Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1864/17.4T8LRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA TERESA ALBUQUERQUE
Descritores: EXAME MÉDICO-LEGAL
CONSULTOR TÉCNICO
ASSESSOR TÉCNICO
INTERVENÇÕES NO EXAME
Data do Acordão: 11/28/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – J.C. CÍVEL DE LEIRIA –JUIZ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 155º DO CPP E 480º/3 DO NCPC; LEI Nº 45/2004, DE 19/08.
Sumário: 1 - Se a figura de consultor técnico e a de assessor se equivalessem a terminologia utilizada no CPP (art 155º) e no CPC (art 480º/3) seria, decerto, a mesma, e não ali a de «consultor técnico», e aqui a de «assessor técnico».

2 - Quer o consultor quer o assessor técnico devem assistir ao acto inspectivo, mas enquanto o consultor tem poderes para intervir nesse acto, relacionando-se no mesmo com os peritos, os advogados e até com o juiz, podendo sugerir a realização de diligências e formular observações e objecções, que ficam a constar do auto, o assessor, presenciando o acto, não intervém nele e relaciona-se apenas com a parte e o seu advogado. A assistência de um e outro ao acto inspectivo é diferente - ali é activa, aqui é passiva.

3 - As funções do assessor técnico - que será um médico da especialidade requerida pelo exame - implicam que o mesmo funcione junto da parte que o nomeou como se de um “intérprete” se tratasse relativamente ao conteúdo do acto inspectivo: a sua intervenção destina-se a traduzir e transmitir ao advogado da parte o conteúdo do acto, com a precisão de quem domina a especialidade em causa e em termos que sejam acessíveis para este, de modo a que possa exercer eficazmente o contraditório através das reclamações que entenda fazer ao relatório pericial.

4 - Por isso, quando a Lei 45/2004, de 19/8 - que tem por objecto o estabelecimento do regime jurídico da realização das perícias médico-legais e forenses - no seu art 3º/1, exclui (e apenas no referente às perícias médico-legais solicitadas por autoridade judiciária ou judicial que sejam efectuadas nas delegações do Instituto ou nos gabinetes médico-legais), a possibilidade da parte se socorrer de consultor técnico (por ser a este que o art 155º CPP respeita), não está a excluir a possibilidade da parte se socorrer de assessor técnico nesses exames, mesmo que realizados no âmbito penal, e muito menos quando realizados no âmbito civil, matéria em que resulta expressamente permitido às partes que se possam fazer assistir por assessor técnico, salvo se a perícia for susceptível de ofender o pudor ou implicar quebra de qualquer sigilo que o tribunal entenda merecer protecção (art 480º/3 CPC).

5 – O direito da parte se poder socorrer de assessor técnico nos exames médico legais constitui manifestação do direito ao contraditório, na vertente a que se lhe refere o nº 3 do art 3º CPC – o da parte, devidamente esclarecida quanto aos aspectos técnicos do concreto exame médico-legal, poder influenciar o resultado do processo pela sindicância que venha a fazer ao relatório pericial.

Decisão Texto Integral:












Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I – Na acção declarativa, com processo comum, que C... e  M... intentaram contra L..., Companhia de Seguros, SA, esta, tendo sido notificada da data de realização de exame medico legal à pessoa do A., veio, nos termos e para efeito do art 480º/3 do CPC, indicar assessor técnico, procedendo à respectiva identificação.

A respeito desse requerimento foi proferido o seguinte despacho:

«Notificada da marcação da perícia médico-legal, pretende a ré a nomeação de assessor técnico, para acompanhar essa perícia. Cumpre decidir.

Em termos gerais, a possibilidade de as partes assistirem aos atos de inspeção integrantes da perícia fazendo-se assistir por assessor técnico está regulada no artigo 480º nº3 do Código de Processo Civil.

Tratando-se, especificamente, de perícia médico-legal, dispõe o artigo 3º, nº1, da citada Lei nº 45/2004 que tais perícias “solicitadas por autoridade judiciária ou judicial são ordenadas por despacho da mesma, nos termos da lei de processo, não sendo, todavia, aplicáveis às efetuadas nas delegações do Instituto ou nos gabinetes médico-legais as disposições dos artigos 154º e 155º do Código de Processo Penal”.

Estas disposições do processo penal relacionam-se com o consultor técnico, não sendo, assim, possível a assistência da parte por consultor.

E o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a questão de saber se a citada norma do regime jurídico das perícias médico-legais violava os direitos de defesa e o exercício do contraditório, havendo respondido negativamente.

Mais precisamente no Ac do TC nº 133/2007, de 27/2/2007, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Dr Pamplona de Oliveira, é dito que:

“(…) Não pode inferir-se directamente da Constituição a existência de um direito dos participantes processuais a acompanharem os exames  médico-legais, realizados  no âmbito do próprio Instituto Nacional de Medicina Legal, por si ou através dos consultores técnicos que os coadjuvem nas matérias técnico cientificas envolvidas na prova pericial.

 Ocorre, porém, perguntar se a Constituição consente ao legislador liberdade para moldar um regime específico quanto àquelas perícias que devem ocorrer no Instituto Nacional de Medicinal Legal, regime que é mais restritivo quanto ao direito de acompanhar a diligência que é conferido aos intervenientes processuais e, portanto, também ao arguido.

Mas a análise da evolução legislativa que esta matéria sofreu revela que não tem verdadeiro fundamento a alegação do recorrente quanto à não existência de "justificação razoável – técnica, científica ou processual – para essa limitação", omissão que, em seu entender, seria demonstrativa da natureza "desproporcionada e desnecessária" da solução legal.

É, pelo contrário, manifesto que a norma impugnada, ao introduzir uma distinção quanto às perícias médicas realizadas no Instituto Nacional de Medicina Legal, teve comprovadamente em conta que esta é uma instituição com natureza judiciária, cujos peritos, para além de abrangidos pelo segredo de justiça (como os demais), estão vinculados ao dever de sigilo profissional, e gozam de total autonomia técnico-científica, garantindo um elevado padrão de qualidade científica.

Ora, o Tribunal tem entendido que a proibição constitucional do arbítrio não afasta a possibilidade de a lei permitir distinções, desde que não se apresentem como desrazoáveis ou injustificadas (cfr. Acórdão n.º 189/2001, Ac.TC n.º 50 p. 285; Acórdão n.º 31/91 in DR II série, 25 de Junho de 1991), como é manifestamente o presente caso. (…)

Decorre claramente do que já se observou que o direito de nomear um consultor técnico permitido pelo artigo 155º do Código de Processo Penal, não é um direito conferido especificamente a título de "garantia de defesa", no seu sentido mais estrito: no decurso da prova pericial não impende sobre o arguido qualquer ónus de contradizer ou afirmar qualquer facto; não é atribuída qualquer eficácia ao acordo expresso ou tácito sobre factos não contraditados.

O que aqui vale, seguramente, é a busca da verdade material e da realização da justiça, do dever de investigação judicial autónoma da verdade, com independência e imparcialidade, embora sem excluir o auxílio das partes – artigo 340º n.º 1 do Código de Processo Penal – objetivo que representa uma das finalidades do processo penal. À autoridade judiciária incumbe rodear a produção de prova pericial das condições necessárias a que dela se retire a verdade material, processualmente válida. Ora, na decorrência desse grande objetivo do processo penal, o sistema português adotou um regime de perícia oficial – não contraditória – essencialmente disciplinado pelos artigos 152º n.º 1 e 154º n.º 1 do citado Código, no domínio da qual o perito é um perito do Tribunal, sujeito ao mesmo dever de imparcialidade e de busca da verdade material que oneram a atividade judiciária.

Esclarecida a verdadeira natureza da atuação dos participantes processuais neste âmbito, é mais fácil compreender que o direito do arguido de acompanhar a perícia através de um consultor técnico não constitui uma imperiosa exigência do princípio do contraditório. Com efeito, o princípio do contraditório, na sua caracterização mais rigorosa, corresponde a uma conceção próxima do direito de audiência e da oportunidade processual de influenciar, através da sua audição pelo Tribunal, o resultado do processo. Ora o exercício deste contraditório para os intervenientes processuais – e, portanto, também para o arguido –, resulta aqui do direito que a lei lhes confere de pedir esclarecimentos aos peritos, e até de requerer ao tribunal que determine a realização de nova perícia, ou a renovação da anterior.

Note-se que a lei exige que os peritos apresentem um relatório no qual mencionem e descrevam as suas respostas e conclusões "devidamente fundamentadas". É assim claro que, através dos pedidos de esclarecimento, o arguido pode verificar o método utilizado na recolha da prova e controlar as conclusões que dela os peritos retiraram; assim como lhe permite discutir o valor probatório que há de ser atribuído, no julgamento, às conclusões encontradas, como aliás, sucede em relação à generalidade dos meios de prova.

É certo que não pode nomear um consultor técnico para acompanhar a perícia médico-legal, no caso de esta se realizar no Instituto Nacional de Medicina Legal, diversamente do que sucede nos casos disciplinados pelo aludido artigo 155º do Código de Processo Penal. Todavia, as garantias acrescidas de qualidade técnica que são conferidas, somadas aos poderes que a lei garante ao arguido e que acabaram de se descrever, permitem concluir que este regime respeita as exigências do princípio do contraditório aplicado às provas (…).» 

Poder-se-á argumentar que a mencionada restrição à assistência por assessor técnico somente está prevista para o processo penal, sendo a citada norma do artigo 3º, nº1, omissa quanto ao processo civil.

Porém, nenhuma razão se vê para distinguir, quanto a esta questão, os dois tipos de processo, sendo certo que as razões apontadas pelo TC para a existência da norma em análise são igualmente válidas em sede de processo civil. Em suma, não há motivos para distinguir o que, substancialmente, não tem destrinça. Optar por solução diversa permitiria, claramente, subverter as regras do sistema: num caso em que estivéssemos perante factos integradores também da prática de crime, a parte lesada e potencial demandante cível, querendo fazer-se assistir por assessor técnico, tudo faria para desrespeitar o princípio da adesão e originar a remessa do pedido indemnizatório para os meios civis, a fim de aí fazer apelo ao artigo 480º, nº3, do Código de Processo Civil (sem a interpretação restritiva que dele se faz).

Tal não parece ser de admitir, não se vislumbrando a existência de qualquer justificação razoável para procedimentos diversos, em sede de perícia-médico legal, em função do tipo de processo.

Consequentemente, após ponderação de todo o exposto, entende-se que a referida exclusão da assessoria técnica, vertida no citado artigo 3º, nº1, se aplica também ao processo civil, afastando, essa norma expressa quanto às perícias-médico legais, a disciplina geral do artigo 480º, nº3, do Código de Processo Civil.

Indefere-se, por conseguinte, a pela ré pretendida assessoria técnica em sede de perícia a efetuar pelo INMLCF.

 Notifique».

II – É deste despacho que a R. apela, tendo concluído as respectivas alegações nos seguintes termos:

a) Nas perícias médico-legais – sempre realizadas no competente INML – a lei de processo civil prevê, explicitamente, a possibilidade das partes poderem assistir a realização da perícia e fazer-se assistir por assessor técnico.

b) Com efeito, o diploma que prevê o modo de realização da perícia médico-legal (Lei n.º45/2004, de 19/08) não tem qualquer norma que afaste o regime geral das perícias previsto no CPC, apenas referindo-se a inaplicabilidade dos artigos 154.º e 155.º do Código de Processo Penal, mas quanto ao processo civil é totalmente omisso.

c) Aliás, precisamente por se tratar de perícia singular, e não colegial, a realizar pelo estabelecimento oficial legalmente previsto – INML – é que tem mais sentido a assessoria técnica, já que as partes não podem nomear os seus peritos.

d) Enquanto o consultor técnico previsto no artigo 155 do CPP pode “propor a efetivação de determinadas diligências e formular observações e objeções, que ficam a constar do auto”, o assessor técnico apenas pode assistir a realização sem interferir na mesma.

e) Como se nota, a mesma Lei que impede a presença de consultor técnico admite a presença de pessoa de confiança da parte para a acompanhar e para assistir ao exame em processo-crime. Por maioria da razão e por uma questão e de igualdade das partes, mas em processo civil, a lei adjetiva admite que as partes possam assistir a realização da perícia como também fazerem-se assistir por assessor técnico.

Não foram produzidas contra alegações.

               III – A factualidade a ter em consideração emerge do acima relatado, em que se evidencia que, tendo sido designado data para realização de exame médico legal à pessoa do A., exame esse a realizar no Instituto Nacional de Medicina Legal, a R. seguradora, aqui apelante, procedeu à indicação de assessor técnico, invocando o disposto no nº 3 do art 480º CPC.

IV – Confrontadas as conclusões das alegações do recurso com a decisão recorrida – confronto de que resulta numa primeira linha o objecto do recurso – resulta que a questão a decidir é a de saber se à luz da segunda parte do nº 1 do art 3º da Lei 45/2004, de 19/8, se deve entender que no processo civil a parte não pode nomear assessor técnico para a acompanhar em perícia médico legal.

Dispõe o art 467º do CPC, no seu nº 3, que «as perícias médico-legais são realizadas pelos serviços médico-legais ou pelos peritos médicos contratados, nos termos propostos no diploma que as regulamenta.

Este diploma é a Lei 45/2004, de 19/8, que tem por objecto, como decorre do seu art 1º, o estabelecimento do regime jurídico da realização das perícias médico-legais e forenses.

Nessa Lei, refere o respectivo art 6º, no seu nº 3, que «o examinado pode, nos termos do disposto no artigo 155.º do Código de Processo Penal, com as necessárias adaptações, fazer-se acompanhar por pessoa da sua confiança para a realização do exame pericial».

E no art 3º/1, cuja interpretação está em causa no recurso, diz-se que «as perícias médico-legais solicitadas por autoridade judiciária ou judicial são ordenadas por despacho da mesma, nos termos da lei de processo, não sendo, todavia, aplicáveis às efectuadas nas delegações do Instituto ou nos gabinetes médico-legais as disposições contidas nos artigos 154.º e 155.º do Código de Processo Penal».

O que significa, num primeiro plano, que essa lei remete as perícias médico-legais para a (respectiva) «lei do processo»; e num segundo plano, que exclui a aplicação das disposições contidas nos arts 154º e 155º CPP, mas, note-se, apenas relativamente às perícias médico-legais que hajam de efectuar-se nas «delegações do Instituto ou nos gabinetes médico-legais».

Desconhece-se se é o caso do exame médico legal que está em referência – os elementos com que o presente recurso, que subiu em separado, vem instruído, não o permite conhecer com segurança – mas irá admitir-se que seja esse o caso.

Dispõe o referido art 155º CPP, sob a epígrafe “Consultores técnicos”: «1 -Ordenada a perícia, o Ministério Público, o arguido, o assistente e as partes civis podem designar para assistir à realização da mesma, se isso ainda for possível, um consultor técnico da sua confiança. 2- O consultor técnico pode propor a efectivação de determinadas diligências e formular observações e objecções, que ficam a constar do auto».

Esta é, tanto quanto se sabe, a única disposição do CPP que se refere ao consultor técnico. As demais desse mesmo Capítulo VI, atinente à Prova Pericial, referem-se aos peritos.

Daquela disposição legal e das que a rodeiam – que se referem, como se assinalou, aos peritos – é possível, por contraposição a estes, atribuir à figura do consultor técnico as seguintes características, tal como o faz o Ac RL de 27/2/2007 [1]: «O consultor técnico tem funções de fiscalização e de assessor da parte, que exerce assistindo à realização da perícia, com a possibilidade de intervir (art. 155.º, n.º 2) e de ser ouvido em audiência (art. 350.º), mas não participando na elaboração do relatório pericial (art. 157.º), razão por que a sua intervenção não belisca a independência técnico-científica do perito. Ao consultor técnico não é aplicável o regime de impedimentos, recusas e escusas, previsto para os peritos (arts. 153.º, nºs 1 e 2, e 47.º), nem está obrigado a compromisso ou juramento (art. 91.º, a contrario), não podendo a sua intervenção ser vetada pela entidade incumbida da perícia, já que a lei não coloca qualquer restrição à respectiva escolha, antes consagrando a figura do consultor técnico como sendo da estrita confiança pessoal de quem o indica».

Por sua vez, resulta do nº 3 do art 480º CPC, inserido na Secção que respeita à realização da perícia, que «As partes podem assistir à diligência (ao acto inspectivo) e fazer-se assistir por assessor técnico, nos termos previstos no art 50º, salvo se a perícia for susceptível de ofender o pudor ou implicar quebra de qualquer sigilo que o tribunal entenda merecer protecção».

O art 50º, para que o art 480º CPC remete, estipula, sob a epígrafe “Assistência técnica aos advogados”, que «Quando no processo se suscitem questões de natureza técnica para as quais não tenha a necessária preparação, pode o advogado fazer-se assistir, durante a produção da prova e a discussão da causa, de pessoa dotada de competência especial para se ocupar das questões suscitadas», acrescentando o nº 4 dessa norma que, «Em relação às questões para que tenha sido designado, o técnico tem os mesmos direitos e deveres que o advogado, mas deve prestar o seu concurso sob a direcção deste e não pode produzir alegações orais».

A interpretação que o Exmo Juiz a quo apelida de restritiva desta norma (do art 480º CPC) pressupõe – para alem da prévia conclusão de que se esteja perante perícia médico-legal a ser realizada nas delegações do instituto ou nos gabinetes médico-legais - que a figura de consultor técnico se equivale em todos os seus contornos à figura de assessor técnico.

Mas, na verdade, das acima referidas normas do CPP, e destas do CPC, não resulta a sobreposição das duas figuras mas, quando muito, que o consultor técnico será um assessor técnico com (muitos) mais poderes que este. 

Com efeito, e desde logo, se as figuras se equivalessem, a terminologia utilizada no CPP e o CPC seria a mesma e não ali a de «consultor técnico» e aqui a de «assessor técnico».

Uma e outra figura comungam apenas da circunstância de ambas deverem assistir ao acto inspectivo, mas enquanto o consultor tem poderes para intervir nesse acto, relacionando-se no mesmo com os peritos, os advogados e até com o juiz, podendo sugerir a realização de diligências e formular observações e objecções (que ficam a constar do auto), os assessores, presenciando o acto, não intervêm nele e relacionam-se apenas com a (parte e o seu) advogado. Por isso, a assistência de um e outro ao acto inspectivo é diferente: ali é activa, aqui é passiva.

Assim, no contexto em que nos movemos, as funções do assessor técnico -  que será, obviamente, um médico da especialidade requerida pelo exame - implicam que o mesmo funcione junto da parte que o nomeou como se de um “intérprete” se tratasse relativamente ao conteúdo do acto inspectivo: a sua intervenção no acto do exame destina-se a traduzir e transmitir ao advogado da parte o conteúdo do mesmo com a precisão de quem domina a especialidade em causa e em termos que sejam acessíveis para este, de modo que o mesmo possa mais eficazmente exercer o contraditório através das reclamações que futura e eventualmente venha a fazer ao relatório pericial.

Utilizando a terminologia a que se reporta o art 492º CPC (que se refere, em sede de inspecção judicial, à intervenção de técnico que coadjuve o juiz nesse acto), o assessor técnico, em função da competência específica para a matéria que esteja em causa, elucidará «sobre a averiguação e interpretação dos factos».  

Trata-se afinal de uma das vertentes da assistência técnica a que alude em sede de patrocínio judiciário o acima transcrito art 50º/1 CPC e que permite que se diga -  e são palavras de  Castro Mendes  [2] - que o assistente técnico é «um mandatário judicial limitado e especial».

Operada a distinção entre consultor técnico e assessor técnico nos termos que antecedem, dever-se-á concluir que sem razões substanciais que não estão aqui em causa, não poderá negar-se à parte – sequer, crê-se, em processo penal, e pese embora a norma do art 3º/1 da L 45/2004 - o direito a ser coadjuvada por assessor técnico em perícia médico legal [3].

Esse direito constitui, afinal, uma aplicação do princípio do contraditório na vertente a que se lhe refere o nº 3 do art 3º CPC – a da parte, devidamente esclarecida quanto aos aspectos técnicos do concreto exame médico-legal, poder influenciar o resultado do processo pela sindicância que venha a fazer ao relatório pericial.

A interpretação que o Exmo Juiz a quo fez do nº 1 do art 3º da Lei 45/2004, de 19/8[4], salvo o devido respeito, põe em causa princípios fundamentais da interpretação das normas jurídicas, desde logo o do art 9º/3 do C, onde se afirma que na fixação do sentido e alcance da lei o intérprete presumirá que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados[5], e o de que onde a lei não distingue, não cabe ao intérprete distinguir.

Conclui-se deste modo pela procedência da apelação, devendo ser revogado o despacho recorrido.

Em conclusão:

1 -Se a figura de consultor técnico e a de assessor se equivalessem a terminologia utilizada no CPP (art 155º) e no CPC (art 480º/3) seria, decerto, a mesma, e não ali a de «consultor técnico», e aqui a de «assessor técnico».

2- Quer o consultor quer o assessor técnico devem assistir ao acto inspectivo, mas enquanto o consultor tem poderes para intervir nesse acto, relacionando-se no mesmo com os peritos, os advogados e até com o juiz, podendo sugerir a realização de diligências e formular observações e objecções, que ficam a constar do auto, o assessor, presenciando o acto, não intervém nele e relaciona-se apenas com a parte e o seu advogado. A assistência de um e outro ao acto inspectivo é diferente - ali é activa, aqui é passiva.

3- As funções do assessor técnico - que será um médico da especialidade requerida pelo exame - implicam que o mesmo funcione junto da parte que o nomeou como se de um “intérprete” se tratasse relativamente ao conteúdo do acto inspectivo: a sua intervenção destina-se a traduzir e transmitir ao advogado da parte o conteúdo do acto, com a precisão de quem domina a especialidade em causa e em termos que sejam acessíveis para este, de modo a que possa exercer eficazmente o contraditório através das reclamações que entenda fazer ao relatório pericial.

4- Por isso, quando a Lei 45/2004, de 19/8 - que tem por objecto o estabelecimento do regime jurídico da realização das perícias médico-legais e forenses - no seu art 3º/1, exclui (e apenas no referente às perícias médico-legais solicitadas por autoridade judiciária ou judicial que sejam efectuadas nas delegações do Instituto ou nos gabinetes médico-legais), a possibilidade da parte se socorrer de consultor técnico (por ser a este que o art 155º CPP respeita), não está a excluir a possibilidade da parte se socorrer de assessor técnico nesses exames, mesmo que realizados no âmbito penal, e muito menos quando realizados no âmbito civil, matéria em que resulta expressamente permitido às partes que se possam fazer assistir por assessor técnico, salvo se a perícia for susceptível de ofender o pudor ou implicar quebra de qualquer sigilo que o tribunal entenda merecer protecção (art 480º/3 CPC).

 5 – O direito da parte se poder socorrer de assessor técnico nos exames médico legais constitui manifestação do direito ao contraditório, na vertente a que se lhe refere o nº 3 do art 3º CPC – o da parte, devidamente esclarecida quanto aos aspectos técnicos do concreto exame médico-legal, poder influenciar o resultado do processo pela sindicância que venha a fazer ao relatório pericial.

V – Pelo exposto, acorda este Tribunal em julgar procedente a apelação, revogando o despacho recorrido e determinando que seja deferido o requerido pela R. seguradora, permitindo-se a presença durante o exame médico-legal na pessoa do A. do assessor técnico por ela indicado.

Sem custas.

Coimbra, 28/11/2018

Maria Teresa Albuquerque

Manuel Capelo

Falcão de Magalhães


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[1] - Proc nº 9794/2006-5 , referente a matéria penal,  Relator, Vieira Lamim, acórdão acessível em www.dgsi.pt
[2] - «Direito Processual Civil» II, p 164
[3]- Relativamente ao processo de trabalho, e estando em causa o exame por junta médica a que alude o art 139º/1 CPT, a questão da assessoria técnica nesse exame pode colocar-se em termos diferentes, por desde logo estar em causa a própria presença do advogado da parte examinanda - cfr Ac RL 10/10/2012 (Leopoldo Soares) e respectivo voto de vencido, Ac R E 15/3/2011 (João Luís Nunes) Ac RP 1/3/2010 (Fernanda Soares); cfr também Ac R P 3/11/2014 (Rui Penha) este no sentido da admissibilidade do assessor técnico no exame médico singular realizado em processo de acidente de trabalho e no seu incidente de revisão.   
[4] -Cuja parte final, pese embora o Ac T Constitucional a que o tribunal a quo faz referência, é tida por Paulo Pinto de Albuquerque, in «Comentário ao Código de Processo Penal», UCP, 2007, p 439, como inconstitucional, por encurtamento das garantias de defesa e da garantia do processo equitativo
[5]- Neste sentido, Ac R L 9/5/2013, (Pedro Martins) in www.dgsi.pt