Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
412/05.3TBCNT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
CONCESSIONÁRIO
AUTO-ESTRADA
ESCOAMENTO DE ÁGUAS
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 03/12/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CANTANHEDE - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.325, 326, 483, 498, 563, 1305, 1347, 1348 CC
Sumário: 1. Do n.º 1, da Base XLIX, do DL n.º 294/97, de 24-10, que regulamenta a concessão pelo Estado Português da construção, conservação e exploração de auto-estradas à BRISA - Auto-Estradas de Portugal, S. A., resulta que serão da inteira responsabilidade da concessionária todas as indemnizações que, nos termos da lei, sejam devidas a terceiros em consequência de qualquer actividade decorrente da concessão.

2. A expressão nos termos da lei tem sido entendida como uma remissão em bloco para o regime da responsabilidade civil, e, portanto, da inexistência de um regime especial ou excepcional no domínio da responsabilidade da concessionária.

3. Tratar-se-á, então, de responsabilidade civil subjectiva, por factos ilícitos e culposos, da responsabilidade pelo risco ou objectiva, previstas no artigo 483.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil, ou da responsabilidade por factos lícitos.

4. A responsabilidade da Brisa pelos prejuízos que da construção das auto-estradas advenham para os proprietários dos terrenos vizinhos mercê do deficiente escoamento das águas, enquadra-se no disposto no artigo 1347.º do CC.

5. Tratando-se de responsabilidade objectiva, provado o prejuízo, a mesma constitui-se na obrigação de indemnizar o lesado, ainda que tenha procedido sem culpa.

6. Tendo havido reconhecimento tácito do direito do lesado, através de comportamento concludente do lesante no sentido de inculcar naquele a ideia de que vai proceder à resolução dos efeitos nocivos decorrentes da construção, o prazo prescricional de 3 anos interrompe-se e só começa a correr desde o último acto interruptivo.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

1. CÂMARA MUNICIPAL DE CANTANHEDE, em representação do Município de Cantanhede, instaurou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra BRISA, Auto-Estradas de Portugal, S.A., pedindo que a Ré seja condenada a reconhecer que as obras da A-14 provocaram os problemas que mencionou na petição inicial, e em consequência seja condenada a realizar as obras necessárias à eliminação daqueles, ou na alternativa de pagar à Autora uma indemnização nas indicadas quantias de €39.195,16 pelas obras de Ançã e de €115.637,50, pelas obras de Portunhos, sendo que estas poderão ser no valor de €190.550,50, ou então pagar à autora o que se liquidar em execução de sentença, tudo com juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento.

Em fundamento, alegou, que:

A Ré mandou construir a auto-estrada A-14, mas no sub-lanço Santa Eulália/Coimbra-Norte foi realizada a drenagem de águas pluviais sem a necessária averiguação das condições de escoamento das linhas de água que as recebem, havendo várias deficiências nesse escoamento, provocando assoreamento de valas e terrenos, além de a obra ter implicado a impermeabilização de terrenos agrícolas e florestais, que antes absorviam parte da precipitação das águas pluviais e apesar de haver por isso um aumento de caudal das águas de 20% a 30% nas bacias atravessadas pela A-14, com aumento da velocidade de escoamento, não há bacias de escoamento ao longo da auto-estrada e respectivos acessos, gerando tal situação diversos prejuízos em vários zonas do concelho de Cantanhede, designadamente o assoreamento de culturas, vinhas, pomares e valas de drenagem, queda de muros, danificação de caminhos, inundações de estradas, de habitações e de currais – com morte de gado nestes, ocorrências que poderiam ser solucionadas com obras adequadas, as quais foram indicadas pela autora, que realizou estudos técnicos para esse efeito.

A fim de alcançar um acordo sobre o assunto, em 8/1/2002 foi realizada uma reunião entre a Autora e a Ré, representadas por vários técnicos, onde participaram técnicos de outras entidades e em 15/1/2002 houve nova reunião com as mesmas pessoas e ainda com um engenheiro representante da Ré, onde se acordou a colaboração entre Autora e Ré para resolver os ditos problemas, fazendo-se um estudo hidrográfico das zonas afectadas, seguindo-se nova reunião em 23/4/2003, onde participaram representantes das Juntas de Freguesia de Portunhos e Ançã, resultando dessas reuniões o compromisso de a Ré estudar e projectar a drenagem das águas pluviais da A-14 nas zonas de Ançã e Portunhos e posteriormente executar as obras no Inverno seguinte.

Todavia, feito o estudo pela Ré, esta nunca chegou a executar qualquer trabalho no terreno, havendo necessidade de fazer as obras, que importavam na zona de Ançã em €39.195,16 e na zona de Portunhos em €115.637,50, havendo quanto a esta a alternativa de construção de um colector rectangular que custava €190.550,50.

Nos termos da legislação aplicável à Ré, como concessionária de auto-estradas, a mesma é responsável pela indemnização dos prejuízos aplicando-se o artigo 483.º do Código Civil[1], justificando-se ainda a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória nos termos do artigo 829.º-A, n.º 1, do mesmo diploma, que force a ré a cumprir as obrigações em que for condenada, a qual deve ser fixada em €100 por cada dia de atraso nas obras necessárias para eliminar os problemas referidos.

2. Regularmente citada, a ré contestou nos termos que fazem fls. 165 a 190 dos autos.

Em primeiro lugar, requerendo a intervenção da empresa J ... & Companhia, S.A., e da seguradora Companhia de Seguros L ..., S.A., alegando, em síntese, que:

Se forem provados os prejuízos invocados pela Autora, imputando-se os mesmos à Ré, serão eventualmente também da responsabilidade das chamadas, da J ... & Companhia, S.A., como empreiteira, em virtude do contrato celebrado com a Ré para a realização das obras da auto-estrada e tendo sido ali convencionado que a empreiteira deveria segurar a empreitada em seu nome e no da ré, o que foi feito, conforme apólice comprovativa do seguro efectuado por aquela empresa chamada com a Companhia de Seguros L ..., S.A., também chamada, devendo proceder o incidente de intervenção principal provocada das duas chamadas, nos termos dos artigos 325º a 329º do Código de Processo Civil[2].

Depois, por excepção, defendendo-se com a prescrição do direito de indemnização invocado pela Autora, pedindo para ser absolvida do pedido, face ao artigo 493.º, n.º 3, do CPC, pois a Autora teve conhecimento do seu direito pelo menos em 16/11/2001 e a Ré foi citada em 21/3/2005, passado o prazo de 3 anos previsto no artigo 498.º, n.º 1, do CC, que começa quando o direito puder ser exercido, dos termos do artigo 306.º, n.º 1, do mesmo diploma.

Mais invocou o disposto nos artigos 328.º, n.º 1, 323.º, n.º 4 e 325.º, n.º 1, daquele Código, para dizer não ter havido qualquer reconhecimento do eventual direito da Autora, só se interrompendo a prescrição com algum acto judicial que dê a conhecer ao devedor a pretensão indemnizatória.

Finalmente, por impugnação, afirmou que a obra da auto-estrada respeitou os projectos e as regras técnicas, sendo fiscalizada pela JAE e sendo a autora e terceiros os únicos responsáveis pelos danos alegados, havendo construções particulares, obras agrícolas e caminhos camarários que prejudicam o escoamento das águas através das suas linhas naturais, nem havendo adequada limpeza dessas linhas de água, pelo que, havendo assoreamentos, são devidos a isso e não à obra da auto-estrada, que não causou impermeabilizações nos graus indicados pela Autora.

Concluiu pedindo a citação das referidas chamadas, a procedência da excepção de prescrição, com absolvição da Ré do pedido formulado pela Autora ou, em qualquer caso, devendo a acção improceder quanto a si.

3. Na réplica apresentada pela Autora a fls. 254, esta aduziu que por força das Bases I, n.º 1 e LIII, n.º 1, do D.L. nº 325/91 e dos artigos 1347.º e 1348.º do Código Civil, a Ré tem responsabilidade objectiva, tendo omitido o seu dever de prevenção do dano, perante o artigo 486.º do dito diploma, não se aplicando necessariamente o seu artigo 498.º.

Por outro lado, disse a Autora que, nas reuniões entre as partes referidas na P.I., a Ré se comprometeu a estudar o assunto e a fazer depois as obras de drenagem das águas pluviais, só se tendo recusado a fazê-las por carta de 2/1/2004, sendo na pior das hipóteses a partir desta data que se deve contar o prazo de prescrição, que ainda não ocorreu, contando-se o prazo do n.º 1 do artigo 498.º do Código Civil desde aí e não a partir de 16/11/2001, embora a Autora entenda que nem sequer se aplica esse prazo prescricional a este caso.

Pronunciou-se sobre os documentos juntos pela Ré, pugnando pela improcedência da excepção de prescrição e terminando como na P.I.

4. Por despacho de fls. 266 foi admitida a intervenção da empreiteira e da seguradora, que contestaram, respectivamente, a fls. 280 a 282 e 338 a 360 dos autos.

4.1. A seguradora alegou que a sua eventual obrigação de indemnizar se funda numa relação conexa, podendo dar lugar à sua intervenção acessória (antigo chamamento à autoria), mas aceitou o seu chamamento como interveniente principal, dizendo que nenhum «sinistro» lhe foi participado e dando por reproduzidas as contestações da Ré e da outra interveniente.

Aduziu ainda que o seguro cobria danos em consequência directa de execução de trabalhos, mas não omissões relativas ao sistema de drenagem e outras situações não cobertas pela apólice, não sendo o empreiteiro responsável por eventuais deficiências dos projectos, por só os ter cumprido, nem pelas consequências naturais e ambientais decorrentes da execução da obra, não estando os danos cobertos pelo seguro, nem tendo a Autora legitimidade para pedir o ressarcimento de danos ou indemnizações que não lhe dizem respeito.

Invocou também a franquia a cargo do segurado, entre 1.000.000$00 10.000.000$00 por prejuízos materiais e a de 1.000.000$00 por perdas e danos a terceiros em geral.

4.2. A empresa H ..., Engenharia e Construção, S.A., veio afirmar que anteriormente se denominava « J ... & Companhia, S.A.», e excepcionou com a sua ilegitimidade, pois limitou-se a executar a obra segundo o projecto da Ré Brisa, sendo a concepção e o projecto da obra que estão em causa, nenhuma das partes tendo alegado que houvesse deficiente execução dos trabalhos pela adjudicatária da empreitada da A-14.

Invocou a seu favor o regime jurídico das obras públicas, constante do DL n.º 59/99, de 2/3 e o estipulado no contrato de empreitada, para dizer que só lhe cabe a responsabilidade pelos prejuízos que lhe sejam imputáveis e que não resultem da própria natureza ou concepção da obra.

Alegou ainda a seu favor a excepção de prescrição, por só ter sido citada em 2/11/2005 e o prazo prescricional ter terminado em 8/1/2005, na própria tese da Autora.

Subsidiariamente, invocou ainda que a sua posição deveria ser de interveniente acessória, mantendo nessa hipótese o que dissera sobre a sua ilegitimidade processual e sobre a prescrição.

Finalmente aduziu que, a haver prejuízos, apesar da inexistência de ilicitude e culpa da empreiteira chamada, sempre esta teria transferido a sua responsabilidade civil para a interveniente seguradora.

Por impugnação, veio dizer que desconhecia as reuniões indicadas na P.I., só tendo conhecimento dos problemas em causa ao ser citada, pelo que desconhece a matéria de facto de diversos artigos da P.I., rejeitando qualquer falta de zelo ou diligência na execução da obra.

Terminou pugnando pela procedência da excepção de ilegitimidade, com a sua consequente absolvição da instância, ou não se entendendo assim, pela procedência da excepção de prescrição, levando à sua absolvição do pedido, e subsidiariamente que a acção seja declarada improcedente, conduzindo igualmente à sua absolvição do pedido.

5. A Autora respondeu a fls. 370 que foi a Ré Brisa quem chamou a intervir a empreiteira, que invocou ilegitimidade, mas o caso respeita não só à concepção e projecto da obra, mas ainda à execução da mesma, não aceitando que haja prescrição, pelo que pugnou pela improcedência dessas excepções, devendo a acção ser julgada procedente e provada e a Ré ser condenada nos pedidos.

6. Foi elaborado despacho saneador a fls. 379 e segs., onde se considerou oficiosamente procedente a excepção dilatória de incompetência em razão da matéria do Tribunal Judicial de Cantanhede, absolvendo da instância a ré e as intervenientes.

Tendo a autora agravado deste despacho, foi julgado procedente o agravo, afirmando este Tribunal da Relação a competência material do tribunal recorrido e determinando o prosseguimento dos autos.

7. Baixados os autos à 1.ª instância, foi efectuado o saneamento do processo a fls. 502 e segs., onde se admitiu a réplica apresentada pela Autora, excepto quanto aos artigos onde se pronunciou sobre os documentos juntos pela Ré, dando esses artigos por não escritos.

Relativamente à excepção de ilegitimidade da interveniente H ..., S.A., foi entendido que havia caso julgado formal com base no despacho que deferiu as duas intervenções principais, não havendo hipótese de a excepção ser de novo apreciada, pelo que não se verificava a dita excepção de ilegitimidade.

Quanto à excepção peremptória de prescrição invocada pela Ré e pelas intervenientes, foi relegado o seu conhecimento para a sentença.

Seguidamente consignou-se a matéria assente e elaborou-se a base instrutória, que sofreram reclamação das partes e dos intervenientes, parcialmente atendida.

8. Procedeu-se à audiência de julgamento, com observância das formalidades legais, tendo no seu início a Autora reduzido o pedido por requerimento escrito, que consta de fls. 946 e foi admitido por despacho proferido a fls. 1325, peticionando agora que a Ré seja condenada a reconhecer que as obras da A-14 provocaram em Ançã e Portunhos um sistema de drenagem deficitário, a inexistência de bacias de dissipação de saída dos PH, o assoreamento de valas com materiais provenientes dos taludes da auto-estrada, a redução do tempo de concentração das bacias hidrográficas, a impermeabilização de áreas agrícolas e florestais e um aumento do caudal; que a Ré seja condenada a pagar à Autora as quantias de €24.122,24, pelo custo das obras de drenagem das águas pluviais na zona de Barreiro, em Ançã e de €97.560,04, relativa ao custo das obras de drenagem das águas pluviais na zona de Vale Frios, em Portunhos, no total de €121.682,28, acrescido de juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo e integral pagamento.

9. Após foi proferida sentença, nos termos da qual foi julgada improcedente a excepção peremptória de prescrição invocada pela Ré BRISA, e julgada provada e procedente a presente acção, sendo a Ré BRISA - Auto-Estradas de Portugal, S.A., condenada a pagar à Autora CÂMARA MUNICIPAL DE CANTANHEDE, a quantia indemnizatória global de €121.682,28, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.

10. Inconformada, a ré BRISA, S.A., apresentou o presente recurso de apelação da sentença proferida, encerrando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

11. A Autora apresentou contra-alegações, que finalizou com as seguintes conclusões:

(…)

12. Colhidos os vistos, cumpre decidir.


*****

II. O objecto do recurso[3].

As questões a apreciar no presente recurso de apelação consistem em saber se:

- deve ser reapreciada a matéria de facto relativa aos artigos 15.º, 16.º, 23.º e 32.º, julgando-a nos termos pretendidos pela Ré;

- se verifica a prescrição do direito da autora;

- se a Ré deve ser absolvida do pedido.


*****

III – Fundamentos

III.1. – De facto

Foram os seguintes os factos considerados como provados na sentença recorrida:

1. A) A Ré Brisa - Auto-Estradas de Portugal S.A., é nos termos da Base II anexa ao DL n.º 294/97, de 24 de Outubro, concessionária para a concessão e exploração da rede de Auto-Estradas.

B) Tendo por objecto a construção, conservação e exploração de auto-estradas e áreas de serviço, em regime de concessão, a Ré Brisa - Auto-estradas de Portugal S.A. mandou construir o troço de auto-estrada denominada "A-14", que faz a ligação de Coimbra (Norte) a Figueira da Foz.

C) Para prossecução do objecto de tal concessão, a Ré Brisa celebrou em 19.09.2000 com a 1ª interveniente principal J ... & Companhia S.A., actualmente designada H ..., Engenharia e Construção, S.A., um contrato de empreitada para construção do Sublanço Santa Eulália/Coimbra (Norte) - Trecho 2 B, da A-14, a obra geral e as obras de arte.

D) Por tal contrato de empreitada ficou estabelecido que o empreiteiro, naquela empreitada, é o único responsável pela reparação e a indemnização de todos os prejuízos que, por motivos imputáveis ao empreiteiro e que não resultem da própria natureza ou concepção da obra, sejam sofridos por terceiros até à recepção definitiva dos trabalhos, em consequência do modo de execução destes, da actuação do pessoal do empreiteiro e aos seus subempreiteiros, fornecedores, tarefeiros e montadores e do deficiente comportamento ou da falta de segurança das obras.

O empreiteiro é o único responsável por todos os acidentes ou danos, quer pessoais quer materiais, que os trabalhos de execução da obra ou acção dos seus agentes ou operários, subempreiteiros, tarefeiros, fornecedores e montadores possam causar, tanto ao pessoal como a terceiros, incluindo utentes da Auto-estrada e a outras empresas que trabalhem na mesma obra, bem como à BRISA e aos seus representantes.

O empreiteiro é responsável pelas indemnizações e reparações dos prejuízos que, nos termos dos números anteriores, possam, legitimamente, ser exigidas à BRISA."

E) Ficou ainda estabelecido que "o empreiteiro compromete-se a responder, pela BRISA, em todas as acções em que esta for demandada judicialmente por terceiros, em relação a prejuízos causados por actos do empreiteiro, sendo este totalmente responsável pelos danos morais e materiais que advenham do resultado do processo".

F) Estabeleceram, ainda, que "Sem que isso constitua limitação das suas obrigações e responsabilidade, nos termos do presente contrato e dos documentos que, dele, fazem parte integrante e, nomeadamente, título contratual, o empreiteiro deverá, à sua custa, segurar a empreitada, em seu nome e no da BRISA, por forma a que ambos fiquem cobertos, durante o período de construção e o período de garantia, contra perdas ou prejuízos resultantes de causa que ocorra durante aqueles períodos.

O seguro citado no número anterior excluirá apenas as responsabilidades que derivem, directa ou indirectamente de:

a) Acto propositado do segurado;

b) Actos de guerra ou subversão, epidemias, ciclones, tremores de terra, fogo, raio, inundações, greve gerais ou sectoriais e quaisquer outros eventos que afectem os trabalhos da empreitada;

c) Confisco, nacionalização, requisição, destruição ou danos dos objectos seguros por ordem do governo "de jure" ou "de facto" ou de qualquer autoridade pública do país;

d) Reacções nucleares, radiações nucleares ou contaminação radioactiva."

G) Representantes da 2ª Interveniente Principal, Companhia de Seguros L ..., S.A., por um lado, e da 1ª Interveniente Principal J ... & Companhia S.A., actualmente designada H ..., Engenharia e Construção, S.A., por outro, declararam por escrito consubstanciado na apólice nº 4301586, com efeitos desde 27.09.2000, a primeira assumir, mediante prémio a pagar pela última, até ao montante de €4.798.004.872,00, os danos materiais causados à obra ou empreitada em si mesma, quer a responsabilidade civil extracontratual por danos patrimoniais e não patrimoniais causados a terceiros decorrentes de lesões corporais e/ou materiais, em consequência directa da execução dos trabalhos para construção, montagem ou testes dos bens seguros pela Secção I (Secção I - Danos materiais à empreitada).

H) Como em todas as construções de estradas, a Ré Brisa efectuou uma impermeabilização de terrenos agrícolas e florestais, terrenos esses muito permeáveis que absorviam parte da precipitação.

I) A 8 de Janeiro de 2002 realizou-se uma reunião entre a Autora, a Ré Brisa e a D.R.A.O.T. Centro, na qual estiveram presentes os Srs. Dr. (…), Engº (  )e Dr. (…) (por parte da A.), o Engº (…) (por parte da Ré) e a Engª (…) (por parte da DRAOT), com vista à análise dos problemas, descrição dos factos e ida ao local.

J) A 15 de Janeiro de 2002, houve uma nova reunião com as entidades e pessoas referidas em E), na qual estiveram também presentes o Sr. Engº (…), por parte da Ré.

K) A 23 de Abril de 2003, houve uma nova reunião entre os representantes da Autora, da Ré, da Direcção Regional do Ambiente e Ordenamento do Território do Centro, e das Juntas de Freguesia de Portunhos e Ançã, na qual estiveram presentes Dr. (…), Engª (…) Dr. (…)Engº (…) (por parte da Autora); Engª (…), Engº (…) e Engº (…) (por parte da Brisa); Engº (…) (por parte da DRAOT).

L) Resultou dessas reuniões o compromisso por parte da Autora de enviar à Ré a planta topográfica com a intervenção proposta e o compromisso dos proprietários aceitando a intervenção e demarcação da zona de passagem da vala, o que fez.

M) A Ré Brisa comprometeu-se a elaborar um estudo/projecto da drenagem das águas pluviais da A-14 para as zonas de Ançã e Portunhos.

N) A Ré Brisa procedeu à elaboração do aludido estudo encomendado à empresa " E ... - Consultores de Engenharia, SA" acerca do escoamento de águas pluviais provenientes da drenagem da ligação da A-14 à EN 234 - Rotunda de Ançã.

O) A Ré Brisa foi citada para a presente acção em 21 de Março de 2005.

P) A interveniente principal H... foi citada para a presente acção em 02.11.2005.

Q) A Autora teve conhecimento dos danos sofridos após a construção da Auto-estrada referida em B) pelo menos em 16.11.2001.

1. Ao longo da Auto-estrada referida em B), na parte do sub-lanço Santa Eulália/Coimbra (Norte) e respectivos acessos à Estrada Nacional nº 234 existiam valetas de plataforma, de descida de talude e de pé de talude sem qualquer seguimento.

2. (...) a desaguar em terrenos agrícolas e florestais onde não existiam elementos de drenagem capazes de dar seguimento a esse escoamento.

3. Próximo da Estrada Nacional nº 234, existia uma valeta com dissipador, com quedas sucessivas, suspensa a cerca de 8/10 metros de altura, sem qualquer seguimento, situação que foi corrigida a mando da ré Brisa.

4. (...) que nos dias de precipitação, provocava o aparecimento de lençóis de água na estrada.

5. Quando as valetas responsáveis pela drenagem ao longo da A-14 desaguavam em canais de drenagem já existentes, estes ficavam completamente assoreados.

6. E, por isso, incapazes de proceder a um normal escoamento de águas pluviais.

7. Os assoreamentos deveram-se ao arrastamento hídrico de materiais provenientes dos taludes pouco estáveis.

8. (...) assoreando valas, culturas e pomares a jusante.

9. Em muitas situações inexistiam valetas de pé de talude.

10. (...) facilitando a erosão hídrica dos taludes.

11. Com a canalização das águas pluviais em valetas de cimento com inclinações consideráveis o tempo de concentração do escoamento diminui drasticamente.

12. O circuito efectuado pela água tornou-se menos sinuoso e mais homogéneo para escoamentos em diferentes pontos da bacia.

13. Aumentou a velocidade de escoamento.

14. Simplificou-se o traçado a percorrer.

15. (...) gerando um maior caudal (m3/s) mesmo que com iguais valores de precipitação.

16. (...) agravando a quantidade e o transporte de materiais dos taludes para as valas e terrenos jusantes.

17. Antes da construção da A-14, 70% da precipitação caída era absorvida pelo solo, sendo a restante escoada superficialmente.

18. Após a construção da A-14 toda a precipitação caída sobre ela é drenada superficialmente.

19. A área impermeabilizada referida em H) representa cerca de 10% a 16,5% das bacias atravessadas.

20. Ao longo da A-14 e respectivos acessos inexistiam bacias de dissipação nos locais carecidos de obras de drenagem.

23. O referido em 1 a 20 aumentou o caudal nas bacias atravessadas pela A-14.

24. (...) e nas zonas de Portunhos (próximo do polidesportivo), da Estrada

Nacional 234 (próximo da passagem superior da A-14 e da localidade de Granja), do Barreiro (Ançã), Rua da Gaiteira (Ançã) e terrenos agrícolas e florestais em geral próximos dos PH´s.

                 25. (...) o que provocou o assoreamento de culturas, vinhas, pomares e valas de drenagem.

26. (...) queda de muros existentes há mais de 50 anos.

27. (...) queda de muro com passagem hidráulica que até à construção da A-14 era suficiente para drenar o caudal existente.

28. (...) danificação completa de caminhos.

29. (...) inundações de estradas e habitações na área urbana de Ançã.

30. (...) inundações de currais, provocando a morte de animais.

31. Na sequência das reuniões referidas em I), J) e K) a Ré Brisa mandou executar a limpeza dos materiais escorridos dos taludes e as obras referentes à correcção de alguns defeitos da drenagem das águas pluviais da A-14 para as zonas de Ançã e Portunhos.

32. O valor do caudal gerado pela impermeabilização do solo fez aumentar o caudal entre 11% e 21%.

36. Na zona do Barreiro, em Ançã, a drenagem de águas pluviais passa pela definição do traçado da linha de água.

37. (...) canalização da linha de água em situações de extrema necessidade.

38. (...) limpeza do leito da linha de água em troços onde já se mantinha definido.

39. (...) construção de leitos de drenagem em locais específicos.

40. O custo dos trabalhos referidos em 36 a 39 importou num montante de €24.122,24 (vinte e quatro mil cento e vinte e dois euros e vinte e quatro cêntimos).

41. Na zona de Vale Frios, Portunhos, a resolução da drenagem de águas pluviais, podia passar pela construção de um colector duplo de manilhas com o diâmetro de 1.000 mm, com a área da secção de vazão de 1,57 m2.

43. Em alternativa ao referido em 41, era possível a construção de um colector rectangular de 2,0 x 1,0 m, com 2,0 m2 de área de secção de vazão.

44. O custo das obras efectuadas em Vale Frios ascendeu a um montante de

€97.560,04 (noventa e sete mil quinhentos e sessenta euros e quatro cêntimos).

45. A jusante da PH 3.4L3 foi construído um muro de loteamento, perpendicular ao leito menor da ribeira, que intercepta o escoamento das águas e que nada tem a ver com a construção da auto-estrada.

46. O referido muro foi construído num caminho de terra batida, onde foi aberto um buraco para encaminhamento das águas pluviais para a vala aí existente, buraco este que não foi feito pela Ré, nem pelo seu empreiteiro.

47. Foi implantada no leito menor da ribeira uma construção rudimentar que confina com o referido muro e caminho em terra batida, que nada tem a ver com a obra de construção da auto-estrada.

49. Existem também construções e obstáculos no leito de água da povoação de Ançã.

52. A empreitada foi executada de acordo com os respectivos estudos, projectos, caderno de encargos, planos de obras e outros documentos escritos relativos à empreitada e conteve-se dentro dos limites territoriais da área afecta à construção da auto-estrada.

53. A interveniente H ... realizou a obra descrita em C) cumprindo o que a Ré Brisa projectou para a obra, cuja concepção é da sua autoria, corrigindo os defeitos de drenagem que a Ré Brisa lhe indicou.


*****

III.2. – O mérito do recurso

III.2.1. – Alteração da matéria de facto

(…)

Pelo exposto, rejeita-se o recurso apresentado pela Ré/Apelante quanto à impugnação da matéria de facto, mantendo-se in totum a matéria de facto que vem assente da primeira instância.


*****

III.2.2. – Da responsabilidade civil

A presente acção foi instaurada contra a ora ré Brisa por ser a dona da obra da AE, a cuja execução a Câmara Municipal imputa a responsabilidade objectiva pela ocorrência dos problemas surgidos em consequência das mesmas nos terrenos adjacentes e que levaram à necessidade de executar as obras cujo montante veio peticionar em sede de redução do pedido.

Por seu turno a ré entende que só lhe pode ser assacada responsabilidade civil subjectiva por facto ilícito, invocando que a mesma não ocorre e ainda que se verifica a prescrição do alegado direito da autora, em virtude de, à data em que foi citada para a presente acção já terem decorrido mais de três anos sobre a data em que a autora teve conhecimento do seu direito.

Cabe, portanto, e antes de mais, por ordem lógica determinar em que tipo de responsabilidade civil se enquadra a actividade levada a cabo pela Ré, e se assiste ou não à autora o direito que se arroga, posto que, se tal não ocorrer, torna-se inútil apreciar se existiu ou não o respectivo reconhecimento.

Para o efeito, atentaremos, antes de mais, no contrato de concessão celebrado entre a Ré Brisa e o Estado Português.

Tal contrato de concessão, celebrado entre o Estado Português e a sociedade concessionária BRISA - Auto-Estradas de Portugal, S. A., encontra-se actualmente regulado no DL n.º 294/97, de 24 de Outubro, de cuja Base IX resulta que a concessionária tem como objecto social a construção, conservação e exploração de auto-estradas e respectivas áreas de serviço, em regime de concessão, bem como o estudo e realização de infra-estruturas de equipamento social, estando a realização das obras sujeita a concurso e sendo o lançamento dos concursos para adjudicação das empreitadas de construção das obras que integram o objecto da concessão da responsabilidade da concessionária - Base XXVI, n.ºs 1 e 2.

De acordo ainda com o n.º 4 desta Base, as obras deverão ser executadas com o emprego de materiais de boa qualidade e com a devida perfeição, segundo as regras da arte, em harmonia com as disposições legais e regulamentares em vigor e com as características habituais em obras do tipo das que constituem o objecto da concessão.

Por seu turno, da Base XXI resulta que para as obras abrangidas pela concessão, a concessionária promoverá, por sua inteira responsabilidade, a realização dos respectivos estudos e projectos que deverão satisfazer as normas e regulamentos legais em vigor, sendo que os traçados das auto-estradas definidas nos projectos, bem como os ramais e nós de ligação e as áreas de serviço, deverão ser objecto de pormenorizada justificação, ter em conta as acessibilidades às zonas envolventes e os recursos naturais, bem como as questões ambientes que se suscitarem, devendo compatibilizar-se com as normas e princípios constantes dos planos regionais de ordenamento do território, planos especiais de ordenamento do território, planos municipais de ordenamento do território, bem como observar o consignado para as áreas abrangidas pelo regime jurídico das reservas agrícola e ecológica nacionais, competindo à concessionária, com a colaboração da Junta Autónoma de Estradas, o estabelecimento de contactos com as autarquias e outras entidades públicas, com o objectivo de viabilizar a aprovação de aspectos específicos dos projectos, nomeadamente os que envolvam os recursos naturais, a Reserva Agrícola Nacional e questões ambientais.

Finalmente, em conformidade com o estabelecido no n.º 1, da Base XLIX, serão da inteira responsabilidade da concessionária todas as indemnizações que, nos termos da lei, sejam devidas a terceiros em consequência de qualquer actividade decorrente da concessão, sem prejuízo evidentemente de a mesma poder repercutir nos empreiteiros a obrigação de indemnizar, nos termos do n.º 2 da indicada Base.

A expressão nos termos da lei tem sido entendida como uma remissão em bloco para o regime da responsabilidade civil, e, portanto, da inexistência de um regime especial ou excepcional no domínio da responsabilidade da concessionária[4].

Tratar-se-á, então, designadamente, de responsabilidade civil subjectiva, por factos ilícitos e culposos, da responsabilidade pelo risco ou objectiva, previstas no artigo 483.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil[5], ou da responsabilidade por intervenções lícitas (factos lícitos)[6].

Ponto, porém, vem a ser que se mostrem efectivamente provados os elementos, pressupostos, requisitos ou condições da responsabilidade civil reclamada, designadamente, que se verifique a existência de danos indemnizáveis.

Ora, no caso dos autos, estamos face a uma situação em que à ré Brisa, por ser concessionária da auto-estrada, e ter como objecto social, nomeadamente a sua construção, bem como o estudo e realização de infra-estruturas de equipamento social, estão, por via do referido contrato de concessão cometidos deveres de agir para evitar danos a terceiros (quer sejam os utentes daquela infra-estrutura quer proprietários de terrenos adjacentes que pela mesma sejam afectados).

O dever omitido pela Brisa, segundo a autora, foi o de evitar os prejuízos que da construção resultaram ao nível da drenagem das águas pluviais, por ter procedido à mesma sem a necessária averiguação das condições de escoamento das linhas de água que as recebem, o que motivou que as mesmas desaguassem em terrenos agrícolas e florestais onde não existem elementos de drenagem capazes de dar seguimento a esse escoamento, provocando o assoreamento de culturas, vinhas, pomares e valas de drenagem, quedas de muros existentes, danificação de caminhos, inundações de estradas, habitações e currais.

Comprovadas estas situações, e não tendo a ré efectuado as obras necessárias para a resolução destas ocorrências, a autora veio a suportá-las, pedindo agora que a Brisa proceda ao seu pagamento. E neste segmento da sua fundamentação, se bem a entendemos, ancorou-se a autora no domínio da responsabilidade civil por facto ilícito.

Se assim fosse, nos termos do artigo 342.º do Código Civil, à autora incumbia a prova dos factos consubstanciadores do direito invocado, enquanto fundamentadores dos pressupostos da responsabilidade civil por facto ilícito, como a configura o artigo 483.º do Código Civil, preceito que consagra os respectivos princípios gerais, e que dispõe:

"Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação".

Os pressupostos deste tipo de responsabilidade, designada por responsabilidade por factos ilícitos, agrupam-se num elenco de cinco, a saber: a) o facto; b) a ilicitude; c) a imputação do facto ao lesante; d) o dano; e) um nexo de causalidade entre o facto e o dano[7].

Assim, o facto é ilícito quando viola um direito subjectivo de outrem, de natureza absoluta, ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, como ocorre quando a norma violada protege interesses particulares, mas sem conceder ao respectivo titular um direito subjectivo, dependendo, então, a indemnização a arbitrar que a tutela dos interesses particulares figure, de facto, entre os fins da norma violada e que o dano se tenha registado no círculo de interesses privados que a lei visa tutelar[8].

Já quanto à imputação do facto ao lesante, a responsabilidade civil pressupõe, em regra, a culpa, que se traduz numa determinada posição ou situação psicológica do agente perante o facto, consistindo, em sentido amplo, na referida imputação do facto ao agente[9], ou ainda num enquadramento normativo, entendido como a omissão da diligência que seria exigível ao agente medida de acordo com o padrão de conduta que a lei impõe[10], sempre apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (artigo 487.º, n.º 2, do CC).

Por seu turno, no tocante ao nexo de causalidade entre o facto e o dano, o artigo 563.º do CC, consagrou a doutrina da causalidade adequada, segundo a qual, na sua formulação positiva, para que um facto seja causa de um dano é necessário, antes de mais, que no plano naturalístico, ele seja condição sem o qual o dano não se teria verificado, e ainda que, em abstracto ou em geral, o facto seja causa adequada do dano; e, na sua formulação negativa, a condição deixa de ser causa do dano sempre que, segundo a sua natureza geral, a mesma era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele, em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo, portanto, inadequada para a ocorrência desse dano[11].

Já no que respeita à existência de um dano, este é condição essencial da obrigação de indemnizar: o facto ilícito e culposo tem que causar um prejuízo a alguém, o sofrimento de uma perda nos seus interesses patrimoniais ou não patrimoniais.

Porém, mais adiante, decorre do seu petitório que a autora pretende que o caso em apreço tem acolhimento na previsão do artigo 1347.º do CC que institui uma situação de responsabilidade objectiva, resultante do exercício duma actividade lícita, a coberto do artigo 483.º, n.º 2, do CC.

E, parece-nos que tem efectivamente razão quanto a este enquadramento.

De facto, tem sido entendido que o referido preceito, apesar de se referir expressamente a instalações prejudiciais, abarca genericamente quaisquer obras ou instalações susceptíveis de terem efeitos nocivos não permitidos por lei sobre o prédio vizinho, ainda que tais obras sejam expressamente permitidas por lei[12].

Neste caso, a indemnização pelo prejuízo causado é devida ainda que tenham sido cumpridas as especificações técnicas ordenadas pela administração e mesmo que não tenha havido culpa do autor da obra.

Regime semelhante encontra-se previsto no artigo 1348.º do CC quanto às escavações, o que bem se compreende em face da protecção do direito de propriedade. Na verdade, esta é a contrapartida legalmente considerada necessária para repor o equilíbrio decorrente da consagração de direitos que podem ser conflituantes. Assim, se a Brisa tem legalmente o direito de proceder à construção das auto-estradas, mas tal construção afecta o pleno conteúdo do direito de propriedade de terceiros, nos termos em que se mostra consagrado no artigo 1305.º do CC, provocando-lhes danos, então, provada a existência destes, deve aquela concessionária indemnizar os prejuízos sofridos, mesmo que tenha tomado todas as precauções julgadas necessárias para que aqueles não viessem a verificar-se.

Daí que, para os efeitos deste preceito não releve que se tenha demonstrado que a empreitada foi executada de acordo com os respectivos estudos, projectos, caderno de encargos, planos de obras e outros documentos escritos relativos à empreitada e conteve-se dentro dos limites territoriais da área afecta à construção da auto-estrada, porquanto a responsabilidade existe, independentemente de culpa, desde que se demonstre a existência de danos decorrentes da construção.

Ora, no caso dos autos, encontra-se provado que efectivamente ao longo da Auto-estrada, na parte do sub-lanço Santa Eulália/Coimbra (Norte) e respectivos acessos à Estrada Nacional nº 234 existiam valetas de plataforma, de descida de talude e de pé de talude sem qualquer seguimento, a desaguar em terrenos agrícolas e florestais onde não existiam elementos de drenagem capazes de dar seguimento a esse escoamento, que quando as valetas responsáveis pela drenagem ao longo da A-14 desaguavam em canais de drenagem já existentes, estes ficavam completamente assoreados, e, por isso, incapazes de proceder a um normal escoamento de águas pluviais, que os assoreamentos deveram-se ao arrastamento hídrico de materiais provenientes dos taludes pouco estáveis, assoreando valas, culturas e pomares a jusante; que em muitas situações inexistiam valetas de pé de talude, facilitando a erosão hídrica dos taludes; que antes da construção da A-14, 70% da precipitação caída era absorvida pelo solo, sendo a restante escoada superficialmente, e que após a construção da A-14 toda a precipitação caída sobre ela é drenada superficialmente; que ao longo da A-14 e respectivos acessos inexistiam bacias de dissipação nos locais carecidos de obras de drenagem.

Mais se demonstrou que tais factos aumentaram o caudal nas bacias atravessadas pela A-14, e nas zonas de Portunhos (próximo do polidesportivo), da Estrada Nacional 234 (próximo da passagem superior da A-14 e da localidade de Granja), do Barreiro (Ançã), Rua da Gaiteira (Ançã) e terrenos agrícolas e florestais em geral próximos dos PH´s, o que provocou o assoreamento de culturas, vinhas, pomares e valas de drenagem, queda de muros existentes há mais de 50 anos, queda de muro com passagem hidráulica que até à construção da A -14 era suficiente para drenar o caudal existente, danificação completa de caminhos, inundações de estradas e habitações na área urbana de Ançã, inundações de currais, provocando a morte de animais.

Portanto, não restam quaisquer dúvidas que as descritas situações, que não existiam antes da construção da A14, decorreram da respectiva construção sem que se tivesse acautelado as necessidades acrescidas de drenagem que da mesma resultavam, e que foram provocados prejuízos. Encontra-se, portanto, provado o facto (a construção), o dano e o nexo de causalidade entre um e o outro.

Como a Brisa não procedeu às obras necessárias para os evitar, a Câmara Municipal de Cantanhede, levou a cabo os trabalhos necessários para o efeito que importaram em €24.122,24 (vinte e quatro mil cento e vinte e dois euros e vinte e quatro cêntimos), e €97.560,04 (noventa e sete mil quinhentos e sessenta euros e quatro cêntimos), cujo pagamento ora peticiona.

Desta sorte, dúvidas não existem que a ré é responsável pela indemnização à autora e que a mesma ascende ao montante peticionado (após a redução do pedido).

Assim sendo, cabe verificar se o direito à indemnização que a autora pretende fazer valer com a presente acção, se encontrava já prescrito à data em que a mesma veio a juízo reclamar o seu ressarcimento pela Ré.


*****

III.2.3. – Da prescrição

Na sentença recorrida, enquadrando-se a responsabilidade civil da ré na responsabilidade extracontratual, veio a considerar-se que o direito da autora não se encontra prescrito por ter havido reconhecimento do mesmo por banda da ré.

A Ré, pretendendo a alteração da matéria de facto, insurgiu-se contra este segmento decisório, aduzindo que não existiu qualquer reconhecimento do direito e, como tal, não houve qualquer interrupção do prazo de prescrição, razão por que, ao abrigo do disposto no artigo 498.º, n.º 1, e 306.º, n.º 1, ambos do CC, o tribunal devia tê-la absolvido do pedido.

Por seu turno, nas contra-alegações apresentadas, a Autora invocou que tendo em conta que resultou provado que das várias reuniões em 8/1/2002, 15/1/2002 e 23/4/2003 entre as partes resultou que a R. iria estudar a solução dos problemas, o que fez, através do estudo da E ..., e que chegou a eliminar alguns desses problemas, pois a R., através da empreiteira, a interveniente H ..., efectuou limpeza dos materiais escorridos dos taludes e algumas obras de correcção dos defeitos da drenagem das águas pluviais da A-14 junto às localidades Portunhos e Ançã (como a construção de dissipadores), ao realizar tais obras de correcção, a R. cumpriu uma parte da sua obrigação no ressarcimento dos danos, e assim, houve um reconhecimento tácito do direito da A., que interrompeu o prazo de prescrição, nos termos do 325.º, n.º 2. do Código Civil.

Mais aduziu que, mesmo que assim não fosse, a última reunião entre as partes foi em 23/4/2003 e em 2/1/2004 a R. enviou a A. carta destinada a resolução dos problemas (fls.99), pelo que só a partir desta última data, é que se poderia começar a contar o prazo prescricional de 3 anos, e tendo a R. sido citada a 21/3/2005, o mesmo ainda não tinha ocorrido.

Vejamos, pois, se o direito da autora se encontra ou não prescrito.

A este respeito expendeu-se na sentença recorrida que:

“Realizaram-se reuniões entre a Autora e a Ré Brisa (intervindo outras entidades) com vista à análise dos problemas, descrição dos factos e ida ao local, em 8 de Janeiro de 2002, 15 de Janeiro de 2002 e 23 de Abril de 2003.

Resultou dessas reuniões o compromisso por parte da Autora de enviar à Ré a planta topográfica com a intervenção proposta e o compromisso dos proprietários aceitando a intervenção e demarcação da zona de passagem da vala, o que fez.

A Ré Brisa comprometeu-se a elaborar um estudo/projecto da drenagem das águas pluviais da A-14 para as zonas de Ançã e Portunhos e procedeu à elaboração do aludido estudo, encomendado à empresa "E... - Consultores de Engenharia, SA" acerca do escoamento de águas pluviais provenientes da drenagem da ligação da A-14 à EN 234 -Rotunda de Ançã.

Todavia, posteriormente não efectuou todas as obras previstas no seu próprio estudo, só tendo feito algumas correcções de defeitos de drenagem e limpeza de detritos, aguardando a sua citação nesta acção, que ocorreu em 21 de Março de 2005, para invocar a prescrição do direito de indemnização da Câmara Municipal Autora, que se viu obrigada a fazer as obras de correcção do sistema de drenagem das águas pluviais decorrente da obra da auto-estrada A-14, obra de que a Ré é dona, devido às reclamações dos seus munícipes e autarcas das freguesias afectadas (fls. 86).

A Autora teve conhecimento pelo menos em 16.11.2001 dos danos sofridos após a construção da referida auto-estrada e como a Ré só foi citada em 21.03.2005, passado o prazo de 3 anos previsto no artº 498º, nº 1, do Código Civil, que começa quando o direito puder ser exercido, dos termos do artº 306º, nº 1, do mesmo diploma, verificar-se-ia a prescrição do direito de indemnização da Autora.

Contudo, se das reuniões entre as partes resultou que a Ré Brisa ia estudar a solução dos problemas existentes, o que fez e chegou a eliminar alguns na sequência dessas reuniões, pois a Ré mandou executar a limpeza dos materiais escorridos dos taludes e as obras referentes à correcção de alguns defeitos da drenagem das águas pluviais da A-14 para as zonas de Ançã e Portunhos, entende-se que houve por si reconhecimento tácito do direito da Autora, o que interrompeu aquele prazo de prescrição (que se teria iniciado em 16.11.2001) nos termos do artº 325º, nº 2, do Código Civil.

Tal como dizem P. Lima e A. Varela, Cód. Civil Anot., I, 3ª ed., p. 290, pode considerar-se como caso inequívoco de reconhecimento o cumprimento de uma prestação e no caso presente, a Ré cumpriu uma parcela da sua obrigação de ressarcimento dos danos, através da interveniente H ..., que realizou a correcção dos defeitos de drenagem que a Ré Brisa lhe indicou, a qual também mandou limpar detritos que escorreram dos taludes.

Também se provou que próximo da Estrada Nacional nº 234 existia uma valeta com dissipador, com quedas sucessivas, suspensa a cerca de 8/10 metros de altura, sem qualquer seguimento, situação que foi corrigida a mando da ré Brisa.

A última reunião entre as partes foi em 23 de Abril de 2003 e os trabalhos que a Ré fez vieram na sequência dessas reuniões, pelo que, quando foi citada em 21 de Março de 2005, ainda não estava cumprido novo prazo prescricional de 3 anos, sendo certo que o anterior ficou inutilizado pelo reconhecimento tácito do direito da Câmara (artº 326º do Código Civil). Neste sentido veja-se o Ac. Rel. Lx. de 4/7/1991, Col. Jur., IV, 166.

Enquanto não houver recusa ou oposição, mantêm-se a natureza e as características da obrigação de indemnizar, tendo havido colaboração entre as partes, troca de correspondência e de estudos, para que os problemas indicados fossem correctamente resolvidos – veja-se o Ac. do STJ de 22/9/2009, C.J., III, 74.

A acção deu entrada em Juízo em 16/3/2005 (fls. 1), mas em 12/6/2002 a Ré ainda trocava correspondência com a Autora para solução do caso (fls. 222), continuando o contacto escrito entre as partes para tal finalidade em 2/1/2004 (fls. 99), não se mostrando cumprido o prazo prescricional de 3 anos entre qualquer dessas duas datas de correspondência e o dia 21/3/2005, em que se interromperia o prazo de prescrição, se fosse contado a partir de alguma dessas datas (artº 323º, nº 2, do Código Civil) e não a partir do dia da última reunião (provada) entre as partes (23/4/2003), como foi.

Nestes termos, improcede a excepção peremptória de prescrição levantada pela Ré Brisa».

Concorda-se, em traços gerais, com o raciocínio expendido na sentença sob recurso, com excepção do segmento final do penúltimo parágrafo que evidentemente se encontra em contradição com o anteriormente referido, querendo seguramente o Mm.º Juiz reportar-se à contagem do prazo desde a data do conhecimento do direito, porquanto desde a data desta última reunião entre as partes até à data da entrada da acção não haviam decorrido os três anos previstos no artigo 498.º do CC.

Efectivamente, as objecções da Ré Brisa a este respeito - pretendendo que as pessoas presentes nas reuniões a não representavam -  não colhem, tanto mais que logo na matéria de facto assente consta que a 23 de Abril de 2003, houve uma nova reunião entre os representantes da Autora, da Ré, (sublinhado nosso) da Direcção Regional do Ambiente e Ordenamento do Território do Centro, e das Juntas de Freguesia de Portunhos e Ançã, na qual estiveram presentes Dr. J(…), Engª (…), Dr. (…) Engº (…) (por parte da Autora); Engª (…), Engº (…) e Engº (…)(por parte da Brisa); Engº (…) (por parte da DRAOT). Portanto, mostra-se assente que a ré se encontrava representada nas reuniões havidas com vista à resolução das questões surgidas na sequência da construção da A14, e que a última das quais ocorreu em 23-04-2003, tendo-se a ré ali comprometido a elaborar um estudo de drenagem, estudo esse que só veio a enviar à autora em 02-01-2004 (cfr. fls.99).

Como assim, todo o comportamento da Ré, apreciado segundo os ditames da boa fé, foi de ordem a inculcar na Autora a ideia de que a mesma reconhecia a existência dos problemas que lhe foram reportados e ia estudar a solução para os mesmos (ainda que considerasse que haviam outras obstruções ao leito da linha de água).

Tanto assim que procedeu a algumas correcções das várias situações que lhe foram comunicadas pela Autora.

Estas configuram, sem dúvida, o reconhecimento tácito do direito que a autora se arrogava a ver resolvidos os problemas de drenagem, talqualmente se mostra previsto no artigo 325.º, n.º 2, do CC.

Acresce que, conforme se salientou na sentença recorrida, de qualquer forma, o direito da autora não se encontrava prescrito à data em que a mesma instaurou a acção, atentas as sobreditas datas das reuniões entre os representantes da autora e ré, com vista à resolução dos problemas surgidos com a construção da A14, e à data da conclusão do estudo que a ré para tal efeito se propôs fazer, os quais configuram comportamento concludente da Ré no sentido de inculcar na Autora a ideia de que iria proceder à resolução dos efeitos nocivos decorrentes da construção.

De facto, “a declaração tácita é constituída por um comportamento do qual se deduza com toda a probabilidade a expressão ou a comunicação de algo, embora esse comportamento não tenha sido finalisticamente dirigido à expressão ou à comunicação daquele conteúdo.

Tal comportamento declarativo pode estar contido ou ser integrado por comunicações escritas, verbais ou por quaisquer actos significativos de uma manifestação de vontade, incorporem ou não uma outra declaração expressa.

A determinação do comportamento concludente, como “elemento objectivo da declaração tácita”, faz-se, tal como na declaração expressa, por via interpretativa.

Na determinação da concludência do comportamento em ordem a apurar o respectivo sentido, nomeadamente enquanto declaração negocial que dele deva deduzir-se com toda a probabilidade, é entendimento geralmente aceite que a inequivocidade dos factos concludentes não exige que a dedução seja forçosa ou necessária, bastando que, conforme os usos do ambiente social, ela possa ter lugar com toda a probabilidade, devendo ser aferida por um “critério prático”, baseada numa “conduta suficientemente significativa” e que não deixe “nenhum fundamento razoável para duvidar” do significado que dos factos se depreende” [13].

Foi o que ocorreu no caso dos autos em que todo o provado comportamento da ré não daria à autora qualquer fundamento razoável para duvidar de que a mesma, demonstrados os problemas, assumiria a respectiva resolução.

Desta sorte, nos termos do artigo 326.º do CC, o prazo prescricional de 3 anos interrompeu-se e só começa a correr novamente desde o último acto interruptivo. Como é manifesto, desde a sobredita carta enviada com o estudo que a ré se comprometeu a efectuar para resolver os problemas de drenagem, até à data da propositura da acção, não decorreram os três anos previstos no artigo 498.º do CC e, por tal motivo, o direito da autora não se mostra prescrito.
      Termos em que, sem necessidade de maiores considerações, improcedem todas as conclusões de recurso.


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III.3. - Síntese conclusiva

I - Do n.º 1, da Base XLIX, do DL n.º 294/97, de 24-10, que regulamenta a concessão pelo Estado Português da construção, conservação e exploração de auto-estradas à BRISA - Auto-Estradas de Portugal, S. A., resulta que serão da inteira responsabilidade da concessionária todas as indemnizações que, nos termos da lei, sejam devidas a terceiros em consequência de qualquer actividade decorrente da concessão.

II - A expressão nos termos da lei tem sido entendida como uma remissão em bloco para o regime da responsabilidade civil, e, portanto, da inexistência de um regime especial ou excepcional no domínio da responsabilidade da concessionária.

III - Tratar-se-á, então, de responsabilidade civil subjectiva, por factos ilícitos e culposos, da responsabilidade pelo risco ou objectiva, previstas no artigo 483.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil, ou da responsabilidade por factos lícitos.

IV - A responsabilidade da Brisa pelos prejuízos que da construção das auto-estradas advenham para os proprietários dos terrenos vizinhos mercê do deficiente escoamento das águas, enquadra-se no disposto no artigo 1347.º do CC.

V - Tratando-se de responsabilidade objectiva, provado o prejuízo, a mesma constitui-se na obrigação de indemnizar o lesado, ainda que tenha procedido sem culpa.

VI - Tendo havido reconhecimento tácito do direito do lesado, através de comportamento concludente do lesante no sentido de inculcar naquele a ideia de que vai proceder à resolução dos efeitos nocivos decorrentes da construção, o prazo prescricional de 3 anos interrompe-se e só começa a correr desde o último acto interruptivo.


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IV - Decisão

      Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso interposto pela Ré, confirmando-se a sentença recorrida.

      Custas a cargo da Ré.


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Albertina Pedroso ( Relatora )

Virgílio Mateus

Carvalho Martins


[1] Doravante abreviadamente designado CC.
[2] Doravante abreviadamente designado CPC.
[3] Com base nas disposições conjugadas dos artigos 660.º, 661.º, 664.º, 684.º, n.º 3, 685.º-A, n.º 1, e 713.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo evidentemente daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
[4] Já assim se considerava no domínio da Base LIII do DL 315/91, de 20/8, vigente antes do actual regime; e continua a considerar-se actualmente. Cfr. quanto ao anterior diploma, o Ac. STJ de 25-03-2004, proferido no processo n.º 04A559; e mais recentemente o Ac. STJ de 28-06-2012, proferido no processo n.º 1894/06.1TBOVR.C1.S1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt. Porém, deve atentar-se que este não é um entendimento pacífico quando está em causa a circulação nas auto-estradas, conforme cristalinamente se expendeu no Ac. STJ de 01-10-2009, proferido no processo n.º 1082/04.1TBVFX.S1, e disponível no mesmo sítio, “pois que – independentemente do que ao deante se dirá quanto à determinação, de entre as disposições delituais, da norma aplicável – outra corrente existe, posto que com menor aceitação jurisprudencial, que, relevando o facto de a utilização das auto-estradas estar, em regra, condicionada pelo pagamento de uma quantia em dinheiro (portagem), defende a existência de uma especial vinculação de direito privado entre a entidade concessionária e o utente, seja uma “relação contratual de facto”, seja mesmo uma verdadeira relação contratual, embora com limitação das prestações devidas: pagamento do preço, por parte do utente, e colocação à disposição deste, por parte da concessionária, da estrada e respectiva organização. Para esta corrente, a reparação dos danos sofridos pelo utente reger-se-ia pelo estatuto contratual, ou seja, situar-se-ia no âmbito da responsabilidade contratual. A questão pode ainda perspectivar-se de um outro enfoque, cujo ponto de partida é o próprio contrato de concessão, que tem por partes o Estado e a entidade concessionária. Afirma-se que, desse contrato, resultam para a concessionária certos deveres de protecção em relação a terceiros (os utentes), de tal modo que estes, não adquirindo embora o direito a uma prestação (ao contrário do que sucede no contrato a favor de terceiro, cujo regime consta dos arts. 443º e ss. do CC), se podem volver em credores de uma pretensão indemnizatória se o concessionário inobservar aqueles deveres de protecção e daí resultarem prejuízos para aqueles terceiros. Já no próprio preâmbulo do já citado Dec-lei 294/97 se pode ler que algumas das bases do contrato de concessão têm «eficácia externa relativamente às partes no contrato»”.
[5] Doravante CC.
[6] Cfr. Sinde Monteiro, in “Estudos sobre a Responsabilidade Civil”, págs. 8 e 9.
[7] No entender do Professor Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 5.ª edição, pág. 478, entendimento que é maioritariamente seguido. Já o Professor Pessoa Jorge, Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil, Coimbra - 1995, pág. 55, reduz esses mesmos pressupostos a dois: acto ilícito e prejuízo reparável.
[8] Cfr. Antunes Varela, obra citada, págs. 486 a 497.
[9] No dizer de Galvão Teles, Direito das Obrigações, 7ª edição, revista e actualizada, 1997, pág. 346. Note-se que esta imputação do facto ao agente, para além do dolo em qualquer uma das suas modalidades, pode ainda resultar, no âmbito da denominada mera culpa, de negligência consciência - quando o agente prevê a produção de um facto ilícito como possível, mas, por leviandade, precipitação, desleixo ou incúria, crê na sua não verificação, e só, por isso, não toma as providências necessárias para o evitar -, ou mesmo de negligência inconsciente, que ocorre quando o agente não chega sequer a conceber a possibilidade de o facto se verificar, por imprevidência, descuido, imperícia ou inaptidão, podendo e devendo prevê-lo e evitar a sua verificação, se usasse da diligência devida – cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, págs. 394 e 395.
[10] Vd. Meneses Leitão, Direito das Obrigações, I, 8ª edição, 2009, pág. 313; Meneses Cordeiro, Direito das Obrigações, 2º volume, AAFDL, 1990, pág. 309.
[11] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, pág. 651 e ss..
[12] Cfr. neste sentido, na doutrina, Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. III, 2.ª edição revista e actualizada, Coimbra 1987, págs. 180 e 181, e na jurisprudência os Ac. STJ de 15-03-2001, CJ, IX, tomo I, pág. 174 segs., citado pela Autora, e de 25-09-2003, proferido no processo n.º 03B2202, e disponível em www.dgsi.pt.
[13] Cfr. Acórdão STJ, de 16-03-2010, Revista n.º 97/2002.L1.S1 - 1.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt.