Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
182/18.5T8TCS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: CRÉDITOS DA SEGURANÇA SOCIAL
PRIVILÉGIOS MOBILIÁRIOS GERAIS
PENHOR
Data do Acordão: 01/11/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA – JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE TRANCOSO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 204º, Nº 2 DA LEI Nº 110/2009, DE 16/09; 666º E 749º DO C. CIVIL.
Sumário: 1. Não há maneira de conciliar o nº 2 do artigo 10º DL nº 103/80 (atual nº 2 do artigo 204º da Lei nº 110/2009, de 16/09), quer com as normas dos arts. 666º e 749º CC, as quais imporiam a prevalência do penhor sobre os demais créditos com privilégios mobiliários gerais (inclusivamente sobre os créditos por impostos, sobre os créditos dos trabalhadores e sobre os créditos da Segurança Social), quer com o próprio nº 1 do artigo 10º, que gradua os créditos da Segurança Social depois dos créditos por impostos.

2. O legislador, necessariamente ciente da polémica gerada à volta do teor do nº 2 do anterior artigo10º do DL nº 103/80, que contraria a graduação que resultaria do tratamento dado pelo Código Civil aos privilégios mobiliários gerais e ao penhor, optou por, no nº 2 do artigo 204º da Lei nº 110/2009, manter aquele regime especialíssimo – de prevalência do privilégio mobiliário geral dos créditos da Segurança Social sobre o penhor, ainda que de constituição anterior.

3. A norma contida no nº 2 do artigo 204º da Lei nº 110/2009, de 16/09, enquanto regra especial, sobrepor-se-á à regra geral do artigo 749º CC.

Decisão Texto Integral:








Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - RELATÓRIO

Declarada a Insolvência de T..., Lda., por sentença proferida a 09-08-2018,

e junta a lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos nos termos do artigo 129º do CIRE, não foi objeto de impugnação.

Pelo juiz a quo proferida se seguinte Sentença de verificação e graduação de créditos, de que agora se recorre, na qual se decidiu:

I – Homologar a lista de credores apresentada a 29-06-2020 e julgam-se verificados os créditos nela inscritos.

II - Proceder à seguinte graduação dos créditos:

As custas da insolvência e as que devem ser suportadas pela massa insolvente, bem como as despesas de liquidação, incluindo a remuneração do Administrador da Insolvência, saem precípuas de todo o produto da massa e, na devida, proporção, do produto de cada espécie de bens, móveis ou imóveis.

A. No que respeita ao produto da venda das ações nominativas apreendidas:

1º - Os créditos do Instituto da Segurança Social;

2º - Os créditos garantidos por penhor;

3º - O crédito de N...;

4º - Os restantes créditos privilegiados;

5º - Os créditos comuns rateadamente pelo remanescente do produto da venda do imóvel, depois de satisfeitos os créditos garantidos ou privilegiados.

B. No que respeita ao produto da venda do veículo automóvel com a matrícula ... e do veículo automóvel com a matrícula ...:

1º - Os créditos da Fazenda Nacional, a título de IUC, referente aos mencionados veículos;

2º - O crédito de N...;

3º - Os créditos do Instituto da Segurança Social;

4º - Os créditos da Fazenda Nacional, a título de IRS, IRCS e IVA;

5º - Demais créditos rateadamente até onde chegar o produto da venda dos bens;

C. No que respeita ao produto da venda do trator agrícola com a matrícula ..., apreendido nos autos:

1º - O crédito de N...;

2º - Os créditos do Instituto da Segurança Social;

3º - Demais créditos rateadamente até onde chegar o produto da venda dos bens.


*

Não se conformando com tal decisão, N..., S.A., dela interpõe recurso de apelação, concluindo a respetiva motivação, com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem por súmula[1]:

 i) A douta sentença recorrida deve ser revogada, porque nela se fez errada interpretação dos factos e inadequada aplicação do Direito.

ii) O presente recurso é interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, que, face à conjugação dos nº 1 e 2 do artigo 204º da Lei nº 110/2009, de 16 de Setembro com o artigo 333º, nº 2, a) do Código do Trabalho e artigos 666º e 747º, nº 1, do Código Civil, entendeu que o crédito garantido reclamado pela Segurança Social deveria prevalecer sobre o crédito garantido por penhor e sobre os créditos laborais.

iii) Por aplicação do artigo 666º e 749º do Código Civil, o crédito garantido por penhor prevalece sobre i) o crédito com privilégio mobiliário geral dos trabalhadores (artigo 333º do Código do Trabalho) e ii) os créditos do Estado por impostos (mencionados na referida alínea a) do nº 1 do artigo 747º do Código Civil).

iv) Segundo o nº 2 do artigo 204º da Lei nº 110/2009, o privilégio mobiliário geral de que goza o crédito da Segurança Social por contribuições, quotizações e juros de mora “prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior”.

v) Pela mera aplicação da (letra da) lei, no confronto – exclusivo – entre um crédito da Segurança Social com privilégio mobiliário geral e um crédito garantido por penhor terá de prevalecer o primeiro.

vi) A solução poderá não ser a mesma quando, na graduação, estejam em concurso outros créditos com privilégio mobiliário geral (in casu, os créditos privilegiados dos trabalhadores e os créditos do Estado por impostos), sob pena de graves e arbitrárias distorções e incoerências jurídicas.

vii) A graduação levada a cabo pelo Tribunal a quo não resolve adequadamente o concurso de credores, especificamente o concurso entre os créditos que gozam de privilégios mobiliários gerais e o crédito garantido por penhor.

viii) Individualmente considerados, o crédito privilegiado dos trabalhadores prevalece sobre o crédito privilegiado da Segurança Social (cfr. artigo 333º, nº 2, a) do Código do Trabalho e artigo 204º, nº 1 da Lei nº 110/2009) mas cede perante o crédito garantido por penhor (artigo 666º e 749º, nº1, do CC); o crédito privilegiado da Segurança Social prevalece sobre o crédito garantido por penhor (artigo 204º, nº 2 da Lei nº 110/2009); o crédito garantido por penhor prevalece sobre os créditos dos trabalhadores e sobre os créditos do Estado por impostos (artigo 666º e 749º, nº 1 do Código Civil).

ix) Na categoria dos privilégios mobiliários gerais, o legislador conferiu uma força especial aos privilégios laborais, uma vez que estes devem ser graduados antes dos restantes créditos privilegiados, nomeadamente os do Estado e os da Segurança Social (artigo 333º, nº 2, a), do Código do Trabalho).

x) Todavia, no confronto entre os privilégios mobiliários gerais e o penhor (garantia real) apenas o crédito privilegiado da Segurança Social prevalece, por aplicação da norma absolutamente excecional do nº 2 do artigo 204º, da Lei nº 110/2009, mas já não os privilégios laborais ou os do Estado por impostos.

xi) Ao conjugar os normativos aplicáveis (nº 1 e 2 do artigo 204º da Lei nº 110/2009, de 16 de Setembro com o artigo 333º, nº 2, a) do Código do Trabalho e artigos 666º, 747º, nº 1, do Código Civil) de forma a graduar em primeiro lugar o crédito da Segurança Social, em segundo o crédito pignoratício da N… em terceiro o crédito dos trabalhadores e em quarto os créditos de IRS e IVA, o Tribunal a quo não interpretou adequadamente a Lei.

xii) À luz dos critérios estipulados no artigo 9º do CC, a unidade do sistema jurídico e a realização da justiça do caso reclamam uma interpretação corretiva-restritiva da norma do nº 2 do artigo 204º da Lei nº 110/2009, de 16 de Setembro, segundo a qual quando concorram em exclusivo, este privilégio prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior.

xiii) Quando concorrem outros créditos com privilégio mobiliário geral (nomeadamente os créditos do Estado por impostos ou os créditos dos trabalhadores) a prioridade conferida pelo artigo 204º, nº 2, da Lei nº 110/2009, de 16 de setembro não opera, uma vez que há uma contradição insanável entre todos os dispositivos aplicáveis.

xiv) O princípio da prevalência do penhor sobre os privilégios mobiliários gerais deve, assim, enformar a decisão a proferir pelo Tribunal, por ser um princípio geral nesta matéria, respeitando-se, ainda, a coerência do sistema jurídico.

xv) Esta é a única solução que: i) Respeita a ordem geral de graduação dos privilégios mobiliários gerais, estabelecida no artigo 747º, nº 1, a) Código Civil, artigo 204º, nº 1 da Lei nº 110/2009 e artigo 333º, nº 2, a) do Código do Trabalho; ii) Cumpre os princípios gerais do direito, mormente a natureza real e a característica da sequela do penhor, nos termos dos artigos 666º do Código Civil; iii) Privilegia o substantivo em relação ao processual, na medida em que respeita o princípio substantivo, plasmado no artigo 749º do Código Civil, de que “o privilégio geral não vale contra terceiros, titulares de direitos que, recaindo sobre as coisas abrangidas pelo privilégio, sejam oponíveis ao exequente”, como é o caso do penhor.

xvi) A decisão a quo viola os artigos 9º, 666º, 747º, nº 1 e 749º, nº 1 do Código Civil, o artigo 204º, nº 1 e  2 da Lei nº 110/2009, de 16 de setembro (Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social), o artigo 333º, nº 1 e 2, do Código do Trabalho.

Nestes termos, e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, dando provimento ao presente recurso de apelação e revogando a douta sentença proferida, substituindo-a por outra que gradue, pelo produto da venda das ações, em primeiro lugar, o crédito reclamado pela N…, na parte garantida por penhor.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Dispensados os vistos legais ao abrigo do nº 4 do artigo 657º CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.  
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr. artigos 635º e 639º do Novo Código de Processo –, a questão a decidir no presente recurso é uma só:
1. Se o crédito da Apelante garantido por penhor deve prevalecer sobre o crédito da Segurança Social.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Sustenta o Apelante que ao conjugar os normativos aplicáveis (nº 1 e 2 do artigo 204º da Lei nº 110/2009, de 16 de Setembro, com o artigo 333º, nº 2, a) do Código do Trabalho e artigos 666º, 747º, nº 1, do Código Civil) de forma a graduar em primeiro lugar o crédito da Segurança Social, em segundo o crédito pignoratício da N..., em terceiro o crédito dos trabalhadores e em quarto os créditos de IRS e IVA, o Tribunal a quo não interpretou adequadamente a Lei.

Não podemos dar razão ao Apelante.

Discute-se aqui a graduação do privilégio mobiliário geral outorgado aos Créditos da Segurança Social, quando com eles concorrem créditos munidos de penhor, créditos laborais e créditos por impostos.

Gozando os créditos da Segurança Social, os créditos dos trabalhadores e os créditos por impostos de privilégio mobiliário geral, da conjugação do disposto nos artigos 333º, nº 1, al. a) e nº 2, al. a), do Código do Trabalho e artigo 747º do Código Civil, resulta que, quando em confronto entre si, aqueles créditos graduam-se pela seguinte ordem:

i) créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou cessação –O crédito do trabalhador emergente do contratado de trabalho, sua violação ou cessação é graduado antes do crédito referido no nº 1 do artigo 747º do CC (ou seja, créditos por impostos), nº 2 do art. 333º do CT,

ii) créditos do Estado por impostos –  Os créditos com privilégio mobiliário graduam-se pela ordem seguinte: a) oc créditos por impostos, pagando-se em primeiro lugar o Estado e só depois as autarquias locais (nº 1 do artigo 747º CC)

iii) créditos da Segurança Social e respetivos juros de mora – Os créditos da segurança social por contribuições, quotizações e respetivos juros de mora gozam de privilégio mobiliário geral, graduando-se nos termos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil[2] (nº1 do artigo 204º da Lei nº 110/2009, de 16 de setembro).

Os privilégios mobiliários gerais conferem uma preferência de pagamento “fraca”, cedendo sempre perante qualquer outro que tenha um direito real de gozo ou de garantia sobre o mesmo bem, objeto do privilégio (nº1 do artigo 749º CC), levando a doutrina a negar-lhes o estatuto de direitos reais de garantia que atribuem aos privilégios especiais[3].

O penhor é uma garantia real[4], “conferindo ao credor o direito à satisfação do seu crédito, bem como dos juros se os houver, com preferência sobre os demais credores” (nº1 do artigo 666º CC).

A regra geral relativamente à graduação de créditos é de que o penhor, enquanto garantia real é oponível erga omnes, preferindo aos privilégios mobiliários gerais (disposições conjugadas dos artigos 666º e 749º do CC).

É aqui que surge a estranheza da introdução do nº 2 do artigo 10º do Dec. Lei nº 103/80, ao dispor que o privilégio mobiliário geral da Segurança Social “prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior#, sendo que o legislador, revogando tal diploma, mantém inalterada tal norma que reproduz sob o nº 2 do artigo 204º da Lei nº 110/2009, de 16 de setembro.

 Como a doutrina e a jurisprudência vêm desde sempre reconhecendo, não há maneira de conciliar este nº 2 do artigo 10º do DL nº103/80 (atual nº 2 do artigo 204º da Lei 110/2009), quer com as normas dos arts. 666º e 749º CC, as quais, por um lado, imporiam a prevalência do penhor sobre os demais créditos com privilégios mobiliários gerais (inclusivamente, sobre os créditos por impostos, sobre os créditos dos trabalhadores e sobre os créditos da segurança Social), quer com o próprio nº 1 do artigo 10º, que gradua os créditos da Segurança Social depois dos créditos por impostos.

Não há como conjugar a aplicação das referidas normas, sendo o respetivo resultado contraditório – entre os privilégios mobiliários gerais, o concedido aos créditos da Segurança Social é o mais fraco, graduando-se em último relativamente aos créditos por impostos e aos créditos dos trabalhadores; ao penhor é dada prevalência sobre os créditos dos impostos e sobre os créditos laborais, garantia esta que se sobrepõe ao privilégio mobiliário geral dos créditos por impostos e ao dos créditos laborais; no entanto, o nº 2 vem graduar o privilégio mobiliário geral da Segurança Social à frente do penhor e, ainda que de constituição posterior.

Ou seja, na graduação a fazer a tais créditos, o julgador vai ter de deixar cair uma das normas (optando pela solução que resultaria da conjugação do nº 1 do art. 204º da Lei nº 110/90, com o disposto nos arts. 749º, 666º, CC e 333º CT, e recusando a aplicação do nº 2 ou, ao contrário, fazendo prevalecer a disposição do nº 2 do citado artigo 204º, por especialíssima), tendo surgido, na tentativa de dar solução a tal questão e uma vez que não pode esquivar-se a decidir, essencialmente duas correntes: i) uma dando prevalência aos créditos garantidos por penhor sobre os créditos de impostos e da segurança social – apoiando-se na natureza dos dois institutos em análise, os privilégios gerais, não constituindo verdadeiros direitos reais de garantia sobre coisa certa e determinada, devem ceder perante os direitos reais de garantia de terceiros, individualizados sobre bens concretos –, ii) outra, dando prevalência aos créditos garantidos pela Segurança Social – considerando que o nº2 do artigo 10º do DL 103/80, refletindo a importância social que cada vez mais reveste a garantia mobiliária (e imobiliária) dada aos créditos da Segurança Social, determina, imperativamente, que este privilégio prevalece sobre qualquer penhor, ainda que de constituição anterior[5].

Enquanto o legislador não resolver esta incompatibilidade intrínseca, os tribunais continuarão a apresentar soluções divergentes, sem que alguma delas seja impermeável a críticas[6].

O tribunal a quo optou por valorizar o disposto no nº 2 do artigo 204º da Lei nº 110/2009, e o certo é que o legislador, necessariamente ciente da polémica gerada à volta do teor do nº 2 do anterior artigo10º, que contraria a graduação que resultaria do tratamento dado pelo Código Civil aos privilégios mobiliários gerais e ao penhor, optou por manter aquele regime especialíssimo – de prevalência do privilégio mobiliário geral dos créditos da Segurança Social sobre o penhor, ainda que de constituição anterior – sendo que, enquanto regra especial, sobrepor-se-á à regra geral do artigo 749º CC.

Por outro lado, o Tribunal Constitucional Tribunal Constitucional, chamado que foi, por diversas vezes, a apreciar a constitucionalidade da norma que estabelece a prevalência do privilégio da segurança social relativamente ao penhor (artigo 10º, nº 2, do Dec. Lei nº 103/80 e atual artigo 204º, nº 2, do Dec. Lei nº 110/2009), vem mantendo a posição de negar qualquer juízo de inconstitucionalidade[7].

A decisão recorrida não nos merece assim qualquer censura, que, aliás, segue a posição que vem sendo assumida por esta Tribunal da Relação[8].

A Apelação será de proceder.

IV – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida

Custas a suportar pela Apelante.

                                                                 Coimbra, 11 de janeiro de 2021

                                                                              

V – Sumário elaborado nos termos do artigo 663º, nº 7 do CPC.

1. Não há maneira de conciliar o nº 2 do artigo 10º do DL nº 103/80 (atual nº 2 do artigo 204º da Lei nº 110/2009), quer com as normas dos arts. 666º e 749º CC, as quais imporiam a prevalência do penhor sobre os demais créditos com privilégios mobiliários gerais (inclusivamente, sobre os créditos por impostos, sobre os créditos dos trabalhadores e sobre os créditos da segurança Social), quer com o próprio nº 1 do artigo 10º, que gradua os créditos da Segurança Social depois dos créditos por impostos.

2. O legislador, necessariamente ciente da polémica gerada à volta do teor do nº 2 do anterior artigo 10º, que contraria a graduação que resultaria do tratamento dado pelo Código Civil aos privilégios mobiliários gerais e ao penhor, optou por, no nº2 do artigo 204º da Lei nº 110/2009, manter aquele regime especialíssimo – de prevalência do privilégio mobiliário geral dos créditos da Segurança Social sobre o penhor, ainda que de constituição anterior.

3. A norma contida no nº 2 do artigo 204º, enquanto regra especial, sobrepor-se-á à regra geral do artigo 749º CC.

 
                                                           ***


[1] Face ao nítido incumprimento do dever de sintetizar os fundamentos do recurso, em violação do artigo 639º, nº1 do CPC.
[2] Tal norma veio alterar a anterior previsão do nº 1 do artigo 10º do Dec-Lei nº 103/80, de 9 de maio, segundo o qual “Os créditos da Segurança social e respetivos juros de mora graduando-se logo após os créditos referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo 747.º do Código Civil.”
[3] Cfr., M. J. Almeida Costa, para quem os privilégios gerais são simples “direitos de prioridade que prevalecem contra os credores comuns, na execução do património debitório Direito das Obrigações, 11º ed., Almedina 2008, pp.959.
[4] Qualificação consensual relativamente ao penhor de coisas – Maria João Vaz Tomé, “Comentário ao Código Civil, Das Obrigações em Geral”, Universidade Católica Editora, FD, pp.
[5] Cfr., entre outros, Acórdão do STJ de 16-12-2009, relatado por Costa Soares, publicado in CJ online.
[6] As soluções propostas são várias, desde e entre outras: i) colocar em primeiro lugar os créditos do Estado, seguindo-se os da Segurança Social e, por último, o crédito garantido por penhor, só dessa forma se assegurando o integral cumprimento dos ns. 1 e 2 do art.10º do DL nº103/80, embora desse modo se estabeleça um desvio ao regime plasmado no art. 749º CC – Miguel Lucas Pires, “Dos Privilégios Creditórios, Regime Jurídico e sua influência no concurso de credores”, 2015-2ªed., Almedina, pp.274; ii) graduar em primeiro lugar o penhor, seguindo-se-lhes os créditos dos trabalhadores, depois os do Estado e por fim os da Segurança Social – Acórdão TRG de 08-07-2020, relatado por Fernando Fernandes Freitas, disponível i  www.dgsi.pt.; iii) graduar em primeiro lugar o crédito da Segurança Social, em seguida o crédito garantido por penhor, e por fim os créditos laborais e do FGS – Acórdão do STJ de 16-12-2009, relatado por Costa Soares.
[7] cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional nºs 64/2009 e 108/2009, de 10/02/2009 e 10/03/2009, disponíveis in www.tribunalconsitucional.pt.
[8] Cfr., Acórdãos de 21 de maio de 2019, relatado por Barateiro Martins, de 28 de maio de 2019, relatado por Catarina Gonçalves, de 16-10-2012 e de 10-03-2015, ambos relatados por Inês Moura, e ainda acórdão de 24 de de maio de 2005, relatado por Távora Vítor que reconhece a prevalência do privilégio mobiliário geral dos créditos do IFP face ao penhor, relativamente aos quais o artº 7º do Decreto-Lei nº 437/78, de 28 de Dezembro consagra uma regra semelhante à do nº2 do artigo 10º do Dec. Lei nº 103/80, todos disponíveis  in www.dgsi.pt.