visita (artigos 1906º, ns. 5 e 6, do Código Civil e artigos 180º e 177º da OTM), o legislador aponta alguns elementos concretizadores de tal conceito: “todas as circunstâncias relevantes, designadamente o eventual acordo dos pais e a disponibilidade manifestada por cada um deles para promover relações habituais da criança com o filho” (artigo 1906º, nº 5); o interesse da criança de manter uma relação de grande proximidade com ambos os progenitores (artigo 1906º, nº7).

A fim de minorar a subjetividade das decisões naqueles casos em que ambos os pais se encontram efetivamente ligados à criança e igualmente capazes de cuidar dela, Clara Sottomayor Obra citada, pág. 48. aponta o seguinte conjunto de fatores a ter em causa pelo juiz: i) relação afetiva da criança com cada um dos pais; ii) disponibilidade de cada um deles para prestar à criança os cuidados necessários à sua saúde, alimentação e educação social, cultural e moral; iii) o grau de desenvolvimento da criança e as suas necessidades; iv) a preferência da criança e a continuidade das relações afetivas e do ambiente em que tem vivido.

No caso em apreço é de salientar a boa relação afetiva existente entre o pai e as menores e a idade destas – diminuindo o relevo das deslocações a efetuar entre a residência do pai e a da mãe e entre aquela e a escola e assumindo o espaço físico e os amigos uma maior relevância no dia-a-dia dos menores.

Analisemos a posição assumida pelas menores relativamente a este aspeto crucial do seu dia-a-dia Embora a posição atual das mesmas possa entretanto ter sofrido alguma alteração, dado o tempo decorrido entre a sua audição e a elaboração da sentença recorrida., e que, atenta as respetivas idades, terá uma influência determinante na decisão a proferir pelo tribunal.

A posição da menor L (…) não ficou para nós muito clara. Quando ouvida no âmbito da Audição Técnica Especializada, terá referido que “é sua vontade passar o mesmo tempo com a mãe e com o pai, insistindo a L (…) que não quer ficar a viver com um dos progenitores e a visitar, ao fim de semana, o outro Audição a que não tivemos diretamente acesso, mas unicamente ao que sobre a mesma é relatado no Relatório Social junto aos autos.”. Já em audiência de julgamento, afirmou: “É assim, a minha casa, onde agora estou a viver, a casa da minha mãe, é onde eu tenho lá as minhas coisas todas e acho que não devia estar tanto tempo a alternar entre as duas casas, porque eu sempre morei ali”.
Seguidamente, o juiz a quo, retirando de tal declaração da menor o sentido de que ela pretendia residir em exclusividade em casa da mãe, faz-lhe a proposta de ela e a sua irmã ficarem durante a semana, de 4ª para 5ª em casa do pai e com ele ao fim de semana de 15 em 15 dias. E quando (supõe-se que a Magistrada do Ministério Público) lhe pergunta “Quando há pouco disseste que tinhas lá as tuas coisas, tu quando dizes isto, queres dizer exatamente o quê? a L (…) responde: É que o meu quarto é um sítio muito pessoal, muito meu, pronto, já estou muito habituada, muito familiarizada com o ambiente que tá no meu quarto e etc., e as coisas que eu tenho lá, pronto, desde sempre que fui pequenina, e a tirar as coisas e a andar do lado para o outro, iria tirar esse…”, Seguindo-se a pergunta: “Então ias sentir saudades disso, e então …, como é que tu pensavas que isso se resolvia, para não sentir essas saudades e essa tristeza de não teres lá as tuas coisas?”, a resposta foi: “Era … eu pensei em habituar-me à situação…e nova pergunta: Mas como é que tu resolvias isso? A solução era…, ao que a L (…) completa: “Levar algumas coisas para casa do pai, pronto”; e à pergunta: E o que é que isso significa, levares coisas para casa do pai? Responde: não sei… Aqui, a juiz intervém e retoma o interrogatório, afirmando (embora em jeito de pergunta) que compreende que o que a L (…)não quer é desgostar o seu pai e de andar cá e lá.
Notando-se na L (…) o tal peso que representa já para si o espaço físico onde possui todas as suas coisas, não se vê nele a tal clara preferência (que vislumbramos no entender do juiz a quo) pela residência em casa da mãe e com visitas ao pai.

A menor I (…), quer quando ouvida no âmbito da Audição Técnica Especializada, quer em audiência final, foi clara em assumir a posição de que gostava de passar o mesmo tempo com o pai e com a mãe – em audiência de julgamento sendo-lhe perguntado do que ela gostava, insistindo que era só para ela dar a sua opinião, se quisesse, respondeu prontamente e sem hesitar: “Talvez ficar uma semana com um e outra semana com outro”. E, de cada vez que a juiz lhe levantava algum obstáculo à concretização de tal desiderato, ela prontamente ia dando uma solução – por ex. quem a levava ao dentista era o progenitor com quem estivesse nesse dia e se fosse o pai, ela própria o avisaria de tal facto; na semana em que ficasse com o pai, podia ir de autocarro para a escola. E quando o juiz lhe refere que a sua irmã lhe referiu que lhe custaria deixar o seu quarto, a I (…)respondeu, sem hesitações: “Eu não me importava Chamamos atenção para o facto de que, apesar das insistências do juiz que lhe foi chamando a atenção para os inúmeros inconvenientes que (no seu entender) importariam a residência alternada em casa do pai (ex., confeção de refeições, tratamento de roupas, transportes), para todos arranjou solução pronta, referindo que “são problemas fáceis de resolver”, aparentando mesmo algum entusiasmo ao falar na hipótese de residir também em casa do pai. Do seu depoimento fica claro que a sua declaração de querer ficar com ambos é genuína e não apenas por não querer desagradar ao pai.. E quando lhe puseram a hipótese de a L (…) não querer ficar uma semana com o pai, mesmo assim, o que ela queria, ela respondeu sem rodeios: “Eu queria ficar na mesma uma semana como pai”, posição que manteve apesar de terem insistido nessa questão e de a mesma lhe ter sido formulada de diversas formas: “Eu quero ficar uma semana com o pai e outra semana com a mãe”, “até podemos ficar uma semana sem nos vermos” (ao falar da irmã). E quando insistem que ela pode estar enganada porque a sua irmã disse que lhe custava sair de onde ela tinha as raízes dela, que queria estar com o pai, mas lhe custava estar longe das suas coisas durante uma semana e que não queria sair de casa da mãe, a Inês mantém a sua posição e afirma, “Mas, eu, prefiro estar uma semana com a mãe e ficar uma semana com o pai”, acentuando a palavra “eu”.

De qualquer modo, parecendo-nos não fazer grande sentido fixar uma residência ou residências distintas para cada uma das menores – que sempre viveram juntas e que juntas têm enfrentado o desmembrar do agregado familiar –, o que iria contra o princípio da “não separação dos irmãos” Helena Bolieiro e Paulo Guerra, “A Criança e a Família – Uma questão de direitos”, p.208. –, poderemos afirmar que da audição de ambas não resulta qualquer impedimento intransponível à fixação da residência alternada – antes pelo contrário, dele retiramos mais um elemento favorável à manutenção de um regime que permita que as menores possam aceder a ambos os progenitores, dentro do possível, em igualdade de condições.

O Ministério Público nas suas alegações de recurso, pronunciando-se embora pela residência junto da mãe, afirma não lhe repugnar que venha a ter acolhimento o requerido (a título subsidiário) pelo progenitor, de ficar com as filhas de quarta-feira ao final do dia até segunda-feira de manhã, de 15 em 15 dias.

Chegamos aqui, a meu ver, ao cerne da questão. O que se discute, não é a atribuição a cada um dos pais de um determinado número de dias a um e um determinado número de dias a outro. O cerne da questão passa por conseguir reunir as condições para que, de facto, seja na residência de um, seja na residência do outro dos progenitores, o menor se sinta “em casa” – que aí reúna condições não só para estar perto desse progenitor, mas para com ele passar e fruir o seu dia-a-dia, para estudar, ter aí os seus tempos de lazer, receber aí os seus amigos, pois senão, caso contrário, sobretudo a partir de uma certa idade, as estadias em casa do outro progenitor ir-se-ão espaçando ou, pelo menos, passarão nela muito menos tempo, precisamente porque sentirão tal estadia como uma mera visita, ansiando pela hora de regressar a “casa”.

“A residência alternada permite que os pais continuem a dividir atribuições, responsabilidades e tomadas de decisões em iguais condições, reconhecendo as suas diferenças e limitações bem como o valor do papel de cada para com a criança. Esta diferença clara e coerente de papéis, materno e paterno, é fundamental para os saudável crescimento dos filhos pois permite uma estruturante identificação aos modelos parentais, fundamental para um normal desenvolvimento da sua identidade pessoal Ana Vasconcelos, pedopsiquiatra, “Do cérebro à empatia. Do divórcio à Guarda Partilhada com Residência Alternada”, in “A Tutela Cível do Superior Interesse da Criança”, Tomo I, julho 20114, Ebook CEJ p.10, http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/familia/Tutela_Civel_Superior_Interesse_Crianca_TomoI.pdf. .

A guarda partilhada com residência alternada será mesmo a solução natural quando a criança tem um convívio normal com ambos os progenitores, no âmbito do que se designa por relação positiva com ambos os progenitores: “este tipo de relação é a que se encontra na maioria das situações das crianças cujos pais já não vivem ou nunca viveram maritalmente, em que valorizam a relação com ambos os seus progenitores e claramente desejam partilhar o seu convívio com os dois, de um modo significativo e, muitas vezes, em tempo igual Ana Vasconcelos, local citado, p.11.”.

A apelação deduzida pelo progenitor será de proceder, impondo-se a revogação da decisão recorrida, determinando-se o exercício conjunto das responsabilidades parentais, com residência alternada junto de cada um dos progenitores Esperando-se que a presente decisão não se encontre já desatualizada, face ao tempo entretanto decorrido desde a data em que se realizou a audiência final..

IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação procedente, revogando-se a decisão recorrida, e regulando-se o exercício das responsabilidades parentais nos seguintes termos:

1. As menores ficam a residir junto do pai e da mãe, passando uma semana com um e uma semana com o outro, alternadamente, cumprindo ao progenitor com quem as menores irão ficar, recolher as menores ao final da tarde de sexta-feira.

2. As responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida das menores serão exercidas em comum por ambos os progenitores.

3. Cada um dos progenitores terá ainda, as menores na sua companhia durante metade dos respetivos períodos de férias escolares, em períodos a combinar previamente entre ambos.

4. Nas férias de Verão, os contactos serão divididos em blocos de 15 dias alternados, a combinar previamente entre os progenitores e de forma que, em caso de sobreposição as duas menores passem com cada um dos progenitores pelo menos uma semana das respetivas férias laborais, efetuando-se as alterações necessárias em ordem a que tal efetivamente aconteça.

5. Os dias de aniversário dos progenitores e dias da mãe e do pai, independentemente daquele com quem as menores devessem estar, em virtude do regime antes mencionado serão passados com o progenitor a que respeitar a efeméride.

6. Os dias de aniversário das menores serão passados sensivelmente na proporção de metade com ambos os progenitores, por forma a permitir que cada uma das refeições principais seja consumida com cada um deles, com alternância anual, em caso de impossibilidade de acordo noutro sentido.

7. Os períodos festivos de Natal, ano Novo e Pascoa serão passados alternadamente com cada um dos progenitores, iniciando-se neste ano de 2018 o Natal com o pai e o Ano Novo com a mãe e a Páscoa do próximo ano (entendida como de Sexta-Feira Santa ao Fim do Domingo de Páscoa, entre horários a agendar entre os progenitores) com o pai Independentemente do progenitor com quem as menores devessem estar no período correspondente, se não houver coincidência dos períodos ditos em 3., o que é aconselhável que ocorra.

8. Qualquer alteração ao regime fixado, por motivo de impossibilidade de qualquer dos progenitores ou das próprias filhas será, sempre que previsível, comunicado com a antecedência possível e em todo o caso nunca inferior a 24h, ressalvados os casos imprevistos ou de urgência.

9. Não se fixa qualquer quantia a título de pensão de alimentos a cargo dos progenitores, devendo cada um prover ao seu sustento no período em que as menores residam consigo.

10. As despesas médicas e medicamentosas extraordinárias, imprevistas e de vulto, designadamente com tratamentos dentários, aparelhos dentários, vacinas não incluídas no plano nacional de vacinação, aquisição de óculos, tratamentos dermatológicos ou intervenções cirúrgicas, na parte não comparticipada, serão pagas, por ambos os progenitores, à razão de metade, mediante a apresentação de cópia do recibo correspondente.

Custas da apelação a suportar pela progenitora/Apelada.

Coimbra, 09 de outubro de 2018