Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
370/15.6JALRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: INÁCIO MONTEIRO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
MATÉRIA DE FACTO
VÍCIOS
PROCESSO PENAL
RENOVAÇÃO
PROVA
ARMA
HOMICÍDIO
MOTIVO FÚTIL
MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 02/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (JUÍZO CENTRAL CRIMINAL -J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 364.º, 412.º, 374.º, 379.º E 430.º DO CPP; ART. 86.º, N.ºS 3 E 4, DA LEI N.º 5/2006, DE 23 DE FEVEREIRO; ARTS.70.º, 71.º E 132.º, N.º 1 E 2, AL. E), DO CP
Sumário: I - Na impugnação da matéria de facto, com base em erro de julgamento, nos termos do art. 412.º, n.º 3, al. a) e b), do CPP, o recorrente deve especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida.

II - Não basta impugnar a matéria de facto com base em erro de julgamento de uma forma genérica e apontar o sentido que deve ser dado à prova.

III - Para além da indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, este tem ainda que expressar o respectivo exame crítico das mesmas, isto é o processo lógico e racional que foi seguido na apreciação das provas e depois a justificação pela qual o tribunal optou por determinada solução de direito.

IV - Não basta fixar os factos, dando-os como provados ou não provados, mas é preciso explicar e dizer o porquê de tal opção, relativamente a cada um deles.

V - Verifica-se o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP, quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação (e da medida desta) ou de absolvição – Cfr. entre outros os Acórdãos do STJ de 6/4/2000, in BMJ n.º 496, pág. 169 e de 13/1/1999, in BMJ n.º 483, pág. 49.

VI - A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, supõe que no texto da decisão, e sobre a mesma questão, constem posições antagónicas ou inconciliáveis, que se excluam mutuamente ou não possam ser compreendidas simultaneamente dentro da perspectiva de lógica interna da decisão, tanto na coordenação possível dos factos e respectivas consequências, como nos pressupostos de uma solução de direito.

VII - O conhecimento do pedido de renovação da prova deve ser relegado para depois de apreciar os vícios, uma vez que a mesma depende da verificação dos vícios em análise, nos termos do art. 430.º, n.º 1, do CPP e houver razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio requerido.

VIII - Motivo fútil é a falta de motivo ou motivo minimamente plausível que justifique e determine a conduta agressiva do arguido, despropositada e absolutamente desproporcionada face às circunstâncias em que reagiu para a prática do crime de homicídio, motivado apenas por altivez, egoísmo, mesquinhez e insensibilidade moral, sendo por isso particularmente reprovável e incompreensível aos olhos de qualquer cidadão comum e de média formação cultural e consequentemente com relevância penal em termos de culpabilidade.

IX - Para haver agravação do crime de ofensa à integridade física simples não basta fazer uso da arma, enquanto objecto de agressão [pancada com a coronha na cabeça], o que podia ser feito com qualquer outro objecto de agressão ou objecto de arremesso. Torna-se necessário que o agente faça uso da arma enquanto arma de fogo e disparando sobre a vítima lhe cause a ofensa á integridade física.

XI - O tribunal de recurso só deve alterar as penas quando for notório que houve desvio e violação dos critérios legais apontados para a sua fixação.

Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, os juízes da 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I- Relatório

No processo supra identificado foi julgado o arguido A... , casado, mecânico de veículos motorizados, nascido no dia 13 de Novembro de 1989 em Goiania, Estado de Góias Brasil, filho de (...) e de (...) , residente no (...) , em Rua e número de porta que desconhece, Leiria e actualmente em regime de prisão preventiva à ordem destes autos.

O Ministério Público imputa-lhe a prática dos seguintes crimes:

- um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos art. 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, al. e) e h), do CP.

- um crime de ofensa à integridade física, p. e p. pelo art. 143.º, n.º 1, do CP.

- um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. c) e n.º 2, por referência ao art. 3, n.º 4, al. a), da Lei n.º 5/2006 de 23/2.


*

B... em representação de seu filho menor C... deduziu o pedido de indemnização da quantia de 801.598,00€, sendo 100.000,00€ a título de danos não patrimoniais e 701. 598,00€ a título de danos patrimoniais.

*

D... , mãe do falecido E... , deduziu o pedido de indemnização de 125.000,00 €, sendo 100.000,00€ a título de danos não patrimoniais e 25.000,00€ a título de danos patrimoniais.

*

O Tribunal Colectivo, julgando parcialmente procedentes a acusação e pedidos cíveis, deliberou:

a) Absolver o arguido A... , da prática do crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos art. 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, al. e) e h), do CP.

b) Condenar o arguido A... , como autor material e em concurso real:

- Por um crime de homicídio agravado, p. e p. pelo art. 131.º, do CP e art. 86.º, n.º 3, do RJAM, na pena de 18 (dezoito) anos de prisão;

- Por um crime de ofensas à integridade física agravado, p. e p. pelo art. 143.º, do CP e art. 86.º, n.º 3, do RJAM, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

- Por um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. c), do RJAM, por referência ao art. 3.º, n.º 4, al. a) da Lei n.º 5/2006 de 23/2, na redacção da Lei n.º 50/2013 de 24/7 na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.

- Em cúmulo jurídico, na pena única de 19 (dezanove) anos e 6 (seis) meses de prisão.

c) Julgando parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por B... em representação de seu filho C... , condenou o demandado/arguido a pagar à demandante a quantia global de 108 800,00 € (cento e oito mil e oitocentos euros), a que acrescem juros, sobre 28.800,00 € desde a notificação e sobre 80 000,00 € desde a data do acórdão.

Quanto ao demais pedido (144.000,00€ a título de despesas de saúde + 3.900,00€ a título de despesas escolares (infantário) +499.000,00€ a título das demais despesas escolares) a fixação da indemnização correspondente remeteu para decisão ulterior – art. 564.º, n.º 2 do Cód. Civil.

d) Julgando parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido por D... , condenou o demandado/arguido a pagar à demandante a quantia global de 30. 000,00€ (trinta mil euros) a que acrescem juros, contados desde a data do acórdão.

e) Ordenou a recolha de amostra para análise de ADN nos termos do art. 8.º, da Lei n.º 5/2008 de 12/2.

f) Declarou perdidos a favor do Estado os bens apreendidos a fls. 55 e ordenamos a sua destruição, caso o MP não mostre interesse na manutenção dos mesmos.

g) Ordenou a entrega à família da vítima E... os bens apreendidos a fls. 90.


*

Inconformados com o acórdão recorreram o arguido e o Ministério Público.

I) O arguido A... formula as seguintes conclusões:

«1.º- Por mero dever de patrocínio, reproduz aqui integralmente para todos os efeitos legais, tudo o que acima ficou exposto a título de motivação, assim,

2.º- Da Decisão de que se recorre:

a).-Absolvemos o arguido A... – da prática de crime de homicídio qualificado pp pelos artºs. 131 e 132 nºs 1 e 2 alíneas e) e h) ambos do CP:

b).-Condenamos o arguido A... , como autor material e em concurso real pela prática de:

– um crime de homicídio pp pelo artº 131 do CP agravado pelo nº 3 do artº 86 do RJAM na pena de 18 (dezoito anos) e prisão;

- um crime de ofensas à integridade física pp pelo artº 143 do CP agravado pelo nº 3 do artº 86 do RJAM na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

- um crime de detenção de arma proibida pp pelo artº 86 nº 1 ali. c)por referência ao artº 3 nº 4 ali. a) da Lei 5/2006 de 23.2 na redacção da lei 50/2013 de 24 de Julho na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.

- em cúmulo jurídico condenamos o arguido na pena única de 19 (dezanove) anos e 6 (seis) meses de prisão.”

3.º- Face á acusação, o Ilustre Colectivo, não condena o arguido A... , pela prática do crime de homicídio qualificado pp pelos artºs 131 e 132 nº 1 e 2 alíneas e) e h) ambos do CP. Contudo, utilizando o mesmo raciocínio (quando desagrava na qualificação) de tal fundamentação poderia ter ido mais longe.

4.º - Pecando assim por uma condenação com excesso de dolo;

5.º - Desde logo o Ilustre Tribunal deixou de apreciar questões que deveria apreciar. Nos termos dos artigos 379 nº 1 c) (e 118 e 374 nº 2), as quais constituem nulidades, porquanto omissas do Acórdão.

6.º- O arguido confessou em audiência de julgamento (devendo considerar-se o lapso constante desta motivação de recurso na parte quando se afirma que terá também confessado no 1.º Interrogatório).

7.º- Ao não pronunciar-se sobre a confissão do arguido, existe uma clara omissão no Acórdão - que ora se invoca como nulidade, porquanto esta temática da confissão, poderia reduzir o excesso de dolo que o Colectivo aplicou aos factos praticados pelo arguido.

8.º- O Ilustre Colectivo, não considerou ainda percepção “das coisas” em função da nacionalidade do arguido, nomeadamente no que respeita á sua nacionalidade, o contexto de aculturação com os seus medos e perigos enraizados culturalmente, o que permitiria um enquadramento da temática do “medo” que o arguido diz que sentiu no momento dos factos e posteriormente. O que permitiria um melhor enquadramento de uma eventual ressocialização do arguido; ainda assim porque á data dos factos trabalhava em dois locais, com a mãe e como vendedor de peças de automóveis. Nos parece salvo melhor entendimento que uma pessoa como o arguido que trabalha regularmente, não terá propriamente uma inclinação criminosa.

9.º- O Tribunal não considera, omite, não obstante admite como prova, o relatório psiquiátrico onde se menciona que o arguido sentiu-se seriamente ameaçado…sentimento que desencadeou em si uma forte resposta de medo.

“Em conclusão, ignorarmos se a ameaça era verosímil, mas cremos que ela assim foi considerada pelo Senhor A... , que agiu aterrorizado e acreditando estar a defender-se de um perigo de morte”.

Este medo é determinante para que o arguido apenas se lembre do primeiro disparo que efectuou, e por esse motivo o Colectivo não valorizou a sua confissão?

10.º- O arguido já levou um tiro. O que reafirma e consta do relatório social. Ora, teria sido interessante e fundamental, averiguar em concreto como e quais as circunstâncias de “medo” em que o arguido agiu. Se teria disparado cinco tiros com convicção e total consciência?

Se percepcionou no momento dos factos o resultado dos seus actos?

11.º- EXISTEM AINDA ALGUNS VICIOS QUE RESULTAM DO TEXTO DA DECISÃO RECORRIDA QUE POR SI SÓ OU CONJUGADOS COM AS REGRAS DA EXPERIENCIA COMUM IMPUNHAM UMA DECISÃO DIVERSA (Nº 2 DO ARTIGO 410 DO CPP,).

12.º- Fica por explicar a existência de “empurrões no dizer da testemunha O... , que em julgamento nega; fica por explicar o murro na cara que o arguido diz que recebeu de E... , por esse motivo foi-lhe extraído um dente no E.P., assim como a posse e titularidade da arma, que o arguido nega que seja sua.

13-º- Além de não considerar o medo no momento dos factos, resultam contradições da decisão, porquanto se dá por provado que o destino do arguido e amigos era a Nazaré; logo, por esse facto não podemos dizer que o arguido deixou o veículo voltado para a estrada para poder fugir, conotando com um sentido, de que houve intenção, plano gizado de matar.

14.º- Os vícios, ora, supra apontados, evidentes, resultam do próprio texto da decisão recorrida, que conjugados com as regras da experiência comum nos levariam a uma desvalorização do dolo, e eventualmente á não condenação do arguido pelo uso e porte de arma. O bastante para desvalorizar a qualificação dos restantes crimes por que o arguido foi condenado.

15.º- Não deixa de ser indiferente averiguar que tipo de roupa o A... trajava na data e hora dos factos, até porque dependendo de camisa, camisola ou ti-charte, se poderia ou não vislumbrar ou ver melhor o que trazia por baixo do que vestia e à cintura. Lembramos que o A... negou que a arma fosse sua.

16.º- Face aos depoimentos transcritos se constata a existência de grandes contradições, que importa averiguar melhor. Afinal R... não viu a arma em poder de A... em momento algum, e a X... que estava muito perto também não viu…. O N... , que estava mais longe da cena dos factos…diz que viu o A... sacar da arma da cintura. O A... vestia, ti-charte, camisa ou camisola? A visualização de uma arma á cintura é mais fácil de ver debaixo de uma ti-charte do que debaixo de uma camisa ou camisola. Este facto em concreto, que roupa o A... trajava na data dos factos é fundamental averiguar face ás contradições apontadas.

17.º- Desde logo, existe alguma contradição entre os factos dados por provados, e factos dados por não provados com o enquadramento jurídico. Assim, “não se provou que quando o arguido mais o R... , S... e Q... saíram do café K... na direcção do café W... , fosse com a intenção de se encontrar com o E... e o matar, antes o que se provou é que a intenção do arguido, do R... , e do S... era irem para a Nazaré foram ao café W... levar o Q... e comprar tabaco.” O exposto era o bastante para o Tribunal ad quo, desvalorizar o dolo que aplicou ao arguido.

18.º- Resulta ainda da acta de audiência de julgamento datada de 18.4.2016 ref. 81412023, O... , entrou em contradição com o que declarou na PJ constante de fls. 400, “quando afirma (em audiência de julgamento) que não viu empurrões entre o arguido e a vítima). Terá havido discussão…? Ameaças do E... ? Provocações? Porque terá o E... se aproximado do A... pela parte da frente do carro? Porque se retratou a testemunha O... ?...

19.º- Ora, o testemunho do próprio arguido, da X... namorada do E... , do R... , do O... , enquanto elementos de prova, atentos ás suas contradições impunham desde logo uma decisão diversa, porquanto desagravavam o excesso de dolo imputado ao arguido.

20.º- X... ; O... ; R... ; N... ; testemunhos que nos termos do 430 do CPP e exposto, se requer a renovação de prova pela reinquirição das testemunhas, porquanto deverão ser reinquiridas porque viram mais do que disseram, estavam no local do crime, seus testemunhos já prestados, são contraditórios e insuficientes para a descoberta da verdade dos factos. O colectivo ultrapassou assim, o comando dos artigos supra mencionados em conjugação com o nº 2 do artº 410, e nº 3 do 412 do CPC.

Atentas as dissonâncias apontadas, em consequência deve operar-se o reenvio, a dúvida pode beneficiar o arguido.

21.º- O colectivo terá interpretado as fugas do A... de uma forma demasiado dolosa sem cuidar de averiguar dos seus medos e receios, daí pecar por excesso de dolo. Esta, talvez a explicação para os seus silêncios do arguido em julgamento. O colectivo decide com algum desconhecimento do princípio do in dúbio Pro Reo, e com violação do princípio da igualdade.

22.º- O julgador assenta na firmeza dum “plano gizado” e “fuga”mas sem factos de suporte e prova para os mesmos, assim como para o enquadramento jurídico. Todas as testemunhas de acusação, no seu depoimento são coincidentes dizendo mais ao menos isto “deixou o carro preparado e estacionado para fugir”. Outra contradição apontada. Pouco mais viram.

23.º- Sabemos que o A... e amigos…iam com o destino marcado da Nazaré… apenas foram ao café da W... para comprar tabaco e deixar o Q... …mas o próprio destino trocou-lhes as voltas… Dai que não houve qualquer premeditação de matar…ou intenção de matar…nada foi previsto ou programado. Por este facto dado como provado se conclui desde logo existir excesso de dolo. O arguido não agiu com excesso de dolo…e por esta perspectiva não pode ser condenado nos termos em que o foi. O seu destino era a Nazaré…não era matar o E... …

24.º- Todo o circundar (contornar) o carro do A... …só pode ter acontecido com intuito intimidatório…uma vez mais a namorada X... quem estava mais próximo não iria confirmar tal coisa…Porquanto uma pessoa normal naquela posição, sem intenção de provocar ou intimidar – não se aproximava do A... contornando o veiculo, e dirigindo-se para a porta lateral do condutor, deslocando-se da porta do Café W... onde estavam o E... e namorada X... .

25.º- Quanto aos pedidos cíveis, por razão de raciocínio, atento o desvalor do dolo que se invoca, o valor arbitrário, é destituído de, razoabilidade objectiva, violando em primeira linha o artigo 3 do CPC, o principio da igualdade e o in dúbio pro reo violando-se assim a objectividade da coisas, com manifesto excesso de dolo ao enquadrar juridicamente a conduta do arguido.

26.º- Existe assim, uma violação nítida do princípio da igualdade consagrado no artº 13 da CRP que invoca; e violação do principio do in dúbio pro reo e legalidade nomeadamente artigos;

-71, 72, 73 nºs 1,2 b) c) 74, 75, 48 nº 2, 131 do CP agravado pelo nº 3 do artº 86 do RJAM, 143 do CP agravado pelo nº 3 do artº 86 do RJAM, artº 86 nº 1 ali. c) por referência ao artº 3 nº 4 ali. a) da Lei 5/2006 de 23.2 na redacção da lei 50/2013, todos do Código Penal; - 379 al) c), 118, 127, 377, todos do Código Processo Penal; - 483, 563, 496, 342, 494 Código Civil; - 3º do Código de Processo Civil; - 13º da Constituição da R.P.

A redução das penas aplicadas ao arguido que ora se requer e se pretende por manifesta provocação da vítima ao arguido.

27.º- Havendo necessidade de reinquirir estas testemunhas que se entendam por convenientes, para compreender melhor se na data e hora dos factos, o arguido:

- Era de facto titular e portador da arma de fogo?

- Se foi ostensivamente provocado? Porque reagiu assim?

Tais omissão na descoberta destes factos revela-se ainda mais grave: na determinação da medida concreta da pena, porquanto deve o Tribunal, em conformidade com o disposto no artigo 71.°, n.º 2, do Código Penal, atender a todas as circunstâncias que deponham a favor ou contra o agente, abstendo-se no entanto de considerar aquelas que já fazem parte do tipo de crime cometido

28.º- Do Acórdão resulta um juízo de prognose totalmente abstraído das mentalidades em confronto, abstraindo-se o Acórdão da forma como cada cultura encara o ímpeto sexual.

29.º- O tribunal censura a conduta do arguido em várias matérias, sem cuidar de descobrir da verdade dos factos como lhe competia.

Existindo afirmações contraditórias, que levariam necessariamente á aplicação da dúvida que beneficiaria o arguido. O Tribunal tinha a obrigação de indagar, produzir nova prova…o que ora se requer. A lei processual prevê, aliás, modos próprios à recolha pelo juiz de elementos que o habilitem a exercer o poder-dever. Nesta perspectiva, os artigos 370º e 371º do Código de Processo Penal. Bem como ordenar a produção da prova suplementar que se revelar necessária, ouvindo, sempre que possível, o perito criminológico, o técnico de reinserção social e quaisquer pessoas que possam depor com relevo sobre a personalidade e as condições de vida do arguido.

30.º- Por todo o exposto, requer ainda a reinquirição das testemunhas:

- X... ; - O... ;- R... ; - N... , e eventualmente, caso Vº Exº assim entendam necessário para a descoberta da verdade dos factos a reconstituição dos factos no local. Dúvidas plausíveis existem, que podem beneficiar concretamente o arguido, podendo nomeadamente através de acareação, contradita, ou confronto entre testemunhas proceder-se a uma melhor descoberta dos factos, o que se requer. Pelos motivos expostos, nos termos da alínea b) do art. 431 e nº 3 do artigo 412 nº 3 do CPP se impugna toda a prova produzida em audiência de julgamento e constante dos autos e apensos, requerendo-se a renovação da prova nos termos a alínea c). Em tudo o mais se remete para o conhecimento oficioso, cfr. o exposto, face aos lapsos de factos provados, contradições, omissões.

31.º- O Acórdão excede em muito o dolo aplicado aos factos cometidos pelo arguido. Em caso de dúvida da titularidade e do uso da arma, o Tribunal deveria absolver o arguido do crime de detenção de arma proibida, o que afectaria a condenação pelos outros crimes na “vertente” de agravado, com redução do excesso de dolo, com repercussões a nível de cúmulo jurídico. Pelo exposto, resulta desde logo uma incorrecta determinação da moldura penal concreta da pena (parcelar) resultante da qualificação jurídica dos factos provados; e uma incorrecta determinação da moldura concreta da pena única resultante do cúmulo jurídico das penas parcelares».


*

II) O Ministério Público formula as seguintes conclusões:

«1ª -- Vem o presente recurso interposto pelo Ministério Público do douto Acórdão de fls. 1110 a 1161, na parte em que, julgando parcialmente provada a acusação, apenas condenou o arguido A... pela prática de 1 (um) crime de homicídio, agravado pelo uso da arma, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 131º, do Código Penal e 86º, nºs. 3 e 4, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção dada pelas Leis nºs. 17/2009, de 6 de Maio, 12/2011, de 27 de Abril e 50/2013, de 24 de Julho, na pena parcelar de 18 (dezoito) anos de prisão.

-- Face ao âmbito/objecto do presente Recurso, devem permanecer incólumes as condenações nas parcelares de que o arguido A... foi alvo, pela prática de:

a) 1 (um) crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 3º, nº, 4, al. a) e 86º, nº 1, al. c) e 2, ambos da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção dada pelas Leis nºs. 17/2009, de 6 de Maio, 12/2011, de 27 de Abril e 50/2013, de 24 de Julho, na pena parcelar de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;

b) 1 (um) crime de ofensa à integridade física simples, agravado pelo uso da arma, p. e p. pelos artigos 143º, nº 1, do Código Penal e 86º, nºs. 3 e 4, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção dada pelas Leis nºs. 17/2009, de 6 de Maio, 12/2011, de 27 de Abril e 50/2013, de 24 de Julho, na pena parcelar de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.

3ª.1 -- Dispõe o artigo 132º, do Código Penal que:

“1 - Se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade, o agente é punido com pena de prisão de doze a vinte e cinco anos.

2 - É susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras, a circunstância de o agente:

(…)

e) -- Ser determinado por avidez, pelo prazer de matar ou de causar sofrimento, para excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer motivo torpe ou fútil”; (…)

3ª.2 -- O pensamento da lei é o de pretender imputar à especial censurabilidade aquelas condutas em que o especial juízo de culpa se fundamenta na refracção, ao nível da atitude do agente, de formas de realização do facto especialmente desvaliosas, e à “especial perversidade” aquelas em que o especial juízo de culpa se fundamenta directamente na documentação no facto de qualidades da personalidade do agente especialmente desvaliosas, fundando-se a agravação da culpa na maior desconformidade que a personalidade manifestada no facto possui face à prática de um homicídio simples.

3ª.3 -- A especial censurabilidade ou perversidade do agente não será mais do que a revelação de um desrespeito acrescido, ou de um desprezo extremo, do autor, pelo bem jurídico protegido. Traduz também um modo próprio do agente estar em sociedade, e, por tal via, inclusivamente, uma perigosidade merecedora de particular atenção.

3ª.4 -- “Motivo fútil é o motivo de importância mínima. Será também o motivo frívolo, leviano, a ninharia que leva o agente à prática desse grave crime, na inteira desproporção entre o motivo e a extrema reacção homicida, o que se apresenta notoriamente inadequado do ponto de vista do homem médio em relação ao crime de que se trate, o que traduz uma desconformidade manifesta entre a gravidade e as consequências da acção cometida e o que impeliu o agente a essa comissão, que acentua o desvalor da conduta por via do desvalor daquilo que impulsionou a sua prática.

3ª.5 -- No caso sub judice, resultou provado que:

(…) 7 -- O arguido fixou o seu olhar na direcção de X... que estava na companhia do E... e que se encontrava à entrada do café W... .

8 -- O E... perguntou “porque olhava para ele”, dirige-se na direcção do A... , passando pela frente do veículo deste e disse ao arguido “precisas de alguma coisa?”.

9 -- O A... responde que “não” e o E... dirige-se para o local de onde saíra.

10 O arguido A... deixou de olhar para o E... e disse “e se eu quisesse alguma coisa, ó filhada puta?”

11 -- “Como !”, responde o E... , que se volta para o A... .

12 -- E, nessa altura, o arguido toma a decisão de matar o E... .

13 -- Levanta a camisa que trazia vestida e da cintura retira uma arma que trazia consigo, aponta-a na direcção do E... e diz “se eu te mostrar isto!” ao mesmo tempo que, a curta distância, dispara três tiros na direcção do E... que tomba no chão.

14 -- Já com o E... a tombar, o arguido dispara mais dois tiros no corpo do E... .

15 -- O arguido atingiu o corpo do E... por cinco vezes. (…)

3ª.6 -- A motivação que determinou o arguido à prática do crime que aqui se pretende ver apreciada ocorreu na sequência do comportamento, da atitude e do diálogo, descritos nos factos provados, que E... teve com o arguido A... pois resultou inequivocamente provado que foi na sequência daqueles que “12 -- E, nessa altura, o arguido toma a decisão de matar o E... ”.

3ª.7 -- No caso em apreço, o comportamento, a atitude e o diálogo, descritos nos factos provados, que a vítima E... teve com o arguido A... enquanto causa próxima do homicídio --- e não houve motivo ---, não comporta virtualidade para desencadear um estado de afecto esténico, uma emoção de tal ordem que desculpabilize que se retire a vida de outrem “só porque, a vítima perguntou ao arguido “porque olhava para ele”? “precisas de alguma coisa?” e Como?”, neste último caso, depois de ter sido apelidado de “filha da puta”.

3ª.8 -- Os sentimentos que levaram o arguido à prática do crime são de todo desproporcionados e injustos, e a sua reacção não se compreende!!!

3ª.9 -- A conduta, os sentimentos e motivação que lhe subjazem e resulta dos factos provados e revelam uma desproporção inadmissível face à gravidade do crime que foi cometido, traduzindo sentimentos de egoísmo, intolerância, prepotência, insensibilidade moral e intenso desprezo pelo valor da vida humana, tornando evidente que, em concreto, o arguido agiu por motivo fútil, qualificando, por essa via o homicídio que praticou.

3ª.10 -- E também se dirá que, se a motivação apurada é, pelas razões expostas, reveladora da qualificativa “motivo fútil”, recaindo sobre a actuação do arguido especial censurabilidade, o certo é que também resultou provado que a vítima já havia voltado costas ao arguido, quando foi provocada por este --- que a chamou de “filha da puta” --- assim conseguindo obter de novo a sua atenção, para, de imediato, tê-la de frente virada para si, a curta distância, para o atingir com três tiros na parte da frente do corpo e com outros dois tiros nas costas, quando já estava no solo, o que torna ainda mais censurável o crime.

3ª.11 -- Também “não houve demonstração de quaisquer contra-indícios que fizessem inflectir o juízo agravativo, sendo certo a tal não se reconduzem circunstâncias generalizantes, não demonstradas em concreto, como sejam “o bom comportamento anterior, a confissão, o arrependimento, a disposição de ressarcir o dano, etc.”

3ª.12 -- Ao ter-se decidido de modo diverso do ora sustentado, violou-se no douto Acórdão a quo o disposto nos artigos 131º e 132º, nºs. 1 e 2, al. e), ambos do Código Penal, razão pela qual deverá ser substituído por outro que condene o arguido A... pela prática de 1 (um) crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º, nº 1 e 132º, nº 2, al. e), ambos do Código Penal, agravado pelo uso da arma, nos termos do disposto no artigo 86º, nºs. 3 e 4, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção dada pelas Leis nºs. 17/2009, de 6 de Maio, 12/2011, de 27 de Abril e 50/2013, de 24 de Julho.

4ª.1 -- O crime homicídio qualificado previsto nos artigos 131º e 132º, nº 2, al. e) ambos do Código Penal, agravado pelo uso da arma, conjugado com o disposto no artigo 86º, nºs. 3 e 4, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção dada pelas Leis nºs. 17/2009, de 6 de Maio, 12/2011, de 27 de Abril e 50/2013, de 24 de Julho, é punido, em abstracto, com pena de 16 a 25 anos de prisão.

4ª.2 -- As exigências de prevenção geral constituem o limite mínimo da pena e a culpa do agente o seu limite máximo, pelo que a medida concreta da pena deve ter em consideração a finalidade de prevenção especial, de ressocialização do arguido ou de suficiente advertência, no sentido de retirar este agente do caminho criminoso.

4ª.3 -- A determinação da medida concreta da pena faz-se, nos termos do artigo 71º, do Código Penal, em função da culpa do agente, atendendo a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime (porque estas já foram tomadas em consideração ao estabelecer-se a moldura penal do facto), deponham a favor do agente ou contra ele.

4ª.4 -- A pena a aplicar será, assim, fixada em função da culpa, da ilicitude, das circunstâncias agravantes e atenuantes que ocorram, não se perdendo de vista o objectivo de reinserção social do agente.

4ª.5 -- Tendo por base a moldura penal abstracta supra mencionada, na determinação da medida da pena relativa ao crime de homicídio qualificado, agravado pelo uso da arma deverão, a nosso ver, ter-se em consideração as seguintes concretas circunstâncias:

- O grau de ilicitude presente na conduta do arguido --- a violação do direito à vida é o bem primeiro, o mais elevado da tutela jurídica --- não pode deixar de ser considerado elevado, o que tem necessárias sequelas ao nível da culpa, fazendo, por um lado, estabilizar tais exigências e, por outro, aumentá-las;

- O dolo presente na conduta do arguido -- intenso -- pois que na sua modalidade mais grave: -- o dolo directo, dado que os factos foram representados e queridos pelo agente, o que faz aumentar as exigências de culpa;

- O modo e as circunstâncias da execução: -- O arguido, muniu-se de uma pistola de calibre 6,35 mm. e, com ela, desferiu 5 (cinco) tiros no corpo da vítima;

- A ausência total de arrependimento, de juízo de auto-censura e sentido crítico por banda do arguido, minimamente consistente ou fundado, capaz de o impulsionar para a adopção de novas condutas, o que faz elevar as exigências preventivas;

- A gravidade das consequências da sua conduta: -- O arguido não só matou o malogrado E... , como destruiu a sua família, que estará sempre privada da sua companhia e do conforto afectivo, mas também material, que aquele poderia eventualmente proporcionar, nomeadamente à sua mãe e seus dois filhos, menores;

- Os motivos determinantes da sua conduta: -- fúteis;

- A condição pessoal e económica do arguido e a conduta anterior e posterior ao facto: --- O arguido fugiu de Portugal para o Reino de Espanha, onde viria a ser detido no Aeroporto Internacional de Barajas – Madrid, quando se preparava para viajar para o Brasil, após o que foi extraditado para Portugal, na sequência de Mandado de Detenção Europeu emitido pelo Ministério Público de Leiria;

- O carácter não primário da sua delinquência, dado que os factos que cometeu foram-no no decurso do prazo da suspensão da execução da pena de prisão em que foi condenado nos Autos de Processo Comum Singular nº 121/13.0JALRA, pelo que a necessidade de restauração da confiança da sociedade nas normas violadas não se compadece com penas próximas do limite mínimo ou de qualquer atenuação especial;

- As necessidades de reprovação e de prevenção deste tipo de crime que são particularmente elevadas e cada vez mais crescentes e prementes, tal como é amplamente divulgado diariamente na comunicação social, face à violação do bem jurídico primário e fundamental – a vida humana – necessidade de defesa do ordenamento jurídico na reposição contra-fáctica da norma violada, com finalidades positivas de integração social, bem como as exigências de prevenção especial, com vista à dissuasão da reincidência, e a forte intensidade da culpa, constitutivas do limite da pena e os limites punitivos integrantes do crime de homicídio qualificado, agravado pelo uso da arma.

4ª.6 -- Ponderando-se todas estas circunstâncias, entende o Ministério Público que teria sido justo --- e será justo, por equitativa --- condenar o arguido A... pela prática de 1 (um) crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º, nº 1 e 132º, nº 2, al. e), ambos do Código Penal, agravado pelo uso da arma, nos termos do disposto no artigo 86º, nºs. 3 e 4, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção dada pelas Leis nºs. 17/2009, de 6 de Maio, 12/2011, de 27 de Abril e 50/2013, de 24 de Julho, na pena parcelar de 20 (vinte) anos de prisão.

4ª.7 -- Ao ter decidido de modo diverso do ora sustentado, violou-se no douto Acórdão a quo o disposto nos artigos 40º, 70º e 71º, 131º e 132º, nºs. 1 e 2, al. e), todos do Código Penal e o disposto no artigo 86º, nºs. 3 e 4, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção dada pelas Leis nºs. 17/2009, de 6 de Maio, 12/2011, de 27 de Abril e 50/2013, de 24 de Julho.

5ª.1 -- Estando-se perante concurso de infracções, impõe-se a determinação de uma pena única, de acordo com os critérios plasmados no artigo 77º, do Código Penal, sendo que o cúmulo material, in casu, correspondente à soma das demais penas parcelares, se situa entre o limite mínimo de 20 (vinte) anos de prisão e o máximo de 24 (vinte e quatro) anos, critérios que, in casu, se traduzem na ponderação e apreciação da totalidade dos factos praticados, sendo de alguma homogeneidade as condutas do arguido relativamente à natureza dos bens jurídicos violados, a sua motivação ou causa, bem como a personalidade do arguido, revelada através dos mesmos.

5ª.2 -- Ponderando-se os factores enunciados, entende o Ministério Público que teria sido justo --- e será justo --- aplicar ao arguido A... , por equitativa, em cúmulo jurídico penas parcelares enunciadas na 2ª Conclusão que antecede, a pena única de 21 (vinte e um) anos prisão.

5ª.3 -- Ao ter decidido de forma diversa da ora sustentada pelo Ministério Público, violou o douto Acórdão a quo o disposto nos artigos 40º, 70º, 71º e 77º, nºs. 1 e 2, todos do Código Penal.

-- Pelo que o douto Acórdão a quo deverá ser substituído por outro que condene o arguido A... pela prática, em autoria material e em concurso real, nos termos do disposto nos artigos 14º, nº 1, 26º, 30º, nº 1 e 77º, todos do Código Penal, pela prática de:

a) 1 (um) crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131º, nº 1 e 132º, nº 2, al. e), ambos do Código Penal, agravado pelo uso da arma, nos termos do disposto no artigo 86º, nºs. 3 e 4, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção dada pelas Leis nºs. 17/2009, de 6 de Maio, 12/2011, de 27 de Abril e 50/2013, de 24 de Julho, na pena parcelar de 20 (vinte) anos de prisão;

E, em cúmulo jurídico, desta pena parcelar, com as penas parcelares em que foi condenado pelos crimes de detenção de arma proibida, p. e p. pelos artigos 3º, nº 4, al. a) e 86º, nºs. 1, al. c) e 2, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção dada pelas Leis nºs. 17/2009, de 6 de Maio, 12/2011, de 27 de Abril e 50/2013, de 24 de Julho, e de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143º, nº 1, do Código Penal, agravado pelo uso da arma, nos termos do disposto no artigo 86º, nºs. 3 e 4, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção dada pelas Leis nºs. 17/2009, de 6 de Maio, 12/2011, de 27 de Abril e 50/2013, de 24 de Julho,

b) Na pena única de 21 (vinte e um) anos de prisão».


*

Admitidos os recursos pelo despacho de fls. 1349 e notificados os sujeitos processuais, nos termos do art. 413.º, n.º 1, do CPP, veio o Ministério Público responder ao recurso interposto pelo arguido, sustentando, em síntese, que o recurso do arguido não merece provimento, devendo ser rejeitado na parte de impugnação da matéria de f por o tribunal a quo ter interpretado e valorado devidamente a prova e feito uma correcta aplicação do direito após factos dados como provados acto, por não obedecer aos requisitos do art. 412.º, n.º 3 e 4, do CPP.

O arguido respondeu ao recurso interposto pelo Ministério Público, insistindo na versão vertida na sua motivação de recurso e concluindo que devem ser reduzidas as penas parcelares aplicadas.

A demandante D... respondeu ao recurso interposto pelo arguido, concluindo que o acórdão recorrido deve ser mantido na íntegra.


*

Nesta instância, os autos tiveram vista da Ex.mo Senhor Procurador-geral Adjunto, para os feitos do art. 416.º, n.º 1, do CPP, a qual, emitiu douto parecer no mesmo sentido da resposta do Ministério Público em 1.ª instância, ao recurso interposto pelo arguido.

Quanto ao recurso do Ministério Público, sustenta que não se verifica a qualificativa do motivo fútil, prevista no art. 132.º, n.º 2, al. e), do CP, que serviu de fundamento ao recurso.

Conclui deste modo pela improcedência dos dois recursos interpostos.


*

Tendo sido dado cumprimento ao disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP, respondeu o arguido, alegando que importa saber qual o tipo de pistola utilizado e reafirmando que o arguido foi provocado pela vítima.

*

Foi cumprido o art. 418.º, do CPP, e uma vez colhidos os vistos legais, indo os autos à conferência, cumpre decidir.

*

Vejamos pois a factualidade apurada pelo tribunal e respectiva motivação:

«A) Factos provados:

1).- No dia 30 de Agosto de 2015, A... , deslocou-se ao Café da W... , sito a Rua (...) em Leiria, conduzindo o veículo de matrícula (...) acompanhado por Q... , R... e S... .

2).- Foram com intenção de aí deixarem o Q... e comprar cigarros.

3).- O arguido ia munido de uma arma de fogo 6,35mm, que escondeu no cós das calças que vestia.

4).- Aí chegado cerca das 22H00 o arguido entrou com o veículo que conduzia no espaço livre existente em frente ao café, fez inversão de marcha na parte posterior desse espaço e veio colocar-se junto à saída, com o veículo voltado para a via pública.

5).- O Q... e o S... , ocupantes do veículo, saíram deste para o interior do café e o R... ficou no interior do veículo.

6).- Então o arguido saiu do veículo, colocou-se junto à porta do condutor e com esta porta aberta, colocou uma cerveja que trazia consigo em cima do tejadilho, ficando voltado na direcção da porta do café W... .

7).- O arguido fixou o seu olhar na direcção X... que estava na companhia do E... e que se encontravam à entrada do café W... .

8).- O E... perguntou “porque olhava para ele”, dirige-se na direcção do A... , passando pela frente do veículo deste e disse ao arguido “precisas de alguma coisa?” 

9).- O A... responde que “não” e o E... dirige-se para o local de onde saíra.

10).- O arguido A... deixou de olhar para o E... e disse: “e se eu quisesse alguma coisa, ó filha da puta?”

11).- “Como!” responde o E... que se volta para o A... .

12).- E nesta altura o arguido toma a decisão de matar o E... .

13).- Levanta a camisa que trazia vestida e da cintura retira uma arma que trazia consigo, aponta-a na direcção do E... e diz “e se eu te mostrar isto!” ao mesmo tempo que a curta distância dispara três tiros na direcção do E... que tomba no chão.

14).- Já com o E... a tombar o arguido dispara mais dois tiros no corpo do E... .

15).- O arguido atingiu o corpo do E... por cinco vezes.

- um projéctil entrou na região pré-auricular direita, prosseguindo através da glândula parotídea que atravessa, passando posteriormente por entre o ângulo da mandíbula e o processo mastóide, ficando alojado no seio da musculatura do terço superior da face postero-lateral do pescoço, sendo o seu trajecto de cima para baixo, da frente para trás e da direita para a esquerda;

- outro projéctil entrou na região suprac1avicular direita, atravessa os tecidos moles da região supraclavicular, em sentido postero medial, posteriormente ao músculo esternocleidomastoideu, ficando alojado no seio da musculatura do terço superior da face posterior do hemitórax direito, sendo o seu trajecto de cima para baixo, da frente para trás e da direita para a esquerda

- outro projéctil entrou no terço superior da face posterior do braço esquerdo, prosseguindo trajecto através dos tecidos moles da região axilar, perfurando a parede torácica ao nível do músculo intercostal entre as 3ª e 4ª costelas, atravessando o pulmão esquerdo e o coração, encontrando-se livre no saco pericárdico, sendo o seu trajecto de cima para baixo, de trás para a frente e da direita para a esquerda;

- outro projéctil entrou na região escapular esquerda, perfurando a parede torácica ao nível da 4ª costela, atravessando o pulmão esquerdo e o coração, encontrando-se livre na cavidade pleural direita, tendo sido recuperado entre a base do pulmão e o diafragma, sendo o seu trajecto de cima para baixo, de trás para a frente e da esquerda para a direita

- outro projéctil entrou no flanco direito, prosseguindo o seu trajecto em sentido postero inferior, com fractura do rebordo superior da crista ilíaca, encontrando-se alojado no seio da musculatura glútea homolateral, próxima da inserção superior da crista ilíaca, sendo o seu trajecto de cima para baixo, da frente para trás e da direita para a esquerda.

tendo as lesões traumáticas torácicas sido causa directa e necessária da morte verificada pelas 22H25 desse dia. - cf relatório de autópsia de fls 148 e ss.

16).- Após os disparos, N... tentou impedir a fuga do A... agarrando-o, sendo que aquele lhe desferiu uma pancada na cabeça, com a coronha da arma, assim logrando libertar-se e pôr-se em fuga no veículo de matrícula (...) .

17).- Com esta pancada o arguido causou dor e mau estar físico, ao N... e provocou ferida incisa contusa a nível parietal e frontal, com necessidade de sutura, que foram causa directa e necessária de 8 dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho. - cf relatório pericial de fls 493 e ss.

18).- Ao disparar contra o corpo de E... , o arguido agiu de forma livre, consciente e deliberada, com intenção alcançada de lhe tirar a vida.

19).- Ao desferir uma pancada na cabeça de N... , o arguido pretendeu atingir o corpo e saúde daquele, o que conseguiu.

20).- O arguido sabia que não lhe era permitido deter a arma 6,35 com a qual tirou a vida a E... .

21).- C... nascido no dia 3 de Julho de 2014 é filho de E... e de B... . - cf doc 683.

22).- À data da sua morte, o E... não vivia na companhia da B... .

23).- O falecido E... tinha uma boa relação com o filho.

24).- Visitava-o semanalmente.

25).- Voluntariamente contribuía com 150€ mensais a título de alimentos para o menor.

26).- A vítima E... nasceu no dia 13.11.1967 e era filho de Carlos Alberto e D... . - cf fls 148.

27).- A demandante civil D... é uma pessoa com vários problemas de saúde.

28).- Em 1999 foi operada a carcinoma do pulmão.

29).- Há 30 anos que sofre de tuberculose pulmonar.

30).- Em 2007 foi operada a hérnia inguinal.

31).- Em 2014 foi operada à coluna por patologia osteodegenerativa.

32).- Em Fevereiro de 2014 foi re-operada ao pulmão, estando neste momento em seguimento em consulta de oncologia no Hospital de Sta Marta.

33).- Para a conta nº 0106004570000 sediada na CGD foram feitas entre outras as seguintes transferências:

- em 6.5.2014 transferiu 35,00 €;

- em 28.5.2014 transferiu 30,00 €;

- em 22.6.2014 transferiu 35,00 €;

- em 18.7.2014 transferiu 50,00 €;

- em 3.12.2014 transferiu 40,00 €;

- em 26.2.2015 transferiu 40,00 €;

- em 23.4.2015 transferiu 40,00 €;

- em 3.7.2015 transferiu 50,00 €;

- em 30.8.2015 transferiu 25,00 €, desconhecendo-se a origem e causa destas transferências. - cf fls 713.

34).- A vítima era muito amiga de sua mãe.

35).- Visitava-a regularmente.

36).- A demandante civil D... sentiu muito a morte de seu filho.

36).- A ausência de seu filho, é lembrada constantemente e é motivo de imensa dor e saudade.

38).- O arguido já foi condenado no âmbito do PCS nº 121/13.0JALRA por factos integradores do crime de tráfico de quantidades diminutas e de menor gravidade, factos ocorridos em 4.9.2012 tendo sido condenado na pena de 18 meses de prisão, pena suspensa por igual período de tempo. - cf RC de fls 873.

39).- Do relatório social extrai-se que: - cf fls 955

i).- A... é natural de Goiás, Brasil. O seu processo de crescimento desenvolveu-se no país de origem com os pais e dois irmãos mais velhos. O pai trabalhava numa empresa farmacêutica e a mãe num colégio como cozinheira e mais tarde como funcionária pública.

ii).- O agregado vivia uma situação económica remediada, conseguindo fazer face às principais despesas. Quando o arguido tinha 12 anos ocorre o divórcio dos pais mantendo-se o casal, contudo, a viver na mesma habitação durante um ano imigrando depois para Portugal.

iii).- Deu entrada na escola em idade regulamentar tendo concluído apenas o 6º ano de escolaridade. Frequentou, ainda, o 7º ano, tendo abandonado os estudos cerca dos 16 anos após duas reprovações nesse ano. Ainda durante o seu percurso escolar, aos 14 anos, deu início ao seu percurso laboral trabalhando durante as férias como empregado de mesa no restaurante de um amigo da família.

iv).- Aos 16 anos veio para Portugal pela primeira vez, para junto da mãe, que tinha fixado residência na zona de Leiria. A pedido da mãe regressa ao Brasil para concluir os estudos. Começou a trabalhar primeiro com o pai e depois como empregado de mesa num restaurante e numa pizaria.

v).- Aos 21 anos emigra definitivamente para Portugal e colabora com a mãe que se havia estabelecido com um estabelecimento de diversão nocturna.

vi).- Refere ter os tendões do braço direito inactivos por ter sido baleado no Brasil, tendo sido já sujeito a uma intervenção cirúrgica, perspectivando nova intervenção.

vii).- Tem consumos regulares de canábis bem como consumos abusivos de álcool em situações de convívio social.

viii).- No período prévio à reclusão residia com a mãe em Leiria. Mantém com esta uma relação de grande proximidade afectiva. No Brasil mantém-se o pai e os dois irmãos mais velhos, com os quais não mantém praticamente contacto.

ix).- Tem um filho com 3 anos de idade fruto do relacionamento com uma cidadã de nacionalidade brasileira, com os quais não mantém qualquer contacto.

x).- Encontrava-se a trabalhar no estabelecimento de diversão nocturna do qual a mãe era proprietária colaborando em tarefas de gestão descrevendo a situação económica do agregado como estável.

xi).- O arguido encontra-se em situação de permanência ilegal no país e tem pendente contra si um mandado de detenção internacional e pedido de extradição por se ter eximido ao cumprimento de pena de prisão em que foi condenado no seu país de origem.

xii).- Os factos narrados nestes autos foram causa de grande alarme social, tendo a progenitora fechado o estabelecimento de diversão nocturna do qual era proprietária e visto sua habitação danificada. A progenitora trabalha agora num outro estabelecimento de diversão nocturna, por conta de outrem, e reside actualmente na Rua (...) em Leiria.

xiii).- O arguido percepciona os factos inscritos como crime demonstrando, no entanto pouca ressonância emocional face aos mesmos, contextualizando-os no âmbito de uma situação de conflito, do qual ele também teria sido alegadamente vítima.

 xiv).- O arguido é visitado no Estabelecimento Prisional pela mãe, padrasto, namorada e amiga. A mãe pretende continuar a apoiar incondicionalmente o arguido após a sua restituição à liberdade.

xv).- Em termos disciplinares regista uma repreensão escrita por apreensão de objectos/valores proibidos (cartão vending). Revela uma postura adequada embora reservada, com boa capacidade de integração e adaptação. Não se encontra integrado em qualquer grupo laboral neste estabelecimento. Apesar de ter manifestado vontade em dar continuidade ao seu percurso escolar neste estabelecimento, mas o facto de não ter documentação válida, inviabilizou a sua pretensão.

B) Factos não provados.

- não se provou que quando o arguido mais o R... , S... e Q... saíram do café K... na direcção do café da W... , fosse com intenção de se encontrar com o E... e o matar; antes o que se provou é que a intenção do arguido, do R... e do S... era irem para a Nazaré foram ao café  W... levar o Q... e comprar tabaco. 

C) Fundamentação os factos provados: os factos acima provados tiveram por fundamento o depoimento da testemunha V... que se encontrava na esplanada do Café W... , viu o A... a estacionar o carro em frente ao café, no carro estavam duas pessoas, uma à frente e outra atrás, o A... saiu e ficou à porta do carro, o E... perguntou-lhe se havia algum problema com ele, estavam a cerca de 3 ou 4 metros um do outro quando se deu esta conversa, viu o A... a retirar uma arma da cintura e ter dado pelo menos dois tiros; viu o N... a tentar segurar o A... para que não fugisse daquele local; disse que viu o A... sempre à porta do carro, o E... é que veio ter com ele; pelo depoimento de X... , veio ao exterior do café fumar um cigarro com o E... e viu o carro do A... parado em frente ao café e voltado para a estrada; o A... estava de fora do carro e junto à porta do condutor; A... estava a olhar para ela ( X... ); o E... aproximou-se do A... pela parte da frente do carro e perguntou ao A... se tinha algum problema; o E... voltou para a porta do café, e pouco depois voltou a ir junto do A... e foi quando este, após se ter afastado um pouco, pôs a mão à cintura e disparou três tiros; o E... começou a cambalear e caiu próximo da porta do carro do A... ; entrou dentro do café e quando voltou a sair do café já o A... se havia posto em fuga; pelo depoimento de N... , estava na esplanada do café, viu chegar o A... que estacionou o seu veículo com a frente voltada para a estrada, saiu, ficou junto à porta do veículo, colocou uma garrafa no tejadilho do veículo; viu o E... e a X... à porta do café a fumar um cigarro; falavam um com o outro; viu o E... a passar pela frente do carro do A... e ter estado junto deste; viu o A... a sacar de uma arma e com ela ter dado 5 tiros; a testemunha tentou retirar a arma da mão do A... mês este deu-lhe com a coronha da arma na cabeça; pelo depoimento da testemunha Q... conhecido por “ QQ... ” disse que deram-lhe boleia para o café W... , ia no banco da frente, ao chegar ao Café W... o arguido entrou com o carro, deu uma volta ao fundo e parou em frente à porta do café com a frente do veículo voltada para a estrada; o Q... saiu e foi para o interior do café; ao entrar no café cumprimentou o E... ; cerca de 5 minutos após ter chegado ouviu um barulho próprio de tiros; o O... , dono do café insurgiu-se consigo ( QQ... ) pelo facto de este ter vindo na companhia do A... ; pelo depoimento de U... , disse que estava no Café W... , viu o A... fora do carro, ao lado da porta e com uma cerveja em cima do tejadilho; a testemunha dirigiu-se ao seu veículo para colocar uma cadeira de criança; ouviu três tiros e depois mais dois tiros; quando se dirigiu para o local onde ocorreram os factos, viu o E... caído, o N... com a cabeça partida e o A... já se não encontrava no local; pelo depoimento de T... , estava com o seu pai (testemunha anterior) na esplanada do café W... na companhia da sua namorada a P... , disse que o A... entrou com o seu carro no parque, foi ao fundo dar a volta e veio parar em frente à porta do café voltado para a estrada; a testemunha está a 2 ou 3 metros do veículo do A... ; viu o A... a olhar fixamente para a porta onde estava o E... com a sua namorada a X... ; o E... perguntou se precisava de alguma coisa, na sequência do que o A... desviou o olhar e respondeu “e se eu quisesse alguma coisa, ó filho da puta”; “Como?” diz o E... ; perante este diálogo a testemunha disse para o E... “ele (referindo-se ao A... ) deve estar bêbado”; neste momento vê o A... a puxar a camisola para cima e retirar da cintura um objecto que lhe pareceu uma pistola de alarme, que apontou na direcção do E... e disse “e se eu te mostrar isto” ao mesmo tempo que dispara três tiros e pouco depois mais dois tiros, já com o E... a cair; quando ocorreram os disparos estavam os dois ( E... e A... ) muito próximos um do outro; acto seguido o A... entra no seu veículo no que é impedido pelo N... que é agredido pelo A... , na cabeça, com a coronha da arma com que disparou; mais disse que o A... esteve de pé, no exterior do seu veículo voltado para a porta do café cerca de cinco minutos; pelo depoimento de P... , disse que estava sentada numa mesa na parte exterior do café na companhia do U... , o veículo conduzido pelo A... chegou, o “ QQ... ” saiu, o A... foi dar a volta e parou em frente à porta do café, saiu e ficou junto à porta do carro com os braços sobre o tejadilho; o A... olhou para o local onde estava o E... ; o E... perguntou porque olhava para ele; o E... aproximou-se do A... passando pela frente do carro e o A... disse que não se passava nada; o E... virou costas para o A... quando este chama filho da puta ao E... , este voltasse para o A... e quando estão os dois muito próximos, vê o A... a levantar a camisola e tirar um objecto da cintura; o A... dá uns tiros na direcção do E... , esta tomba de barriga para baixo e com o E... caído, o A... ainda lhe dá mais dois tiros; foi ao interior do café pedir ajuda ao O... e quando regressou ao local viu o N... com a cabeça ferida e não viu mais o A... ; pelo depoimento da testemunha O... disse que estava ao balcão do café, o A... entrou com o veículo que conduzia no espaço exterior em frente ao café, foi dar a volta ao fundo e parou o carro em frente à porta do café; o E... estava com a namorada dentro do café e saiu com ela para o exterior para fumar um cigarro; o A... não saiu de junto da porta do seu carro que estava aberta; viu o E... a dirigir-se para o A... passando pela parte da frente do carro deste; viu-os a falar; ouviu três tiros e o pessoal a gritar; viu o N... ferido na cabeça.

Relativamente aos factos relacionados com os demandantes civis os depoimentos das testemunhas B... , F... , G... e H... e ainda I... , J... , L... e M... ; foram também elementos de prova os documentos de fls 712 a 714 juntos com o pedido formulado por D... .

As testemunhas R... disse que a intenção dos três ( A... , R... e S... ) era irem para a Nazaré, manteve-se sempre dentro do veículo enquanto esteve junto ao café W... ; junto à W... estiveram cerca de 4 a 5 minutos; a testemunha S... disse que foi convidado pelo A... para vir beber um copo a Leiria, estiveram no café K... na Guimarota, entretanto o A... foi a sua casa, (tomar banho na versão do R... ) e quando regressou apareceu o QQ... e dirigiram-se à W... , porque o QQ... pretendia ir para aí; iam comprar tabaco; a intenção dos 3 ( A... , R... e S... ) era irem para a Nazaré; o A... entrou com o carro no parque deu a volta e posicionou-se à saída; saiu do veículo e entrou no café; quando estava na casa de banho do café ouviu 3 tiros e depois mais 2 tiros; regressou ao veículo e abandonaram o local os três ( A... , R... e S... ).

Foram elementos de prova documental os autos de exame de balística de fls 404, relatório de fls 33; relatório de exame médico de fls 493 e 630; relatório de autópsia de fls 148 e 621; autos de reconhecimento de fls 531, 534, 537, 540 e 543.

Apreciação crítica da prova: todas as testemunhas depuseram com objectividade, relatando o que viram, com o rigor possível, prestaram um depoimento desinteressado merecendo assim credibilidade. Quase todas coincidem num facto “viram o A... a levantar a camisa e puxar de um objecto que trazia na cintura e com esse objecto ter disparado sobre o E... ”. Todo o comportamento do A... posterior a estes factos é o de alguém que tem toda a responsabilidade com o sucedido, reconhece que o que sucedeu lhe poderá trazer consequências muito graves e assim decide fugir do local e fugir do país.

Não temos a mais pequena dúvida que os factos se passaram como se deixaram relatados».


*

II- O Direito

As conclusões formuladas pelo recorrente delimitam o âmbito do recurso.

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, as quais deve conhecer e decidir sempre que os autos reúnam os elementos necessários para tal.

Questão prévia:

Foram interpostos recursos pelo arguido e pelo Ministério Público.

O arguido entre os vários segmentos do recurso suscita a questão do enquadramento jurídico-penal dos factos, sem tomar posição precisa e propor a sua versão do adequado enquadramento, sustentando no entanto que deve ser absolvido do crime de detenção de arma proibida e a medida concreta das penas aplicadas.

O Ministério Público, recorre também, discordando, como único fundamento, do enquadramento jurídico-penal dos factos que consta do acórdão, sustentando que no crime de homicídio intervém a qualificativa de “motivo fútil”, nos termos do art. 132.º, n.º 1 e 2, al. e), do CP, agravado pelo uso de arma de fogo, nos termos do art. 86.º, n.ºs. 3 e 4, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção dada pelas Leis nºs. 17/2009, de 6 de Maio, 12/2011, de 27 de Abril e 50/2013, de 24 de Julho e questiona as circunstâncias em que o arguido actuou, designadamente ao nível da culpa e da ilicitude, com repercussões na pena aplicar. 

Por uma questão de simplificação e economia processuais, evitando repetições inúteis, abordaremos em conjunto as questões do recurso do Ministério Público, comuns ao recurso do arguido, (enquadramento jurídico-penal dos factos e respectiva medida da pena), embora nos respectivos segmentos abordemos a perspectiva de cada recorrente.

Questões a decidir:

a) Impugnação da matéria de facto, por erro de julgamento. Requisitos do art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP.

b) Nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP.

Da nulidade prevista nos art. 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, al. a), do CPP, por não ter valorado e apreciado criticamente a prova.

c) Vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP.

d) Renovação da prova.

e) Aferir da adequação do enquadramento jurídico-penal dos factos, designadamente se está verificada a qualificativa “motivo fútil”, prevista no art. 132.º, nº 1 e 2, al. e), do CP quanto ao crime de homicídio e relativamente ao crime de detenção de arma proibida.

f) Apreciar a medida concreta das penas.

g) Apreciar se os montantes da indemnização relativamente aos pedidos cíveis são excessivos, genéricos e vagos.

Apreciando:

a) Impugnação da matéria de facto, por erro de julgamento. Requisitos do art. 412.º, n.ºs 3 e 4, do CPP.

Conforme resulta das conclusões e motivação de recurso de fls. 1308 a 1312 o arguido pretende impugnar a matéria de facto, por erro de julgamento, pondo em causa a matéria de facto dada como não provada d al. b), que é do seguinte teor:

«não se provou que quando o arguido mais o R... , S... e Q... saíram do café K... na direcção do café da W... , fosse com intenção de se encontrar com o E... e o matar; antes o que se provou é que a intenção do arguido, do R... e do S... era irem para a Nazaré foram ao café W... levar o Q... e comprar tabaco». 

E para por em causa a matéria de facto, limita-se a proceder à apreciação que faz dos depoimentos que serviram para o tribunal motivar a sua convicção.

Assim, seguindo um caminho errado de impugnação da matéria de facto, por erro de julgamento, o arguido remete para a própria fundamentação dos factos provados, designadamente a apreciação que o tribunal a quo faz dos depoimentos das testemunhas V... ; X... , N... , T... , Z... e R... .  

Não se percebe qual o alcance do recorrente em por em causa aquela matéria de facto que até lhe é favorável.

Como se depreende do recurso interposto o recorrente limita-se a dizer que considera incorrectamente julgada aquela factualidade dada como não provada, estando este tribunal, enquanto tribunal de recurso, absolutamente impossibilitado de proceder à alteração da matéria de facto, com base em erro de julgamento, porque tal não se pode extrair do teor das conclusões e nem da motivação.

Para tal transcreve os depoimentos do arguido (fls. 1292 a 1296), das testemunhas R... (fls. 1304 e 1305), X... (fls. 1305) e N... (fls. 1306).

Porém, não indica as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida.

Quando a lei fala em concretas provas, não pretende referir-se aos depoimentos na sua generalidade produzidos de determinadas pessoas e a diferente valoração que deve ser feita pelo tribunal de recurso, segundo a perspectiva do recorrente.

Nos termos do art. 412.º, n.º 1, do CPP a motivação deve especificar os fundamentos do recurso, devendo terminar pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido, devendo ainda obedecer às prescrições dos n.ºs 2 a 5.

Em bom rigor o art. 412.º, n.º 3, do CPP impõe o seguinte:

«3. Quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;

c) As provas que devam ser renovadas».

Formal e substancialmente o recorrente não cumpre minimamente as exigências legais de impugnação da matéria de facto, com base em erro de julgamento.

O recorrente limita-se a indicar os pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados, que em seu entender se mostram mal julgados, por discordar da versão acolhida pelo tribunal.

Não importa dizer que os factos não se passaram da forma descrita na matéria de facto, mas de acordo com a versão apresentada pelo arguido.

Por outro lado, quanto às provas concretas apenas faz a apreciação do depoimento do arguido e das testemunhas acima mencionadas, que serviram de base à convicção do julgador, não apontando sentido diferente de determinada passagem do depoimento, mas a sua apreciação na generalidade, face à que lhe deu o tribunal a quo.

Obviamente que o tribunal deve apreciar de forma crítica todos os elementos probatórios.

Nos termos do art. 412.º, n.º 4, do CPP, quando as provas tenham sido gravadas, as especificações da al. b), devem ser feitas por referência ao consignado em acta, nos termos do disposto no n.º 2, do art. 364.º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.

Ora, no caso dos autos, o recorrente impugnou a matéria de facto, com base em erro de julgamento, não indicando as concretas passagens em que funda a impugnação, mas remetendo para a generalidade dos depoimentos do arguido e testemunhas, limitando-se a indicar a sua versão que devia consta da matéria de facto.

Esta não é a forma de impugnar a matéria de facto com base em erro de julgamento.

Como já atrás referimos, na impugnação da matéria de facto, com base em erro de julgamento, nos termos do art. 412.º, n.º 3, al. a) e b), do CPP, o recorrente deve especificar os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida.

Não basta impugnar a matéria de facto com base em erro de julgamento de um aforma genérica e apontar o sentido que deve ser dado à prova.

Assim, no caso concreto dos autos, quando se pretenda a reapreciação das provas indicadas, produzidas oralmente, de acordo com o disposto no art. 412.º, n.º 4, do CPP, quando estas provas tenham sido gravadas, as especificações previstas na al. b), do n.º 3, fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do art. 364.º, n.º 2, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que funda a impugnação, relativamente aos factos que pretende impugnar.  

A impugnação da matéria de facto não se pode tornar numa repetição do julgamento da 1.ª instância, sob pena dos tribunais superiores deixarem de cumprir o que legalmente lhe está atribuído, que é julgar em sede de recurso, isto é, limitar-se a corrigir cirurgicamente o que estiver errado.

Ora, a reapreciação da prova, por erro de julgamento, é ouvir as pessoas nas passagens concretas do seu depoimento, em que no entender do recorrente está inquinado, para saber se disseram ou não o que se mostra vertido na decisão da matéria de facto e não se destina ao confronto dos depoimentos, para descredibilizar a versão acolhida pelo tribunal.

Não se deve repetir a prova, só porque o recorrente tem dela uma versão diferente.

Lembramos que para se alterar a matéria de facto com base em erro de julgamento, os depoimentos indicados têm que “impor decisão diversa da recorrida”, conforme se exige no art. 412.º, n.º 3, al. b), do CPP, não deixando alternativa ao julgador.

Se a testemunha diz que é “branco” o juiz não pode dar como provado que é “preto”.

O juiz enganou-se e não há outra solução que alterar aquele facto concreto, de acordo com a versão objectivamente transmitida pelos elementos probatórios.

No caso dos autos, como já atrás referimos, o recorrente limita-se a dar a sua versão que tem dos factos e não cumpriu os requisitos de art. 412.º, n.º 4, do CPP, o que nos leva a rejeitar a impugnação pretendida e apenas conhecer da mesma pela via dos vícios do art. 410.º, n.º 2, ou convidar o recorrente a aperfeiçoar as conclusões formuladas (art. 417.º, n.º 3)., sendo certo que o aperfeiçoamento não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação (art. 417.º, n.º 4).

Sobre esta questão se pronunciou de forma bem clara o Ac. do STJ de 19/5/2010 – Proc. 696/05.7TAVCD.S1, relatado pela Conselheira Isabel Pais Martins, www.dgsi.pt/jstj, de cujo douto aresto transcrevemos parte do sumário:

«(…)

IV - Versando o recurso matéria de facto, deve ser estruturado nos termos definidos pelos n.ºs 3 e 4 do art. 412.º do CPP: as indicações aqui exigidas são imprescindíveis para a delimitação do âmbito da impugnação da matéria de facto e não um ónus de natureza puramente secundária ou meramente formal, antes se conexionando com a inteligibilidade e concludência da própria impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto.

V - É o próprio ónus de impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto que não pode considerar-se minimamente cumprido quando o recorrente se limite a, de uma forma vaga ou genérica, questionar a bondade da decisão proferida sobre matéria de facto.

VI - A garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto não se destina a assegurar a realização de um novo julgamento, de um melhor julgamento, mas constitui apenas remédio para os vícios do julgamento em 1.ª instância.

VII - O uso pela Relação dos poderes de alteração da decisão da 1.ª instância sobre matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados.

VIII - O convite ao aperfeiçoamento pressupõe que não se esteja perante uma deficiência substancial da própria motivação, que necessariamente se reflectirá em deficiência substancial das conclusões.

IX - Não se estando perante deficiências relativas apenas à formulação das conclusões mas perante deficiências substanciais da própria motivação, o princípio constitucional do direito ao recurso em matéria penal não implica que ao recorrente seja facultada oportunidade para aperfeiçoar em termos substanciais a motivação do recurso quanto à matéria de facto.

X - Tal equivaleria, no fundo, à concessão de novo prazo para recorrer, que não pode considerar-se compreendido no próprio direito ao recurso, o que o legislador reconheceu ao estatuir que o aperfeiçoamento das conclusões, na sequência do convite formulado nos termos do n.º 3 do art. 417.º d CPP, não permite modificar o âmbito do recurso que tiver sido fixado na motivação (n.º 4 da norma)»

No mesmo sentido se vem pronunciando a jurisprudência dos Tribunais de Relação, citando a título de exemplo o Ac. do TRC de 20720/2008 – Proc. 1121/03.3TACBR.C1, relatado pelo Ex.mo Desembargador Jorge Gonçalves, disponível in www.trc.pt/index. Também assim vimos decidindo, conforme Ac. do TRC de 9/1/2017 – Proc. 182/13.1JACBR.C1, in www.trc.pt/index e www.dgsi.pt/jtrc.  

Face ao exposto rejeita-se a impugnação da matéria de facto, com base em erro de julgamento.


*

b) Nulidades do acórdão por omissão de pronúncia e por falta de exame crítico da prova.

O recorrente verificar-se a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP e a nulidade por falta de exame crítico da prova, prevista nos termos dos art. 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, al. a), do CPP.

Começa o recorrente por dizer, sobre o segmento das nulidades arguidas, que o mesmo confessou os factos em audiência e não consta que também confessou os factos no 1.º interrogatório, o que no seu entender se se tivesse pronunciado também sobre esta confissão “reduziria o excesso de dolo”.

Por outro lado diz que o tribunal não considerou a nacionalidade do arguido, fazendo apelo ao problema da aculturação, que o tribunal ignorou, o que, se tivesse em conta essa circunstância, permitiria um melhor enquadramento jurídico-penal dos factos.

Adianta ainda que no acórdão recorrido não é valorizada a confissão, sendo certo que o arguido apenas se lembra do 1.º disparo. Para justificar o facto de ter disparado, refere que já levou um tiro e que por isso disparou com medo. Nesta conformidade o tribunal deveria ter averiguado em que circunstâncias disparou o arguido.

São nulidades que não fazem sentido face à clareza dos factos e atentas as circunstâncias concretas em que ocorreram.

Independentemente de haver omissão de pronúncia e omissão de exame crítico da prova sobre os factos ou circunstâncias acima apontados, diremos desde já que são omissões absolutamente irrelevantes.

Se não vejamos.

A este respeito, com interesse para o segmento do recurso em que são arguidas nulidades por omissão de pronúncia dispõe o art. 374.º, n.º 2, do CPP, sobre os requisitos da sentença:

«Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal».

A falta de qualquer destes elementos implica a nulidade da sentença, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. a), do CPP.

Sobre a nulidade de omissão do dever de pronúncia, é nula a sentença, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP:

 «Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar…».

A falta de indicação dos factos provados e não provados e respectiva motivação, através da qual o tribunal deve explicar o processo de formação da sua convicção, com indicação clara das provas e o exame crítico que fez das mesmas, bem como a omissão de se pronunciar sobre questões que tinha obrigação de conhecer, traduzem-se numa ofensa dos direitos e garantias do arguido, com violação do art. 32.º, n.º 1, da CRP e consequente nulidade da decisão, nos termos do art. 379.º, n.º 1, al. a) e c), do CPP.

Apreciemos pois a falta de fundamentação e omissão de pronúncia alegadas.

Nos termos do art. 97.º, n.º 5, do CPP “os actos decisórios são sempre fundamentados, devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão”.

O julgador, devendo obedecer a regras, não aprecia a prova de forma arbitrária, pois os factos dados como provados e não provados, com base neste princípio, devem ter fundamentação suficiente com referência aos elementos probatórios e os termos em que foram apreciados.

Assim, nos termos do disposto no art. 374.º n.º 2 CPP “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”.

Relativamente à redacção anterior do referido preceito legal, a revisão do CPP levada a cabo pela Lei 59/98 de 25 de Agosto, aditou a exigência do exame crítico das provas.

Na verdade o Tribunal Constitucional já havia julgado inconstitucional a norma do n.º 2 do art. 374.º CPP/87, na interpretação segundo a qual a fundamentação das decisões em matéria de facto se bastava com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1ª instância, não exigindo a explicitação do processo de formação da convicção do tribunal, por entender ser violado o dever de fundamentação das decisões dos tribunais previsto no n.º 1 do art. 205.º da CRP, bem como quando conjugada com a norma das alíneas b) e c) do n.º 2 do art. 410.º do mesmo Código, por violação do direito ao recurso consagrado no n.º 1 do art. 32.º CRP (Acórdão nº 680/98, P. 456/95, 2ª Secção, de 2 de Dezembro de 1998, DR II Série, nº 54, 99.03.05, pág. 3315.).

Significa isto que, para além da indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, este tenha ainda que expressar o respectivo exame crítico das mesmas, isto é o processo lógico e racional que foi seguido na apreciação das provas e depois a justificação pela qual o tribunal optou por determinada solução de direito.

O objectivo dessa fundamentação é, no dizer do Prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, 2.ª Ed., III, pág. 294 a de permitir “ a sindicância da legalidade do acto, por uma parte, e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça, por outra parte, mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando, por isso como meio de autodisciplina”.

Como escreve Marques Ferreira, in Jornadas de Direito Processo Penal, pág. 229, “ Estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum) mas os elementos que em razão das regras de experiência ou de critérios lógicos constituem o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência”.

Também a propósito da fundamentação das sentenças refere Eduardo Correia "só assim racionalizada, motivada, a decisão judicial realiza aquela altíssima função de procurar, ao menos, “convencer” as partes e a sociedade da sua justiça, função que em matéria penal a própria designação do condenado por “convencido” sugere" - Parecer da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra sobre o artigo 653º do Projecto, em 1ª Revisão Ministerial, de alteração do Código de Processo Civil, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. XXXVII (1961), pág. 184.

Não basta fixar os factos, dando-os como provados ou não provados, mas é preciso explicar e dizer o porquê de tal opção, relativamente a cada um deles.

É isto a fundamentação a que se alude no art. 374.º, n.º 2, do CPP.

Impõe-se pois, que no exame crítico se indique, no mínimo, e não necessariamente por forma exaustiva, as razões de ciência e demais elementos que tenham, na perspectiva do tribunal sido relevantes, para assim se poder conhecer o processo de formação da sua convicção.

Ora, nesta perspectiva o acórdão em análise não só está fundamentado, como devidamente fundamentado, constando da mesa a motivação, através da qual o tribunal explica o modo como chegou à matéria dada como assente, designadamente quanto às razões por que deu como assentes os factos integradores do crime de homicídio, na forma que consta do acórdão, aquele que está em causa na motivação de recurso e não valorou ou atribuiu qualquer significado a declarações prestadas pelo arguido.

Sobre os factos provados o tribunal a quo não se limitou a indicar os meios de prova em que se baseou, constando da convicção os meios probatórios que sustentam os diversos pontos da matéria de facto, não se limitando a fazê-lo de forma genérica, mas ponto por ponto ou por pontos agrupados.

Mostra-se esclarecido nos autos a relevância ou falta dela que o tribunal deu às declarações do arguido, independentemente do sentido que este entenda que devia ter sido dado às mesmas.

Não é o que se discute no segmento do recurso.

Na fundamentação a que se refere a exigência do art. 374.º, n.º 2, do CPP, o tribunal a quo não só indicou os diversos elementos probatórios em que alicerçou a decisão da matéria de facto, como fundamentou de forma adequada e lógico o processo de formação da sua convicção, transparecendo desta parte do acórdão o exame crítico que fez das provas.

Num caso em que a prova é tão clara, numerosa e concludente, sem necessidade de recurso a provas indirectas ou deduções para os factos essenciais, a fundamentação não exige grande esforço ou especiais exigências quanto ao exame crítico das provas, por não haver necessidade de explicar o que é simples, notório e evidente.

As evidências não necessitam de explicações.

Os factos foram presenciados por diversas testemunhas, designadamente V... , X... , N... , Q... , U... , T... , P... , O... s.

Todas as testemunhas se encontravam no local e assistiram ao desenrolar dos acontecimentos, tendo o tribunal o cuidado de referir o local exacto onde cada uma delas se encontrava e a percepção que teve dos factos, não havendo contradições entre os depoimentos, pelo que não houve necessidade quanto à matéria da acusação, relativamente à execução do crime e circunstâncias em que ocorreu.

Na própria versão de cada depoimento em que o tribunal descreve o que cada testemunha viu factualmente e o contributo que cada depoimento teve para a versão vertida na matéria de facto provada, o tribunal quando procedeu ao exame da narrativa de cada um, procedeu de forma natural ao exame crítico da prova e depois conclui quanto à credibilidade das mesmas testemunhas (que ninguém pôs em causa), que “todas as testemunhas depuseram com objectividade, relatando o que viram, com o rigor possível, prestaram um depoimento desinteressado merecendo assim credibilidade. Quase todas coincidem num facto “viram o A... a levantar a camisa e puxar de um objecto que trazia na cintura e com esse objecto ter disparado sobre o E... ”. Todo o comportamento do A... posterior a estes factos é o de alguém que tem toda a responsabilidade com o sucedido, reconhece que o que sucedeu lhe poderá trazer consequências muito graves e assim decide fugir do local e fugir do país”.

Não se questiona pois o exame crítico da prova oral produzida em audiência de julgamento, inexistindo assim a nulidade prevista nos art. 379.º, n.º 1, al. a), do CPP, por o acórdão na fundamentação obedecer rigorosamente às formalidades exigidas pelo art. 374.º, n.º 2, do CPP.

Quanto à falta de referência de confissão no 1.º interrogatório é absolutamente irrelevante, pois o que importa é a confissão que o arguido faz em audiência de julgamento.

Por outro lado, o tribunal, quanto aos factos a apurar, não tem que se pronunciar sobre todas as questões circunstanciais, mas apenas sobre as questões essenciais e com relevância para a decisão, sendo de ter em conta, na decisão do tribunal colectivo, que a matéria de facto a considerar está delimitada pela acusação e a contestação, bem como ainda os factos que resultarem da discussão da causa, relevantes para a culpabilidade e referidas no art. 368.º, n.º 2, do CPP.

A confissão no caso dos autos é absolutamente irrelevante, uma vez que pelo menos oito testemunhas presenciaram os factos e apesar disso o arguido pôs-se em fuga e não demonstrou arrependimento, o que já seria de relevar.

Pelo contrário, pretende justificar em parte a sua conduta, quando não tem qualquer explicação, um acto tresloucado e a forma como o fez, disparando três tiros sobre o infeliz E... , com que o atingiu, e quando este se encontrava inanimado no chão ainda lhe desfere mais dois tiros.

Porém, como consta do facto 39-xiii) provado:

«O arguido percepciona os factos inscritos como crime demonstrando, no entanto pouca ressonância emocional face aos mesmos, contextualizando-os no âmbito de uma situação de conflito, do qual ele também teria sido alegadamente vítima».

Foi o arguido que ostensivamente desafiou a vítima.

O tribunal não valorou e não tinha que valorar a confissão, porque ela não existiu no sentido de admitir integralmente e sem reservas os factos e não revelou arrependimento e a existir ainda que parcialmente é absolutamente irrelevante no sentido de tirar dela qualquer benefício, para efeitos do art. 368.º, n.º 2, do CPP.

Não se compreende como só se lembra do primeiro disparo.

Acresce dizer que o arguido se serve do argumento de que já levou um tiro e que por isso respondeu com medo, o que não faz qualquer sentido porque foi ele que procurou a situação e não a vítima.

O tribunal averiguou sobejamente de forma objectiva as circunstâncias em que o arguido disparou.

Os factos 2 a 15 dados como provados evidenciam bem as circunstâncias em que disparou, do que se aperceberam de forma clara as oito testemunhas que se encontravam presentes, referindo que o arguido quando chegou ao café W... “fixou o seu olhar na direcção de X... que estava na companhia do E... e que se encontravam à entrada do café W... ”.

A vítima perguntou ao arguido porque olhava para ele e se precisava de alguma coisa.

O arguido respondeu que não e perguntou: “e se eu quisesse alguma coisa, ó filha da puta?”.

De seguida tira a pistola que trazia consigo e dispara sobre a vítima três tiros e quando já se encontrava prostrado no chão dispara ainda mais dois tiros.

Uma situação é tão clara, como tão drástica como as coisas ocorreram, sem qualquer justificação e estando identificado nos autos como cidadão brasileiro, “nascido no dia 13 de Novembro de 1989 em Goiania, Estado de Góias Brasil”, não faz sentido fazer quaisquer considerações sobre a sua nacionalidade e a nacionalidade da vítima enquanto africano ou sobre o problema de aculturação, dizendo que o acórdão abstrai-se da forma como cada cultura encara o ímpeto sexual.

E se se abstraiu ainda bem.

Só teria que tomar em consideração, com relevância para a decisão, a origem do arguido enquanto brasileiro e a vítima enquanto africano, bem como a aculturação, se tais questões fossem objecto dos autos em concreto, enquanto motivação do crime.

Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei, não podendo ser beneficiados ou prejudicados, designadamente em razão da raça, nacionalidade ou território de origem, nos termos do art. 13.º, da CRP.

Nada nos autos nos diz que o crime teve qualquer relação com a nacionalidade do arguido ou que nos leva a concluir que o tribunal a quo tinha qualquer motivo para ponderar essa circunstância, nem estava em discussão qualquer problema de aculturação ou de ímpeto sexual, como se alude na conclusão 28, sendo que o arguido estava e diz-se inserido na sociedade e no meio social em que vivia, falando designadamente a mesma língua.

Não eram factos que fizessem parte do elenco dos essenciais da acusação e da defesa e dos que resultaram da discussão da causa, relevantes para a culpabilidade do arguido, nos termos do art. 368.º, n.º 2, do CPP.

Por isso, o tribunal não tinha o dever de se pronunciar sobre o “ímpeto sexual” do arguido por ser cidadão brasileiro ou sobre qualquer problema de “aculturação”, pois tais questões são irrelevantes no contexto do crime em apreço e não foram postas em causa ou suscitadas como motivação da conduta do arguido, pois ele foi o provocador da situação e o único actor, que, sem justificação no momento decidiu tirar a vida ao E... .

Pelo exposto, de acordo com as exigências do art. 374.º, n.º 2 e 368.º, n.º 2, do CPP, não sofre o acórdão de nulidade por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia, previstas respectivamente nas al. a) e c), do n.º 1, do art. 379.º, do mesmo diploma legal.


*

c) Vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP.

O arguido invoca de forma pouco clara e por atacado os vícios do art. 410.º, n.º 2, do CPP, sem estabelecer bem a fronteira entre eles.

Aliás os vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição da fundamentação e erro notório na apreciação da prova não se mostram delimitados e devidamente concretizados nas conclusões, as quais se mostram sem critério que nos facilite a sua apreciação, pois nas mesmas o arguido ignorando o disposto no art. 412.º, n.º 1, do CPP, que estipula que nas conclusões “o recorrente resume as razões do pedido”, começa por dizer:

 «1.º Por mero dever de patrocínio, reproduz aqui integralmente para todos os efeitos legais, tudo o que acima ficou exposto a título de motivação».

O dever de patrocínio é instruir o recurso em conformidade com a lei.

E a qualidade da justiça advém do cumprimento dos procedimentos processuais.

Se as conclusões não fossem o resumo da motivação, não havia necessidade do legislador exigir a formulação de conclusões, sob pena do relator, na sua omissão ter de lavrar despacho de aperfeiçoamento.

Por isso, não tendo o recorrente formulado as conclusões naqueles termos, concretizando e especificando resumidamente as questões a decidir, apreciaremos os vícios apontados, uma vez que os mesmos são de conhecimento oficioso.

Tentemos pois identificar com factos (factos alegados pelo recorrente) os alegados vícios.

c.1 Insuficiência para a decisão da matéria de facto provada:

O recorrente invoca que do texto do acórdão resulta a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a que alude o artigo 410.º, n.º 2, al. a) do CPP, pelas razões abaixo expostas.

Salvo o devido respeito as razões apontadas não configuram manifestamente aquele vício.

Começa por dizer que no acórdão recorrido fica por explicar a existência de murros referidos pela testemunha O... (referindo que o arguido levou um murro na cara) e ainda a posse e titularidade da arma (arguido nega que seja sua).

Depois diz que existe contradição na decisão relativamente ao destino que o arguido e amigos levavam, sendo que se dirigiam para a Nazaré. Ora segundo sustenta não se pode concluir que o arguido deixou o veículo voltado para a estrada para fugir.

Também aparentemente neste segmento questiona que o tribunal devia ter apurado que tipo de roupa trajava o arguido no momento da prática dos factos, designadamente se trazia camisa, camisola ou t-shirt para disfarçar a arma, bem como a titularidade da arma.

Refere que a testemunha N... diz que viu sacar a arma da cintura e por isso importava saber que roupa trazia.

O recorrente incorre num erro que é confundir a falta ou insuficiência de prova para o tribunal dar como provados os factos que põe em causa, com insuficiência de factos provados para proferir a decisão concreta nos autos, neste caso de condenação.

Estamos perante insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, quando há factos importantes para a decisão que ficaram por apurar e que eventualmente poderão implicar alteração da decisão ou os factos dados como assentes, por insuficientes, não permitem a decisão de condenação.

É nisto que se traduz, em palavras simples, o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art.410.º, n.º 2, al. a) do CPP.

 Resulta do art. 339.º, n.º 4, do CPP que a discussão da causa tem por objecto os factos alegados pela acusação e pela defesa e os que resultarem da prova produzida em audiência.

A insuficiência para a decisão da matéria de facto existe assim se houver omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre aqueles factos e os factos provados não permitem a aplicação do direito ao caso submetido a julgamento nos termos constantes na decisão.

Admite-se, num juízo de prognose, que os factos que ficaram por apurar, se viessem a ser averiguados pelo tribunal “a quo” através dos meios de prova disponíveis, apreciados de forma crítica e segundos os princípios da livre apreciação da prova e das regras da experiência comum, seriam dados como provados, determinando uma alteração da qualificação jurídica da matéria de facto, ou da medida da pena ou de ambas – Cfr. Cons. Simas Santos e Leal Henriques, in Código de Processo Penal Anotado, 2.ª Ed., pág. 737 a 739.

Ora o que o recorrente limita-se a dizer de forma abstracta que aqueles facto deviam ter sido apurados, sem concluir que influência teriam na decisão.

Só há que fazer constar factos, quando estes se revelam necessários à decisão e não quaisquer factos que são irrelevantes no desfecho da acção a decidir.

Mias uma vez o recorrente se esqueceu que o âmbito da factualidade a considerar se mostra delimitada no art. 368.º, n.º 2, do CPP e sobre ele impendia o ónus da prova de factos que o poderiam beneficiar e trazê-los à discussão da causa se não constassem da defesa.

O recurso não serve para colmatar agora a negligência do recorrente.

A acusação trata da acusação e a defesa da defesa.

Só assim funciona o contraditório.

Lendo a factualidade dada como provada não coincide com as afirmações que constam da motivação e conclusões do recurso.

Do acórdão consta que o arguido e amigos se deslocaram ao café mineiro para comprar tabaco e que o seu destino era a Nazaré.

Não consta da factualidade que ali se deslocou com o propósito de tirar a vida ao E... .

Por outro lado, não se compreende que alegue que a testemunha O... disse que o arguido antes sofreu um murro, quando tal facto não resulta do texto do acórdão e não consta dos factos alegados. Como não se compreende que diga que deixou o carro voltado para a estrada para fugir, quando o tribunal não fez essa consideração, sendo que se dá como provado que apenas ali o arguido decidir matar a vítima.

Pode sim concluir-se que tudo se precipitou por o arguido olhar fixamente a namorada do E... que se encontrava com ela na esplanada do café.

A titularidade a arma nada interessa para a apreciação do crime em análise.

O tribunal colectivo deu como provado que não lhe era permitido deter a arma (facto 20 provado).

Seria tarefa impossível, sem a colaboração do arguido descobrir que era o verdadeiro dono.

O arguido respondeu, por deter a arma, da qual não era o dono, como o próprio afirma e para a qual não estava habilitado legalmente para a usar e deter.

É o próprio arguido que faz prova do crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. c) e n.º 2, por referência ao art. 3, n.º 4, al. a), da Lei n.º 5/2006 de 23/2, que alega não lhe pertencer.

O tribunal alega que não lhe pertence.

Mas para o efeito não importa averiguar a quem pertence, o que seria tarefa impossível.

Refere-se ainda que o arguido ia munido de uma arma de fogo 6,35mm, que escondeu no cós das calças que vestia (facto 3 provado).

Também se dá como provado que o veículo ficou voltado para a via pública.

Foi o facto que se deu como provado.

O tribunal colectivo não retirou qualquer conclusão deste facto em desfavor ou a favor do arguido.

Verifica-se o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no art. 410.º, n.º 2, al. a), do CPP, quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação (e da medida desta) ou de absolvição – Cfr. entre outros os Acórdãos do STJ de 6/4/2000, in BMJ n.º 496, pág. 169 e de 13/1/1999, in BMJ n.º 483, pág. 49.

Todos os factos aludidos pelo arguido são absolutamente irrelevantes.

O acórdão recorrido não sofre manifestamente do alegado vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, pois a matéria de facto dada como provada implica necessariamente a decisão proferida nos autos e não podia o tribunal a quo concluir de outra maneira se não pela condenação do arguido pelos crimes de homicídio agravado, ofensas à integridade física agravado e detenção de arma proibida na forma que foi dada como provada.


*

c.2 Contradição insanável entre os factos provados e não provados e o enquadramento jurídico.

O recorrente alega que existe contradição entre factos provados e factos não provados com o enquadramento jurídico, sem especificar concretamente em que termos resulta a contradição da mera leitura do texto do acórdão.

Não faz sentido a contradição nos termos em que é apontada.

Existe o vício de contradição entre a matéria de fato e o enquadramento jurídico, quando os factos dados como provados e motivação apontam claramente para um tipo legal e o tribunal condena por outro crime ou dá como assentes factos que implicam com a culpabilidade do arguido e na decisão final é ignorada a consequência que daí deve resultar.

Vejamos em que termos o recorrente aponta o vício alegado agora em análise.

O alegado pelo arguido não tem nada a ver com qualquer das espécies de contradição contempladas no art. 410.º, n.º 2, al. b), do CPP.

Não e compreende como é que existe contradição entre um facto não provado e a decisão.

Aliás, se o facto foi dado como não provado e a decisão é de condenação, a contradição só existe se o facto dado como não provado, que constava da acusação, implicar necessariamente decisão diversa, por contemplar, por exemplo uma atenuante ou agravante do crime.

Porém, só existiria contradição se o facto fosse dado como não provado e o tribunal continuasse a considerá-lo, contrariamente ao decidido na decisão da matéria de facto para o enquadramento legal ou para a determinação da pena.

A este respeito o arguido alega o seguinte para justificar a contradição:

- Não se provou que foi que foi ao café W... com intenção de matar o E... .

- O arguido, o R... e o S... tinham intenção de ir para a Nazaré e foram ao café W... para levar o Q... para comprar tabaco.

Vejamos os únicos factos dados como provados e que não merecem reparo, mesmo por parte do arguido.

Factos não provados:

«Não se provou que quando o arguido mais o R... , S... e Q... saíram do café K... na direcção do café da W... , fosse com intenção de se encontrar com o E... e o matar; antes o que se provou é que a intenção do arguido, do R... e do S... era irem para a Nazaré foram ao café  W... levar o Q... e comprar tabaco». 

Sem se perceber bem o que pretende dizer, em termos de contradição apontada ao acórdão, conclui o recorrente que o tribunal “desvalorizou o dolo”.

Depois questiona a forma como poderiam ter ocorrido as coisas.

Repetimos: Estamos perante um homicídio muito grave, mas muito simples em termos de compreender, como as coisas ocorreram, que não deixa dúvidas a qualquer cidadão de cultura média ao ler o acórdão.

Perante as circunstâncias tão evidentes o arguido enveredou por caminhos ínvios que nada o beneficiaram.

Perante tão enorme evidência, a confissão (aqui praticamente irrelevante) e o arrependimento seria o caminho que melhor o beneficiaria, mas optou por justificar o injustificável.

E foi dos factos provados que partiu o tribunal colectivo para o enquadramento jurídico-penal dos factos e determinação das penas concretas a aplicar, sem esquecer a conduta anterior a posterior aos factos, a sua personalidade e condição social.

O tribunal colectivo apreciou os factos provados e debruçou-se sobre a questão do dolo em função dos factos aos quais tinha de aplicar o direito, como se alcança do enquadramento jurídico-penal dos factos e dos critérios de que fez uso para determinação da medida concreta da pena.

A questão suscitada nada tem a ver com a contradição entre a matéria de facto e a decisão.

O facto dado como não provado é excluído da matéria de facto que constava da acusação e que seria eventualmente relevante para efeitos de culpabilidade, nos termos do do art. 368.º, n.º 2, do CPP e como tal não tem que ser ponderado.

Porém, não quer dizer que a supressão desse facto de traduza numa diminuição da culpa do arguido e que se reflicta automaticamente na determinação da pena.

Lembramos que nos termos do art. 410.º, n.º 2, al. b), do CPP o recurso pode ter como fundamento, desde que o vício decorra do texto da decisão recorrida «a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão».

O recorrente não especifica e não define bem o que pretende com a contradição apontada, entre os factos provados e não provados e o enquadramento penal, e o ataque arquitectado ao acórdão não corresponde ao vício definido naquele preceito legal, o qual deve resultar do texto da sentença, isto é, dos elementos intrínsecos da mesma, e por ser evidente não deve escapar de uma mera leitura atenta.

Sobre a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão decidiu o Ac. do STJ, no Proc. N.º 3453/08, de 19/11/2008-3.ª Secção:

«(…)

VI- A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, supõe que no texto da decisão, e sobre a mesma questão, constem posições antagónicas ou inconciliáveis, que se excluam mutuamente ou não possam ser compreendidas simultaneamente dentro da perspectiva de lógica interna da decisão, tanto na coordenação possível dos factos e respectivas consequências, como nos pressupostos de uma solução de direito.

VII- A contradição e a não conciliabilidade têm, pois, de se referir aos factos, entre si ou enquanto fundamentos, mas não a uma qualquer disfunção ou distonia que se situe unicamente no plano da argumentação ou da compreensão adjuvante ou adjacente dos factos.

Estaremos pois perante uma contradição insanável, quando não possa ser ultrapassada ainda que com recurso ao texto da decisão recorrida no seu todo e/ou às regras da experiência comum».

O arguido vinha acusado por um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos art. 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, al. e) e h), do CP.

Foi condenado por um crime de homicídio agravado, p. e p. pelo art. 131.º, do CP e art. 86.º, n.º 3, do RJAM.

Daqui se conclui que caíram as qualificativas do crime de homicídio constantes do art. 132.º, n.ºs 1 e 2, al. e) e h), do CP.

O tribunal colectivo decidiu e ponderou a condenação tanto em termos de enquadramento jurídico-penal dos factos, como na determinação da pena, em função da matéria que ficou provada, ignorando a matéria dada como não provada.

Não faz sentido a contradição apontada.

Basta uma mera leitura do acórdão.

A questão, nos termos em que foi colocada na motivação de recurso e respectivas conclusões seria em termos de enquadramento jurídico-penal dos factos e determinação da medida da pena e não de vício de contradição entre a matéria de facto provada e não provada com a decisão.

Ora no caso dos autos não há qualquer disfunção da matéria de facto provada e não provada e respectiva motivação com a decisão condenatória, não estando inquinado o acórdão do vício previsto no art. 410.º, nº 2, al. b), do CPP.


*

c.3 Erro notório na apreciação da prova

Aponta ainda o recorrente que o acórdão recorrido sofre de vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP.

Refere o recorrente que existe contradição nos depoimentos do arguido, X... , R... e O... , os quais impunham decisão diversa.

Na sequência dos vícios apontados, requer a renovação da prova das testemunhas X... (namorada da vítima E... ), R... , O... e N... , requerendo a sua reinquirição, alegando que viram mais do que disseram, pois os depoimentos são contraditórios e insuficientes.

Diz ainda que o tribunal quo ultrapassou o comando dos art. 410.º, n.º 2 e 412.º, n.º 3, do CPP e por isso pede o reenvio do autos para novo julgamento, nos termos do art. 426.º, do CPP, concluindo que a dúvida pode beneficiar o arguido”.

A renovação da prova será relegada para depois de apreciar os vícios apontados, uma vez que a mesma depende da verificação dos vícios em análise, nos termos do art. 430, n.º 1, do CPP e houver razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio requerido.

Fundamenta o ataque ao acórdão recorrido, por o tribunal colectivo não ter apreciado devidamente a prova, ao interpretar mal a fuga do A... “demasiado dolosa” e indo para além da apreciação da prova, diz ainda que decidiu “sem cuidar de averiguar dos seus medos e receios”.

Conclui assim que foram violados o princípio in dúbio pro reo e o princípio da igualdade.

Diz ainda que o tribunal a quo assentou e, “plano gisado” e “fuga”, sem factos de suporte e prova para tal, bem como para o enquadramento penal.

Também deixa no ar como contradição o facto de testemunhas dizerem que “deixou o carro preparado e estacionado para fugir”.

Por último diz que não houve “premeditação de matar”, pois o arguido e amigos iam para a Nazaré e “o próprio destino trocou-lhe as voltas”.

Estas são as considerações que o arguido tece para fundamentar o erro notório na apreciação ad prova.

Salvo o devido respeito, a posição do recorrente não consubstancia a impugnação da matéria de facto, com base no vício de erro notório na apreciação da prova, que tem de ser invocado, de acordo com as regras prescritas nos termos do art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP.

O recorrente limita-se a invocar o vício de erro notório na apreciação da prova de forma genérica.

Ora, a prova produzida tem em vista apurar os factos indispensáveis à decisão, considerando os factos alegados pela acusação e pela defesa e, bem assim, os que resultarem da discussão da causa, relevantes para apurar a verificação dos elementos constitutivos do crime, autoria do crime, culpa do arguido, causas de exclusão da ilicitude ou culpa, pressuposto de que a lei faça depender a punibilidade e pressuposto da atribuição de indemnização civil, nos termos do art. 368.º, n.º 2, do CPP.

A prova produzida reporta-se a factos que são vertidos na sentença.

Por isso o recorrente deve concretizar quais os factos concretos que estão mal julgados, por estarem inquinados de uma incorrecta apreciação da prova, mas partindo do texto da sentença recorrida.

Em conclusão: Os factos, foram dados como provados ou não provados, por a prova ter sido mal apreciada, com violação do princípio da livre apreciação da prova, consagrado no art. 127.º, do CPP, que impõe que a prova deve ser apreciada segundo as regras da experiência e da livre convicção do julgador.

Esta é uma via diversa de impugnar a matéria de facto consagrada no art. 412.º, n.º 3, 4 e 6, do CPP.

Não basta tecer considerações de ordem teórica e genérica de que em sua opinião o tribunal a quo apreciou mal a prova.

 O que importa é a indicação dos factos que o recorrente entende estarem mal julgados, por deficiente ou errada apreciação da prova.

Aliás, o arguido não aponta um facto.

Admitamos que na motivação da matéria de facto existem considerações sobre o depoimento das testemunhas, como parece apontar o recorrente, designadamente por uma delas ter concluído que o arguido ao chegar ao café deixou o carro virado para a estrada para facilitar a fuga.

Ora, se não tem qualquer influência na decisão, isto é, quanto ao facto de que serviu de suporte como prova, tal referência será irrelevante. 

O erro na apreciação da prova deve traduzir-se no impacto que a prova teve (conjugação dos diversos elementos probatórios que serviram de base á convicção) no facto, pois este é que determina a decisão de condenação ou absolvição e não as considerações tecida na motivação, mas o recorrente deve especificar em primeira linha quais os factos impugnados, nos quais se repercutiu a deficiente apreciação da prova, servindo-se obviamente se for o caso, da motivação da qual transparece a errada apreciação ad prova.

Há erro notório na apreciação da prova quando se dão factos como provados que, face às regras da experiência comum e a lógica normal da vida, não se poderiam ter verificado ou são contraditados por documentos que fazem prova plena e que não tenham sido arguidos de falsidade: trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas, evidenciada pela simples leitura do texto da decisão, erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, pois as provas revelam um sentido e a decisão recorrida extrai ilação contrária, incluindo quanto à matéria de facto provada.

O princípio in dubio pro reo, a que o recorrente faz apelo, tem de resultar de um juízo positivo de dúvida resultante de um impasse probatórios obre factos concretos e não se aposta no in dubio pro reo na decisão a proferir na sequência do reenvio, como deixa expresso o recorrente a propósito da renovação ad prova, quando afirma que “a dúvida pode beneficiar o arguido”.

Nos termos do art. 32.º, n.º 2, da CRP todo o arguido se presume inocente até ao trânsito em julgado.

Este princípio de inocência in dubio pro reo, deve estar sempre presente na mente do julgador, mas este, em cada caso concreto, designadamente quando está em causa a mediação e oralidade da prova, pautado princípio da livre apreciação da prova, cabe-lhe a apreciação crítica que fez dos vários elementos probatórios e em que termos os conjugou, valorando e credibilizando uns em detrimento de outros.

NO caso concreto dizemos que não se compreende a invocação da violação dos princípios in dúbio pro reo e da igualdade.

Porém, o julgador, obedecendo a estas regras, não deve apreciar a prova de forma arbitrária, pois os factos dados como provados e não provados, com base neste princípio, devem ter fundamentação suficiente com apoio na indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção, como um dos requisitos da sentença, exigidos pelo art. 374.º, n.º 2, do CPP.

A apreciação em sede de recurso da eventual violação do princípio in dúbio pro reo encontra-se dependente de critério idêntico ao que se aplica ao conhecimento dos vícios da matéria de facto, designadamente erro notório na apreciação da prova, isto é, deve ser da análise da decisão que se deve concluir pela violação deste princípio, seguindo o processo decisório, evidenciado pela análise da motivação da convicção, se se chegar à conclusão que o tribunal, tendo ficado num estado de dúvida, decidiu contra o arguido.

A dúvida do tribunal nem chegou a existir, face à evidência como ocorreram os factos.

Não estamos perante a dúvida que uma testemunha teve ou não da forma como viu os factos, mas como o tribunal percepcionou os factos.

Sendo o tribunal soberano na apreciação da prova, o vício de erro notório na apreciação da prova, previsto no 410.º, n.º 2, al. c), do CPP, só pode servir de fundamento à motivação do recurso, desde que resulte do texto do acórdão recorrido, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum.

Os contornos da figura jurídica do vício de erro notório na apreciação da prova aparecem recortados na jurisprudência dos tribunais superiores como sendo o erro segundo o qual na apreciação das provas se constata o mesmo de tal forma patente que não escapa à observação do homem de formação média, ao comum dos observadores, mas que tem de ser observado a partir do texto da sentença recorrida nos termos sobreditos.

Quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção não tem uma justificação lógica e é inadmissível face às regras da experiência comum.

O acórdão recorrido está bem fundamentado quanto à apreciação crítica que fez da prova, apoiado nos diversos elementos probatórios circunstanciais, que soube apreciar e conjugar de forma lógica e coerente e de acordo as regras a observar na apreciação da prova.

Nesta conformidade, concluímos não se verificar o vício de erro notório da apreciação da prova, a que alude o art. 410.º, n.º 2, al. c), do CPP e não foram violados os princípios da inocência ou in dúbio pro reo e da igualdade, constante do art. 13.º e 32.º, n.º 2, da CRP, e consequentemente se dá como definitivamente assente a matéria de facto nos termos do acórdão recorrido.


*

d) Renovação da prova.

O arguido, na sequência dos vícios apontados veio requerer a renovação da prova, pedindo a reinquirição das testemunhas X... (namorada da vítima E... ), R... , O... e N... , alegando que viram mais do que disseram, pois os depoimentos são contraditórios e insuficientes.

A renovação da prova é admitida nos termos do art. 430.º, do CPP, do qual farão parte os preceitos em menção de origem:

«1 - Quando deva conhecer de facto e de direito, a relação admite a renovação da prova se se verificarem os vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do artigo 410.º e houver razões para crer que aquela permitirá evitar o reenvio do processo.

 2 - A decisão que admitir ou recusar a renovação da prova é definitiva e fixa os termos e a extensão com que a prova produzida em 1.ª instância pode ser renovada.

 (…)».

Como resulta do art. 430.º, n.º 1, a renovação da prova está dependente da verificação dos vícios referidos no art. 410.º, n.º 2.

O arguido alegou na sua motivação de recurso, embora de forma ambígua, e depois reproduzida em conclusões, os vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição da fundamentação com a decisão e erro notório na apreciação da prova, previstos no art. 410.º, n.º 2, do CPP, sem estabelecer bem a fronteira entre eles.

Porém, procedemos à sua análise e apreciação de forma exaustiva e este Tribunal da Relação decidiu que manifestamente não se verificavam os vícios apontados.

Não ignoramos que a admissão ou não de provas a renovar podia ter sido feito no despacho de exame preliminar pelo relator destes autos, nos termos do art. 417.º, n.º 7, al. b), cabendo reclamação para a conferência, por força do n.º 8.

Porém, cremos que nada impede, que a questão seja diferida para a conferência e decidida logo por acórdão, uma vez que o recorrente suscita várias questões, todas elas relacionadas com a matéria de facto, que importava decidir para estabilizar de vez a matéria de facto (impugnação da matéria de facto por erro de julgamento, nulidades por omissão de pronúncia e falta de fundamentação e alegação dos vícios do art. 410.º, n.º 2).

E para evitar precipitações no despacho sobre a admissão das provas a renovar, face à complexidade das questões suscitas, designadamente dos vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição da fundamentação com a decisão e erro notório na apreciação da prova, entende-se ser adequado e oportuno pronunciar-se este tribunal no acórdão em consequência da conferência sobre a sua admissão ou não, por estar dependente da decisão sobre a procedência ou improcedência dos vícios.

Aliás, questiona-se o acerto do legislador na alteração legislativa, quanto ao facto de ser o relator a decidir por despacho a admissão de provas a renovar, sendo certo que este tribunal de recurso, sobre o mérito da causa, decide em tribunal colectivo, à excepção quando houver razões para decisão sumária, nos termos do art. 417.º, n.º 6.

Ora, dependendo a admissão de renovação de provas da verificação dos vícios do art. 410.º, n.º 2, como impõe o art. 430.º, n.º 1, ambos, o relator tem de previamente se pronunciar se os vícios se verificam ou não, decidindo individualmente um segmento do recurso, que incide sobre o mérito da causa.

Por estas razões e dado que sempre seria objecto de reclamação para a conferência deferiu-se para a conferência a decisão sobre a admissão de provas a renovar.

Parece-nos ser esta a melhor via de conciliar o art. 430.º, n.º 1 e 2, com o art. 417.º, n.º 7, al. b), e as atribuições de em tribunal de recurso intervir o juiz singular ou tribunal colectivo, em conformidade respectivamente com o disposto nos art. 417.º, n.º 6 e 419.º, n.º 3, todos do CPP.

Aliás, parece-nos mais acertada a versão anterior dos art. 417.º, n.º 3, al. e), quando dispunha que no exame preliminar o relator “verifica se há provas a renovar”.

Por sua vez o art. 419.º, n.º 3 dispunha que são decididas em conferência as questões suscitadas no exame preliminar”.

Ao abrigo da lei anterior decidiu o Ac. do STJ  de 28/2/2007- Proc. 07P156, relatado pelo Ex.mo Conselheiro Henriques Gaspar, in www.dgsi.pt/jstj, do qual reproduzimos parte do sumário:

«I - Quando deva conhecer de facto e de direito, a Relação admite a renovação da prova se se verificarem os vícios referidos nas alíneas do n.º 2 do art. 410.º, do CPP e houver razões para crer que a renovação da prova permitirá evitar o reenvio do processo – assim dispõe o art. 430.°, n.º 1, do CPP.

II - A decisão sobre a renovação da prova, que é tomada em conferência, após ter sido suscitada no exame preliminar (arts. 417.°, n.º 3, al. e), e 419.°, n.º 3, do CPP), e pode ser de admissão ou de recusa, é definitiva: no caso de admissão da renovação da prova, a decisão fixa os termos e a extensão com que a renovação da prova produzida em 1.ª instância pode ser efectuada (com indicação, em consequência, das pessoas a convocar para a audiência); a renovação da prova realiza-se em audiência, sendo aplicável, correspondentemente, o regime da discussão e julgamento em 1.ª instância – art. 430.º, n.ºs 3 e 5, do CPP.

(…)».

Actualmente a lei, conforme decorre literalmente da leitura do art. 417.º, n.º 7, do CPP, dispõe que “o relator decide no exame preliminar se há provas a renovar”.

No regime anterior o relator suscitava a questão no despacho de exame preliminar e o recurso era decidido em conferência enquanto no regime actual a lei diz que relator decide, esquecendo-se o legislador de conciliar a competência atribuída ao relator com os art. 417.º, n.º 6 e 419.º, n.º 3, do CPP, sendo certo, como atrás ficou dito, que na apreciação dos vícios do art. 410, n.º 2, o tribunal, através do relator, está a conhecer um segmento do recurso e de cuja verificação depende a admissão da renovação da prova, conforme exigência do art. 430.º, n.º 1.

Pelo exposto, nos termos do art. 430.º, n.º 1, tendo-se decidido em conferência que não se verifica qualquer dos vícios alegados do art. 410.º, n.º 2, indefere-se à renovação da prova requerida.


*

e) Enquadramento jurídico-penal dos factos

O arguido A... vem condenado pelos seguintes crimes:

- Por um crime de homicídio agravado, p. e p. pelo art. 131.º, do CP e art. 86.º, n.º 3, do RJAM, aprovado pela Lei 5/2006m de 23/2, na actual redacção.

- Por um crime de ofensas à integridade física agravado, p. e p. pelo art. 143.º, do CP e art. 86.º, n.º 3, do RJAM, aprovado pela Lei 5/2006m de 23/2, na actual redacção.

 - Por um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. c), por referência ao art. 3.º, n.º 4, al. a), do RJAM, aprovado pela Lei 5/2006, de 23/2, na actual redacção.

Analisemos as pretensões dos recorrentes.


*

O arguido questiona o enquadramento jurídico-penal dos factos, sustentando que em caso de dúvida da titularidade e do uso da arma, o tribunal deveria absolver o arguido do crime de detenção de arma proibida, o que afectaria a condenação pelos outros crimes na “vertente” de agravado, com repercussões a nível de cúmulo jurídico.

Não tem qualquer fundamento legal e não faz sentido o pedido do arguido quando pugna pela sua absolvição pelo crime de arma proibida, por haver dúvida da titularidade e do uso da arma.

O enquadramento legal é simples e não oferece qualquer dúvida.

Vejamos o que a lei dispõe a este respeito.

O art. 86.º define e pune como crime a detenção de arma proibida, nos seguintes termos:

«1. Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, importar, transferir, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio ou obtiver por fabrico, transformação, importação, transferência ou exportação, usar ou trouxer consigo:

(…)

c) Arma das classes B, B1, C e D, espingarda ou carabina facilmente desmontável em componentes de reduzida dimensão com vista à sua dissimulação, espingarda não modificada de cano de alma lisa inferior a 46 cm, arma de fogo dissimulada sob a forma de outro objecto, ou arma de fogo transformada ou modificada, é punido com pena de prisão de 1 a 5 anos ou com pena de multa até 600 dias».

O art. 3.º, que define a classificação das armas, munições e outros acessórios, estipula o seguinte:

«1.As armas e as munições são classificadas nas classes A, B, B1, C, D, E, F e G, de acordo com o grau de perigosidade, o fim a que se destinam e a sua utilização.

(…)

4 - São armas da classe B1:

 a) As pistolas semiautomáticas com os calibres denominados 6,35 mm Browning (.25 ACP ou.25 Auto)».

Como resulta da matéria de facto, nos pontos 3, 13 e 14, dados definitivamente como provados, o arguido vinha munido de uma arma de fogo 6,35mm, que escondia no cós das calças que vestia, com a qual dispara três tiros na direcção do E... que tomba no chão e depois dispara mais dois tiros no corpo do E... .

É o próprio arguido que nega pertencer-lhe a pistola utilizada.

O arguido, não se encontrando autorizado, fora das condições legais e em contrário das prescrições da autoridade competente, trazia consigo e fez de uma pistola semiautomática de calibre 6.35 mm, considerada legalmente arma para efeitos penais da classe B1.

A lei pune a detenção e uso, independentemente de que seja o proprietário, desde que o detentor, possuidor ou utilizador, não esteja autorizado, como é manifestamente o caso.

A dúvida da propriedade da arma é irrelevante para que a sua conduta seja ou não subsumível ao crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. c), por referência ao art. 3.º, n.º 4, al. a), do RJAM, aprovado pela Lei 5/2006, de 23/2, na actual redacção.


*

Por sua vez o Ministério Público fundamenta a sua motivação de recurso neste segmento sustentando que o arguido deve ser condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos artigos 131.º, n.º 1 e 132.º, n.º 2, al. e) (motivo fútil), ambos do CP, agravado pelo uso da arma, nos termos do art. 86.º, nºs. 3 e 4, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção dada pelas Leis nºs. 17/2009, de 6 de Maio, 12/2011, de 27 de Abril e 50/2013, de 24 de Julho.

Não está em causa a agravação do tipo legal, que funciona da mesma forma para o homicídio simples, como para o homicídio qualificado, isto é a agravação do art. art. 86.º, nºs. 3 e 4, da Lei nº 5/2006, de 23 de Fevereiro, funciona independentemente do tipo de crime em questão, em consequência do uso de arma de fogo.

Importa pois apreciar se no caso sub judice estamos perante a qualificativa “motivo fútil”, para enquadrar a conduta do arguido como homicídio qualificado, nos termos do art. 132.º, n.º 1 e 2, al. e), do CP.

Vejamos as circunstâncias em que os factos ocorreram.

«(…)

6).- Então o arguido saiu do veículo, colocou-se junto à porta do condutor e com esta porta aberta, colocou uma cerveja que trazia consigo em cima do tejadilho, ficando voltado na direcção da porta do café W... .

7).- O arguido fixou o seu olhar na direcção X... que estava na companhia do E... e que se encontravam à entrada do café W... .

8).- O E... perguntou “porque olhava para ele”, dirige-se na direcção do A... , passando pela frente do veículo deste e disse ao arguido “precisas de alguma coisa?” 

9).- O A... responde que “não” e o E... dirige-se para o local de onde saíra.

10).- O arguido A... deixou de olhar para o E... e disse: “e se eu quisesse alguma coisa, ó filha da puta?”

11).- “Como!” responde o E... que se volta para o A... .

12).- E nesta altura o arguido toma a decisão de matar o E... .

13).- Levanta a camisa que trazia vestida e da cintura retira uma arma que trazia consigo, aponta-a na direcção do E... e diz “e se eu te mostrar isto!” ao mesmo tempo que a curta distância dispara três tiros na direcção do E... que tomba no chão.

14).- Já com o E... a tombar o arguido dispara mais dois tiros no corpo do E... .

(…)».

Estes são os factos relevantes para apurar se o motivo é fútil ou não de modo a qualificar o crime, nos termos pretendidos pelo recorrente, subsumível ao art. 132.º, n.º 1, e 2, al. e), do CP.

Dispõe o art. 132.º, n.º 1, que o homicídio é qualificado se a morte for produzida em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade.

Depois o n.º 2, al. e) considera que é susceptível de revelar especial censurabilidade, a circunstância de o agente “ser determinado por avidez, pelo prazer de matar ou de causar sofrimento, para excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer motivo torpe ou fútil”.

Conforme anotam Leal Henriques e Simas Santos, in Código Penal Anotado, 1997, Ed. Rei dos Livros, 2.ª Edição, 2.º vol. pág. 43, citando Nelson Hungria:

«Motivo fútil é o motivo de importância mínima.

O motivo é fútil quando notavelmente desproporcionado ou inadequado, do ponto de vista do homus medius, e em relação ao crime de que se trata. Se o motivo torpe revela um grau particular de perversidade, o motivo fútil traduz o egoísmo intolerante, prepotente, mesquinho, que vai até à insensibilidade moral».  

“Motivo fútil é o motivo de importância mínima. Será também o motivo frívolo, leviano, a ninharia que leva o agente à prática desse grave crime, na inteira desproporção entre o motivo e a extrema reacção homicida, o que se apresenta notoriamente inadequado do ponto de vista do homem médio em relação ao crime de que se trate, o que traduz uma desconformidade manifesta entre a gravidade e as consequências da acção cometida e o que impeliu o agente a essa comissão, que acentua o desvalor da conduta por via do desvalor daquilo que impulsionou a sua prática.” - Cf. Ac. do S.T.J. de 27/5/2010, Proc. n.º 58/08.4JAGRD.C1.S1 (Relator: Santos Cabral), in www.fsgi.pt/jstj)

  Ao abordar a qualificativa constante da alínea d), do nº 2, do artigo 132º, do CP, na circunstância do agente “agir por motivo fútil”, escreve o Prof. Jorge de Figueiredo Dias In “Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial”, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, pág. 32:

«O exemplo-padrão constante da alínea d) é, diferentemente do que sucede com os anteriores, estruturado com apelo a elementos estritamente subjectivos, relacionados com a especial motivação do agente. (…) Ser determinado a matar por qualquer motivo torpe ou fútil significa que o motivo da actuação avaliado segundo as concepções éticas e morais ancoradas na comunidade, deve ser considerado pesadamente repugnante, baixo ou gratuito, de tal modo que o facto surge como produto de um profundo desprezo pelo valor da vida humana».

Fútil será, portanto, aquele motivo que se apresenta com razão subjectiva desproporcionada relativamente à gravidade da infracção penal ou o motivo frívolo, leviano, a ninharia que leva o agente à prática do crime, na inteira desproporção entre o motivo e a reacção homicida” - Cfr. , neste sentido, entre outros, os Acs. STJ de 11/12/1997, in BMJ 472º, pág. 163; de 7/12/1999, in BMJ. 492º, pág. 168; de 15/12/2005, Proc. n.º 05P2978, in www.dgsi.pt/jstj; Ac. RC de 3/8/2011 – proc. 830/09.8PBCTB.C1, in www.dgsi.pt/jtrcAc. TRC de 7/09/2011, Proc. 830/09.8PBCTB.C1, in www.dgsi.pt/jtrc; Ac. do STJ de 18/12/2002 – Proc. 03P1671, in www.fd.unl.pt; Ac. do STJ de 18/1/2012 – Proc. 306/10.0JAPRT.P1.S1, in www.dgsi.pt/jstj e CJ (STJ), 2011, T. III, pág. 202.

Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código Penal, à luz da Constituição e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Universidade Católica Portuguesa, Dezembro de 2008, pág. 351, define esta qualificativa do crime de homicídio face á censurabilidade que merece junto da comunidade nos seguintes termos:

«motivo torpe ou fútil é o motivo incompreensível ou inexplicável à luz do modo de agir do homem médio ou mesmo revelador de uma baixo carácter».

Na fundamentação de direito considera o tribunal a quo, que o arguido não actuou com especial censurabilidade ou perversidade, designadamente porque, ao actuar da forma como provada, o arguido “não agiu por motivo fútil”.

Considera que para haver motivo fútil, tem que haver um comportamento, atitude da vítima, comportamento este sem qualquer valor ou significado, a ninharia, que leva o agente à prática desse crime grave.

Refere-se ainda no acórdão recorrido que a vítima não fez nada.

Para concluir que não há qualquer motivo para o crime, nem a troca de palavras que existiu entre ambos é o motivo deste e por isso a ausência de motivo não é motivo fútil (colhendo apoio no Ac. do STJ de 23/4/1015 – Proc. 693/13.9JDLSB.L1.S1).

Não entendemos que assim seja.

No caso dos autos cremos que existe um motivo insignificante, ou que não chega a ser motivo, o que não é a mesma coisa que falta de prova de motivo do crime.

Sobre esta questão se pronunciou o Ac. do STJ de 10/3/2005 - Proc. 05P224, relatado pelo Conselheiro Santos Carvalho, in www.dgsi.pt/jstj, no qual se considerou não haver motivo fútil, mas porque nesta situação se desconheceu o motivo, pois apenas se apurou que o arguido foi ao café chamar a vítima porque precisava de ter uma conversa com ela e tendo vindo os dois para fora, sem saber em que circunstâncias ou razões o arguido, decorridos dois minutos, enquanto conversavam, disparou dois tiros sobre a vítima.

No douto aresto, analisa-se em concreto o motivo fútil, qualificativa da qual foi absolvido o arguido, por não se ter provado qual o motivo que presidiu à tentativa de homicídio.

Considera aquele douto aresto que a falta de prova sobre o motivo do crime, não é a mesma coisa do que um "crime sem motivo" (ou com um motivo que não tem qualquer relevo, que não chega a ser motivo, que não pode sequer razoavelmente explicar), devendo antes retirar-se a ilação de que aquela falta de prova não pode prejudicar o arguido (in dubio pro reo).

Não se prova, assim, a existência de motivo torpe ou fútil, pois, em rigor, não se apurou o motivo do crime e a acusação, se queria retirar da motivação do crime uma consequência jurídica gravosa para o arguido, teria de ter feito prova disso e não fez.

Definir o que é motivo fútil não oferece dificuldade de maior.

A grande dificuldade e divergência na jurisprudência é subsumir cada situação concreta à qualificativa de motivo fútil.

Citamos como exemplo o acima mencionado acórdão do STJ, resumido o segmento que nos interessa deste acórdão do STJ, para, uma vez entendida teoricamente a noção da qualificativa, podermos compreender melhor se a conduta do arguido no caso sub judice tem ou não aquele enquadramento jurídico-penal.

Analisemos o caso em concreto.

Como se depreende da matéria de facto dada como provada a situação é criada pelo arguido, que ao chegar ao café W... fixa o olhar na testemunha X... , que se encontra à entrada do estabelecimento junto da vítima E... , seu namorado.

O E... importunado com o olhar fixo na sua namorada, perguntou ao arguido A... porque olhava para ele e depois foi na sua direcção, passando pela frente do veículo deste perguntando-lhe se precisava de alguma coisa.

O arguido limitou-se a dizer que “não”.

Entretanto vira-se e regressa ao local onde se encontrava á chegada do arguido.

Foi nessa altura que o arguido volta a questionar a vítima:

 “e se eu quisesse alguma coisa, ó filha da puta?”

Perante a investida arrogante verbal do arguido, o E... não corresponde proporcionalmente à provocação despropositada e desafiadora do arguido e apenas perguntou:

“Como?!”

Como reacção imediata, o arguido, reagindo ao E... por o ter questionado sobre a sua sobranceria quando chegara ao café, “com ar de gingão” fixando a sua namorada e agora por o ter questionado à provocação injuriosa de quem queria arranjar sarilhos, levanta a camisa que trazia vestida e da cintura retira a arma que trazia consigo, que aponta na direcção do E... e diz:

 “e se eu te mostrar isto!”

De seguida, sem mais, a curta distância dispara três tiros na direcção do E... que o faz tombar no chão, seguidos de mais dois tiros, enquanto tombava.

A situação é clara quanto às circunstâncias em que ocorreram os factos, como resulta das descrição nos factos 6 a 14 provados.

Não corresponde á realidade dos factos dizer que o malogrado E... nada fez.

Por outro lado, diremos que para efeitos de motivo fútil, a ausência de motivo ou existência de motivo insignificante, diferenciam-se da falta de prova do motivo, sendo que só esta situação se traduz em benefício do arguido, por obediência do princípio in dúbio pro reo.

A comprovação de falta de motivo ou motivo insignificante é subsumível à qualificativa do art. 132.º, n.º 2, al. e), do CPP, na qual se traduz o motivo fútil.

O E... foi provocado, quando o arguido olhou fixamente a sua namorada e reagiu de forma activa, pois enfrentou o arguido, rodeando o seu carro e questionando-o.

Arguido e vítima dialogaram.

Depois de insultado de “filho da puta”, reagiu novamente, vindo ao seu encontro, questionando-o sobre a sua atitude.

Perante uma situação de embaraço, criada pelo próprio arguido, sem que a vítima tenha exercido qualquer violência sobre o mesmo, sem justificação para tal, pois não estava em perigo para se socorrer da arma que trazia consigo, disparou cinco tiros no E... , um na cabeça, um no tronco e outro na barriga e quando já se encontrava prostrado no solo, de barriga para baixo, foi atingido ainda com dois tiros nas costas.

Sem qualquer razão mínima que justificasse tamanha brutalidade.

A conduta do arguido revela inquestionavelmente uma especial censurabilidade e perversidade, tanto na forma como matou o malogrado E... , executando-o de uma forma despropositada e repugnante, revelando um instinto de malvadez e agressividade invulgar, continuando a disparar sobre ele, mesmo já moribundo e absolutamente incapaz de oferecer qualquer resistência, decisão que tomou, apenas porque a vítima reagiu verbalmente à importunação do arguido olhar fixamente para sua namorada e ao insulto chamando-lhe “filho da puta”

Para haver motivo fútil para efeitos da al. e) do nº 2, do artigo 132.º, n.º 1 e 2, al. e), do CP não basta que a reacção seja desproporcionada ao condicionalismo que a despertou, pois só o exame ponderado de todas as circunstâncias é que pode determinar se o agente actuou ou não por motivo insignificante, sem valor, a verdade é que do exame do circunstancialismo concreto em que os factos foram praticados resulta não só que o sentimento que determinou o arguido é claramente desproporcionado relativamente à gravidade do crime que cometeu, mas também que o motivo que despertou a prática do crime não é capaz de explicar ou tornar aceitável, dentro do razoável, a actuação do arguido.

A conduta, os sentimentos e motivação que lhe subjazem resultam dos factos provados e revelam uma desproporção inadmissível face à gravidade do crime que foi cometido, traduzindo sentimentos de egoísmo, intolerância, prepotência, insensibilidade moral e intenso desprezo pelo valor da vida humana, tornando evidente que, em concreto, o arguido agiu por motivo fútil, qualificando, por essa via o homicídio que praticou.

Em conclusão, motivo fútil é a falta de motivo ou motivo minimamente plausível que justifique e determine a conduta agressiva do arguido, despropositada e absolutamente desproporcionada face às circunstâncias em que reagiu para a prática do crime de homicídio, motivado apenas por altivez, egoísmo, mesquinhez e insensibilidade moral, sendo por isso particularmente reprovável e incompreensível aos olhos de qualquer cidadão comum e de média formação cultural e consequentemente com relevância penal em termos de culpabilidade.

A conduta do arguido revela inquestionavelmente uma especial censurabilidade e perversidade, tanto na forma como matou o malogrado E... , executando-o de uma forma despropositada e repugnante, revelando um instinto de malvadez e agressividade invulgar, continuando a disparar sobre ele, mesmo já moribundo e absolutamente incapaz de oferecer qualquer resistência, decisão que tomou, apenas porque a vítima reagiu verbalmente à importunação do arguido olhar fixamente para sua namorada e ao insulto chamando-lhe “filho da puta”.

A conduta do arguido ao matar o E... , integra a qualificativa de motivo fútil e a agravante com arma de fogo (esta não questionada directamente no âmbito do recurso).

Nesta conformidade constituiu-se o arguido como autor material de um crime de homicídio qualificado agravado, p. e p. pelos art. 131.º e 132.º, n.º 1 e 2, al. e), do CP e art. 86.º, n.º 3, 4 e 5, do RJAM.

O enquadramento legal do crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. c), por referência ao art. 3.º, n.º 4, al. a), do RJAM, aprovado pela Lei 5/2006, de 23/2, na actual redacção, pelo qual pretendia ser absolvido o arguido, pelo facto de ficar por apurar, a propriedade da pistola, não sofre qualquer reserva, pelo que atrás deixámos exposto, sendo tal questão absolutamente irrelevante para definir o tipo legal em análise.

Porém, o mesmo já se não passa quanto ao crime de ofensas à integridade física agravado, pelo uso de arma de fogo p. e p. pelo art. 143.º, do CP e art. 86.º, n.º 3, do RJAM, aprovado pela Lei 5/2006 de 23/2, na actual redacção, na pessoa do ofendido N... , da qual discordamos.

Se não vejamos.

Sobre a execução material deste crime consta dos factos provados do acórdão o seguinte:

«16). Após os disparos, N... tentou impedir a fuga do A... agarrando-o, sendo que aquele lhe desferiu uma pancada na cabeça, com a coronha da arma, assim logrando libertar-se e pôr-se em fuga no veículo de matrícula (...) .

17). Com esta pancada o arguido causou dor e mau estar físico, ao N... e provocou ferida incisa contusa a nível parietal e frontal, com necessidade de sutura, que foram causa directa e necessária de 8 dias de doença, sem afectação da capacidade de trabalho. - cf relatório pericial de fls 493 e ss».

Nos termos do art. 143.º, n.º 1, do CP, pratica o crime de ofensa à integridade física simples que ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa.

Não há qualquer agravação ou qualificativa das previstas para o tipo legal nos art. 144.º, 145.º e 147, do CP.

As sequelas foram provocadas por “uma pancada na cabeça, com a coronha da arma e traduziram-se numa ferida incisa contusa a nível parietal e frontal, necessitando de ser suturada, com 8 dias de doença, sem incapacidade de trabalho.

A agravação resulta exclusivamente do uso da arma de fogo.

Tanto a acusação como o tribunal colectivo faz uso da agravação pelo facto da pancada ter sido com uso da pistola.

Não concordamos com tal entendimento.

E não concordamos, por não ser esse o espírito do legislador, isto é, não é pelo simples facto da ofensa ser provocada com uma arma, que deve funcionar automaticamente a agravação.

Sobre a agravação preceitua o art. 86.º, do RJAM:

«(…)

3 - As penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, excepto se o porte ou uso de arma for elemento do respectivo tipo de crime ou a lei já previr agravação mais elevada para o crime, em função do uso ou porte de arma.

 4 - Para os efeitos previstos no número anterior, considera-se que o crime é cometido com arma quando qualquer comparticipante traga, no momento do crime, arma aparente ou oculta prevista nas alíneas a) a d) do n.º 1, mesmo que se encontre autorizado ou dentro das condições legais ou prescrições da autoridade competente».

A agravação funcionou para o crime de homicídio, porque o arguido fez uso da arma, enquanto arma de fogo, e, nesta conformidade, como instrumento na sua função específica e fim para que foi construído, disparando cinco tiros sobre a vítima, que foram causa necessária e adequada da morte.

Não basta fazer o simples uso da arma, enquanto objecto de agressão e como qualquer outro objecto de agressão ou objecto de arremesso.

Torna-se necessário que a agente faça uso da arma enquanto arma de fogo e disparando sobre a vítima lhe cause a ofensa á integridade física.

Diversamente noutro tipo de crimes a mera detenção da arma, faz parte da definição e agravação do tipo, como acontece no crime de roubo p. e p. pelos art. 210.º, n.º 2, al. b), por referência ao art. 204.º, n.º 2, al. f), do CP.

Não é o caso dos autos.

Por isso, no caso do homicídio, funciona a agravação do art. 86.º, n.º 3, do RJAM, porque não está prevista a agravação com arma de fogo no cometimento do crime, e cometimento implica fazer uso da arma para a execução do crime, enquanto arma de fogo.

No caso do crime de ofensa à integridade física, o arguido não apontou a arma e não fez qualquer disparo sobre o ofendido N... , que tentou impedir a sua fuga, agarrando-o, mas desferiu-lhe uma pancada na cabeça com a coronha da arma, para se libertar, como aliás conseguiu.

Fez uso da pistola, como fosse qualquer outro objecto ou instrumento contundente para molestar fisicamente o opositor e não enquanto arma de fogo disparando sobre o ofendido, em cuja funcionalidade para que foi concebida, se torna um meio perigoso e só nessa qualidade se justifica a agravação do art. 86.º, n.º 3, do RJAM.

Não fazendo o arguido uso da arma, enquanto arma de fogo, no cometimento do crime sobre o ofendido N... , constituiu-se apenas como autor de um crime de ofensa á integridade física simples, p. e p. pelo art. 143.º, do CP. 

Em conclusão: O arguido constituiu-se assim como autor material dos seguintes crimes:

- Um crime de homicídio qualificado agravado, p. e p. pelos art. 131.º e 132.º, n.º 1 e 2, al. e), do CP e art. 86.º, n.º 3, 4 e 5, do RJAM.

- Um crime de ofensa á integridade física simples, p. e p. pelo art. 143.º, do CP. 

- Um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. c), por referência ao art. 3.º, n.º 4, al. a), do RJAM, aprovado pela Lei 5/2006, de 23/2, na actual redacção,


*

f) Medida concreta das penas.

Face ao enquadramento legal matem-se inalterado relativamente ao crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. c), do RJAM, por referência ao art. 3.º, n.º 4, al. a) da Lei n.º 5/2006 de 23/2, na redacção da Lei n.º 50/2013 de 24/7, tendo sido condenado na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, cuja pena nos cabe reapreciar, como segmento do recurso do arguido.

Face á alteração do enquadramento legal dos crimes de homicídio qualificado agravado e de ofensa á integridade física simples importa agora determinar quanto a estes as penas aplicáveis.

Para clareza da pena a aplicar, importa esclarecer que o homicídio simples é punível com pena de 8 a 16 anos de prisão (art. 131.º, do CP).

Sendo qualificado é punível com pena de 12 a 25 anos de prisão (art. 132.º, n.º 1 e 2, al. e), do CP).

Nos termos do art. 86.º, n.º 3, 4 e 5, do RJAM, as penas aplicáveis a crimes cometidos com arma são agravadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo, não podendo em caso algum exceder o limite máximo de 25 anos da pena de prisão. 

Assim, o crime de homicídio qualificado agravado passa a ser punível com pena de 16 a 25 anos de prisão (art. 131.º, 132.º, n.º 1 e 2, al. e) do CP e 86.º, n.º 3, 4 e 5, do RJAM).

Os crimes em apreço têm as seguintes molduras penais abstractas:

Crime de homicídio qualificado agravado - 16 a 25 anos de prisão.

Crime de ofensa á integridade física simples – prisão até 3 anos ou pena de multa.

Crime de detenção de arma proibida – 1 a 5 anos ou multa até 600 dias.

Alega o recorrente que na fixação das penas foram violados os art. 71.º e 72.º, do CP e art. 29.º, da CRP sem especificar dentro destes normativos em que termos concretamente foram violados, limitando se a concluir no fim da motivação, sem fundamentação, a dizer que a condenação do arguido é excessiva, pugnando pela redução da pena, relativamente ao crime de homicídio, uma vez que agiu sob provocação da vítima.

A alegação do arguido de que houve provocação da vítima não faz sentido e só demonstra, que o egoísmo e insensibilidade com que actuou, faz parte da sua personalidade deformada, pois qualquer cidadão medianamente culto e portador de valores morais e sociais exigíveis a qualquer cidadão comum censuraria a sua conduta desde que chegou ao café W... .    

Agiu sob provocação ad vítima?

Não se compreende tamanha afirmação.

A forma como tudo se passou, tudo leva a crer que vinha alimentando um instinto de vingança contra a vítima.

Se alguém provocou a vítima foi o arguido desde que chegou ao café W... , que numa pose de “gingão” e “engatatão” ao chegar ao café W... , estacionou o carro, deixando uma porta aberta e colocando uma garrafa de cerveja que trazia consigo no tejadilho do carro, olhou fixamente a X... , namorada do malogrado E... , com quem se encontrava.

A vítima, indo ao seu encontro, limitou-se a perguntar-lhe o que queria dele.

Após o arguido lhe dizer que não queria nada, o E... virou as costas e voltou para o sítio onde se encontrava, para depois o arguido volta a questionar a vítima:

 “e se eu quisesse alguma coisa, ó filha da puta?”

Como já se disse perante a investida arrogante verbal do arguido, o E... não corresponde proporcionalmente à provocação despropositada e desafiadora do arguido e apenas perguntou:

“Como?!”

Por a vítima o ter questionado sobre a sua sobranceria quando chegara ao café, fixando a sua namorada e agora por o ter questionado à provocação injuriosa de quem queria arranjar sarilhos, levanta a camisa que trazia vestida e da cintura retira a arma que trazia consigo, que aponta na direcção do E... e diz:

 “e se eu te mostrar isto!”

De seguida, sem mais, a curta distância dispara três tiros na direcção do E... que o faz tombar no chão, seguidos de mais dois tiros, enquanto tombava.

Foi o que se passou.

Quem provocou quem?

E por certo foi arrogante por que tinha as costas quentes com a pistola que trazia consigo.

Na sua motivação de recurso o arguido diz que não houve “premeditação de matar”, pois o arguido e amigos iam para a Nazaré e “o próprio destino trocou-lhe as voltas”.

Não ficou provada a premeditação de matar, mas tudo indica que foi o arguido quem procurou o destino, pois a que propósito se envolve numa cena de se intrometer com quem se encontrava no café W... , sendo certo que o seu destino era a Nazaré, e por que razão trazia a pistola não licenciada consigo?

Foi o arguido que esteve em permanente provocação, com o propósito de arranjar “sarilhos” desde que chegou ao café W... até tirar a vida ao infeliz E... .

Não basta discordar das penas aplicadas.

Impõe-se que o recorrente aponte e especifique em que termos foram violados os critérios prescritos pelas normas acima mencionadas e qual devia ter sido a opção do tribunal a quo.

Aliás, é este o procedimento processual apontado pelo art. 412.º, n.º 2, al. b), do CPP, isto é, o recorrente, para além de discordar do sentido perfilhado das normas violadas, deve indicar, no seu entendimento, em que termos devem aplicadas.

Mas, face á matéria de facto dada como demonstrada, vejamos se as penas em que o arguido foi condenado se se mostram adequadas em função da culpa com que o arguido actuou e a gravidade dos factos.

A aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente e em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (art. 40.º, n.º 1 e 2 do CP).

A prevenção e a culpa são pois instrumentos jurídicos obrigatoriamente atendíveis e necessariamente determinantes para balizar a medida da pena concreta a aplicar.

A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração) é a finalidade primeira que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização.

Ou seja, devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime e em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal. - Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências Jurídicas do Crime, pág. 55 e seguintes e Ac. STJ 29.4.98 CJ, T. II, pág. 194.

Feito o enquadramento jurídico-penal dos factos há que determinar a medida concreta da pena, tendo em conta os limites mínimo e máximo apontados pela moldura penal abstracta, devendo o tribunal ter em conta a culpa do agente e as exigências de prevenção, conforme os trilhos apontados pelo art. 71.º, n.º 1, do CP.

E a concretização desse critério para determinar a pena concreta que se pretende justa e adequada a cada caso concreto tem desenvolvimento, na ponderação que o tribunal deve ter, de todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal, deponham a favor e/ou contra o agente do crime, conforme art. 71.º, n.º 2, do CP.

E aquele preceito prevê, “nomeadamente”, nas al. a) a f), que o julgador deve ponderar o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências, a grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, a motivação do agente, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior e posterior ao facto, e a falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita.

A lei ao referir que se deve atender nomeadamente àquelas circunstâncias, por serem as mais comuns, mais não diz que o tribunal deve atender a outras ali não especificadas, isto é, a todas as circunstâncias susceptíveis de influenciarem a determinação da pena concreta.

Nesta conformidade, na determinação concreta das penas há qua atender às diversas circunstâncias influenciadoras.

A culpa do arguido assume a modalidade de dolo directo e é muitíssimo intenso, uma vez que o arguido quis praticar aqueles factos, agindo com absoluto desprezo pela vida humana, sem qualquer motivo que o justificasse, e o seu instinto da malvadez, reflecte-se no factos de desferir três tiros “à queima roupa” sobre a vítima e quando já tombado, despejando a sua raiva e rancor, desferiu-lhe ainda mais dois tiros.

Não foi um acidente de percurso do arguido.

Foi uma situação por si criada e procurada, embora se desconheçam as razões porque afrontou daquela maneira a vítima.

O acto final de consumação revela uma brutalidade absolutamente anormal, não dando qualquer hipótese de defesa à vítima e contradiz em absoluto o tom suavizador que se pretende dar à conduta do arguido na motivação de recurso, disparando à “queima roupa” cinco tiros sobre o E... , não lhe dando qualquer hipótese de escapar ao fim trágico, como se extrai dos factos 13 a 15 provados, que bem evidenciam as circunstâncias em que o arguido A... actuou e as zonas do corpo da vítima atingidas.  

O grau de ilicitude dos factos é elevadíssimo, atentos os valores em causa: supressão da vida humana de uma pessoa, sem qualquer justificação ou motivo.

Na realização dos fins das penas as exigências de prevenção geral constituem nos casos de homicídio uma finalidade de primordial importância, como bem se acentua no acórdão recorrido.

Dado que o crime de homicídio doloso atenta directamente contra o valor ou bem supremo que a ordem jurídica mais presa entre todos, a vida humana, suscita por isso fortíssimas exigências sociais de reprovação e sobretudo quando o agente actua com particular perversidade.

A conduta arrepiante do arguido, expressa nas circunstâncias em que os factos ocorreram, revela a total falta de arrependimento do arguido, quando pretende sustentar que houve provocação da vítima.

Contra o arguido milita ainda o facto de ter sido condenado no âmbito do PCS n.º 121/13.0JALRA, por crime de tráfico de quantidades diminutas e de menor gravidade, factos ocorridos em 4/9/2012 tendo sido condenado na pena de 18 meses de prisão, suspensa na sua execução, conforme consta do CRC de fls. 873.

Neste tipo de crimes, ao nível da prevenção geral há que dar à sociedade uma resposta de confiança na lei, contribuindo para fortalecer a consciência jurídica da comunidade, satisfazendo o sentimento de justiça perante a comunidade, impondo-se mostrar à sociedade através da pena, o quanto são censuráveis estes comportamentos.

Também ao nível da prevenção especial a pena deve servir de emenda e correcção ao arguido, fazendo-lhe tomar consciência o mal que causou à vítima, aos familiares e à sociedade em geral, de forma gratuita e injustificada e que a pena lhe sirva de alerta e reprovação e evitar a prática de actos que ponham em causa a protecção dos bens jurídicos violados que a lei quis acautelar.

Face ao que deixamos exposto, perante as circunstâncias acima descritas em que os factos ocorreram é manifesto que as penas concretas devem ser aplicadas em função do elevadíssimo grau de culpa com que o arguido actuou e as graves consequências que da sua conduta resultaram, bem com a natureza dos bens jurídicos ofendidos.

Não se questiona a natureza das penas a aplicar aos crimes de ofensa á integridade física simples e detenção de arma proibida, puníveis com prisão ou multa, no segmento do recurso.

Quanto ao crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. c), por referência ao art. 3.º, n.º 4, al. a), do RJAM, aprovado pela Lei 5/2006, de 23/2, na actual redacção, cujo enquadramento penal se manteve inalterado, a pena de 2 anos e 6 meses de prisão, fixada ao meio da moldura penal abstracta, mostra-se justa e adequada.

Não se justifica a alteração da pena em que o arguido foi condenado, a qual foi aplicada, de acordo com a culpa com que o arguido actuou, o bem jurídicos violado, a gravidade das circunstâncias e as finalidades da punição.

O tribunal de recurso só deve alterar as penas quando for notório que houve desvio e violação dos critérios legais apontados para a sua fixação.

Face ao exposto, considerando as molduras penais abstractas acima apontadas, ponderadas todas as circunstâncias a favor e desfavor do arguido, de acordo com os critérios enunciados pelos art. 40.º e 71.º, do CP, decide-se condenar o arguido:

- Por um crime de homicídio qualificado agravado, p. e p. pelos art. 131.º e 132.º, n.º 1 e 2, al. e), do CP e art. 86.º, n.º 3, 4 e 5, do RJAM, na pena de 19 (dezanove) anos de prisão.

- Um crime de ofensa á integridade física simples, p. e p. pelo art. 143.º, do CP, na pena de 1 (um) ano de prisão.

- Manter quanto ao crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. c), por referência ao art. 3.º, n.º 4, al. a), do RJAM, aprovado pela Lei 5/2006, de 23/2, na actual redacção, a pena de 2 anos e 6 meses de prisão.

Tendo sido condenado o arguido por vários crimes, antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, havendo entre eles uma relação de concurso, deve ser condenado numa pena única, devendo ter-se em conta, para determinação desta pena, em conjunto, os factos e a personalidade do agente por força do art. 77.º, n.º 1 2, do CP.

A pena única aplicável no caso de concurso tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes. De acordo com o que dispõe o n.º 2, do art. 77, do CP.

A moldura penal abstracta, assim definida, correspondente ao concurso, tem como limite mínimo 19 anos de prisão (pena parcelar mais elevada) e como limite máximo 22 anos e 6 meses de prisão (soma das penas parcelares aplicadas aos diversos crimes).

Na consideração da personalidade devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos, isto é, se a personalidade unitária do agente é reconduzível a uma tendência ou eventualmente mesmo “uma carreira” criminosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente, só no primeiro caso sendo de agravar especialmente a pena por efeito do concurso, cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime pág. 29.

Não está evidenciada e comprovada uma tendência delituosa do arguido, ma as circunstâncias em que os factos ocorreram, em que já foram sobejamente analisadas a propósito de vários segmentos dos recursos, bem como a personalidade evidenciada, mesmo depois dos factos, não revelando uma autocensura e arrependimento, demonstram que gravidade dos factos é muitíssimo elevada.

Os factos narrados nestes autos foram causa de grande alarme social, tendo a progenitora fechado o estabelecimento de diversão nocturna do qual era proprietária e visto sua habitação danificada.

A personalidade está evidenciada no ponto 39 dos factos provados, do qual, nas diversas alíneas consta todo o seu processos de desenvolvimento, formação e aptidão profissional.

Trata-se de um cidadão brasileiro que com 21 anos vem para Portugal, colaborando com a mãe estabelecida com um estabelecimento de diversão nocturna. O mesmo não tem hábitos e trabalho, tendo consumos regulares de canábis bem como consumos abusivos de álcool em situações de convívio social.

Tem um filho com 3 anos de idade fruto do relacionamento com uma cidadã de nacionalidade brasileira, com os quais não mantém qualquer contacto.

O arguido encontra-se em situação de permanência ilegal no país e tem pendente contra si um mandado de detenção internacional e pedido de extradição por se ter eximido ao cumprimento de pena de prisão em que foi condenado no seu país de origem.

O arguido percepciona os factos inscritos como crime demonstrando, no entanto pouca ressonância emocional face aos mesmos, contextualizando-os no âmbito de uma situação de conflito, do qual ele também teria sido alegadamente vítima.

 Assim, de acordo com o disposto nos art. 77.º n.º 1 e 2, 40.º e 71.º, n.º 1 e 2, todos do CP, será justo e adequado aplicar ao arguido, em cúmulo jurídico, uma pena única de 20 (vinte) anos de prisão.


*

g) Pedidos cíveis.

B... em representação de seu filho menor C... deduziu o pedido de indemnização da quantia de 801.598,00€, sendo 100.000,00€ a título de danos não patrimoniais e 701. 598,00€ a título de danos patrimoniais.

D... , mãe do falecido E... , deduziu o pedido de indemnização de 125.000,00 €, sendo 100.000,00€ a título de danos não patrimoniais e 25.000,00€ a título de danos patrimoniais.

O Tribunal Colectivo, julgando parcialmente procedentes os pedidos de indemnização civil deduzidos, condenou o demandado/arguido A... a pagar:

I) À demandante B... em representação de seu filho C... , a quantia global de 108.800,00 € (cento e oito mil e oitocentos euros), a que acrescem juros, sobre 28.800,00€, por danos patrimoniais, desde a notificação e sobre 80 000,00€, por danos não patrimoniais, desde a data do acórdão.

Quanto ao demais pedido (144.000,00€ a título de despesas de saúde + 3.900,00€ a título de despesas com infantário + 499.000,00€ a título das demais despesas escolares, a fixação da indemnização correspondente remeteu para decisão ulterior – art. 564.º, n.º 2 do Cód. Civil.

II) À demandante D... , a quantia global de 30. 000,00€ (trinta mil euros), por danos não patrimoniais, a que acrescem juros, contados desde a data do acórdão.

O arguido à falta de argumentos dispara em todas as direcções, de uma forma genérica, comentando e divergindo do acórdão recorrido, sem concretizar devidamente o que pretende em cada um dos segmentos do recurso.

É o que também acontece relativamente às indemnizações atribuídas, em que foi condenado, sobre as quais tece considerações por discordar dos montantes fixados, limitando-se a dizer que são excessivos, genéricos e vagos, considerando os valores arbitrários.

Sobre a sua posição neste segmento do recurso é bom exemplo a conclusão 25.º, da qual consta o seguinte:

«25.º- Quanto aos pedidos cíveis, por razão de raciocínio, atento o desvalor do dolo que se invoca, o valor arbitrário, é destituído de, razoabilidade objectiva, violando em primeira linha o artigo 3.º do CPC, o principio da igualdade e o in dúbio pro reo violando-se assim a objectividade da coisas, com manifesto excesso de dolo ao enquadrar juridicamente a conduta do arguido».

Em primeiro lugar diremos que o recorrente não discute os pressupostos da indemnização.

Apenas questiona apenas os montantes, com base na intensidade dolo que pretende ver diminuído e na violação do art. 3.º, do CPC (que não se compreende aqui a aplicação) e ainda o princípio da igualdade e o in dúbio pro reo, bem como faz apelo ao errado enquadramento jurídico-penal dos facto.

 Ora, esta não é uma forma de impugnar os montantes da indemnização, não se compreendendo em termos de indemnização civil, o apelo aos argumentos do art. 3.º, do CPC e aos argumentos que têm a ver com a responsabilidade penal.

Já dissemos, quanto ao enquadramento penal e determinação da pena que não fazia sentido alegar o facto de ser brasileiro, para dizer que foi violado o princípio da igualdade.

Ora, se não fazia sentido em termos de responsabilidade criminal, muito menos tratando-se de responsabilidade civil, embora emergente de crime.

Relativamente ao princípio in dúbio pro reo não faz sentido fazer apelo ao mesmo nesta sede de recurso, conceito exclusivo do âmbito criminal.

A discussão da indemnização não se confunde com a responsabilidade criminal, devendo aquela, intervir só depois de estarem fixados os factos e depois extrair conclusões se estão ou não reunidos os pressupostos para indemnizar o ofendido/lesado.

Face á forma como o recorrente ataca as indemnizações atribuídas, concluímos que apenas estão em causa a ressarcibilidade dos danos e seus montantes.

A indemnização de perdas e danos emergentes de um crime é regulada pela lei civil, nos termos do art. 129.º, do CP, cuja remissão deve ser entendida como sendo feita para os pressupostos da responsabilidade civil extra-contratual, como vem sendo entendimento uniforme da Jurisprudência (v., por todos, o Ac. do STJ de 25/01/96, CJ, Tomo I, pág. 189 e o Assento n.º 7/99 de 17/06/99, in D.R., Série I-A de 03/08/1999).

Dispõe do artigo 483º, n.º 1 do Código Civil:

«Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação».

De acordo com o disposto no art. 562.º, do CC, aquele que estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que impõe tal reparação.

A obrigação de indemnização, consistindo no dever de reparar os prejuízos, reconstruindo a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento danoso, cumpre-se, pois, pela reconstituição natural, sempre que possível.

A indemnização abrange, quer as lesões nos interesses, bens ou direitos que o lesado efectivamente suportou, em consequência do evento danoso (danos emergentes), quer a frustração das suas expectativas de ganho (lucros cessantes), nos termos do art. 564.º, do CC.

Os danos futuros devem ser atendidos, nos termos do n.º 2, do mesmo artigo, que preceitua:

«Na fixação da indemnização, pode o tribunal atender aos danos futuros desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior».

Danos futuros:

C... , representado por sua mãe B... pede:

- 54.498,00 € a título de alimentos que estava a receber de seu pai e dos quais se viu privado por acto do arguido;

- 144.000,00€ a título de despesas de saúde;

- 3.900,00€ a título de despesas escolares (infantário);

- 499.000,00€ a título das demais despesas escolares;

- 100.000,00€ pelo direito à vida de seu pai.

Por sua vez D... mãe do falecido E... pede:

- 25 000,00 € a título de lucros cessantes futuros;

Provou-se que o falecido E... contribuía voluntariamente com 150 € mensais para alimentos de seu filho C... e ajudava sua mãe transferindo quantias em dinheiro em valor variado e não regular no tempo.

O C... é uma criança e era previsível que seu pai continuasse a contribuir com a quantia de 150€ que vinha entregando voluntária e mensalmente.

Ficou demonstrado que por ano o falecido E... pagaria 1.800,00 € (150x12) e ficcionando esta prestação alimentar até atingir a maioridade (18 anos) e uma vez que o menor nasceu em 3.7.2014, o pai contribuiria para seu sustenta e formação com a quantia de 28.800,00 € (1800,00 x 16 anos).

Quanto aos demais danos futuros reclamados pelo menor C... (144.000,00 a título de despesas de saúde + 3 900,00 € a título de despesas escolares (infantário) + 499 000,00 € a título das demais despesas escolares) podemos dizer que estes são algo previsíveis (é previsível que o menor venha a estar doente, é previsível que o menor venha a ter gastos nos seus estudos futuros) mas não sendo no momento determináveis, foram legados para decisão ulterior, nos termos art. 564.º, n.º 2, do CC.

Relativamente a D... , não tendo feito prova que o falecido E... lhe entregasse mensalmente, entre 150€ a 200 €, improcedeu pedido por danos patrimoniais.

Danos não patrimoniais:

D... , na qualidade de mãe, reclama a quantia de 100.000,00€, a título de danos não patrimoniais, pela dor e imensa tristeza pela morte do filho.

B... , em representação de seu filho menor C... , reclama a quantia de 100.000,00€, a título de danos não patrimoniais, pela dor e imensa tristeza pela morte do pai.

O tribunal fixou respectivamente, pelo dano não patrimonial, em consequência da morte do E... :

Ao menor C... a quantia de 80.000,00€.

A D... , a quantia de 30.000,00€.

A indemnização que se pretende ver efectivada nos autos emerge de crime contra a vida do Falecido E... , o qual beneficia de protecção legal contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral, fundada na responsabilidade subjectiva do demandado, nos termos dos art. 70.º, do CC.

Nos termos do art. 496.º, n.º 1, do Cód. Civil, na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

“A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada); por outro lado, a gravidade apreciar-se-á em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado” - Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 2.ª Edição, pág. 486 e 489.

Não há fórmulas concretas ou tabelas para de uma forma matemática se determinar o “quantum” indemnizatório.

Aliás a própria natureza dos danos não se quaduna com tais critérios, o que se conclui de uma simples leitura dos art. 496, n.º 4 e 494.º, do Cód. Civil.

No primeiro preceito acabado de citar, consagra-se que o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias relevantes do caso concreto.

O facto de se tratar de um julgamento de equidade não impede que se deva atender à justa medida da gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras que o juiz deve seguir, com motivação adequada, o processo lógico através do qual chegou à liquidação equitativa do dano.

Os demandantes, como resulta da matéria de facto provada, sofreram danos não patrimoniais, que se traduzem na supressão do bem vida de um ente querido, que era respectivamente pai e filho dos demandantes e que com a sua morte sofreram intenso desgosto e perturbação do equilíbrio socio-psíquico-emocional, sentindo profundamente a sua ausência.

Os danos não patrimoniais causados aos ofendidos, sua gravidade e natureza, resultaram como consequência da conduta referida no segmento em que fizemos o enquadramento jurídico-penal dos factos como integradores do crime de homicídio que aqui nos escusamos de repetir. 

No caso dos autos deve atender-se em concreto à gravidade da conduta do arguido acima já descrito, às gravíssimas consequências dos danos causados, ao acentuado elevado grau de culpabilidade, o qual agiu com dolo directo e intenso, suprimindo a vida ao malogrado E... por motivo fútil, bem como foram tidas em conta a condição social e económica tanto do arguido, como dos demandantes.

Na sua determinação “há que considerar o grau de parentesco, mais próximo ou mais remoto, o relacionamento da vítima com esses seus familiares, se era fraco ou forte o sentimento que os unia, enfim, se a dor com a perda foi realmente sentida e se o foi de forma intensa ou não. É que a indemnização por estes danos traduz o “preço” da angústia, da tristeza, da falta de apoio, carinho, orientação, assistência e companhia sofridas pelos familiares a quem a vítima faltou” - Sousa Dinis, in Dano Corporal em Acidentes de Viação, CJSTJ 1997, tomo 2, pág. 13.

Além de ser facto notório a dor da morte de um filho, a demandante D... sentiu muito a morte do filho, sendo lembrado constantemente e motivo de dor e saudade.

Relativamente à mesma tem-se por adequada a quantia de 30 000,00€, fixada pelo tribunal a quo, para ressarcir o dano não patrimonial com a morte de seu filho.

No caso dos autos a vítima tinha 47 anos, era uma pessoa saudável, praticava e ensinava a prática do desporto, amava a vida.

O menor jamais irá conhecer o seu pai.

A indemnização, porque visa oferecer ao lesado uma compensação que contrabalance o mal sofrido, deve ser significativa, e não meramente simbólica, devendo o juiz, ao fixá-la segundo critérios de equidade, procurar um justo grau de “compensação”.

O dano da morte é o prejuízo supremo, é a lesão do bem vida, o bem superior a todos os outros.

Na determinação do quantum compensatório pela perda do direito à vida importa ter em conta a própria vida em si, como bem supremo e base de todos os demais, e, no que respeita à vítima, a sua vontade e alegria de viver, a sua idade, a saúde, o estado civil, os projectos de vida e as concretizações do preenchimento da existência no dia-a-dia, incluindo a sua situação profissional e sócio-económica.

No cálculo da indemnização destinada a reparar a perda do direito à vida, deve em particular ter-se em conta a idade, o estado de saúde da vítima e as suas expectativas profissionais.

Relativamente ao menor C... tem-se por adequada a quantia de 80. 000,00€, fixada pelo tribunal a quo, para ressarcir o dano não patrimonial com a morte do pai.

Sobre a adequação dos montantes atribuídos pela indemnização, pela perda do direito à vida (Ac. Ac. do STJ de 23/2/2011-Proc. 395/03.4GTSTB.L1.S1, in www.dgsi.pt, fixou o direito à vida em 80 000,00 €; Ac. do TRP de 3/2/2010-Proc. 562/08.4GBMTS.P1. 1ª secção, fixou o direito à vida em 70. 000 €; Ac. do STJ em Acórdão de 23/2/2011- Proc. 395/03.4GTSTB.L1.S1, in www.dgsi.pt, fixou o direito à vida em 80.000,00€).

Foram variáveis que o tribunal a quo teve em consideração, e bem ponderou, com observância dos critérios apontados pelos art. 496.º, n.º 1, 2 e 4 e art. 494.º, do CC, não havendo razões para reduzir a quantia de quantia de 80.000,00€, atribuída ao menor C... e a quantia de 30.000,00€, atribuída a D... , a título de danos não patrimoniais, pela morta do E... .


*

III- Decisão:

Pelo exposto, acordam os juízes da 4.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, negar provimento ao recurso interposto pelo arguido e parcialmente provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, e, em consequência, fazendo também uso do conhecimento oficioso, decide-se, revogar o acórdão recorrido quanto ao enquadramento penal dos factos relativamente aos crimes de homicídio agravado, p. e p. pelo art. 131.º, do CP e art. 86.º, n.º 3, do RJAM, e ofensas à integridade física agravado, p. e p. pelo art. 143.º, do CP e art. 86.º, n.º 3, do RJAM, com a consequente alteração das penas parcelares e respectivo cúmulo jurídico, decisão que se substitui nesta parte, condenando o arguido A... nos seguintes termos:

a) Por um crime de homicídio qualificado agravado, p. e p. pelos art. 131.º e 132.º, n.º 1 e 2, al. e), do CP e art. 86.º, n.º 3, 4 e 5, do RJAM, na pena de 19 (dezanove) anos de prisão.

b) Um crime de ofensa á integridade física simples, p. e p. pelo art. 143.º, do CP, na pena de 1 (um) ano de prisão.

c) Manter quanto ao crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. c), por referência ao art. 3.º, n.º 4, al. a), do RJAM, aprovado pela Lei 5/2006, de 23/2, na actual redacção, a pena de 2 anos e 6 meses de prisão.

d) Nos termos do art. 77.º n.º 1 e 2, 40.º e 71.º, n.º 1 e 2, da CP, condena-se o arguido na pena única de 20 (vinte) anos de prisão.

e) No mais mantem-se o decidido no douto acórdão.


*

Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 4UCS (art.513.º, n.ºs 1 e 3, do CPP e art.8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa).

                                                                        *

NB: O acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art. 94.º, n.º 2 do CPP. 

Coimbra, 8 de Fevereiro de 2017

(Inácio Monteiro - Relator)

(Alice Santos - Adjunta)