Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
584/09.8TBGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: SERVIDÃO DE PASSAGEM
ALTERAÇÃO
ADMINICULA SERVITUTIS
Data do Acordão: 04/23/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA 3º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 1565, 1568 CC
Sumário: 1. Os adminicula servitutis são poderes ou faculdades acessórias da servidão, mas não são servidões acessórias, designadamente é adminiculum necessário, na servidão de passagem, o ingresso livre no prédio serviente, mesmo quando este seja vedado.

2. Excluem-se dos adminicula os poderes ou instrumentos sem os quais as servidões podem exercitar-se embora com falta de comodidade mais ou menos grave para o prédio dominante.

3. No âmbito do art. 1568º, nº 3, do CC, referente à alteração do modo e tempo de exercício da servidão, integram-se também as alterações dos elementos meramente acessórios, um mero adminiculum que seja.

4. Se os apelantes não lograram provar factualmente a impossibilidade de entrarem de tractor para o prédio que exploram através da portaleira colocada à entrada/saída da servidão de que beneficiam, não podem aspirar ao alargamento dessa portaleira.

Decisão Texto Integral: I – Relatório

1. L (…) e mulher A (…), residentes em (...), Guarda, intentaram a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo sumário contra MC (…) e marido AJ (…), residentes em (...), Guarda, peticionando que:

I) Se declare que são proprietários do prédio identificado no artigo 4º da petição inicial e que os réus são proprietários do prédio identificado nos artigos 9º e 10º do mesmo articulado.

II) Se declare que a favor do seu prédio e onerando aquele prédio dos réus se encontra constituída por usucapião uma servidão de passagem com o conteúdo descrito no artigo 24º da petição inicial, passagem essa que tem a largura de 3 metros.

III) Se declare que através dessa passagem, os autores acedem ao seu prédio pelo prédio dos réus e vice-versa, para os fins referidos nos artigos 21º e 32º da petição inicial.

IV) Se decrete a alteração do modo e local de exercício dessa servidão pelos autores, nos termos referidos nos artigos 54º a 57º da petição inicial, permitindo e ordenando que a passagem ou portaleira limitada pelos dois postes metálicos a que se refere o artigo 26º da petição inicial, actualmente com a largura de 3 metros, passe a ter a largura de 6 metros, sendo os réus condenados a reconhecerem-no.

V) Para tal fim, deverá o poste metálico implantado no lado nascente da portaleira ser retirado do local e implantando a uma distância de 3 metros no sentido nascente e na mesma linha limite dos prédios dos autores e dos réus, de forma a que essa passagem ou portaleira passe a ter a largura de 6 metros, sendo estes últimos condenados a reconhecerem-no.

Alegaram, em síntese, que são donos e legítimos proprietários do prédio rústico, sito em Tapada da Sardinha, (...), freguesia da (...), concelho da Guarda, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1338º. Desde Março/Abril de 1966 até hoje, os autores vêm estando na posse contínua, pública, pacífica e de boa fé do referido prédio, pelo que, sempre o adquiriram por usucapião. Tal prédio não é confinante com a via pública em qualquer das suas confrontações. Por seu turno, os réus são donos e legítimos proprietários de um prédio misto, sito em Tapada da Sardinha, (...), freguesia da (...), concelho da Guarda, o qual confronta a norte com os autores, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1339º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 2226/19950612. A partir do lado poente, a entrada, acesso e passagem a pé, com animais e de carro para os prédios dos autores e dos réus é e sempre foi feita pelo prédio destes últimos através de uma faixa de terreno com 3 metros de largura, a qual se inicia numa portaleira/entrada aberta no limite poente do prédio dos RR, que dá acesso à estrada que liga (...) à Quinta do Noéme, e se desenvolve no sentido poente/nascente ao longo e paralelamente ao terreno dos autores, na confinância com o prédio dos réus. A referida entrada para a dita passagem sempre foi feita por uma portaleira com cerca de 4 m de largura, tendo os RR colocado no lugar dessa portaleira um portão metálico cujas extremidades fixaram em dois pilares de cimento. O leito dessa passagem na faixa de terreno dos réus desde há cerca de 3 anos e por iniciativa dos destes está pavimentada, assim como está delimitada a sul por uma vedação de arame e a norte por cômoros e muro de pedra na maior parte da sua extensão, numa largura de 3,60 m. Há mais de 25 anos, os autores vêm utilizando tal faixa de terreno para acederem e passarem do seu prédio para a via pública e vice-versa a pé, com animais e com carros com atrelado, transportando o leite produzido pelas vacas que guardam no seu prédio, feno para alimentação e cama dos animais, lenhas, estrumes e outros produtos, o que sempre fizeram na convicção de exercerem um direito próprio de servidão de passagem, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, de boa fé e ininterruptamente, achando-se constituída por usucapião uma servidão de passagem, com as indicadas características e para os aludidos fins. Correu termos pelo 1º Juízo do Tribunal da Guarda a acção 2360/03.2TBGRD, tendo sido proferida sentença a reconhecer a existência, por usucapião, de uma servidão de passagem de carro, a favor do prédio dos autores sobre o prédio dos réus, através da dita faixa de terreno com 3 m de largura, com a entrada de 4 m. Após o trânsito em julgado da sentença, os réus colocaram no limite entre ambos os prédios e no local onde os autores acedem ao seu prédio, uma espécie de portaleira delimitada por dois postes metálicos, que espetaram no solo, afastados 3 metros entre si, o que impossibilitou os autores de acederem, com tractor com reboque com cerca de 7 metros, que habitualmente utilizam no transporte de produtos, lenhas, estrumes, fenos e leite, ao seu prédio a partir da passagem aludida, já que ao virarem à esquerda para entrarem no seu prédio, a parte lateral do tractor e o reboque embatem nos postes metálicos. Do que decorre que a servidão de passagem com uma largura de 3 metros, tal como foi reconhecida, já não satisfaz as necessidades do prédio dos autores, porquanto a utilização de um carro puxado a animais acarreta graves inconvenientes na actividade agro-pecuária, devido à lentidão do transporte e, por outro lado, o mesmo se verifica com a utilização de um tractor agrícola de pequenas dimensões acoplado a um reboque com 1 ou 2 metros, dada a menor capacidade de carga que possui, pelo que para que os autores consigam entrar e sair do seu prédio a partir da faixa de terreno em causa, necessário se torna que os postes metálicos sejam colocados a uma distância de 6 metros entre si, bastando para o efeito arrancar o que se situa a nascente e implantá-lo a 3 metros de distância nessa direcção e na mesma linha limite de ambos os prédios, não ultrapassando os custos das obras necessárias a essa alteração €50,00, quantia que os autores se comprometem a pagar. Esta alteração não constitui para o prédio dos réus qualquer inconveniente ou prejuízo ou sequer acarreta qualquer diminuição das suas utilidades, trazendo, ao invés, para o prédio dos autores inequívocas vantagens, permitindo-lhes o acesso/saída do seu prédio com tractor e reboque de médias dimensões.

Contestou a ré, defendendo-se por impugnação e deduziu pedido reconvencional

Assim, aceitando que os autores e os réus são donos e legítimos proprietários dos prédios que os autores identificaram, alegam, contudo, por um lado, que o prédio dos primeiros confronta a poente com caminho público, tal como o seu prédio confronta a norte com tal caminho público. Na sentença constitutiva da servidão de passagem, esta apenas diz respeito à passagem de carro, não abrangendo a passagem a pé ou com tractores, que não existe nem foi constituída. A dita passagem de 3 metros permite a entrada e acesso ao prédio dos autores de um carro e até de um tractor com reboque de médias dimensões. Alargar a passagem para 6 metros com incidência para nascente é aumentar, sem necessidade, a passagem e a entrada no prédio dos réus, devendo a mesma, caso venha a ser deferida, o que por mera hipótese admitem, incidir sobre a parte poente.

Reconvindo, e tendo em conta que o prédio dos autores confronta a poente com caminho público, que já existe desde tempos imemoriais, foi usado e é usado por toda a gente, incluindo os autores, sem oposição de quem quer que seja, então os autores não têm necessidade da servidão de passagem decretada na anterior acção judicial. Com efeito, desde o início do prédio e até às edificações que os mesmos construíram, existe espaço livre na confrontação com o caminho público, onde os autores podem abrir um acesso normal e satisfatório às necessidades de exploração agrícola do seu prédio, através de obras de acesso consistentes apenas na abertura de uma entrada/portaleira, o que não custará mais de €150,00, que se comprometem a pagar. Os autores pretendem utilizar a passagem com tractores e com uma largura de 6 metros na entrada para o seu prédio, o que representa a constituição de uma nova servidão, pelo que lhes assiste o direito de se eximirem ao ónus de ceder a passagem nos termos agora requeridos, adquirindo o prédio dos autores pelo seu justo valor, nos termos do artigo 1551º, do Código Civil.

Concluíram, pugnando pela improcedência da acção e peticionam:

a) A declaração de extinção por desnecessidade da servidão de passagem decretada na acção 2360/03.2TBGRD, do 1º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda.

b) Subsidiariamente, na hipótese de o pedido referido não proceder, a declaração de que os réus têm direito a se subtraírem ao encargo de ceder a passagem requerida pelos autores e, consequentemente, serem estes condenados a venderem aos réus o seu prédio dominante (prédio rústico com o artigo 1338º e identificado no artigo 4º da petição inicial), pelo preço que vier a ser fixado judicialmente, uma vez que não existe acordo.

Os autores deduziram resposta, pugnando pela inadmissibilidade legal da reconvenção e impugnando os factos alegados pelos réus em abono da sua pretensão. Referiram, consequentemente, que o poente do seu prédio confronta com caminho particular, que apenas dá acesso à casa de habitação do Eng.º (…) e a um terreno denominado Carvalheira, de que é possuidor (…), conforme de resto foi dado como provado na sentença proferida na aludida acção judicial. Além disso, a extinção da servidão por desnecessidade apenas poderá ocorrer caso existam circunstâncias objectivas supervenientes à sua constituição, o que não é alegado pelos réus na reconvenção. Por último, a faculdade prevista no artigo 1551º, do Código Civil apenas poderá ser exercida enquanto a servidão não se ache constituída, o que não se verifica no caso, para além de que apenas poderá ocorrer relativamente a servidões legais de passagem, o que também não sucede. Termos em que, concluem pela improcedência dos pedidos reconvencionais.

Foi proferido despacho de admissão do pedido reconvencional.

*

A final foi proferida sentença que decidiu:

A) Por verificação da excepção dilatória de caso julgado, absolver os réus da instância relativamente aos pedidos de reconhecimento de que os autores são proprietários do prédio identificado no artigo 4º da petição inicial e de declaração de que a favor desse prédio e onerando o prédio dos réus, identificado nos artigos 9º e 10º da petição inicial, se encontra constituída, por usucapião, uma servidão de passagem com o conteúdo que resulta dos factos que constam do artigo 24º do mesmo articulado, passagem essa que tem a largura de 3 metros, e com os fins referidos nos artigos 21º e 32º da petição.

B) Declarar que os réus são proprietários do prédio misto, sito em Tapada da Sardinha, (...), freguesia da (...), concelho da Guarda, descrito na Conservatória do Registo Predial da Guarda sob o n.º 2226/19950612 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1339º a parte rústica e 3387º a parte urbana.

C) Julgar os demais pedidos deduzidos pelos autores contra os réus improcedentes e, em consequência, absolver estes dos mesmos.

D) Julgar os pedidos reconvencionais deduzidos pelos réus contra os autores improcedentes e, em consequência, absolver estes dos mesmos.

*

2. Os AA interpuseram recurso, tendo formulado as seguintes conclusões:

(…)

4. Os RR também interpuseram recurso subordinado, que, contudo, não foi admitido.

II – Factos Provados

1) Os autores são casados entre si em primeiras e únicas núpcias de ambos, tendo contraído matrimónio no dia 5 de Maio de 1968, na Guarda, sem convenção antenupcial (A).

2) Os autores são os legítimos proprietários e possuidores de um prédio rústico sito em Tapada da Sardinha, (...), freguesia da (...), concelho da Guarda, a confrontar de norte com herdeiros de (...), nascente com (...), sul com herdeiros de José Joaquim da Costa e poente com caminho, inscrito na matriz sob o artigo 1338º (B).

3) Por morte da mãe do autor marido, (…), ocorrida em 21 de Março de 1966, foram efectuadas partilhas verbais dos bens da respectiva herança, nas quais o referido prédio foi verbalmente adjudicado ao autor, o que ocorreu logo em Abril de 1966, altura em que, e por tal motivo, este passou a ser o possuidor desse prédio (C).

4) Por volta de 1973 ou 1974, os autores construíram nesse prédio várias edificações destinadas a palheira e arrumos, em que passaram a guardar diversos animais bovinos destinados à produção de leite e a guardar feno, palha, lenhas e diversas alfaias agrícolas e outros produtos e objectos destinados a exploração agrícola de prédios que os autores possuem e tratam e também a produzir estrume (D).

5) Assim, desde Março/Abril de 1966 até hoje que, inicialmente apenas o autor, e após o respectivo casamento ambos os autores, vêm possuindo e detendo o dito prédio, tratando-o, limpando-o, nele construindo as palheiras referidas no artigo anterior e ali guardando animais bovinos destinados à produção de leite e dando ao prédio as outras utilizações referidas no artigo anterior, pagando os respectivos impostos, o que sempre fizeram e vêm fazendo na convicção de serem os legítimos e exclusivos proprietários do prédio, à vista de toda a gente, sem oposição de quem quer que seja, convencidos de não lesarem interesses de outrem e ininterruptamente (E).

6) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial da Guarda sob o n.º 2226/19950612, freguesia da (...), Guarda, e favor dos réus através da inscrição G-1, 9951017019, Apresentação 19, de 1995/10/17, o seguinte prédio: “Terra de cultivo com macieiras, com casa de cave, rés-do-chão com logradouro, com a área de coberta de 395 m2 e descoberta de 5785 m2, sito no lugar da Tapada da Sardinha, freguesia da (...), concelho da Guarda, a confrontar de norte com caminho público, (...) e Paulo Jorge Costa Nunes, sul Augusto Costa Nunes e Ana Isabel Costa Nunes, nascente e poente com caminho público, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 1339º a parte rústica e 3387º a parte urbana” (F).

7) Os autores propuseram contra os réus uma acção judicial que correu termos no

Tribunal Judicial da Guarda sob o n.º 2360/03.2TBGRD, do 1º Juízo, na qual peticionaram, nomeadamente, que fosse “declarado que a favor de tal prédio dos autores foi constituída por usucapião uma servidão de passagem a pé, com animais e de carro, onerando o prédio dos réus referido no artigo 7.º desta petição inicial, servidão essa com cerca de 3 metros de largura e cerca de quarenta metros de comprimento, na localização e com as demais características físicas que se referem nos artigos 11.º e 18.º desta petição inicial” (G).

8) Em tal acção n.º 2360/03.2TBGRD foi declarado que a favor do prédio referido em 2) era constituída, por usucapião, uma servidão de passagem de carro, onerando o prédio dos réus descrito no item c) dos factos provados de tal sentença, com o conteúdo descrito nos pontos r) a u) dos factos assentes da mesma sentença (G1).

9) Em 22/12/2005 foi proferida douta sentença que julgou a acção parcialmente procedente, e da qual se transcreve a matéria ali dada como provada:

“Motivação de facto:

a) No assento de casamento n.º 174 da Conservatória do Registo Civil da Guarda Pinhel, encontra-se registado o casamento de (…) e de (…), celebrado em 05-Maio-1968.

b) Encontra-se inscrito na matriz predial da freguesia da (...), concelho da Guarda, sob o artigo 1338º, um prédio rústico, sito em Tapada da Sardinha, com a área de 3150 m2, composto pastagem, a confrontar do Norte com herdeiros de (...); Nascente com (...); Sul com Herdeiros de J (...)e do Poente com caminho, estando inscrito como titular do rendimento (...).

c) Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial da Guarda, sob o n.º 2226/19950612, freguesia da (...), o prédio misto, sito na Tapada da Sardinha, com a área coberta de 395 m2 e descoberta de 5785 m2, composto de terra de cultivo com macieiras e pastagem, com casa de cave e rés-do-chão, a confrontar do Norte com (...); Sul com (...); Nascente e Poente com caminho, inscrito na matriz rústica sob o artigo 1339º e omissa na parte urbana, sendo titulares inscritos MC (…) casada com AJ (…) no regime de comunhão de adquiridos.

d) O prédio descrito em b) veio à posse do autor marido por partilha verbal da herança aberta por óbito de sua mãe.

e) Nos anos de 1978/1979, os autores construíram no prédio descrito em b), várias edificações destinadas a palheiras e arrumos.

f) E nela passaram a guardar bovinos destinados à produção de leite.

g) E feno e palhas, lenhas e alfaias.

h) E vêm pagando as respectivas contribuições.

i) De forma ininterrupta.

j) À vista de toda a gente.

l) Sem oposição de quem quer que seja.

m) Na convicção de serem legítimos proprietários.

n) A confrontação Poente do prédio descrito em b) é feita com caminho que apenas dá acesso e passagem para propriedade da Carvalheira e casa de habitação do Sr. Engenheiro (…);

o) Os prédios descritos em b) e c) confinam numa extensão de 124 metros.

p) Pelo lado Sul do prédio descrito em b) e lado Norte pelo descrito em c).

q) Há mais de 50 anos os prédios b) e c) constituíam um único prédio, denominada Quinta Sardinha.

r) A entrada para o prédio os prédios referidos em b) e c) é feita pelo prédio descrito em c), através de uma faixa de terreno com 3 metros de largura, com início numa entrada no limite Poente deste prédio com o caminho que dá acesso à estrada (...)/Quinta do Noéme, a que no croquis está representada a tracejado.

s) Que se desenvolve a partir da entrada referida no ponto anterior, sentido Poente/Nascente.

t) No limite Norte do prédio dos réus e paralelamente ao prédio descrito em b).

u) A entrada referida em r) tem 4 metros de largura.

v) Há cerca de 4 anos, os réus colocaram na abertura um portão metálico com fechadura, que fixaram em pilares de cimento que construíram para esse efeito.

x) O leito da passagem referida em r) é de terra batida e está assinalada por marcas e trilhos de rodados de carros.

z) E pela ausência de vegetação em toda a sua largura e extensão.

aa) O leito da passagem referido em r) está limitada a Norte por cômoros e muro de pedra, ao longo de 40 metros, até junto ao local onde se encontra colocada uma fiada de pequenas pedras, por onde entravam a partir da dita passagem para o seu prédio.

bb) Características que mantém, ininterruptamente, desde há mais de 50 anos.

cc) Há cerca de 4/5 anos os réus colocaram uma vedação de arame entre o logradouro da sua casa e tal passagem.

dd) Desde há mais de 20 anos que os autores utilizam a passagem, nela transitando a pé e com animais e de carro de bois e tractores.

ee) Transportando feno para animais, lenhas, estrumes.

ff) De forma ininterrupta.

gg) À vista de toda a gente.

hh) Sem oposição de quem quer que seja.

ii) E sem pedirem autorização a quem quer que seja.

jj) Na convicção de exercerem um direito próprio de servidão de passagem.

ll) Até ao local onde se encontra uma fiada de pequenas pedras.

mm) No dia 17/06/03, os réus delimitaram o seu prédio com um fio de arame e colocaram umas pequenas pedras no local onde se faz o acesso à passagem para o terreno dos autores.

nn) Desde Junho de 2003 que os autores estão impedidos de aceder ao seu prédio por tal caminho.

oo) E, por isso, têm transportado o leite, palha, lenhas, estrumes e utensílios para a via pública através de uma passagem a pé situada a Norte do seu prédio.

pp) E que lhe causa incómodos.” (H).

10) Os réus interpuseram recurso de apelação de tal sentença para o Tribunal da Relação de Coimbra, tendo este Tribunal negado provimento ao recurso e mantido aquela sentença, a qual transitou em julgado (I).

11) Já após a sentença ter transitado em julgado, os réus colocaram no limite entre ambos os prédios e no local onde os autores passam de um para o outro dos referidos prédios, uma espécie de portaleira limitada por dois postes metálicos, que espetaram no solo, afastados entre si por 3 metros (J).

12) Os autores propuseram neste Tribunal, execução para prestação de facto a qual teve como título executivo a referida sentença e que correu termos sob o n.º 2360/03.2TBGRD-B, do 1º Juízo (L).

13) Do auto de inspecção ao local realizado pelo Tribunal em 29/4/2008 no âmbito da mesma execução consta o seguinte:

“Iniciada a inspecção no local, cerca das 11h20m, o Mmº. Juiz, acompanhado pelos ilustres mandatários das partes e por estas, constatou o seguinte:------------

1º - O portão que dá acesso ao prédio dos executados e à servidão constituída dos exequentes tem uma largura de 4,40 metros.------------

2º - O caminho que vai do portão acima referido até à entrada da servidão tem uma largura de mais ou menos regular e homogénea de 4,60 metros, sendo que e já próximo do local de acesso directo ao prédio dos exequentes, a nascente, e junto à entrada ou acesso directo da passagem de servidão ao prédio dos exequentes, tem 3,60 metros de largura.------------

3º - No local que dá acesso da passagem da servidão constituída e para quem entra na propriedade dos executados e no sentido de entrada na propriedade dos exequentes é necessário virar à esquerda em sentido perpendicular a esta passagem em virtude de os executados/oponentes terem colocado do lado esquerdo e a ladear a mesma passagem desse lado esquerdo, interrompendo um pequeno muro de vedação desse lado dessa passagem, dois postaletes em ferro, espetados ao alto e distantes entre si 3,02 metros, de forma a delimitarem esta entrada para o prédio dos exequentes apenas com uma largura idêntica à que foi determinada na sentença, isto é, de 3 metros.------------

Constatou-se, ainda, que um tractor agrícola de razoáveis dimensões e que pretenda fazer a entrada na propriedade dos exequentes pela referida passagem o mesmo, devido aos referidos dois postaletes colocados pelos executados/opoentes e atrás referidos, não permitem a sua entrada normal do referido tractor agrícola com o respectivo atrelado acoplado ao mesmo. Um tractor agrícola com dimensões muito pequenas é possível que o mesmo possa entrar com o respectivo atrelado. Já um tractor agrícola de médias dimensões e com o respectivo atrelado acoplado, embora não se tenha feito a respectiva experiência, afigura-se-nos ser difícil a sua entrada directa para o prédios dos exequentes em virtude da necessidade de roucio ou viragem acentuada que terá que fazer à esquerda e devido ao comprimento do respectivo atrelado e ainda o facto de a passagem ser delimitada do lado direito por uma rede segura por postaletes em ferro (…)” – (M).

14) Circulando na passagem referida existente no prédio dos réus, no sentido poente/nascente e pretendendo entrar no seu prédio com o dito tractor/reboque, os autores têm de virar à esquerda no sentido sul/norte em sentido perpendicular a essa passagem (N).

15) O prédio dos autores não é confinante com a via pública em qualquer das suas confrontações (1.º)

16) Os autores possuem diversos terrenos rústicos que cultivam, de onde recolhem feno que transportam para o seu prédio e para onde transportam os estrumes ali produzidos, assim como outros produtos e onde pastam os animais bovinos que guardam naquele prédio, prédios esses que ficam situados a várias centenas de metros do seu prédio (8.º).

17) Para o transporte dos produtos, lenhas, estrumes, fenos e leite, os autores utilizam habitualmente um tractor agrícola com reboque cujo comprimento total atinge no máximo 7,20 metros (9.º).

18) Com a manobra referida em 14), os autores fazem uma espécie de ângulo recto de 90 graus (11.º).

19) A alteração da largura da passagem de 3 metros para 6 metros não provoca no prédio dos réus diminuição do seu valor ou diminuição das respectivas utilidades para os réus (18.º).

20) O caminho situado a norte do prédio dos réus e o caminho situado a poente do prédio dos autores é o mesmo caminho (20.º).

21) A Câmara Municipal da Guarda considera este caminho como público (21.º).

22) Este caminho começa na extrema norte do prédio dos réus (22.º).

23) Este caminho no seu início e até ao prédio do Sr. Engenheiro (…) é servido por iluminação pública paga pela Câmara Municipal da Guarda (24.º).

24) Este caminho não tem portado ou sinais de proibição à sua entrada (25.º).

25) Os autores continuam a utilizar este caminho para acesso ao seu prédio através de uma entrada a pé e com animais que dá directamente para tal caminho (29.º).

26) Desde o limite do prédio dos autores até às construções este prédio confronta com o caminho numa distância de 9,20 metros, a seguir às edificações confronta com o caminho numa distância de 15 metros e entre as construções e o prédio dos réus na parte menos extensa há uma distância de 3,80 metros (31.º).

27) As obras de acesso ao caminho consistem apenas na abertura de uma entrada (portaleira) para o caminho, removendo a parede na dimensão que permita o acesso ao prédio dos autores (32.º).

28) O valor destas obras é de €150,00 (33.º).

29) O caminho a que se refere a confrontação poente do prédio dos autores apenas dá acesso à casa de habitação do Eng.º (…) (34.º).

30) E dá acesso a um terreno denominado Carvalheira de que é possuidor (…) sendo que o espaço correspondente a esse acesso desde há vários anos que está infestado de giestas, ervas e mato, com mais de 30, 40 e em alguns locais mais de 90 e 100 cm de altura (35.º).

31) Este terreno denominado Carvalheira não é cultivado desde há mais de 5, 10 e mais anos, estando infestado de giestas e mato com mais de 1 e 2 metros de altura em toda a sua área (36.º).

32) A partir desse terreno Carvalheira, não existe ou existiu qualquer passagem, caminho, acesso a outros terrenos ou caminhos públicos (37.º).

33) O prédio dos réus é uma quinta com os respectivos muros, que serve para habitação dos réus, quintal, jardim, terraço, telheiros e terreno para exploração agrícola, onde se cultivam produtos agrícolas, árvores de fruto, recolhendo os respectivos frutos (38.º).

34) O valor de mercado do prédio descrito em 2) ascende ao montante de pelo menos €10.000,00.

III - Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts. 685º-A, e 684º, nº 3, do CPC).

Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes.

- Alteração da matéria de facto.

- Se assiste aos recorrentes o direito de alterar a servidão de passagem, alargando a portaleira de 3 para 4 metros na direcção nascente.

- Abuso de direito dos recorridos.

2.

(…)

Em suma, improcede a impugnação da matéria de facto.

3. Os apelantes consideram que se verificam todos os pressupostos legais, nos termos do art. 1568º do CC, para ser decretada a alteração no exercício da servidão, e, consequentemente, para a procedência da acção relativamente à parte ora em recurso, porque partiram do pressuposto que a matéria que impugnaram ia ser dada como provada (vide conclusões de recurso 6ª a 10ª). O que todavia não aconteceu, pelo que o recurso estará votado ao insucesso.

Na sentença recorrida escreveu-se que:

“No âmbito da acção n.º 2360/03.2TBGRD, do 1.º Juízo deste Tribunal foi declarado que a favor do prédio dos autores (identificado no ponto 2) supra) era constituída, por usucapião, uma servidão de passagem de carro, onerando o prédio dos réus descrito na Conservatória do Registo Predial da Guarda sob o n.º 2226/19950612 e inscrito na matriz rústica sob o artigo 1339º, com as seguintes características: a entrada para o prédio é feita através de uma faixa de terreno com 3 metros de largura, com início numa entrada que tem 4 metros de largura, no limite poente deste prédio dos réus com o caminho que dá acesso à estrada (...)/Quinta do Noéme, se desenvolve a partir dessa entrada, no sentido poente/nascente, no limite norte do prédio dos réus e paralelamente ao prédio dos autores.

Todavia, como decorre dos factos provados (ponto 11) supra), os réus colocaram no limite entre ambos os prédios e no local onde os autores acedem ao seu prédio, uma espécie de portaleira delimitada por dois postes metálicos, que espetaram no solo, afastados 3 metros entre si.

Alegam os autores que, por tal motivo, vêem-se impedidos de aceder ao seu prédio com um tractor com reboque com cerca de 7 metros, que habitualmente utilizam, …

Donde, peticionam que os postes metálicos sejam colocados a uma distância de 6 metros entre si, bastando para o efeito arrancar o que se situa a nascente e implantá-lo a 3 metros de distância nessa direcção e na mesma linha limite de ambos os prédios, o que não acarreta qualquer inconveniente ou prejuízo para o prédio dos réus.

(…)

Nas palavras de Luís A. Carvalho Fernandes, “O direito de servidão predial é um direito real de gozo sobre coisa alheia, mediante o qual o proprietário de um prédio tem a faculdade de se aproveitar de utilidades de prédio alheio em benefício do aproveitamento das do primeiro”16 In “Lições de Direitos Reais”, 6.ª ed., Quid Juris, 2009, p. 457.

(…)

A actuação e o modo de exercício estão definidos no título constitutivo e, na sua falta ou insuficiência, aplicam-se as regras supletivas previstas nos artigos 1565º e segs. do Código Civil, constituindo princípio geral nesta matéria o de que o direito de servidão deve satisfazer as necessidades normais e previsíveis do prédio dominante, com o menor prejuízo para o prédio serviente (“… há uma ideia de realizar o equilíbrio de interesses entre o dono do prédio dominante e do prédio serviente”17 Cfr. Álvaro Moreira e Carlos Fraga, Ob. Cit., p. 332.).

Como afirma Tavarela Lobo, “… a finalidade da servidão é, de facto, servir os fins ou destino económico do prédio dominante, pelo que, visando uma utilidade específica, um escopo determinado, a servidão deverá compreender, no seu conteúdo e extensão, tudo o que é necessário a tal escopo”18 In “Mudança e Alteração de Servidão”, Coimbra Editora, 1984, p. 26.

O que os autores pretendem é uma alteração no modo de exercício da servidão19 “O modo da servidão significa (…) a modalidade do seu exercício, a maior ou menor extensão dada ao uso da servidão”, ou seja, “… tudo aquilo que fazendo parte integrante e inseparável da servidão serve para precisar o seu conteúdo ou para a definir nos seus elementos particulares” (Tavarela Lobo, Ob. Cit., p. 183), pretensão que deverá ser enquadrada nos termos do disposto no artigo 1568º, do Código Civil, que preceitua o seguinte:

2 – A mudança também pode dar-se a requerimento e à custa do proprietário do prédio dominante, se dela lhe advierem vantagens e com ela não for prejudicado o proprietário do prédio serviente.

3 – O modo e o tempo de exercício da servidão serão igualmente alterados, a pedido de qualquer dos proprietários, desde que se verifiquem os requisitos referidos nos números anteriores.

4 – (…)”.

Compete ao proprietário interessado (neste caso os autores) demonstrar a existência do condicionalismo legal indispensável à sua alteração, nomeadamente a verificação da conveniência para si e a inexistência de prejuízo para o proprietário requerido (é sobre ele que recai o ónus da prova – artigo 342º, n.º 1, do Código Civil).

(…)

Ora, a pretensão dos autores deixa intocada a essência da servidão, operando apenas num dos seus elementos objectivos, a extensão da servidão de passagem no seu termo final, sem que se altere o seu escopo (a exploração agrícola do prédio dominante), estando compreendida no seu conteúdo (servidão de passagem de carro) a utilização de um tractor agrícola.

É que, as mudanças ao nível do modo de exercício da exploração agrícola, impõem, na nossa perspectiva, uma interpretação actualista do conteúdo da servidão, tendo em vista a eficiente exploração económica do prédio.

Sucede que, os autores não lograram demonstrar que, por força da actuação dos réus, concretamente na colocação dos postes a delimitar a servidão, estejam impedidos de aceder ao seu prédio, isto é, que careçam da extensão da servidão de três para seis metros para retirar as utilidades do seu prédio (vide as respostas negativas aos artigos 2º, 4º, 5.º, 6º, 7º, 10º, 12º, 13º, 14º, 15º e 16º da base instrutória).

Ora, a eles competia provar que exploração do seu prédio, para transportar os estrumes ali produzidos e outros produtos, tais como lenhas, fenos, leite, impunha a extensão da servidão, que desta lhe advinham vantagens22 Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 02/11/2006, proc. n.º 1250/2006-6, acessível in www.dgsi.pt., considerando as necessidades normais e previsíveis do seu prédio, às quais está afecta a sua existência.

Donde, desde logo, e apesar de ter ficado demonstrado que tal alteração não provocaria diminuição do valor ou das utilidades do prédio serviente, terá de soçobrar a sua pretensão” – fim de transcrição.

Dizem os recorrentes que a referida vantagem seria a possibilidade deles entrarem e saírem com tractor, para o seu prédio e para os fins indicados, o que actualmente não é possível. Na verdade não é assim, pois não lograram provar factualmente esse pressuposto legal de impossibilidade de entrarem de tractor para o prédio que exploram através da portaleira colocada à entrada/saída da servidão de que beneficiam.

Apelando ao rigor dos conceitos jurídicos, importa relembrar que no art. 1565º, nº 1, do CC, se estatuiu que o direito de servidão compreende tudo o que é necessário para o seu uso. A este propósito, ensina A. Varela (CC Anotado, Vol. II, 2ª Ed., nota 2. ao mesmo artigo, pág. 663/664) que o referido nº 1 enuncia princípio correspondente à ideia geral de que toda a lei que reconhece ou atribui um direito legitima os meios indispensáveis para o seu exercício. Deste modo os meios indispensáveis ao exercício da servidão compreendem tudo quanto é necessário ao uso da mesma. Isto é, o exercício da servidão envolve a cada passo a necessidade da prática de actos (ou omissões) que são as faculdades ou poderes que acompanham necessariamente o direito principal, os chamados adminicula servitutis, como o direito de limpar o aqueduto, de passar no prédio serviente para fazer reparações, de ocupar momentaneamente esse prédio, etc.

Precisando esta figura Tavarela Lobo (Mudança e Alteração de Servidão, pág. 16/22), explicita que o conteúdo da servidão é uno e os adminicula são simples faculdades complementares reconhecidas ao titular para exercer a única servidão existente. Não constituem uma servidão autónoma, mas simples modalidade de exercício de outra servidão; modalidade que, só por si, não constitui um poder sobre o prédio serviente e que têm uma função instrumental respeitante à servidão. Deste modo os adminicula são poderes ou faculdades acessórias da servidão, mas não são servidões acessórias. É adminicula a faculdade da entrada e passagem pelo prédio serviente para neste recolher água, sem o que não seria possível o exercício da servidão constituída. Na servidão de passagem constitui adminiculum, necessário, o ingresso livre no prédio serviente, mesmo quando este seja vedado. Consequentemente, excluem-se dos adminicula os poderes ou instrumentos sem os quais as servidões podem exercitar-se embora com falta de comodidade mais ou menos grave para o prédio dominante.

No caso em análise, trata-se da possibilidade de os AA/recorrentes entrarem/saírem ou não, com mais ou menos comodidade, de tractor para o prédio que exploram através da portaleira colocada à entrada/saída da servidão de que beneficiam.

Ora, no âmbito do referido art. 1568º, nº 3, do CC, integram-se tanto as alterações de elementos essenciais da servidão (ex: o tempo), como as alterações dos elementos meramente acessórios, um mero adminiculum que seja (cfr. Tavarela Lobo, ob. cit., pág. 200).

Como se viu, os apelantes não lograram provar factualmente a impossibilidade de entrarem de tractor para o prédio que exploram através da portaleira colocada à entrada/saída do leito da servidão de que beneficiam.

Sendo assim, não há razão para censurar a sentença recorrida, pelo que improcede esta parte do recurso.

4. Como resulta dos factos provados 8. e 11., a seguir à sentença proferida no Proc.2360/03.2TBGRD, que declarou constituída uma servidão de passagem de carro, onerando o prédio dos RR e em benefício do prédio dos apelantes, os mesmos RR colocaram no limite entre ambos os prédios e no local onde os autores passam de um para o outro dos referidos prédios, uma espécie de portaleira limitada por dois postes metálicos, que espetaram no solo, afastados entre si por 3 metros. Após, os AA propuseram execução para prestação de facto a qual teve como título executivo a referida sentença (e que correu termos sob o nº 2360/03.2TBGRD-B, do 1º Juízo), como decorre do facto 12.

Mostra-se junta aos autos certidão desse processo (vide fls. 281/302).

Da mesma resulta que: os ora recorridos, aí executados deduziram oposição; por sentença proferida em tal oposição foi considerado que a aludida servidão de passagem tinha a largura de 3 metros, pelo que a entrada/saída dos prédios dos ora AA e RR tinham também de ter 3 metros de largura; que a colocação de tal portaleira, limitada pelos dois postes metálicos, com a largura referida de 3 metros, era legítima, face ao decidido na aludida sentença proferida no respectivo processo declarativo; que os aí exequentes, ora apelantes, recorreram para este tribunal, onde, entre outros fundamentos, alegaram que a colocação de tal portaleira, com tais características e largura, representava abuso de direito; na decisão de recurso foi considerado que inexistia tal abuso de direito, pois as barras de ferro colocadas pelos aí executados, ora recorridos, respeitava a mencionada largura e em nada contendia com o uso da servidão de que beneficia o prédio dos ora recorrentes; Acórdão este da Relação que transitou em julgado.

O que resulta da apontada certidão e agora concretizámos são factos que temos de dar por provados, nos termos dos arts. 713º, nº 2, e 659º, nº 3, do CPC.

No corpo das alegações, os ora apelantes alegam que os ora recorridos colocaram tal portaleira por retaliação, futilidade e provocação, assim contrariando as regras da boa ética, do bom senso e da boa vizinhança, com o único propósito de prejudicar ostensivamente os AA, impedindo a passagem dos AA de e para o seu prédio a partir da servidão, sendo ilícita e ilegal tal portaleira.    

A esta tripartida alegação responde-se com tripartida fundamentação.

Primeiro, não tem qualquer substrato factual a afirmação dos recorrentes que os recorridos agiram por retaliação, futilidade e provocação, assim contrariando as regras da boa ética, do bom senso e da boa vizinhança.

Segundo, não se provou factualmente, como atrás vimos, que os recorridos tenham com a colocação de tal portaleira impedido a passagem dos AA de e para o seu prédio a partir da servidão.

Terceiro, tal invocação de abuso de direito já foi objecto de apreciação e decisão por esta Relação. Há, assim, caso julgado, que impede uma nova apreciação desse suposto abuso de direito (arts. 494º, i), 495º, 497º, nº 1 e 2, do CPC).

Na verdade, repete-se uma causa quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir” (art. 498º, nº 1, do CPC).

Assim, há caso julgado quando se verifique a tríplice identidade de elementos nas lides - sujeitos, causa de pedir e pedido - e uma delas tenha já sido decidida por sentença transitada em julgado.

Entende-se esta identidade de sujeitos, quando as pessoas são as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica (art. 498º, nº 2, do CPC).

Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico (mesmo artigo, seu nº 3).

Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida procede do mesmo facto jurídico concreto (nº 4 de tal preceito).

O que é perfeitamente compreensível, pois quanto aos limites objectivos do caso julgado, que se reportam à identidade de pedido e de causa de pedir, a finalidade subjacente a este instituto visa obviar à contradição prática de decisões ou que em novo processo o juiz possa validamente estatuir de modo diverso sobre o direito, situação ou posição jurídica concreta definida por uma anterior decisão.

Assim, pela excepção de caso julgado visa-se o efeito negativo da inadmissibilidade da segunda acção, constituindo-se o caso julgado em obstáculo a nova decisão de mérito.

Temos consequentemente identidade de partes no aludido processo que originou o recurso para a Relação e no presente, mais ocorrendo a identidade de pedidos e de causa de pedir, pois os AA pretendem, em parte, com a presente apelação ver declarado a ilegalidade da colocação da apontada portaleira pelos recorridos, o que já pretenderam ver declarado no anterior recurso, e lhes foi negado, com base no mesmo fundamento, suposta actuação dos apelados com abuso de direito.

Verifica-se, pois, repetimo-lo, a existência de caso julgado, o que obsta ao conhecimento desta pretensão, ora em recurso, nos termos das disposições do CPC ante citadas.

5. Sumariando (art. 713º, nº 7, do CPC):

i) Os adminicula servitutis são poderes ou faculdades acessórias da servidão, mas não são servidões acessórias, designadamente é adminiculum necessário, na servidão de passagem, o ingresso livre no prédio serviente, mesmo quando este seja vedado;

ii) Consequentemente, excluem-se dos adminicula os poderes ou instrumentos sem os quais as servidões podem exercitar-se embora com falta de comodidade mais ou menos grave para o prédio dominante,

iii) No âmbito do art. 1568º, nº 3, do CC, referente à alteração do modo e tempo de exercício da servidão, integram-se também as alterações dos elementos meramente acessórios, um mero adminiculum que seja;

iv) Se os apelantes não lograram provar factualmente a impossibilidade de entrarem de tractor para o prédio que exploram através da portaleira colocada à entrada/saída da servidão de que beneficiam, não podem aspirar ao alargamento dessa portaleira.

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, mantendo-se a decisão recorrida.

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Custas pelos recorrentes.

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Moreira do Carmo ( Relator )

Alberto Ruço

Fernando Monteiro