Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
225/12.6TAACN.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS RAMOS
Descritores: CRIME CONTINUADO
PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
ABUSO DE CONFIANÇA CONTRA A SEGURANÇA SOCIAL
Data do Acordão: 12/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ALCANENA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS 5.º E 105.º, N.º 4, DO RGIT; ART. 119.º DO CP
Sumário: I - O crime de abuso de confiança em relação à segurança social é um crime omissivo e como tal, considera-se praticado na data em que terminou o prazo para o cumprimento dos respectivos deveres tributários (art.º 5º, nº 2).

II - Estando em causa um crime continuado (de abuso de confiança contra a segurança social), o prazo de prescrição do respectivo procedimento criminal só corre desde o dia da prática do último acto (artº 119º, nº 2, alínea b), do Código Penal).

III - O disposto no artº 105º, nº 4, alíneas a) e/ou b), constituindo condições objectivas de punibilidade, em nada interfere no decurso do prazo de prescrição do procedimento criminal que, nos crimes de abuso de confiança contra a segurança social, se inicia na data em que o crime se consumou.

Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

Por sentença proferida nos autos supra identificados, o tribunal proferiu a seguinte decisão:
“Pelo exposto, tudo visto e ponderado:
A) No que concerne à parte criminal:
1. Declaro extinto por prescrição o procedimento criminal relativamente ao arguido A....
2. Declaro extinto por prescrição o procedimento criminal relativamente à arguida B..., Lda..
B) No que concerne à parte civil:
1. Julgo procedente a excepção da prescrição invocada e, em consequência, absolvo os demandados/arguidos do pedido.”

Inconformado com o decidido, o Ministério Público interpôs recurso no qual apresentou as seguintes conclusões (transcrição):

“Conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos autos que considerou extinto o procedimento criminal por considerar que, à data da constituição como arguidos da B..., Lda e A..., tinham já decorrido 5 anos (prazo de prescrição aplicável in casu) sem que tivesse ocorrido qualquer outra causa de interrupção ou de suspensão da prescrição do procedimento criminal;

2. O Ministério Público não se conforma com tal decisão pois considera que a condição objectiva de punibilidade a que alude o art. 105.°, n.º 4 alínea a) do RGIT impõe que se considere que, no decurso desse prazo, a prescrição do procedimento criminal se encontra suspensa por força do estatuído no art. 120.°, n.º 1 alínea a) do Código Penal;

3. De facto, embora, como bem refere a sentença recorrida, tal prazo não tenha qualquer influência ao nível da consumação do crime já o mesmo não se poderá dizer ao nível da contagem do prazo de prescrição do procedimento criminal;

4. Na verdade, enquanto não ti ver decorrido esse prazo não se poderá responsabilizar criminalmente os agentes do crime, o que poderá nunca chegar a suceder se repuserem a verdade tributária;

5. Ora, se não é possível, nesse período, responsabilizar criminalmente os agentes do crime teremos de considerar que legalmente não é possível iniciar o procedimento criminal;

6. Assim, impõe-se que se considere que, nesse período, o prazo de prescrição do procedimento criminal se encontra suspenso, só se iniciando a contagem de tal prazo no 91.° posterior ao termo do prazo legal para entrega da prestação tributária;

7. No caso concreto teremos de considerar que o prazo de prescrição esteve suspenso desde 15-10-2007 até 15-01-2008.

8. Logo, quando os agentes do crime foram constituídos arguidos (causa de interrupção da prescrição), em 22-10-2012, não se encontrava prescrito o procedimento criminal que no caso vertente se fixa em 5 anos;

9. Ao não considerar o prazo de prescrição suspenso no período compreendido entre 15-10-2007 e 15-01-2008 violou o Tribunal a quo o disposto no art. 105.°, n.º 4 alínea a) do RGIT e 120.°, n.o 1 alínea a) do Código Penal.

10. Face ao exposto pugna-se pela revogação da sentença recorrida e pela sua substituição por outra que considere que o procedimento criminal não se encontra prescrito e que condene os arguidos em conformidade.”

O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.

Não houve resposta.

Nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela procedência do recurso.

No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal não houve resposta.

Os autos tiveram os legais vistos após o que se realizou a conferência.

Cumpre conhecer do recurso

Constitui entendimento pacífico que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto e o âmbito dos mesmos, excepto quanto àqueles casos que sejam de conhecimento oficioso.

É dentro de tal âmbito que o tribunal deve resolver as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras)[[1]].

Cumpre ainda referir que é também entendimento pacífico que o termo “questões” a quer se refere o artº 379º, nº 1, alínea c., do Código de Processo Penal, não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entende-se por “questões” a resolver, as concretas controvérsias centrais a dirimir[[2]].

Questão a decidir: Prescrição do procedimento criminal

Na 1.ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade (transcrição):

1. A sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada B..., Lda., encontra-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Alcanena sob o número (...), com o CAE Principal 72600 - Rev. 2, possui o número de identificação da Segurança Social (...) e tem por objecto social a actividade de artes gráficas e de impressões, tendo a sua sede na Rua (...), área do Concelho e Comarca de Alcanena.

2. O Arguido A... é, desde 09 de Fevereiro de 1990, sócio e gerente da sociedade comercial arguida B..., Lda., sendo o responsável e exercendo as funções gestão e de administração quotidiana que aquele estabelecimento requer, designadamente, o pagamento de salários e contribuições fiscais; a dedução e pagamento das cotizações devidas à Segurança Social.

3. No período de tempo compreendido entre Abril de 2003 a Setembro de 2007, no exercício da sua actividade, a sociedade teve sob a sua dependência laboral trabalhadores por conta de outrem, mediante o pagamento de retribuição mensal que, nessa qualidade, estavam sujeitos à retenção na fonte das contribuições que deviam mensalmente ser entregues à Segurança Social.

4. No exercício das suas funções, impendia sobre o Arguido A..., a obrigação de, em nome da sociedade arguida, reter no acto de pagamento das remunerações mensais aos trabalhadores por sua conta as cotizações legais a entregar à Segurança Social, montantes esses que, bem sabia, pertenciam à Segurança Social e a ela deveriam ser entregues.

5. No período de tempo compreendido entre Abril de 2003 a Setembro de 2007, em que os salários dos trabalhadores foram pagos regularmente, o arguido A... e a sociedade comercial arguida, por intermédio do primeiro, entregaram as correspondentes folhas de remunerações destinadas a mencioná-los, tendo descontado dos salários pagos aos seus trabalhadores as contribuições devidas por estes à Segurança Social, quer relativamente ao regime geral, quer no que respeita ao regime dos membros dos órgãos estatutários, conforme a lei obriga.

6. Apesar de terem descontado tais contribuições, os Arguidos não as entregaram à Segurança Social, nos prazos legais, nem posteriormente.

7. Nesta conformidade, o arguido A... e a sociedade arguida, por intermédio daquele, retiveram as respectivas cotizações legais e não as entregaram à Segurança Social, nos períodos e montantes que infra se discriminam:

Ano e MêsContribuições não entregues à Segurança Social
Abril de 2003€ 142,16

€ 491,13

Maio de 2003€ 142,16

€ 476,77

Junho de 2003€ 284,32

€ 1.041,90

Julho de 2003€ 142,16

€ 437,75

Agosto de 2003€ 142,16

€ 397,11

Setembro de 2003€ 142,16

€ 421,77

Outubro de 2003€ 142,16

€ 471,27

Novembro de 2003€ 142,16

€ 489,04

Dezembro de 2003€ 284,31

€ 919,71

Janeiro de 2004€ 129,03

€ 472,99

Fevereiro de 2004€ 473,07

€ 461,25

Março de 2004€ 461,25
Abril de 2004€ 490,19
Maio de 2004€ 486,77
Junho de 2004€ 471,42
Julho de 2004€ 975,31
Agosto de 2004€ 589,81
Setembro de 2004€ 432,11
Outubro de 2004€ 485,67
Novembro de 2004€ 442,85
Dezembro de 2004€ 914,76
Janeiro de 2005€ 463,61
Fevereiro de 2005€ 482,59
Março de 2005€ 511,45
Abril de 2005€ 501,21
Maio de 2005€ 593,15
Junho de 2005€ 1.091,32
Julho de 2005€ 613,69
Setembro de 2005€ 613,69
Outubro de 2005€ 142,16

€ 637,82

Novembro de 2005€ 142,16

€ 539,36

Dezembro de 2005€ 184,84

€ 1.232,75

Fevereiro de 2006€ 149,30

€ 647,78

Março de 2006€ 149,30

€ 639,67

Abril de 2006€ 149,30

€ 646,74

Maio de 2006€ 149,30

€ 656,70

Junho de 2006€ 149,30

€ 765,97

Julho de 2006€ 149,30

€ 1.020,91

Agosto de 2006€ 149,30

€ 634,05

Setembro de 2006€ 298,60

€ 744,30

Outubro de 2006€ 149,30

€ 580,05

Novembro de 2006€ 149,30

€ 639,04

Dezembro de 2006€ 298,60

€ 1.312,33

Janeiro de 2007€ 149,30

€ 647,93

Fevereiro de 2007€ 149,30

€ 647,50

Março de 2007€ 149,30

€ 650,55

Abril de 2007€ 149,30

€ 655,44

Maio de 2007€ 149,30

€ 646,72

Junho de 2007€ 149,30

€ 654,61

Julho de 2007€ 298,60

€ 1.049,57

Agosto de 2007€ 149,30

€ 531,85

Setembro de 2007€ 1.412,53

8. O montante global das contribuições descontadas e retidas pelos arguidos foi de € 39.903,37 (trinta e nove mil, novecentos e três euros e trinta e sete cêntimos).

9. As quantias supra referidas deveriam ter dado entrada nos serviços da Segurança Social até ao dia 15 (quinze) do mês seguinte àquele a que diziam respeito ou nos 90 (noventa) dias seguintes ao termo legal de pagamento.

10. Porém, apesar de saberem que estavam legalmente obrigados a fazê-lo, os Arguidos não entregaram as mesmas à Segurança Social, nem naquela data, nem nos 90 (noventa) dias subsequentes.

11. Os Arguidos foram notificados pelo Instituto da Segurança Social, nos termos e para os efeitos previstos no art. 105, n.º 4, alínea b), do RGIT, de que poderiam proceder, no prazo de trinta dias, a contar da data da notificação, ao pagamento das quantias em dívida, acrescidas dos acréscimos legais e respectiva coima e dessa forma, se extinguiria o procedimento criminal.

12. Contudo, até agora, os Arguidos não pagaram as mencionadas quantias.

13. Os Arguidos agiram de forma livre, voluntária e conscientemente, com intenção de descontar e reter aquelas cotizações obrigatórias e que eram devidas à Segurança Social, fazendo-as integrar no património da sociedade arguida, bem sabendo que não lhes pertenciam e que tinham que as entregar à Segurança Social, nos prazos legais, pois a sociedade comercial arguida era apenas sua fiel depositária, tendo agido da forma supra descrita contra a vontade da Segurança Social.

14. Os Arguidos actuaram da forma supra descrita, movidos pela facilidade com que sucessivamente lograram concretizar os seus intentos, pois que após não terem entregue os montantes referentes às contribuições do mês de Abril de 2003, não entregaram as prestações subsequentes acima referidas, em virtude do Instituto da Segurança Social não os ter entretanto inspeccionado, criando ao longo desse período de tempo e em cada um deles a convicção de que as suas condutas criminosas tinham sido bem sucedidas e permaneciam impunes, convencimento que só veio a ser interrompido com a acção de inspecção que lhes foi efectuada pelos serviços competentes do Instituto da Segurança Social.

15. Os Arguidos actuaram bem sabendo serem as suas condutas proibidas e punidas por lei.

16. A notificação dos Arguidos pelo Instituto da Segurança Social, nos termos e para os efeitos previstos no art. 105, n.º 4, alínea b), do RGIT, referida no facto nº 11, ocorreu em 22.10.2012.

17. A... e B..., Lda. foram constituídos arguidos em 22.10.2012.

18. O arguido A... está reformado beneficiando de 820€ mensais a título de reforma.

19. A sua pensão de reforma está penhorada pelo que apenas recebe 540€ mensais.

20. Tem dois filhos com 20 e 22 anos, economicamente independentes.

21. Reside em casa dos pais contribuindo com a quantia mensal de 150€ .

22. Tem o 6º ano de escolaridade.

23. Do seu certificado de registo criminal constam as seguintes condenações:

a) Por sentença proferida em 24.06.2003, o arguido foi condenado pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 80 dias de multa à razão diária de 5€ e na pena acessória de 3 meses de inibição de conduzir (processo nº 419/03.5GAVNO, do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Ourém). Esta pena foi declarada extinta pelo cumprimento.

b) Por sentença proferida em 23.06.2010, o arguido foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 150 dias de multa à razão diária de 8€ (processo nº 44/03.0TAACN, do Tribunal Judicial de Alcanena). Esta pena foi declarada extinta pelo cumprimento.

24. A arguida B..., Lda. foi declarada insolvente em 16.07.2009.

25. Do seu certificado de registo criminal consta a seguinte condenação:

a) Por sentença proferida em 23.06.2010, a arguida foi condenada pela prática de um crime de abuso de confiança contra a Segurança Social, na pena de 150 dias de multa à razão diária de 5€ (processo nº 44/03.0TAACN, do Tribunal Judicial de Alcanena). Esta pena foi declarada extinta pelo cumprimento.

Quanto à factualidade não provada, consignou-se (transcrição):

B.Factos não provados

Não resultou provado:

a) O arguido A... e a sociedade arguida, por intermédio daquele, retiveram as cotizações e não as entregaram à Segurança Social, nos períodos e montantes que infra se discriminam:

Ano e Mês Contribuições não entregues à Segurança Social
Novembro de 2007 € 128,64

 b) O arguido A... integrou no seu património [pessoal] as cotizações retidas.

*+*+*+*

A questão que é colocada neste recurso prende-se com o facto de o Ministério Público considerar que, ao contrário do tribunal “a quo”, o procedimento criminal não prescreveu.

Não tem razão o recorrente.

Com efeito, embora não estejamos perante uma posição jurisprudencial pacífica, parece-nos que a posição do tribunal recorrido é a que se mostra consentânea com a letra e o espírito da lei.

Explicando:

Os arguidos vinham acusados da prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, na forma continuada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 107.º, n.º 1 e 105.º, n.º 1 do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 15 de Junho, com referência ao artigo 7.º, nº 1, no que diz respeito à pessoa colectiva, a que corresponde prisão até 3 (três) anos.

Assim, atento o disposto no art.º 21º, é de 5 (cinco) anos o prazo de prescrição do procedimento criminal (n.º 1), sendo que o mesmo se interrompe e suspende nos termos estabelecidos no Código Penal (n.º 4).

O crime de abuso de confiança em relação à segurança social é um crime omissivo (o arguido reteve o valor das contribuições descontadas nos salários dos trabalhadores e dos corpos sociais da sociedade arguida, da qual é gerente e não o entregou à Segurança Social, como era sua obrigação) e como tal, considera-se praticado na data em que terminou o prazo para o cumprimento dos respectivos deveres tributários (art.º 5º, nº 2).

Estando em causa um crime continuado (de abuso de confiança contra a segurança social), o prazo de prescrição do respectivo procedimento criminal só corre desde o dia da prática do último acto (artº 119º, nº 2, alínea b., do Código Penal).

Perante a factualidade dada como provada, temos que concluir que, sendo a última retenção referente ao mês de Setembro de 2007, a sua entrega à segurança social deveria ter ocorrido em 15 de Outubro — art.ºs 5.º, n.ºs 2 e 3 do Decreto-Lei nº 103/80, de 9 de Maio e artigo 10.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 199/99, de 08 de Junho — do mesmo ano, o que não aconteceu, ou seja, é esta a data do último acto criminoso.

Aqui chegados, coloca-se a questão de saber se é a partir desta data que começa a correr o prazo de prescrição, ou se é a partir de 13 de Janeiro ou de 12 de Fevereiro de 2008, por aplicação do disposto no artº 105º, nº 4, alíneas a. e/ou b.

Entendemos que é a partir da primeira data, ou seja, a partir de 15 de Outubro de 2007.

Explicando:

É pacífico que a alínea a., do nº 4 constitui uma condição objectiva de punibilidade, e, como se diz no acórdão de fixação de jurisprudência nº 6/2008 de 9 de Abril de 2008, a propósito da alínea b., “as condições objectivas de punibilidade são, assim, circunstâncias que se situam fora do tipo de ilícito e da culpa e de cuja presença depende a punibilidade do facto, ou seja, são um pressuposto para que o actuar anti jurídico importe consequências penais. São condições em que uma ponderação das finalidades extrapenais tem prioridade em face da necessidade da pena. Uma vez que não pertencem ao tipo não se requer que sejam abrangidas nem pelo dolo nem pela negligência, A aparição das condições objectivas de punibilidade é indiferente para o lugar e tempo do facto.”

Ora, não sendo aqueles prazos elemento do tipo, mas sim condição objectiva de punibilidade, temos de concluir que, como é entendido no Acórdão da Relação de Lisboa de 24 de Fevereiro de 2010, “sendo uma condição objectiva de punibilidade que não impede que possa ser exercida a acção penal, apenas impede que possa ter lugar a punição, em nada interfere no decurso do prazo de prescrição do procedimento criminal que, nos crimes de abuso de confiança contra a segurança social se inicia na data em que o crime se consumou, isto é, na data em que nos termos do nº 2 do art.º 5º do RGIT terminou o prazo para o cumprimento da entrega das contribuições à segurança social.”[[3]]

Acresce que a situação prevista na alínea a. (ou na alínea b., se for o caso) também não pode ser considerada uma causa de suspensão da prescrição uma vez que, não só não está “especialmente prevista” na lei como tal, como não se integra em qualquer uma das alíneas do n.º 1, do art.º 120º do Código Penal.

Assim, respeitando a última contribuição retida ao mês de Setembro de 2007 e devendo por isso ter sido entregues à segurança social até 15 de Outubro do mesmo ano, temos que concluir que a prescrição do procedimento criminal se iniciou nesta desta data.

Nesta conformidade, uma vez que é de cinco anos o prazo de prescrição do crime imputado (art.º 21º do RGIT) e que não ocorreu qualquer causa de suspensão ou de interrupção da prescrição (respectivamente, art.ºs 120º e 121º do Código Penal), temos de concluir que a constituição de arguido em 22 de Outubro de 2012 ocorreu já depois de se encontrar prescrito o procedimento criminal, o que aconteceu em 15 de Outubro de 2012.

Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso.

Sem tributação.

Coimbra, 17 de Dezembro de 2014

(Luís Ramos – relator)

(Olga Maurício - adjunta)


[1] Neste sentido, v.g., Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 23 de Maio de 2012 (acessível in www.dgsi.pt, tal como todos os demais arestos citados neste acórdão cuja acessibilidade não esteja localmente indicada).
[2] “(…) quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista. O que importa é que o tribunal decida a questão posta, não lhe incumbindo apreciar todos os fundamentos ou razões em que as partes se apoiam para sustentar a sua pretensão” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 2011.
[3] Se assim não se entendesse, dado o paralelismos das alíneas a. e b.,, deparar-nos-íamos com uma situação de iniquidade gritante: o agente que comunicasse a prestação à administração e que, embora notificado para efeitos da alínea b., não pagasse, veria o procedimento criminal começar a correr só após o prazo ali estipulado, ou seja, pelo menos trinta dias depois daquele que nem sequer se dera ao trabalho de o fazer, quando sabemos que este se enquadra normalmente na categoria de relapsos renitentes, que tentam escapar a todo o custo aos seus deveres tributários.